Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0855/17
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
INTIMAÇÃO
Sumário:Não deve admitir-se recurso de revista de acórdão de decisão do TCA que se mostra fundamentada, através de um discurso jurídico plausível, cujos efeitos jurídicos não extravasam o âmbito do litígio, relativamente a um único interessado e no âmbito de legislação que já não está em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P22207
Nº do Documento:SA1201709140855
Data de Entrada:07/10/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:MSAUD E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………., interveniente principal no processo de INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS intentado por B…………. e outros contra O MINISTÉRIO DA SAÚDE, A ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE IP, sendo contra-interessada a ORDEM DOS MÉDICOS, recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 18 de Maio de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF, que por seu turno julgou a acção improcedente.

1.2. Fundamenta a admissão da revista por entender que as questões objecto do recurso têm importância jurídica e social fundamental, dado que os autores e o interveniente – ora recorrente – integram um grupo de médicos que, em Portugal, pela primeira vez em muitas décadas, ficaram impedidos de aceder a uma formação especializada, apesar de serem titulares de um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, cuja duração é garantida até terminarem a formação especializada que, afinal lhes foi negada. Mais entende que se mostra necessária a intervenção deste STA com vista a uma melhor aplicação do direito.

1.3. O Ministério da Saúde e a Administração Central do Sistema de Saúde I.P. (ACSS) pugnam pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O recorrente termina o corpo da motivação do recurso nos seguintes termos:

Assim, há que concluir pela procedência da presente intimação com a condenação da Administração na abertura de vagas de especialidade para os AA e o Interveniente, de entre aquelas que se encontrem disponíveis com idoneidade, pelo que assim, se não mostra afectado o espaço de valoração própria da Administração, uma vez que, a partir do próximo dia 1 de Julho, se encontrarão disponíveis cerca de 88 vagas de especialidade que já se mostram reconhecidas como idóneas”.

3.3. A pretensão dos autores e do ora recorrente foi indeferida na primeira instância e no TCA Sul. Neste acórdão, depois de expor o regime legal aplicável resumiu as posições dos autores e interveniente principal (ora recorrente): “Ambas as posições - diz o acórdão – assumem como princípio, ainda que com argumentos não integralmente coincidentes, que tendo os recorrentes sido admitidos ao internato médico em janeiro de 2015 (no âmbito do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 96029/2014), e frequentado o respectivo ano comum, deviam ter sido abertas para a formação específica do internato médico na área da especialidade um número de vagas igual ao número de candidatos que foram admitidos no internato médico, por forma a assegurar-se que todos e cada um deles, incluindo os recorrentes, podiam aceder à fase de formação na especialidade.”.

O Acórdão recorrido deu resposta negativa à pretensão dos autores por ter concluído que o número de vagas a fixar para cada área de especialidade do internato médico haverá de resultar da conjunta avaliação pelas entidades administrativas competentes quanto (i) às necessidades provisionais de médicos especializados em cada área profissional e (ii) à idoneidade e capacidade formativas dos estabelecimentos e serviços de saúde. Ora, adiantou o acórdão recorrido, “sejam quanto a um, seja quanto a outro, possui a Administração um espaço de valoração própria, em todos aqueles aspectos que não sejam vinculados”.

Por outro lado, entendeu o Acórdão recorrido que aos recorrentes não lhes assiste o direito a obterem sem mais a colocação na fase de formação específica do internato médico, uma vez que esta colocação depende de existirem vagas por preencher, de entre as vagas abertas para o efeito.

Ponderou ainda o Acórdão a possibilidade do Tribunal determinar a abertura de vagas extraordinárias, concluindo que tal não era consentido pelo quadro normativo decorrente do regime do internato médico constante do Dec. Lei 103/2004, de 18 de Agosto e da Portaria 251/2011, de 24 de Junho. E também afastou a hipótese de ter havido erro na fixação das vagas para a fase de formação específica e serviços de saúde idóneos.

Terminando por reafirmar que “se não se impunha à Administração, nos termos vistos, a fixação de vagas para a fase de formação específica (especialidade) do internato médico, em número que contemplasse todos os médicos, tem de concluir-se que não lhes assiste o direito à abertura de vagas para formação específica (especialidade) com vista a nelas serem colocados”.

3.4. Através do presente recurso pretende o recorrente que dos factos provados (a.dd) constava que em Maio de 2015, 76 médicos internos mudaram de especialidade, não tendo as vagas em que os mesmos estavam colocados sido disponibilizadas no mapa de vagas em que os mesmos estavam colocados no mapa de vagas do concurso IM-2015-A, publicado em 24-11-2015 e que, portanto, a ACSS não teve em consideração todas as idoneidades e capacidade formativas que existiam disponíveis, tendo em consequência fixado erradamente o número de vagas da especialidade.

Alega ainda a existência de um princípio decorrente do disposto nos artigos 2º, 4º e 13º, n.º 4 do Dec. Lei 202/2004, bem como dos artigos 2º, n.º 2 e 4, 38º, n.º 2, 39º, n.º 4 e 45º, n.º 1 da Portaria 251/2011, segundo o qual a todos os médicos que concluem o seu ano comum deve ser assegurado o prosseguimento para a fase da especialidade, princípio que se traduz em “fixar um número de vagas igual ao número de candidatos” e que sempre foi respeitado, designadamente nos anos de 2012 e 2013, em que foram disponibilizadas vagas em número superior às constantes dos mapas enviados pela OM e pelo CNIM.

Não tendo o mapa das vagas da especialidade sido publicado no momento da publicação do aviso de abertura do concurso, os candidatos mantiveram a sua confiança no sentido de que, tal como em todos os anos anteriores, tal mapa de vagas iria disponibilizar um numero de vagas igual ao número de candidatos, pelo que todos obteriam a colocação, independentemente da nota que viessem a obter na referida prova.

Os requeridos aplicaram aos candidatos do IM 2015-A o disposto no art. 35º, n.º 7 do Dec. Lei 86/2015, tendo assim os autores e o interveniente (ora recorrente) sido afectados por uma alteração legislativa com a qual não podiam razoavelmente contar no momento em que se candidataram.

Ao terem disponibilizado para o IM-2015-A, cujo ano já estava em curso, um número de vagas de especialidade inferior ao número de candidatos os requeridos aplicaram aos autores e interveniente o disposto no art. 35º, 7 do Dec. Lei 86/2015, interpretando-o no sentido de abranger os mesmos violaram – com tal interpretação – o direito à escolha e ao exercício da profissão consagrado no art. 47º da CRP e do princípio da confiança, ínsito ao estado de direito democrático consagrado no art. 2º da CRP.

Terminam a motivação do recurso concluindo que se mostra plenamente admissível a condenação dos réus a abertura de vagas peticionadas, sem que tal afecte o espaço de valoração próprio, uma vez que tal como em 2015, continua a verificar-se actualmente a existência de vagas com idoneidade reconhecida, resultantes do concurso IM 2017, que irão ficar desocupadas a partir de 1 de Julho de 2017, na sequência da mudança da especialidade de cerca de 88 médicos, assim permitindo a sua disponibilização para colocação dos autores.

3.5. O presente recurso foi interposto apenas pelo interveniente principal o que significa que a sua eventual procedência apenas tem consequência no seu caso (art. 634º do CPC). Deste modo a relevância social das questões colocadas não existe.

Por outro lado a pretensão de serem criadas vagas no âmbito do concurso ora em causa IM-2015-A, não tem projecção no futuro, face à alteração da legislação sobre o regime do internato médio em Portugal, operada através do Decreto-Lei n.º 86/2015 de 21 de Maio. Ora, no art. 35º, n.º 7 desse Decreto-lei é claramente afastada a regra invocada como decorrente de um princípio até aí acolhido e segundo o qual havia a obrigatoriedade de fixar um número de vagas na especialidade igual ao número de candidatos:

7 — Aos médicos internos que iniciem o respetivo internato médico após a entrada em vigor do presente decreto-lei e que se encontrem abrangidos pela frequência do ano comum, prevista no n.º 3, é reconhecido o exercício autónomo da medicina com a conclusão daquele ano com aproveitamento, ficando sujeitos, para efeitos de acesso à formação especializada, às capacidades formativas que venham a ser reconhecidas para o efeito”.

Do exposto decorre que a questão suscitada pelo recorrente – e que assenta na alegada existência de um princípio jurídico que já não está em vigor – perde importância jurídica fundamental, na medida em que apenas tem interesse para questões do passado.

Sem importância jurídica ou social fundamental o presente recurso poderia ainda ser admitido com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito, caso o acórdão recorrido evidenciasse erros manifestos ou apontasse para soluções arbitrárias. Mas também não é o caso. O acórdão abordou as questões através de um discurso jurídico fundamentado e plausível, quando negou existir no direito então vigente o direito a que fossem criadas vagas em número igual ao dos candidatos e quando entendeu que a criação das vagas se encontrava no âmbito dos espaços próprios da valoração administrativa. Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade, a mesma nas condições acima referidas não justifica a admissibilidade da revista, tanto mais que o recorrente, para acesso ao Tribunal Constitucional não carece da intervenção do STA em recurso de Revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Sem custas - art. 2, b) do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 14 de Setembro de 2017. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.