Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01431/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:O prazo para apresentar impugnação da liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença, conta-se, nos termos do artigo 102º 1 a) do CPPT, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
Nº Convencional:JSTA000P23366
Nº do Documento:SA22018053001431
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:EDP-ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. EDP – Energias de Portugal, S.A., impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de Lisboa, o ato de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional n.º 2015 8510039567 de IRC e juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2011, no valor de € 15.064.363,21, peticionando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a anulação parcial da liquidação adicional.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 28/09/2017, julgou improcedente a impugnação judicial.
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1.3. É dessa decisão que a impugnante interpõe o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, terminando as alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«A. Para o que aqui releva, a ora Recorrente havia tempestivamente efectuado a competente autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 da qual havia resultado imposto a reembolsar. Na sequência da inspecção a esse exercício, a AT emitiu uma liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativamente ao exercício de 2011 da qual resultou um reembolso de IRC inferior ao que havia sido apurado na autoliquidação.
B. Consequentemente, foi emitida uma demonstração de acerto de contas da qual resultou a pagar a diferença entre o montante que havia sido reembolsado na sequência da autoliquidação e o montante a reembolsar na sequência da liquidação adicional.
C. A ora Recorrente apresentou reclamação graciosa no prazo de 120 dias contados da data limite de pagamento que constava da demonstração de acerto de contas.
D. A reclamação graciosa foi liminarmente indeferida por intempestividade, tendo a ora Recorrente impugnado judicialmente esta decisão.
E. O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra o indeferimento, por intempestividade, da reclamação graciosa que havia intentado contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2011, por considerar que o prazo de 120 dias para apresentar a reclamação devia ter sido contado da notificação da liquidação adicional e não da data limite de pagamento.
F. Em suma, o Tribunal a quo considerou que o termo inicial de contagem do prazo de apresentação da reclamação graciosa é o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT e não o previsto na alínea a) da mesma norma.
G. A sentença recorrida sustenta a bondade da sua tese na diferente natureza do acto de liquidação e do acto de acerto de contas, considerando que o primeiro consubstancia já um acto lesivo e que no segundo acto não há lugar a um verdadeiro pagamento de imposto liquidado, mas apenas a um ajustamento do montante que havia sido inicialmente reembolsado.
H. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, como irá ser demonstrado.
I. A alínea b) do número 1 do artigo 102.º na qual a sentença recorrida se fundamenta para julgar a impugnação improcedente, foi criada e existe para estabelecer a data do dies a quo de contagem do prazo de reclamação e impugnação nas situações de fixação do rendimento tributável em IRS ou da matéria colectável em IRC, das quais não resulte imposto a pagar.
J. A tese da sentença recorrida, que procura separar o documento da liquidação do documento de acerto de contas, considerando que têm “diferente natureza”, é errada.
K. Em primeiro lugar, porque a distinção entre o documento de demonstração da liquidação de IRC e o documento da demonstração de acerto de contas é meramente de forma, pois não existe qualquer impedimento legal a que o acerto de contas (que contem a indicação do montante a pagar, respectivo prazo e referências de pagamento), conste do próprio documento da demonstração da liquidação.
L. Depois, porque como mais detalhadamente exposto na fundamentação, a tese da sentença recorrida leva a consequências ilógicas e sem sentido. O documento de demonstração da liquidação de IRC deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas. E se resulta imposto a pagar, então o prazo conta-se, no caso do IRC, a partir do fim do prazo de pagamento do imposto.
M. A sentença recorrida labora também em erro ao corroborar a tese que defende no acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 0621/08 porque aquele acórdão recai sobre uma situação manifestamente diferente daquela que está na base do caso sub judice.
N. Com efeito, ao contrário da situação dos autos, no caso julgado pelo Supremo tratava-se da impugnação da primeira liquidação efectuada (ou seja não tinha havido autoliquidação anterior), liquidação essa da qual resultou um montante de imposto a reembolsar ao contribuinte, tendo este contado o prazo para apresentar a impugnação a partir da data em que terminava o prazo para ser efectuado o reembolso e pretendendo aplicar a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT por analogia.
O. Nestas situações, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que o prazo de impugnação conta-se da notificação da liquidação, uma vez que não há qualquer imposto a pagar.
P. Diferentemente, na situação sub judice estamos perante uma segunda liquidação, uma liquidação adicional, da qual — quer se queira, quer não — resultou efectivamente imposto a pagar pela ora Recorrente.
Q. É, pois, patente que a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, errou na determinação da norma aplicável. Com efeito, no caso dos autos a norma aplicável é o artigo 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT e não a alínea b) do mesmo dispositivo, como fez a sentença recorrida, devendo, em consequência a mesma ser anulada, com as demais consequências legais.
R. Acresce que a interpretação defendida pela Recorrente é também a que se compagina com a mais recente jurisprudência sobre casos idênticos (cfr. acórdãos arbitrais de 20 de Março de 2017 e de 3 de Maio de 2017, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 405/2016-T e 687/2016-T).
S. A distinção artificiosa e facciosa pro fisco pretendida pela sentença recorrida entre as situações em que da liquidação adicional resulta directamente o imposto a pagar, das situações em que o imposto a pagar resulta de um documento autónomo, ainda que simultâneo, para o qual remete o primeiro, carece, por completo, de fundamento legal e viola os princípios da confiança, pro actione e in dubio pro favoritate instanciae.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a sentença recorrida, com as demais consequências legais, designadamente, o prosseguimento da impugnação para conhecimento do mérito, pois só assim se fará a costumada Justiça!».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«Recurso interposto por EDP-Energias de Portugal, SA, sendo recorrido o representante da Fazenda Pública:
Está em causa decidir qual o termo inicial a considerar para efeitos de impugnação judicial apresentada: se o constante da al. a) ou b) do n.º 1 do art. 102.º do C.P.P.T.:
No caso foi apresentada reclamação graciosa quanto a liquidação adicional de IRC., sendo aplicável o dito art. 102.º por força do art. 70.º n.º 1 do C.P.P.T.,
Ora, verificando-se que a referida reclamação graciosa veio a ser apresentada no prazo de 120 dias, contado da liquidação de imposto de que veio a ser efetuada na sequência de inspeção a que se procedeu e que, tendo sido obtido reembolso de imposto, veio a ser efetuada compensação e acerto de contas com valor recebido, resultando quantia a pagar até 15-2-2016, sendo a mesma neste dia paga.
Ora, tendo a reclamação graciosa sido apresentada a 14-6-2016, resulta a mesma dentro do prazo a aplicar-se, como parece, a al. a) do referido n.º 1 do art. 102.º e oportuna a impugnação apresentada ainda dentro do prazo previsto no seu n.º 2.
Com efeito, e de acordo com parecer já emitido em 1.ª instância, a referida quantia não pode deixar de ser considerada uma “prestação tributária”, sendo que nesta são de englobar as resultantes de mero ato de cobrança, conforme opina Freitas da Rocha, citado pela recorrente.
A situação não é ainda de enquadrar na al. b) do dito art. 102.º o qual é residual e apenas de aplicar quanto a “restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação”.
Concluindo:
O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido e mandar baixar os autos, a fim de que se conheça da demais matéria da impugnação, uma vez fixada a pertinente matéria de facto.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) A Impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), cujo perímetro abrange 27 sociedades dominadas (adiante Grupo EDP).
(Cfr. pág. 8/31 do RIT, junto como Documento 4 à PI).
B) A Impugnante procedeu à autoliquidação de IRC do Grupo EDP, do qual resultou um montante a reembolsar de € 24.791.875,49.
(Cfr. Liquidação n.º 20148510034170, correspondente ao Documento 7 junto à PI).
C) Foi efetuado o reembolso a favor da lmpugnante, no valor de €24.791.875,49. (Cfr. documento 3 junto à P1).
D) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201500140, de 13 de maio de 2015, emitida pela Unidade de Grandes Contribuintes, realizou-se um procedimento de inspeção externa, relativo à aplicação do RETGS, em sede de IRC, ao Grupo EDP, referente ao período de 2011.
(Cfr. pág. 6/31 do RIT, junto como Documento 4 à PI).
E) Em 09/10/2014, através do Ofício n.º 3435, de 09/10/2014, a Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção T na sequência do qual exerceu o seu direito de audição prévia.
(Cfr. Documentos 9 e 10 juntos à PI).
F) Em 03/12/2015, foi entregue, em mão, à Impugnante, o Ofício n.º 3802, de 02/12/2015, correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária.
(Cfr. Documento 4 junto à P1, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
G) Em 03/12/2015, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 20158510039567, resultando valor a reembolsar de €15.064.363,21, bem como a liquidação e juros compensatórios n.º 201500002371528, no montante de €66.005,95.
(Cfr. Documento 2 junto à PI).
H) Em 17/12/2015, foi emitida a demonstração de acerto de contas – com Número de Compensação 2015 00024517062 – resultando um saldo apurado a pagar de € 9.727.512,23, com data limite de pagamento em 15/02/2016.
(Cfr. Documento 3 junto à PI).
I) Em 22/12/2015, a Impugnante tomou conhecimento da liquidação adicional de IRC identificada em G) supra.
(Cfr. ponto 16 da Informação anexa ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa, junto como Documento 6 à PI).
J) Em 15/02/2016, a Impugnante procedeu ao pagamento do montante de €9.727.512,28.
(Cfr. certificação de pagamento no Documento 3 junto à PI).
K) Em 14/06/2016, deu entrada na Direção da Unidade de Grandes Contribuintes, a reclamação graciosa n.º 3085201604005155, apresentada pela Impugnante, contra a liquidação de IRC e contra a liquidação de juros compensatórios, descritas em G) supra.
(Cfr. Documento 5 junto à PI).
L) Em 29/06/2016, a Impugnante foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, que, na parte com interesse para a causa, aqui se transcreve:
“(...)
11. Consabido, conforme resulta do seu regime legal, a reclamação graciosa incide sobre atos tributários stricto sensu – i.e. sobre atos de liquidação.
12. No presente caso estamos diante de um ato tributário não de “autoliquidação” mas sim de “liquidação adicional” em resultado de uma avaliação direta efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, o que desde logo os remete para o preceituado no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, fixando-se, nestas circunstâncias, um prazo máximo de 120 dias.
13. Por sua vez, agora no que tange ao dies a quo, importa-nos o artigo 102.º do CPPT, onde, na alínea b) do seu n.º 1, é estatuído que, nos casos em que a “liquidação” não configure imposto a pagar, a contagem inicia-se após a respetiva notificação.
14. Em nosso entender, ao tratar-se de uma “liquidação adicional” onde, por sinal, não resulta qualquer imposto a pagar, é este ato, ele próprio, ao estabelecer o quantum de imposto, que se toma lesivo, ao definir de forma diversa da “autoliquidação” a situação tributária do contribuinte para um determinado exercício
(...).
16. Ao invés, o ato administrativo de acerto de contas não é mais do que uma mera corporalização do apurado, não sendo o ato verdadeiramente lesivo dos interesses do Contribuinte, aqui Reclamante.
Assim,
16. Tendo em conta que, por um lado, o ato em crise diz diretamente respeito à “liquidação” e não ao posterior “acerto de contas”, e que, por outro, a Contribuinte, ora Reclamante, foi notificada daquela no dia 22 de dezembro de 2015, conforme disposto no n.º 7 do artigo 39.º do CPPT, é esta, portanto, a data relevante para o início da contagem do prazo para interposição de reclamação graciosa nos termos da alínea b) do artigo 102.º do mesmo diploma, sendo que o seu terminus veio a ocorrer em 20 de abril de 2016.
Analisados os devidos pressupostos legais, somos, nos termos expostos, a entender pela rejeição liminar do pedido (...)”.
(Cfr. Documento 6 junto à PI, que se dá por integralmente reproduzido).
M) Em 14/07/2016, a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia. (Cfr. Documento 6-A junto à PI).
N) Em 04/08/2016, a Impugnante foi notificada da decisão final da reclamação graciosa, onde se concluiu, em síntese:
“Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçam o nosso anterior “Projeto de Decisão” somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
§ II DA CONCLUSÃO
Analisados os devidos pressupostos legais, somos, nos termos expostos, a entender pela rejeição liminar do pedido ora formulado nos autos, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 109.º do CPA ex vi al. d) do artigo 2.º do CPPT, promovendo-se em consequência, o arquivamento do mesmo (...)”
(Cfr. Documento 1 junto à PI, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
O) A presente Impugnação Judicial deu entrada neste Tribunal através de correio registado, datado de 04/11/2016
(Cfr. nota de registo postal junto aos autos).».
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3.1. Resulta dos autos que a recorrente efetuou autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 da qual resultou imposto a reembolsar.
Que, na sequência de inspeção a esse exercício, a AT emitiu uma liquidação adicional de IRC e juros compensatórios referentemente ao mesmo exercício de 2011 da qual resultou um reembolso de IRC inferior ao que tinha sido apurado na autoliquidação.
Que, por isso, foi emitida uma demonstração de acerto de contas da qual resultou a pagar a diferença entre o montante que havia sido reembolsado na sequência da autoliquidação e o montante a reembolsar na sequência da liquidação adicional.
Que a recorrente apresentou reclamação graciosa no prazo de 120 dias contados da data limite de pagamento que constava da demonstração de acerto de contas.
Que a reclamação graciosa foi liminarmente indeferida por intempestividade, tendo a ora Recorrente impugnado judicialmente esta decisão.
Que a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra o indeferimento, por intempestividade, da reclamação graciosa que havia intentado contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2011, entendendo que o prazo de 120 dias para apresentar a reclamação devia ter sido contado da notificação da liquidação adicional e não da data limite de pagamento.
A questão controvertida consiste em determinar se o termo inicial de contagem do prazo de apresentação da reclamação graciosa é o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, como defende a FP e a sentença recorrida, ou o da alínea a) do mesmo preceito legal, conforme sustenta a recorrente com a concordância do MP na 1ª instância e neste STA.
Entendeu a sentença recorrida que têm diferente natureza jurídica o ato de liquidação e o ato de acerto de contas pois que o primeiro consubstancia já um ato lesivo e que no segundo ato não há lugar a um verdadeiro pagamento de imposto liquidado, mas apenas a um ajustamento do montante que havia sido inicialmente reembolsado.
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3.2. Importa, por isso, determinar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento como defende a recorrente.
Estabelece o n.º 1 do artigo 68.º do CPPT que “o procedimento de reclamação visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte”.
São atos tributários, como na sentença recorrida se escreveu, os atos de liquidação stricto sensu.
Do n.º 1 do artigo 70.º do CPPT resulta que “a reclamação pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º”.
Acrescenta este artigo que o prazo se conta a partir dos factos seguintes:
a) “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;”.
A questão controvertida implica que se averigue se a alínea b) do número 1 do artigo 102.º estabelecer o início da data ou o dies a quo de contagem do prazo de reclamação e impugnação nas situações de fixação do rendimento tributável em IRS ou da matéria coletável em IRC, das quais não resulte imposto a pagar ou, ainda, do documento de acerto de contas e se este documento tem autonomia relativamente ao documento da liquidação.
Estando em causa, na situação concreta dos presentes autos, uma liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença imporá determinar se o prazo para impugnar, nos termos do artigo 102º 1 do CPPT, é o da alínea a), conforme defende a recorrente, ou da alínea b) como entendeu a sentença recorrida.
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3.3. Sustenta a recorrente que a distinção entre o documento de demonstração da liquidação de IRC e o documento da demonstração de acerto de contas é meramente de forma, pois não existe qualquer impedimento legal a que o acerto de contas, que contem a indicação do montante a pagar, respetivo prazo e referências de pagamento, conste do próprio documento da demonstração da liquidação.
Concorda-se com tal afirmação e acompanha-se, ainda, a recorrente quando refere que a opção da AT de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar pelo que não se trata de atos de diferente natureza.
Acrescenta a recorrente que a tese da sentença recorrida leva a consequências ilógicas e sem sentido pois que o documento de demonstração da liquidação de IRC deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas pelo que se resulta imposto a pagar, então o prazo conta-se, no caso do IRC, a partir do fim do prazo de pagamento do imposto.
Resultando imposto a pagar, por força da indicada liquidação adicional, não se descortina justificação para decompor tal liquidação adicional num denominado documento de demonstração da liquidação de IRC e num denominado documento da demonstração de acerto de contas.
Não se acompanha tal artificial separação que não encontra suporte ou justificação legal.
Entende-se, por isso, que o prazo para apresentar impugnação da liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença se conta a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
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3.4. Acompanha-se a recorrente quando afirma que o acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Setembro de 2008, processo n.º 0621/08, recaiu sobre uma situação diferente da dos presentes autos.
Estava neste acórdão em causa a impugnação da primeira liquidação efetuada, onde não tinha havido autoliquidação anterior resultando de tal liquidação um montante de imposto a reembolsar ao contribuinte.
Contava o contribuinte o prazo, para apresentar a impugnação, a partir da data em que terminava o prazo para ser efetuado o reembolso pelo que pretendia aplicar a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT por analogia.
Estamos perante situação diversa que não podia merecer o mesmo tratamento.
Do exposto resulta que a sentença recorrida errou na determinação da norma aplicável pois que ao caso dos autos a norma aplicável é o artigo 102.º, n.º 1, al. a), do CPPT e não a alínea b) do mesmo preceito pelo que a sentença recorrida não pode manter-se.
Merece, por isso, o presente recurso provimento com a consequente revogação da sentença recorrida prosseguido a impugnação para conhecimento da impugnação se a tal nada obstar.
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3.5. Torna-se desnecessário apreciar a questão, por ficar prejudicada, constante do pedido subsidiário, da invocada inconstitucionalidade material do artigo 102º 1 b) do CPPT nos termos da interpretação defendida na sentença recorrida.
Com efeito sustentava a recorrente que a “distinção artificiosa e facciosa pro fisco pretendida pela sentença recorrida entre as situações em que da liquidação adicional resulta directamente o imposto a pagar, das situações em que o imposto a pagar resulta de um documento autónomo, ainda que simultâneo, para o qual remete o primeiro, carece, por completo, de fundamento legal e viola os princípios da confiança, pro actione e in dubio pro favoritate instanciae.”.
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3.6. Como refere a sentença recorrida a Impugnante e o Representante da Fazenda Pública requereram, nos respetivos articulados, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Afirmou, ainda, a sentença recorrida que o Tribunal Constitucional tem vindo, de forma reiterada, a declarar a inconstitucionalidade do regime das custas definido em função do valor da ação “sem qualquer limite máximo ao montante das custas, sempre que não se permita ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º2, segunda parte, da Constituição” (cfr., entre outros, Acórdãos do T Constitucional n.ºs 604/2013, de 24/09/2013, 227/2007, de 28/03/2007, 471/2007, de 25/09/2007, 116/2008, de 20/02/2008 e Acórdão do STA de 26/04/2012, processo n.º 0768/11).
Acrescentou, ainda, que atenta a interpretação feita pelo Tribunal Constitucional, e considerando, além do mais, a reduzida complexidade da causa, que se parametrizou na apreciação de uma questão, obstando ao prosseguimento dos autos, e, bem assim, a adequada conduta processual das partes, dispenso o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A revogação da sentença implica que se reformule a condenação em custas tendo, contudo, em consideração o pedido de dispensa do remanescente.
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O prazo para apresentar impugnação da liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença, conta-se, nos termos do artigo 102º 1 a) do CPPT, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida para que a impugnação prossiga se a tal nada obstar.
Custas pela FP na 1ª instância e neste STA, aqui sem taxa de justiça, por não ter apresentado alegações, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias.

Lisboa, 30 de maio de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.