Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0148/13
Data do Acordão:01/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
FUNDAÇÃO
Sumário:I – O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 1.º do Estatuto do Mecenato é, em regra, dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
II – Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos – este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então art. 11.º (actual art. 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da fundação.
Nº Convencional:JSTA00068529
Nº do Documento:SA2201401150148
Data de Entrada:02/04/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTLISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:DL 74/99 ART1 N3.
EBF ART11
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0471/13 DE 2013/10/23.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 864/11.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………………, S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão da reclamação graciosa por ela deduzida contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2003, do grupo de sociedades de que é sociedade dominante (Nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.), por a Administração tributária (AT) recusar a dedução, como custo fiscal do exercício desse ano, dos donativos efectuados para dotação inicial da “Fundação B…………….” (adiante Fundação), no montante de € 12.530.000,00, possibilidade que a Impugnante sustentou com base no benefício concedido pelo art. 1.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Mecenato (O Estatuto do Mecenato foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, e revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).) (EM).
A Juíza do Tribunal a quo subscreveu o entendimento da AT, de que esse benefício, com a consequente possibilidade de dedução como custo daquele donativo, estava dependente de reconhecimento, porquanto nesse ano de 2003 ainda não havia sido reconhecido à Fundação o estatuto de utilidade pública e isenção de IRC, condições de cuja verificação cumulativa dependia que o beneficio fiscal ficasse dispensado de reconhecimento nos termos do n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, pois que, a seu ver, da interpretação conjugada da alínea d) do n.º 1 do art. 1.º do EM, com o disposto no referido n.º 3 do art. 1.º do referido decreto-lei, resulta que as doações para a dotação inicial de uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que seja dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC, permitem usufruir do benefício ali previsto apenas a partir do momento em que a entidade beneficiária cumpra aquelas duas condições.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A Administração Tributária não aceitou a dedutibilidade fiscal do donativo para a dotação inicial da Fundação B…………… em causa nos autos, argumentando que o mesmo não havia sido sujeito ao reconhecimento ministerial previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
B. O Tribunal a quo considerou — e bem — que aquele reconhecimento ministerial não é exigível quando estão em causa donativos efectuados a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato, na redacção conferida pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro.
C. Esta conclusão resulta do confronto entre os mencionados n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato e o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou este Estatuto.
D. Existe efectivamente um conflito entre estas duas normas, visto que o n.º 2 do artigo do Estatuto do Mecenato impõe o reconhecimento ministerial, enquanto o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou este Estatuto expressamente prevê que os benefícios previstos no artigo 1.º desse mesmo Estatuto não dependem deste reconhecimento ministerial.
E. A solução para este conflito encontra-se no elemento histórico da interpretação, uma vez que o problema surge com as alterações introduzidas em ambas as normas pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, sendo que a análise à redacção anterior permite concluir que os donativos a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública, às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, estão dispensados do reconhecimento ministerial que está previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
F. Para além do elemento histórico, também o elemento literal e sistemático da interpretação permitem concluir no mesmo sentido, assim como a sua exegese teleológica.
G. A própria administração tributária acabou por concordar com a Recorrente, pois aceitou expressamente a aplicação do benefício previsto no n.º 1 da mesma norma as parcelas das doações para a dotação inicial efectuadas no exercício de 2005 e 2006, apesar de entender que os estatutos da Fundação B………… não cumpriam com o disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
H. No entanto, quer a administração tributária, quer o Tribunal a quo, consideraram que, apesar de certo, este raciocínio não era aplicável à parcela das doações em causa nos autos, efectuadas no exercício de 2003, porque esta entidade não possuía ainda, nessa data, o estatuto de utilidade pública, que só obteve em 2005, e o consequente reconhecimento da isenção de IRC.
I. Embora o raciocínio do Tribunal a quo esteja formalmente correcto, entende a Recorrente que está materialmente errado.
J. Isto porque, antes de mais, não pode logicamente ser exigido um pedido de reconhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do EM, para um donativo concedido para a dotação inicial de uma fundação, donativo esse que antecede o próprio reconhecimento da fundação, nos termos do n.º 2 do artigo 188.º do Código Civil.
K. E não se argumente que a Recorrente poderia requerer o reconhecimento ministerial posteriormente à doação, uma vez que é este próprio reconhecimento que não tem, face à lei e à lógica, qualquer fundamento.
L. Com efeito, o Tribunal a quo está a exigir mais um “posto de controlo” ministerial, onde nenhum controlo é necessário, tendo em conta que, logo de seguida, a Fundação B……………. obteve todos os reconhecimentos necessários que tomam dispensável, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou o Estatuto do Mecenato, o reconhecimento ministerial do donativo essencial (para a dotação inicial).
M. Acresce que a interpretação do Tribunal a quo admite a dedutibilidade fiscal das parcelas do donativo para a dotação inicial entregues em 2005 e 2006 (admissão essa que foi também, aliás, admitida pela Administração Tributária).
N. Ora, os donativos em causa, quer os efectuados em 2003, quer os efectuados em 2004, 2005 e 2006, dizem sempre respeito à mesmíssima realidade: donativos efectuados parcelarmente para a dotação inicial da Fundação B…………….
O. Sendo a dedutibilidade fiscal das parcelas efectuadas em 2005 e 2006 inquestionável, não pode ser negada, por imperativo de JUSTIÇA, a dedutibilidade fiscal da mesma realidade no que toca à parcela efectuada em 2003, em causa nos autos, apenas por faltar um reconhecimento ministerial que nem a lei, nem a lógica, nem o télos o impõe ou recomenda.
Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, com os devidos efeitos legais, nomeadamente a aceitação da dedutibilidade fiscal do donativo efectuado para a dotação inicial da Fundação B…………….. em 2003, nos termos do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e substituída a sentença por acórdão que reconheça o direito da Impugnante deduzir como custo fiscal do exercício o donativo efectuado, com a seguinte fundamentação:

«São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos a fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial (art. 1.º n.º 1 al. d) Estatuto do Mecenato, aprovado pelo DL n.º 74/99, 16 Março).
Os benefícios fiscais previstos no art. 1.º n.º 1 do Estatuto do Mecenato não dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela (primeira categoria de excepções contempladas no art. 1.º n.º 3 DL n.º 74/99,16 Março).
A exigência de reconhecimento prevista no art. 1.º n.º 2 Estatuto do Mecenato não conflitua, antes se compagina com a dispensa de reconhecimento prevista no art. 1.º n.º 3 do diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato, conforme inequívoca intenção do legislador expressa no inciso inicial da norma «Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1.º do presente diploma» [diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato].
A compatibilidade das distintas soluções normativas resulta do facto de os donativos previstos no art. 1.º al. d) (não dependentes de reconhecimento) respeitarem à dotação inicial e os donativos previstos no art. 1.º n.º 2 (dependentes de reconhecimento) serem concedidos em fase posterior à constituição da dotação inicial.
Esta distinção de regime resulta do facto de o reconhecimento da fundação depender da constituição da dotação inicial, indispensável à prossecução dos fins estatutários (art. 188.º n.ºs 2/3 C. Civil)».

1.5 Os Juízes Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou a ora Recorrente, porque não pediu o reconhecimento do respectivo benefício fiscal, não podia relevar como custo fiscal o donativo concedido a fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossegue fins de natureza predominantemente social e cultural e destinado à sua dotação inicial, o que passa por indagar se, vindo o direito a tal benefício a ser adquirido ulteriormente de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos –, este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da fundação


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
a) Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, por A………………., SA, C………………, SA, D………………., SA, E…………….., SA e F………………., SA, como entidades fundadoras, foi instituída a Fundação B………………, que se rege pelos estatutos que constituem documento complementar e parte integrante da escritura, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 10 a 22 do procedimento de reclamação graciosa apenso);

b) De acordo com o artigo 3.º dos estatutos a Fundação foi instituída sem qualquer fim lucrativo e «tem por objecto exprimir e concretizar o compromisso de intervenção social e apoio ao desenvolvimento por parte do Grupo G…………….., promovendo e apoiando, em Portugal e no resto do Mundo onde o Grupo opera, e em particular nos países de expressão portuguesa, programas de acção, iniciativas e actividades que visem ou favoreçam os avanços da Sociedade de Informação, os usos sociais dos meios e tecnologias de comunicação e informação, designadamente para a promoção da educação e formação tecnológica e cultural do combate à info-exclusão nas suas diferentes vertentes, bem como as que promovam a inovação e o desenvolvimento na promoção da saúde, da cultura e do desporto, e outras, directa ou em parceria com outras entidades que visem fins idênticos e, em particular, aquelas em que o Grupo detenha participações.» (cfr. fls. 10 do procedimento de reclamação graciosa apenso);

c) No n.º 2 do artigo 5.º dos estatutos da Fundação foi estabelecido que as entidades fundadoras participam na Fundação com a dotação inicial de € 25.000.000,00, realizando € 10.000.000,00 em 2003 e o remanescente, nos anos seguintes, entre 2004 e 2005;

d) Nos identificados estatutos foi clausulado que «Em caso de extinção da Fundação, a respectiva deliberação ou decisão fixará o destino do seu património, tendo em conta critérios de afectação a fins semelhantes aos da Fundação» (cfr. artigo 22.º dos estatutos);

e) No exercício de 2003, a impugnante e as restantes fundadoras efectuaram doações para a dotação inicial da Fundação B……………. no montante global de €8.950.000,00 (cfr. fls. 27 a 35 e 398 do procedimento de reclamação graciosa);

f) Na declaração Modelo 22 do exercício de 2003, impugnante e as restantes entidades fundadoras da Fundação B………………. acresceram os custos relativos aos donativos para efeitos do apuramento do lucro tributário (cfr. fls. 36 a 53 do procedimento de reclamação graciosa apenso);

g) Em 12/07/2004 a Fundação B………………. recebeu o reconhecimento administrativo pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna (2.ª série), publicada no Diário da República, II Série, n.º 162 (cfr. fls. 70 dos presentes autos);

h) Por despacho de 18/02/2005 do Ministro-adjunto do Primeiro-ministro, no uso da competência delegada pelo despacho n° 3503/2005, do Primeiro-Ministro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 34, de 17 de Fevereiro de 2005, foi declarada a utilidade pública à Fundação B……………….., publicado pela Declaração no 46/2005 (2.ª série) da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, no Diário da República n.º 45, de 04/03/2005 (cfr. fls. 71 dos presentes autos);

i) Em 02/05/2005, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa um requerimento da Fundação B…………….. dirigido ao Ministro das Finanças em que peticiona o reconhecimento de isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do CIRC (cfr. fls. 72 a 80);

j) Por Despacho de 03/03/2007 do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais por delegação de competência do Ministro de Estado e das Finanças, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi reconhecido à Fundação B…………….., com efeitos a partir de 04/03/2005, isenção de IRC, nas categorias B, E, F e G (cfr. fls. 82 e 83 dos presentes autos);

k) Na sequência da notificação do despacho referido na alínea anterior, em 31/05/2007 a impugnante deduziu reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do grupo de sociedades, vertida na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2003, visando a correcção do lucro tributável apurado pelo Grupo, no montante de € 12.530.000,00 correspondente aos donativos concedidos à Fundação B……………. (€ 8.950.000,00) no sentido da sua dedução como custo e majoração na proporção de 40%, tendo invocado como fundamento, entre outros, a Circular n.º 13/2003, de 25 de Setembro, o estatuto de utilidade pública e o Estatuto do Mecenato (cfr. fls. 3 e segs. do procedimento de reclamação graciosa apenso e fls. 90 dos presentes autos);

l) Em 20/03/2009, por despacho do Director de Finanças Adjunto, foi a reclamação graciosa indeferida, com a fundamentação constante da informação final, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 389 a 394 e 395 a 404 do procedimento de reclamação graciosa apenso);

m) Em 22/04/2009, através do ofício com a referência 031362, de 20/04/2009, a impugnante foi notificada da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa (cfr. fls. 404 a 407 do procedimento anexo);

n) A impugnante apresentou também reclamações graciosas referentes aos exercícios de 2004 e 2005, visando o reconhecimento fiscal das doações para a dotação inicial efectuadas nesses exercícios, tendo a reclamação graciosa relativa ao ano de 2005 sido parcialmente deferida por despacho de 08/05/2009 do Director de Finanças Adjunto, com a fundamentação constante da informação de fls. 120 a 136, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 149 dos presentes autos);

o) Em 21/05/2009 a impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 2 e segs, do procedimento de recurso hierárquico);

p) Em 30/03/2009 reuniu o conselho Geral da Fundação B……………….., para “apreciação e parecer quanto à proposta de alteração dos estatutos, submetida pelo Conselho de Administração” e deliberou por unanimidade, parecer favorável à referida proposta no sentido do n° 2 do artigo 22° dos estatutos, passarem a ter a seguinte redacção «2. Em caso de extinção da Fundação, o seu património será confiado às entidades fundadoras, devendo as mesmas afecta-lo a fins semelhantes aos da Fundação o que passará pela sua reversão para o Estado ou, em alternativa, a sua cedência às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas» (cfr. ponto 3 da ordem de trabalhos e acta n.º 12 a fls. 117 a 118);

q) Por requerimento apresentado em 15/01/2010 a impugnante comunicou aos autos de procedimento de recurso hierárquico que a Fundação B……………… tinha procedido à rectificação dos estatutos, nos termos das actas n.ºs 13 e 20 (cfr. fls. 115 a 116);

r) Pela Ap. 112/20100507 foi inscrita a alteração do n.º 2 do artigo 22.º dos estatutos da Fundação B………………., conforme certidão permanente de fls. 131 a 135 (cfr. fls. 120 a 130);

s) Por despacho proferido em 27/12/2010 pela Subdirectora-Geral dos Impostos, o recurso hierárquico foi indeferido com os fundamentos invocados na informação n.º 2600 (cfr. fls. 73 a 83 do procedimento de recurso hierárquico);

t) Através do ofício com a referência 006841, datado de 25/01/2011 a impugnante foi notificada da decisão referida na alínea anterior (cfr. fls. 84 a 86 do procedimento de recurso hierárquico);

u) Em 26/04/2011 a impugnante remeteu por correio a petição inicial que deu origem à presente impugnação, que deu entrada neste Tribunal em 27/04/2011 (cfr. fls. 2 dos presentes autos);

Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão suscitada neste recurso é em tudo idêntica à que foi tratada e decidida no recente acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 471/13 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/36ebdec2e064815980257c1200395c7b?OpenDocument.). Nesse aresto estava em causa a possibilidade de a Recorrente usufruir do benefício fiscal que consiste na possibilidade de, para efeitos de determinação do seu lucro tributável do exercício de 2004, deduzir como custo fiscal o donativo efectuado nesse ano para a dotação inicial da Fundação B……………., de que foi co-fundadora, atento a que não pediu o respectivo reconhecimento. No presente processo a questão que se coloca é a mesma, só que relativamente ao ano de 2003.
Aliás, as alegações de recurso num e noutro processo são em tudo idênticas.
Assim, e porque concordamos integralmente com a argumentação aduzida no referido aresto, vamos limitar-nos a reproduzi-la, com a devida vénia, permitindo-nos apenas introduzir nos locais próprios as alterações exigidas pelas circunstâncias, designadamente de tempo, da situação sub judice. Passamos a citar (Porque usamos o itálico na transcrição, os trechos que no original surgiam em itálico, aparecem agora em tipo normal. De igual modo, usamos o tipo normal nas adaptações requeridas pelo caso sub judice.):

«A sentença recorrida […] julgou improcedente a impugnação do indeferimento de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC de 2003 deduzida pela ora recorrente, no entendimento de que a possibilidade de dedução pela impugnante como custo do exercício de 2003 do donativo que efectuou para a dotação inicial da Fundação B…………….. estava dependente de reconhecimento, porquanto nesse ano de 2003 ainda não havia sido reconhecida à Fundação o estatuto de utilidade pública e isenção de IRC, condições das quais dependia que o beneficio fiscal ficasse dispensado de reconhecimento nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, pois que, considerou a sentença recorrida, da interpretação conjugada da alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do EM, com o disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei, resulta que as doações para a dotação inicial de uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que seja dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC, permitem usufruir do benefício ali previsto a partir do momento em que a entidade beneficiária cumpra aquelas duas condições […].
Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida uma “interpretação formalista” das normas do DL n.º 74/99 e do Estatuto do Mecenato (EM) por ela aprovado, e que numa “interpretação substantiva” dessas normas resulta que os donativos para a dotação inicial da Fundação não estão sujeitos ao reconhecimento ministerial, dado ser uma pessoa colectiva dotada de utilidade pública a quem foi concedida a isenção de IRC. Alega a recorrente que os donativos estão abrangidos na segunda excepção prevista no n.º 3 do artigo 1.º do DL n.º 74/99, e não no âmbito da norma do n.º 2 do artigo 1.º da EM, porquanto: do elemento literal da interpretação chega-se a essa conclusão, porque a norma do n.º 2 do art. 1.º do EM não está incluída no âmbito do n.º 4 do art. 1.º do DL n.º 74/99, o que significa que, nas situações cobertas pelo n.º 3 do mesmo artigo, não é necessário o reconhecimento ministerial, e porque, ao referir-se no n.º 2 do EM «sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente diploma», é lícito concluir que os donativos concedidos para a dotação inicial também beneficiam da majoração nele prevista; do elemento sistemático da interpretação retira-se que o DL n.º 74/99 que aprovou o EM condiciona, na sua globalidade, a aplicação deste e por isso, se o reconhecimento é dispensado por aquele diploma, o mesmo não pode ser exigido pelo EM; do elemento teleológico das normas em conflito conclui-se que o reconhecimento do donativo não é necessário, porque, tendo sido atribuído o estatuto de utilidade pública e reconhecida a isenção de IRC, não é necessário passar pelo “crivo” de nova apreciação governamental; do elemento histórico resulta que o legislador, com a alteração operada pela Lei n.º 160/99 de 14/89, pretendeu que as entidades a quem fosse atribuído o estatuto de utilidade pública e a isenção de IRC não necessitam de novo reconhecimento ministerial para efeitos do EM».

Delimitada que ficou a questão a apreciar e decidir, passemos então a verificar qual a melhor interpretação da lei, o que continuaremos a fazer por remissão para o citado acórdão de 23 de Outubro p.p.

2.2.2 DA CONSTITUIÇÃO DO DIREITO AO BENEFÍCIO FISCAL

«Dispõe o artigo 1.º do DL n.º 74/99 de 16/3, na redacção dada pela Lei n.º 60/99, de 14/9:
1…
2. Para os efeitos do disposto no presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva e educacional.
3. Os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1.º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9.º do respectivo Código, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.
4. A excepção efectuada no número anterior não prejudica o reconhecimento do benefício, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 2.º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto.

Por sua vez, dispõe o artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, com a redacção dada pela Lei n.º 160/99:

1. São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades:
a) Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados;
b) Associações de municípios e de freguesias;
c) Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial.
d) Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1.º do presente diploma, estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial e, bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9.º do Código do IRC.
3 ….
4 ….

Em causa nos autos está apenas a possibilidade de dedução como custo do exercício de 2004 da (parte) dos donativos efectuados naquele ano pelas empresas do grupo G……………. para a dotação inicial da Fundação B………………, porquanto à (restante) parte dos donativos efectuados pelas mesmas entidades e destinados ao mesmo fim realizados nos anos seguintes já se lhes reconheceu o direito a tal benefício fiscal, operando de forma automática, atento ao reconhecimento de utilidade pública e atribuição de isenção de IRC de que a Fundação veio a beneficiar.
A Fundação beneficiária dos donativos é uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural, daí que, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea d) do Estatuto do Mecenato, na redacção vigente ao tempo (e supra transcrita), os donativos efectuados pelos fundadores destinados à dotação inicial da fundação pudessem ser considerados na sua totalidade custos ou perdas do exercício dos fundadores.
Os pressupostos substantivos deste benefício são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga finda de natureza predominantemente social ou cultural.
Sabido que os benefícios fiscais, quanto ao modo pelo qual operam, são automáticos, quando resultam directa e imediatamente da lei, ou dependentes de reconhecimento, quando pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento, impõe-se averiguar como opera o benefício fiscal em causa.
Ora, resulta com mediana clareza do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99 de 16/3, que o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
Daí que se os fundadores quisessem, na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2003, deduzir integralmente como custo os donativos que efectuaram para a dotação inicial da Fundação, teriam de ter pedido o reconhecimento de tal benefício fiscal, o que não fizeram.
O que fizeram foi, a partir do momento em que adquiriram, de forma automática, o direito ao benefício fiscal de deduzir os custos com os donativos destinados à «dotação inicial» desta Fundação «de iniciativa exclusivamente privada e que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural», reclamar da autoliquidação de IRC do exercício de 2003 na parte tocante aos custos, pretendendo que o benefício, que agora lhes é reconhecido pela lei (benefício automático), estendesse os seus efeitos à data em que começou a entregar os donativos destinados à dotação inicial daquela Fundação.
E bem, assim o julgamos.
É que, nos termos do então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo».

Ou seja, salvo nos casos em que a lei disponha de outro modo – o que não é o caso dos autos –, o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos – cf. artigo 4.º nº 2 do EBF (actual 5.º, n.º 2).

Ora, como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2003, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2003, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Código do IRC».

Em consonância com o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a impugnação judicial, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, por remissão para o sumário doutrinal do referido acórdão de 23 de Outubro p.p.:
I - O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 1.º do Estatuto do Mecenato é, em regra, dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
II - Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos – este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então art. 11.º (actual art. 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da fundação.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente.

Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.

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Lisboa, 15 de Janeiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Pedro DelgadoCasimiro Gonçalves.