Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01429/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23324
Nº do Documento:SA22018052301429
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública vem, ao abrigo do disposto nos artigos 616.º e 666.º do Código de Processo Civil, requerer a reforma quanto a custas do acórdão proferido por esta Secção em 07/02/2018, com os seguintes fundamentos:


1. Nos autos de reclamação judicial à margem referenciados, o Tribunal em 1.ª instância decidiu-se pela procedência da mesma [condenando a Fazenda Pública em custas] e em sede de recurso o STA negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, tendo fixado as custas pela Fazenda Pública.
2. Contudo, tendo em conta o valor da causa (€ 1.284.652,65), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respetivo remanescente (que se calcula nesta instância em € 6.273,00), em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao RCP, de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do citado diploma legal.
3. Segundo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
4. No que diz respeito à complexidade da causa é necessário analisar os factos previstos no artigo 530.º, nº 7 do CPC para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica ou questões jurídicas de âmbito muito diverso.
5· Quanto à conduta processual das partes temos em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no artigo 8.º do CPC.
6. Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (artigo 530.º, nº 7) antecipou três conjuntos de requisitos.
· O primeiro requisito é a existência ou não de articulados ou alegações prolixas- vide al. a).
· O segundo requisito trata a questão da causa ser ou não de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica ou importarem questões de âmbito muito diverso - vide al. b).
· O terceiro e último requisito prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas - vide al. c).
7. A Fazenda Pública entende ter adotado, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé. Vejamos,
8. No decurso deste processo, a Fazenda Pública apenas apresentou as peças processuais consideradas essenciais para a descoberta da verdade material da causa, a contestação e o recurso, sem usar qualquer articulado ou alegação prolixas. Nem solicitou quaisquer meios de prova adicionais.
9. Por essa razão, não deve a Fazenda Pública ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas antes o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado.
10. Assim, solicita a Fazenda Pública, que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 616.º do CPC.
11. Acresce ao supra referido, que a fixação de custas de elevado montante viola, em absoluto, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade relativamente à correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais - vide artigos 2.º e 20.º n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
12. "O princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso (nos subprincípios do princípio da proporcionalidade), há um limite absoluto para a restrição de "direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito do "conteúdo essencial" dos respectivos preceitos" - cfr. Ac. TCA Sul – 2ª Secção, Proc. 6579/13, de 07-05-2013; Ac. TCA Sul - 2.ª Secção, Proc. 7104/13, de 12-12-2013; J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição 1.º volume, Coimbra Editora, 2007, pág. 392 e ss.
13. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP não deve ser interpretado no sentido de no cálculo das custas judiciais se ter em conta unicamente o valor do processo, sem atender ao limite máximo de e 275.000,00, pois traduzir-se-ia em aderir apenas ao elevado valor da ação, sem qualquer reflexo da complexidade do processo.
14. Nestes termos, pronunciou-se já o Tribunal Central Administrativo Sul, no recente Acórdão n.º 07373/14 de 13/03/2014, onde, no n.º 8 do sumário, estipula que: (...)
15· Desta forma, deverá ordenar-se a REFORMA QUANTO A CUSTAS, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.


1.2 Notificada do requerimento, a Requerida nada disse.


1.3. O Exmo. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à redução do valor da taxa de justiça remanescente a cerca de 50%, «atento o valor fixado à acção -1.284.650,65 - e a regular tramitação do recurso, no qual foi apreciada questão já objecto de abordagem noutros recursos, ainda que com outras cambiantes».


1.4. Com dispensa de vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.


2. Como se viu, a Fazenda Pública pretende, por via do presente pedido, que face ao valor da causa (1.284.650,65 euros) e ao montante de taxa de justiça que se mostra devida à luz do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e da Tabela I anexa, este Tribunal proceda à reforma do acórdão quanto a custas, por forma a dispensá-Ia do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, em conformidade com o disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP.
Vejamos.
Segundo o referido preceito legal, nas causas de valor superior 275.000,00 € o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se, por conseguinte, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do artigo 7º, depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão - cfr., neste sentido, o acórdão do Pleno desta Secção de 15/10/2014, no processo nº 01435/12.
E como também aí se deixou explicado, «tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (...).».
Por outro lado, como este Tribunal tem vindo reiteradamente a explicitar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes, nomeadamente, quando esta deva ser premiada ou tenha gerado uma actividade processual inferior à normal
No caso vertente, as questões colocadas e decididas no acórdão em questão não podem ser consideradas de complexidade inferior à comum; e no que toca à simplificação da tramitação processual (seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, que se limitaram ao que lhes é exigível e legalmente devido), também não descortinamos motivo para a requerida dispensa.
No entanto, há que ter em conta que o montante total da taxa de justiça devida pelo recurso é elevado face ao valor da causa (valor que foi fixado em 1.284.650,65 euros), podendo considerar-se desproporcionado em face do serviço prestado, quando se sabe que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume a natureza de contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo e, nessa medida, não pode atingir valores que ponham em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe e que provoquem a sua manifesta desproporcionalidade.
A fim de evitar essa desproporcionalidade, afigura-se-nos bastante dispensar a Recorrente do pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça.
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 6º, nº 7, do RCP, e deferindo parcialmente a pretensão da ora Recorrente, reduziremos em 80% o montante do remanescente da taxa de justiça.


3. Face ao exposto, acorda-se em deferir parcialmente o pedido, dispensando o pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso.

Custas pela Requerente na parte em que decaiu, fixando-se a taxa de justiça em uma UC.

Lisboa, 23 de Maio de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – António Pimpão.