Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0966/10
Data do Acordão:05/18/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IVA
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
CORRECÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
FACTURA
Sumário:I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.
II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.
IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.
Nº Convencional:JSTA00066969
Nº do Documento:SA2201105180966
Data de Entrada:12/02/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART22 N1 N2 N3 N4 ART71 N6 N7 ART92 N2.
CONST97 ART8 N4
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART18 N2 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, S.A., impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra uma liquidação de IVA e juros compensatórios.
Aquele Tribunal julgou a impugnação improcedente.
Inconformada, a Impugnante interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, determinando, em consequência, a manutenção da liquidação adicional de IVA relativa ao exercício de 2003, por considerar, em suma, indevida a dedução no montante de € 18.976,42, efectuada pela Recorrente, em Dezembro de 2003, do IVA liquidado em factura emitida no dia 27.03.2001, pelo fornecedor B…, ao entender que o diferimento entre a respectiva data de emissão e a data da contabilização do IVA dedutível foi, em incumprimento do disposto no artigo 71.º, n.º 6 do CIVA, superior a um ano;
2. O Tribunal a quo ao sustentar a improcedência da pretensão do ora Recorrente com o fundamento descrito na 1 a conclusão, incorreu em erro de julgamento, porquanto a presente situação não se enquadra na previsão do artigo 71.º, n.º 6, do CIVA, uma vez que esta norma se aplica nos casos de erros materiais ou de cálculo e a situação em apreço não consubstancia um erro dessa natureza, constituindo antes um lapso resultante do mero diferimento temporal da dedução do IVA de uma determinada factura, atento o facto de, no momento de recepção daquela, 27 de Março de 2001, o IVA em causa ter sido contabilizado na conta #219 — “Adiantamentos de clientes”, tendo sido registado na conta adequada apenas em Dezembro de 2003;
3. Com efeito, o disposto no artigo 71.º, n.º 6, do CIVA apenas é aplicável nas situações em que, contrariamente ao caso sub judice, se verifiquem erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51º e 65.º do referido CIVA, ou seja, os aludidos erros materiais referem-se a situações de erro de registo, por exemplo, quando o IVA é registado por um montante diferente do valor correcto (efectivamente, as situações previstas no mencionado preceito referem-se unicamente a situações de meros erros de escrita ou de transcrição de valores), reportando-se, por sua vez, os erros de cálculo, como resulta desde logo da própria terminologia, a situações em que os valores do imposto ou das operações que estiveram na base do seu apuramento foram incorrectamente apurados;
4. Ora, nenhuma das referidas situações se verifica no caso vertente, não apresentando a situação em questão as características descritas na 3.ª conclusão de um erro material ou de cálculo, porquanto, apesar de registado contabilisticamente numa rubrica diferente, o IVA em causa foi liquidado e contabilizado pelo montante correcto, importando, assim, concluir que não se está, contrariamente ao pugnado pela administração tributária e a sentença sob recurso, uma situação enquadrável no artigo 71.º, n.º 6 do CIVA;
5. Ademais, a situação sub judice não se subsume no disposto no artigo 71.º, n.º 6, do CIVA, maxime por aquela norma, reportando-se a correcções de erros materiais ou de cálculo no registo das operações consagradas nos artigos 44.º a 51.º e 65.º do CIVA, implicar, necessariamente, erro no tipo de registo especificamente consagrados no artigo 44.º, n.ºs 3 e 4 do CIVA, o que não sucedeu na situação sub judice;
6. Igual conclusão resulta do Oficio-Circulado n.º 030082-DSIVA, de 17.11.2005, porquanto nos termos do seu ponto 8 explicita-se que o âmbito de aplicação do artigo 71.º do CIVA abrange regularizações que se destinam a corrigir o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da respectiva declaração periódica, o que manifestamente não ocorreu no presente caso;
7. Com efeito, a distinção entre a aplicação do mecanismo do artigo 71.º do CIVA e o artigo 91.º, n.º 2 do mesmo Código reside no facto de o contribuinte ter ou não entregue/deduzido o imposto em causa, uma vez que, em caso afirmativo, estaremos perante uma situação em que a correcção da dedução do imposto deverá seguir o respectivo procedimento previsto no artigo 71.º do Código do IVA e, ao invés, caso o contribuinte não tenha ainda procedido àquela dedução, então, se respeitado o prazo de 4 anos previsto no artigo 92.º, n.º 2, do Código do IVA, poderá exercê-la;
8. E, na situação sub judice não se está perante um erro no apuramento do imposto dedutível num determinado período, está-se tão só perante um lapso consubstanciado no diferimento temporal da dedução do IVA de uma determinada factura, pelo que, precisamente por essa razão e imediatamente após constatar, apenas no referido ano de 2003, a não dedução do IVA em questão, a ora Recorrente procedeu à sua dedução nos termos gerais prescritos no n.º 2, do artigo 91.º, do CIVA, uma vez que ainda se encontrava a decorrer o prazo de quatro anos aí fixado para o exercício daquele direito;
9. Por último, a situação em crise não se encontra abrangida pelo artigo 71.º, n.º 6 do CIVA, atendendo ao facto de não configurar um erro ostensivo, de fácil identificação, como se afiguram os erros/lapsos de escrita a que se refere aquela norma, conforme aludido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 26.11.2009, proferido no processo n.º 01 159/06.9BEBRG;
10. Assim, ao invés do que considera o Tribunal a quo, e conforme demonstrado na impugnação deduzida, bem como nas presentes alegações, a Recorrente valeu-se do procedimento legalmente ajustado à dedução de um montante de imposto relativamente ao qual não havia ainda e por lapso, exercido o direito à dedução, isto é, do procedimento previsto no referido artigo 91.º, n.º 2, do CIVA, o qual permite a dedução do IVA em qualquer período de imposto compreendido no prazo de 4 anos a contar do nascimento do facto tributário;
11. Acresce, em desfavor da aplicação do disposto no artigo 71.º, n.º 6 do CIVA que, mesmo a admitir-se como válido o enquadramento da situação em apreço no espírito daquela norma, o que só a beneficio de raciocínio se concede, tal aplicação sempre constituiria uma inadmissível sobreposição do formalismo à materialidade das operações, estando a administração tributária, ao abrigo princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, bem como em cumprimento do disposto no artigo 6.º do RCPIT, obrigada a agir com vista ao apuramento da verdade material, o que implica que deveria esta ter procedido à correcção de tal erro, permitindo a dedução do imposto a que a Recorrente tinha direito;
12. Assim, e em face do exposto resulta evidente que, ao proceder à liquidação adicional do IVA em causa, com fundamento na alegada violação do referido artigo 71.º, n.º 6, do CIVA, incorreu a administração tributária na errónea interpretação e aplicação dessa norma e, ao não permitir a dedução daquele IVA ao abrigo do disposto no artigo 91.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, em manifesta ilegalidade por violação desta última, daí resultando, em qualquer dos casos, a ilegalidade das liquidações impugnadas.
13. Por fim, refira-se que a Recorrente procedeu ao pagamento voluntário da totalidade do imposto e juros compensatórios liquidados, pelo que, sendo manifesto o erro de qualificação e subsunção jurídica que subjaz ao acto tributário sob censura, a procedência do presente recurso não só deverá determinar o reembolso à Recorrente do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, como ainda o pagamento dos juros indemnizatórios incidentes sobre aqueles, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT e no artigo 61.º do CPPT.
aqueles, nos termos do disposto no artigo 41º da LGT e no artigo 61.º do CPPT,
l4. Pelo que, e em suma, atentos os fundamentos acima referidos, deve a decisão recorrida ser anulada, bem como, em consequência, a liquidação adicional subjudice.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, o acto tributário em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
A questão objecto do presente recurso refere-se à legalidade da liquidação adicional resultante de correcção em sede de IVA, no montante de € 18.976,42, respeitante a indevida dedução, em Dezembro de 2003, do IVA liquidado em factura emitida no dia 27/03/2001 pelo fornecedor B…, tendo a Administração Fiscal entendido que o diferimento entre a respectiva data de emissão e a data da contabilização do IVA dedutível foi, em incumprimento do disposto no artigo 71 º. nº 6 do CIVA, superior a um ano.
Alega a recorrente que o Tribunal a quo ao sustentar a improcedência da pretensão do ora Recorrente, incorreu em erro de julgamento, porquanto a presente situação não se enquadra na previsão do artigo 71.º, n.” 6, do CIVA, uma vez que esta norma se aplica nos casos de erros materiais ou de cálculo e a situação em apreço não consubstancia um erro dessa natureza, constituindo antes um lapso resultante do mero diferimento temporal da dedução do IVA de uma determinada factura, atento o facto de, no momento de recepção daquela, 27 de Março de 2001, o IVA em causa ter sido contabilizado na conta 219 – “Adiantamentos de clientes”, tendo sido registado na conta adequada apenas em Dezembro de 2003;
Assim sustenta que, ao invés do que considera o Tribunal a quo, usou o procedimento legalmente ajustado à dedução de um montante de imposto relativamente ao qual não havia ainda e por lapso, exercido o direito à dedução, isto é, do procedimento previsto no referido artigo 91.º, n.º 2, do CIVA, o qual permite a dedução do IVA em qualquer período de imposto compreendido no prazo de 4 anos a contar do nascimento do facto tributário.
Conclui que a situação fáctica em causa se enquadra na previsão do art. 910, nº 2 do CIVA.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Em matéria de correcção de erros materiais praticados nos registos e nas declarações prevê o art. 71º do CIVA um série de situações denominadas de rectificações do IVA.
Nos termos do artigo 71.º do CIVA as rectificações de imposto efectuadas pelos sujeitos passivos são condicionadas a diversas situações específicas que, a não se cumprirem, implicam a nulidade das rectificações efectuadas com a consequente penalização conforme preceituado no artigo 96.º que equipara a dedução indevida do imposto à falta de entrega do mesmo.1
Constituem situações de rectificação do IVA previstas no art. 710, entre outras, as correcções de erros materiais praticados nos registos e nas declarações — cf. Clotilde Celorico de Palma, Introdução ao IVA, pag. 186.
De entre esses erros materiais praticados nos registos e nas declarações o referido normativo elenca aqueles a que se referem os arts. 44º a 510 e 65º do CIVA.
E é precisamente o 0 do art. 44 do CIVA que, em sede de obrigações contabilísticas, determina que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto – Clotilde Celorico de Palma, ob. cit., pag. 184
Ora, no caso resulta provado que, perante factura emitida no dia 27/03/2001 por um fornecedor da recorrente, esta contabilizou o respectivo IVA na conta 219 – “Adiantamentos de clientes”; e já em Dezembro de 2003, detectado o lapso, procedeu à dedução do IVA em causa.
Daí que se entenda que bem andou a decisão recorrida ao concluir que se trata de um erro de contabilidade da impugnante, por lapso dos seus serviços, situação que se subsume à norma do art. 710, no 6 do CIVA e aos respectivos condicionalismos temporais, e não à norma do art. 91º, nº 2 do mesmo diploma legal (que aliás pressupõe responsabilidade dos serviços pela liquidação em excesso – cf. neste sentido, João António Valente Torrão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, pag. 337).
Nestes termos somos parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente confirmando-se o julgado recorrido.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A. Na sequência de acção inspectiva à impugnante realizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção-Geral dos Impostos, com referência ao exercício de 2003, foi elaborado o relatório final constante de fls. 19/61, datado de 16/11/2007, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e efectuada correcção em sede de IVA, no montante de € 18.976,42, respeitante a indevida dedução, em Dezembro de 2003, do IVA liquidado em factura emitida no dia 27/03/2001 pelo fornecedor B…, por se entender que o diferimento entre a respectiva data de emissão e a data da contabilização do IVA dedutível foi, em incumprimento do disposto no artigo 71.º, n.º 6, do CIVA, superior a um ano (Docs. 1 e 4 da petição inicial).
B. No dia 17/12/2007, a Administração Fiscal emitiu então a liquidação de IVA n.º 07318623 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 07318624, relativas ao período de Dezembro de 2003, no montante global de € 21.835,88 (vinte e um mil, oitocentos e trinta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) (Docs. 2 e 3 da Pi).
C. No dia 31/01/2008, data limite do seu pagamento voluntário, a impugnante procedeu ao pagamento das liquidações referidas no ponto B (Docs. 5 e 6 da Pi).
3 – A Administração Tributária efectuou uma correcção em matéria de IVA, no montante de € 18.976,42, com fundamento em dedução indevida, em Dezembro de 2003, do IVA liquidado em factura emitida no dia 27-3-2001 pelo fornecedor B..., por entender que o diferimento entre a respectiva data de emissão e a data da contabilização do IVA dedutível foi superior a um ano, o que considerou incompatível com o art. 71.º, n.º 6, do CIVA.
As disposições do CIVA pertinentes para apreciação do recurso são os arts. 22.º, n.º 2, 71.º, n.ºs 6 e 7, e 92.º, n.º 2, que estabelecem o seguinte, nas redacções vigentes ao tempo em que ocorreram os factos dos autos:
– Art. 22.º, n.º 2, do CIVA, na redacção dada pelo DL n.º 166/94, de 9 de Junho:
«Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».
– Art. 71.º, n.º 6, do CIVA na redacção introduzida pela Lei n. 4/98, de 12 de Janeiro:
A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65º, nas declarações mencionadas no artigo 40º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efectuada no prazo de um ano, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
– Art. 71.º, n.º 7, do CIVA na redacção dada pelo DL n.º 472/99, de 8 de Novembro:
Em casos devidamente justificados, a correcção dos erros referidos no número anterior de que tenha resultado imposto entregue a mais pode ainda ser autorizada nos quatro anos civis seguintes ao período a que se reporta o erro, mediante requerimento dirigido ao director-geral dos Impostos.
– Art. 91.º, n.º 2, na redacção dada pelo DL n.º 472/99, de 8 de Novembro:
Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
4 – O art. 22.º, n.º 1, do CIVA estabelece a regra de que a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.
Em outros números do mesmo art. 22.º prevêem-se situações em que se admite a possibilidade de a dedução de imposto ser efectuada em períodos distintos, designadamente quando a recepção dos documentos que suportam a dedução ocorrer em período de declaração diferente daquele em que ocorreu a emissão (n.º 3), e quando o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis do mesmo período (n.º 4).
Mas, deste artigo 22.º infere-se que a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
O direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático ( Como está, desde a revisão constitucional de 2004, expressamente estabelecido no n.º 4 art. 8.º da CRP e já anteriormente se entendia. ), aponta no sentido de ser correcta esta interpretação.
Na verdade, o art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da Sexta Directiva do Conselho sobre IVA (Directiva n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977), em vigor à data em que ocorreram os factos dos autos (A Sexta Directiva foi revogada pela Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006. ), estabelecem que
2. O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n.º 1.
Todavia, os Estados-membros podem obrigar os sujeitos passivos que efectuem operações ocasionais referidas no n.º 3 do artigo 4.º a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.
3. Os Estados-membros fixarão as condições e as regras as quais o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder a uma dedução a que não tenha procedido em conformidade com o disposto nos n.º 1 e 2.
Desta regulamentação, conclui-se a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de um tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.
Por isso, o n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele n.º 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior.
A tese defendida pela Impugnante, que se reconduz a que o sujeito passivo que efectuou dedução tempestivamente com erros tivesse um tratamento jurídico mais penalizador, a nível de prazo para efectuar devidamente o direito à dedução (um ano, com possibilidade de autorização até quatro anos, se a Administração Tributária entender que se está perante um caso «devidamente justificado»), do que aquele que nem sequer efectuou a dedução no prazo (que disporia de quatro anos, mesmo que o erro não fosse «justificado»), seria manifestamente incongruente, pois neste segundo caso está-se perante uma mais intensa inobservância do regime legal que, a ser fundamento de tratamento distinto, justificaria o estabelecimento para estas situações de um regime menos favorável e não mais benevolente.
5 – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.
Isto é, se a situação não se enquadra naquele n.º 6 do art. 71.º também não se enquadra em nenhuma outra disposição legal.
Por isso, não tem qualquer utilidade apreciar se a situação, abstractamente, é susceptível de enquadramento neste n.º 6 do art. 71.º, uma vez que é ponto assente que a Impugnante não actuou efectuou a dedução dentro do prazo de um ano aí previsto nem pediu a autorização para utilizar o prazo de quatro anos, prevista no n.º 7 do mesmo artigo e, por isso, a dedução efectuada pela Impugnante não encontra cobertura jurídica nestas normas.
O que significa que, mesmo que a situação seja susceptível de enquadramento naquele n.º 6, a legalidade da liquidação estará assegurada por não ter sido observado o limite temporal aí fixado e não ter sido pedida a autorização prevista no n.º 7, que condicionam o direito de dedução.
Assim, tem de se concluir pela ilegalidade da dedução efectuada e pela legalidade da liquidação impugnada.
6 – Improcedendo o pedido de anulação da liquidação impugnada, fica prejudicado o conhecimento da questão dos juros indemnizatórios, que tem como pressuposto a ilegalidade da liquidação.
Termos em que acordam neste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Impugnante.
Lisboa, 18 de Maio de 2011. – Jorge de Sousa (relator) – Brandão de Pinho – António Calhau.