Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0829/17
Data do Acordão:11/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:A taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo do tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência.
Nº Convencional:JSTA000P22472
Nº do Documento:SA2201711080829
Data de Entrada:07/06/2017
Recorrente:A..........., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Documento processado em computador)
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel
. de 02 de Maio de 2017


Julgou a impugnação improcedente.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….., S.A., veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 364/12.3BEPNF, por si instaurado, contra os actos de autoliquidação mensais da taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), no valor de €32.360,03, do mês de maio de 2016, paga em 04/08/2016, no valor de €32.360,03, do mês de junho de 2016, paga em 08/09/2016 e no valor de €27.929,33, do mês de julho de 2016, paga em 07/10/2016, apenas pelo montante de €26.174,41, no total de €90.894,47, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:


1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, e que, salvo o devido respeito, não poderá ser mantida.

2. A sentença proferida é contraditória relativamente a outras sentenças proferidas pelo mesmo Tribunal quanto à mesma questão de direito, nas quais foram os pedidos formulados julgados totalmente procedentes e, consequentemente, anuladas as liquidações das taxas impugnadas e restituídos os montantes pagos.

3. A criação do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” (SIRCA) teve em vista, na sequência dos diplomas legais que interditaram que fossem enterrados animais mortos nas exploração das espécies bovina, ovina, caprina e suína, assegurar a recolha daqueles animais nas explorações com vista à sua eliminação e de forma a salvaguardar a segurança alimentar, a saúde pública e a protecção do ambiente.

4. Desta forma, a SIRCA consistia, nos termos Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro, num serviço prestado a quem apresentasse os animais para abate, isto é, aos titulares de explorações que se dedicam à pecuária pelo que, consequentemente, era também sobre estes que, naturalmente, recaía a obrigação de proceder ao pagamento do respectivo serviço por via de uma taxa, cobrada através dos estabelecimentos de abate apenas por uma questão de eficácia na cobrança da taxa.

5. O Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações visava, como é comum num estado de direito, que apenas os beneficiários do sistema – produtores de gado – contribuíssem para o seu próprio financiamento, mediante o pagamento de uma taxa.

6. Sucede que, o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, veio revogar o previsto no Decreto - Lei 244/2003 no que respeita ao regime de financiamento, tendo sido radicalmente alterado o paradigma da responsabilidade pelo pagamento da taxa devida, o qual passou a recair sobre quem dela não retira qualquer benefício: os estabelecimentos de abate.

7. O legislador transformou a taxa em causa num verdadeiro imposto, porquanto, conforme resulta demonstrado, os beneficiários do SIRCA são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os estabelecimentos de abate.

8. Neste sentido, há já jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que são os titulares da exploração, e não os estabelecimentos de abate, aqueles que beneficiam da existência e funcionamento do "SIRCA", pelo que devem ser os titulares das explorações/detentores dos animais os responsáveis pelo encargo de contribuir para o financiamento de tal sistema.

9. Acresce que, a “Taxa TSAM” nada tem que ver com a “Taxa SIRCA”, cujos pressupostos e finalidade se afiguram totalmente distintos daquela taxa.

10. No caso da “Taxa TSAM", o valor da taxa paga pelos estabelecimentos comercias sobre os quais a mesma incide, é visto como uma contrapartida da segurança e de qualidade alimentar que os próprios titulares desses estabelecimentos têm que garantir no tocante aos produtos que comercializam e que aquele aquela contribuição lhes vai proporcionar e, portanto, existe em seu próprio benefício.

11. A recorrente assume-se como uma mera prestadora de serviços, cuja actividade se dirige essencialmente à prestação de serviços de abate de animais a terceiros – os apresentantes dos animais, esses sim, verdadeiros beneficiários do sistema em questão – o que a distingue daqueles que são produtores, distribuidores ou comerciantes de géneros alimentícios, nomeadamente de origem animal, e que, nessa medida, beneficiam da garantia de segurança e qualidade alimentar desses produtos resultante da actividade a que tais contribuições se destinam.

12. Mais se diga que os beneficiários da recolha dos animais mortos são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os matadouros, uma vez que a ausência de qualquer infecção permite que os produtores e apresentantes dos animais os possam comercializar. Contrariamente, infectados ou não, os matadouros procedem sempre ao seu serviço, a única diferença é que o animal enfermo não entra no circuito comercial com directo prejuízo para o apresentante do animal e não para o matadouro, que cobra sempre o seu serviço de abate.

13. Diversamente, do que sucede na Taxa de Segurança Alimentar Mais, em que o diploma procurou assegurar uma equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que vários operadores da cadeia alimentar são beneficiários, na Taxa SIRCA, estranhamente, a taxa é cobrada apenas aos matadouros, em clara violação do princípio do “utilizador pagador”.

14. Nos termos do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, e do n.º 3 da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho, a Taxa de Segurança Alimentar Mais abrange sociedades comerciais com lojas de grande dimensão, propriedade de grandes grupos económicos, como por exemplo a “………” ou “…………”, que podem facilmente incorporar a TSAM nos seus custos.

15. Ao contrário do que sucede com os estabelecimentos de abate que são incapazes de suportar taxas estranhas a sua actividade específica, comprometendo a sua sobrevivência, o que originará um número elevado de desempregados.

16. O facto de os titulares de explorações que tenham capacidade de recolha, transporte e destruição ficarem isentos da taxa de financiamento do SIRCA demonstra igualmente, de forma inequívoca, como os únicos beneficiários daqueles serviços são os titulares de explorações que não procedam directamente à recolha e transporte de cadáveres e, por isso mesmo, têm que recorrer aos serviços do Estado, suportando, por isso, o pagamento da respectiva contrapartida monetária.

17. Existem outras taxas impostas aos matadouros em que há efectivamente uma contrapartida específica, e em que estes, por isso, enquanto beneficiários da actividade desenvolvida, pagam as respectivas taxas sanitárias e taxas de controlo oficial, o que lhes permite a prossecução da actividade industrial e comercial a que se dedicam.

18. A taxa devida pelo financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), quando imposta aos estabelecimentos de abate, consubstancia um imposto e não uma taxa ou qualquer outra contribuição financeira.

19. Com efeito, atentas as características reconhecidas à taxa enquanto tributo, conclui-se que não estamos, in casu, perante a liquidação de qualquer taxa, porquanto a quantia exigida à ora Impugnante não é devida por qualquer prestação de um serviço público, pela utilização de um bem do domínio público, nem pela remoção de um obstáculo jurídico.

20. Na verdade, para que a SIRCA fosse susceptível de continuar a ser qualificada como uma taxa teria que ser possível identificar um vínculo de correspectividade entre o pagamento da mesma e a prestação efectuada pelo Estado. Ora, se essa sinalagmaticidade existia enquanto a SIRCA era cobrada àqueles que dela beneficiavam (os detentores de animais), desapareceu a partir do momento em que com o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, passaram os estabelecimentos de abate de animais a figurar como seus sujeitos passivos.

21. Destarte, para que o montante cobrado seja uma taxa, a mesma terá, necessariamente, que incidir sobre os titulares de explorações (os beneficiários) e não sobre os estabelecimentos de abate (terceiros), pelo podemos afirmar que estamos perante um verdadeiro imposto e não qualquer taxa.

22. De resto, na senda da Recomendação N.º5 /B/ 2013 da Provedoria de Justiça, o novel Decreto – Lei n.º 33/2017 regressa ao anterior paradigma, isto é, identifica como o sujeito passivo da taxa os detentores dos animais nas explorações, na justa medida em que são beneficiários directos do SIRCA, sendo, consequentemente, a quem incumbe o encargo.

23. É então, mister afirmar que as liquidações impugnadas são ilegais, na justa medida em que violam o disposto no n.º 2 do artigo 4.º da LGT.

24. Ora, ao tratar-se de um imposto, acontece que os impostos obedecem ao princípio da legalidade tributária, consagrado no n.º 2, do artigo 103.º, da CRP, de acordo com o qual, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”

25. A criação de impostos é da exclusiva competência legislativa reservada da Assembleia da República, pelo que a lei a que se refere o referido n.º 2 do artigo 103.º da CRP é, em princípio, uma lei da AR, só podendo tratar-se de Decreto-Lei quando houver uma autorização concedida ao Governo.

26. Sucede que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro foi aprovado nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da CRP, ou seja, como se a matéria em causa fosse de competência não reservada da Assembleia da República, pelo que são organicamente inconstitucionais as normas constantes do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, designadamente o seu artigo 2.º, n.º 1, na medida em que procede à criação de um imposto sobre os estabelecimentos de abate em desrespeito pelos supramencionados comandos constitucionais.

27. Isto posto, a Constituição reconhece aos cidadãos o direito a não procederem ao pagamento dos impostos, não só no caso de os mesmos terem sido criados de forma inconstitucional, ou seja, quando não foram criados pela Assembleia da República, ou mediante autorização desta, mas igualmente quando a sua liquidação e cobrança não sejam feitas “nas formas prescritas na lei”.

28. Pelo que, em face de tudo o exposto são ilegais os actos de liquidação da denominada “Taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” que a Recorrente liquidou à Recorrida, no montante de €37.326,33. (trinta se sete mil trezentos e vinte e seis euros e trinta e três cêntimos), razão pela qual não pode ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo a acção julgada procedente e, em consequência, declarados nulos ou anulados os actos de autoliquidação da denominada “Taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações”, que a Recorrente liquidou à Recorrida, no montante de €37.326,33 (trinta se sete mil trezentos e vinte e seis euros e trinta e três cêntimos), com a consequente devolução de tal montante.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, indicando que:«o mecanismo da repercussão tributária é possível em sede de taxas, motivo pelo qual o facto de os estabelecimentos de abate serem sujeitos passivo da taxa SIRCA criada pelo diploma supra citado, não transmuta a sua natureza para imposto, pelo que as taxas autoliquidadas pela impugnante não padecem do vício de inconstitucionalidade orgânica que esta última lhes assaca. ».

Não foram apresentadas contra-alegações.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. A impugnante no exercício da sua atividade e em cumprimento do DL 19/2011, de 7 de Fevereiro, procedeu às autoliquidações da denominada taxa SIRCA dos meses de Maio, Junho e Julho de 2016, em 32/05/2016, 30/06/2016 e 31/07/2016, nos montantes de €32.360,03, €32.360,03 e €27.929,33 (fls. 14 e seguintes).

B. Em Julho de 2016, a impugnante apurou que a taxa referente ao mês de junho de 2016 tinha sido liquidada em excesso, porquanto a taxa efetivamente devida era de €30.605,11 e não de €32.360,03, conforme foi erradamente liquidado e pago (fls. 14 e seguintes).

C. A impugnante procedeu à correção da Declaração Mensal da Taxa SIRCA do mês de Junho, enviando a declaração corrigida juntamente com a declaração do mês de Julho (fls. 14 e seguintes).

D. A impugnante pagou ao IFAP as liquidações impugnadas, tendo pago (fls. 14 e seguintes):

D.1) €32.360,03, do mês de Maio de 2016, em 04/08/2016;

D.2) €32.360,03, do mês de Junho de 2016, em 08/09/2016; e

D.3) €27.929,33, do mês de Julho, em 07/10/2016, tendo entregue apenas o montante de €26.174,41, tendo os restantes €1.754,92, sido compensados com o montante pago em excesso em 08/09/2016, por correção da declaração mensal de junho de 2016.


E. A impugnante procedeu às autoliquidações em cumprimento das instruções recebidas do IFAP (fls. 14 e seguintes).

***

A questão objecto de recurso foi analisada recentemente por este Supremo Tribunal Administrativo em acórdão proferido no recurso n.º 834/16, amplamente discutido na secção em sentido que mereceu, e, merece o nosso completo apoio.
O Magistrado do Ministério Público admite ser possível a figura da repercussão tributária em sede de taxas, motivo pelo qual o facto de os estabelecimentos de abate serem sujeitos passivo da taxa SIRCA criada pelo diploma supra citado, não transmuta a sua natureza para imposto.
Conforme tem vindo a ser reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo a propósito desta taxa e, o Magistrado do Ministério Público concorda que sempre ocorrerá, pelo menos, nas situações em que o onerado com a taxa a não possa repercutir sobre o verdadeiro beneficiário do serviço que esta visa financiar, há uma separação entre quem paga o serviço e quem dele beneficia sem um estabelecimento do mecanismo que permite ao primeiro fazer repercutir a taxa no último. Nessa medida, ainda que abrindo uma possibilidade teórica de este meio de financiamento poder não ser qualificado como imposto, o certo é que não há consagração legal do mecanismo de repercussão que era imprescindível para essa desqualificação como imposto.
Deste modo, continuamos a considerar não existir fundamento para divergir da posição que, sobre esta questão tem vindo a ser adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, à qual aderimos e que passamos a referenciar:
«(…) A sentença recorrida, (…), julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra autoliquidações de “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA)”, no entendimento de que os tributos em causa têm a natureza de “contribuição financeira (art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP) - e não de taxas ou de impostos -, podendo ser criadas por Decreto-lei sem prévia autorização da Assembleia da República.
Fundamentou-se o decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional em 20 de Outubro de 2015 – Acórdão n.º 539/2015, de 20 de Outubro –, a propósito da denominada taxa de segurança alimentar mais, aprovada pelo DL 119/2012, de 15 de junho, que a sentença recorrida considerou atenta a identidade jurídica das denominadas taxas SIRCA e segurança alimentar mais que as considerações expendidas a propósito desta última são integralmente aplicáveis à taxa SIRCA, com as devidas adaptações. Após longa transcrição daquele Acórdão do Tribunal Constitucional (cfr. sentença recorrida, a fls. 93 a 105 dos autos), concluiu a sentença recorrida que (s)endo a taxa SIRCA uma contribuição financeira, as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade por vício de violação de lei, quer por violação do art. 4.º da LGT, quer por eventual desaplicação do regime jurídico aprovado pelo DL 19/2011 por inconstitucionalidade orgânica desse DL por violação da reserva de lei formal da Assembleia da República, nos termos dos artºs. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
Discorda do decidido a recorrente, persistindo na alegação de que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro (…) transformou a taxa em causa num verdadeiro imposto, porquanto, conforme resulta demonstrado, os beneficiários do SIRCA são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os estabelecimentos de abate, que são no novo diploma os sujeitos passivos da taxa, mais alegando que a “Taxa TSAM” nada tem a ver com a “Taxa SIRCA”, cujos pressupostos e finalidade se afiguram distintos daquela taxa, daí que o decidido pelo Tribunal Constitucional quanto à “taxa de segurança alimentar mais “ não possa ser transposto para a taxa “SIRCA”, que alegadamente não tem a natureza jurídica de “contribuição financeira” ou de “taxa”, mas a de imposto, sendo que a sua criação não obedeceu ao princípio da legalidade tributária, consagrado no n.º 2, do artigo 103.º, da CRP, pois o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro foi aprovado nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da CRP, ou seja, como se a matéria em causa fosse da competência não reservada da Assembleia da República, pelo que são organicamente inconstitucionais as normas constantes do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, designadamente o seu artigo 2.º, n.º 1, na medida em que procede à criação de um imposto sobre os estabelecimentos de abate em desrespeito pelos supramencionados comandos constitucionais e ilegais os actos de autoliquidação sindicados.
(…)
Vejamos.
A doutrina define as “contribuições” como prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2015, p. 260).
Entende o Tribunal Constitucional, ao arrepio de doutrina qualificada – vg. Sérgio Vasques, Suzana Tavares da Silva, para quem até à aprovação do “regime geral” constitucionalmente previsto as contribuições financeiras devem continuar a ser sujeitas à reserva de lei parlamentar -, no Acórdão que a sentença recorrida invoca para fundamentar a sua decisão do sentido da não inconstitucionalidade orgânica do Decreto-lei 19/2011, de 7 de Fevereiro, não estarem as contribuições financeiras sujeitas à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Não obstante, mesmo acatando esse entendimento – não incontroverso na doutrina, como referimos já – é lícito ao julgador sindicar o regime legal do tributo paracomutativo quando este se apresente desconforme com os princípios fundamentais que devem conformar o seu regime, designadamente com o princípio da igualdade.
No regime da taxa “Sirca”, tal como configurado pelo Decreto-Lei n.º 19/2011 – e ao contrário do que sucedia no regime precedente (Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro) e do que lhe sucedeu (Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de Março) -, o legislador estabeleceu que:« Para efeitos de financiamento do SIRCA é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos, produzidos no território continental e apresentados para abate (…)» – cfr. o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro -, estando os estabelecimentos de abate isentos do pagamento de tal taxa relativamente a animais que provenham de explorações em que os respectivos titulares, por si ou através de organizações de produtores, recorrendo ou não à prestação de serviços de terceiros, assegurem a recolha, o transporte, a eventual concentração em unidades intermédias aprovadas para o efeito e a destruição dos animais referidos no n.º 1 mortos nas suas explorações (cfr. o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro) e bem assim relativamente a animais para abate provenientes das regiões autónomas, de trocas intracomunitárias ou importados directamente para esse efeito (cfr. o n.º 6 do artigo 2.º), neste caso estando os apresentantes de animais para abate (…) obrigados a suportar os custos inerentes à recolha, ao transporte e à destruição dos cadáveres (cfr. o artigo 3.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro).
Não oferece dúvidas que estando a taxa “SIRCA” afecta ao financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos em explorações (SIRCA) – cfr. o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro -, é o titular da exploração, e não o estabelecimento de abate, aquele que directamente beneficia da existência e funcionamento do “SIRCA”, compreendendo-se, pois, que seja a ele que se imponha o encargo de contribuir para o financiamento de tal sistema.
A lei pretérita e posterior assim o estabeleciam, aliás – cfr. o n.º 2 do artigo 5.º e o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro e artigos 7.º a 10.º do Decreto-lei n.º 33/2017, de 23 de Março -, sem prejuízo de, designadamente por razões de praticabilidade, o legislador impor aos estabelecimentos de abate a obrigação de liquidação, cobrança e entrega de tal tributo.
Esta solução legal, que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro não observou, é a que melhor se afigura conforme ao princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência, pois que onera com o tributo aquele que, no circuito produtivo, é o directo beneficiário do serviço público prestado. O estabelecimento de abate não o é, e como tal, afigura-se desconforme a tal princípio configurá-lo não como substituto tributário, com ou sem retenção, mas como contribuinte directo.
Entendemos, pois, ser inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.º da Constituição), a taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo do tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração.».
Assim, suportados na fundamentação que antecede, temos que concluir ter a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento por, analisando a situação que em concreto foi submetida a julgamento, haver concluído pela conformidade com a Constituição da República Portuguesa da taxa Sirca, quando tal taxa, tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, se apresenta desconforme com a Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.º da Constituição), na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo do tributo, não sendo esta entidade o presumível beneficiário do serviço que a taxa se destina a financiar, sendo seu beneficiário o titular da exploração dona dos animais abatidos nas condições referenciadas naquele diploma.
Tal erro de julgamento determina inelutavelmente a revogação da sentença recorrida a que agora se procede.



Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 8 de Novembro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.