Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0148/13 |
Data do Acordão: | 01/15/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | BENEFÍCIOS FISCAIS FUNDAÇÃO |
Sumário: | I – O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 1.º do Estatuto do Mecenato é, em regra, dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC. II – Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos – este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então art. 11.º (actual art. 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da fundação. |
Nº Convencional: | JSTA00068529 |
Nº do Documento: | SA2201401150148 |
Data de Entrada: | 02/04/2013 |
Recorrente: | A... SA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TTLISBOA |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL |
Legislação Nacional: | DL 74/99 ART1 N3. EBF ART11 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0471/13 DE 2013/10/23. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 864/11.2BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A………………, S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão da reclamação graciosa por ela deduzida contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2003, do grupo de sociedades de que é sociedade dominante (Nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.), por a Administração tributária (AT) recusar a dedução, como custo fiscal do exercício desse ano, dos donativos efectuados para dotação inicial da “Fundação B…………….” (adiante Fundação), no montante de € 12.530.000,00, possibilidade que a Impugnante sustentou com base no benefício concedido pelo art. 1.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Mecenato (O Estatuto do Mecenato foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, e revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).) (EM). 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: 1.3 A Fazenda Pública não contra alegou. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e substituída a sentença por acórdão que reconheça o direito da Impugnante deduzir como custo fiscal do exercício o donativo efectuado, com a seguinte fundamentação: «São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos a fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial (art. 1.º n.º 1 al. d) Estatuto do Mecenato, aprovado pelo DL n.º 74/99, 16 Março). 1.5 Os Juízes Conselheiros adjuntos tiveram vista. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou a ora Recorrente, porque não pediu o reconhecimento do respectivo benefício fiscal, não podia relevar como custo fiscal o donativo concedido a fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossegue fins de natureza predominantemente social e cultural e destinado à sua dotação inicial, o que passa por indagar se, vindo o direito a tal benefício a ser adquirido ulteriormente de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos –, este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da fundação * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: b) De acordo com o artigo 3.º dos estatutos a Fundação foi instituída sem qualquer fim lucrativo e «tem por objecto exprimir e concretizar o compromisso de intervenção social e apoio ao desenvolvimento por parte do Grupo G…………….., promovendo e apoiando, em Portugal e no resto do Mundo onde o Grupo opera, e em particular nos países de expressão portuguesa, programas de acção, iniciativas e actividades que visem ou favoreçam os avanços da Sociedade de Informação, os usos sociais dos meios e tecnologias de comunicação e informação, designadamente para a promoção da educação e formação tecnológica e cultural do combate à info-exclusão nas suas diferentes vertentes, bem como as que promovam a inovação e o desenvolvimento na promoção da saúde, da cultura e do desporto, e outras, directa ou em parceria com outras entidades que visem fins idênticos e, em particular, aquelas em que o Grupo detenha participações.» (cfr. fls. 10 do procedimento de reclamação graciosa apenso); c) No n.º 2 do artigo 5.º dos estatutos da Fundação foi estabelecido que as entidades fundadoras participam na Fundação com a dotação inicial de € 25.000.000,00, realizando € 10.000.000,00 em 2003 e o remanescente, nos anos seguintes, entre 2004 e 2005; d) Nos identificados estatutos foi clausulado que «Em caso de extinção da Fundação, a respectiva deliberação ou decisão fixará o destino do seu património, tendo em conta critérios de afectação a fins semelhantes aos da Fundação» (cfr. artigo 22.º dos estatutos); e) No exercício de 2003, a impugnante e as restantes fundadoras efectuaram doações para a dotação inicial da Fundação B……………. no montante global de €8.950.000,00 (cfr. fls. 27 a 35 e 398 do procedimento de reclamação graciosa); f) Na declaração Modelo 22 do exercício de 2003, impugnante e as restantes entidades fundadoras da Fundação B………………. acresceram os custos relativos aos donativos para efeitos do apuramento do lucro tributário (cfr. fls. 36 a 53 do procedimento de reclamação graciosa apenso); g) Em 12/07/2004 a Fundação B………………. recebeu o reconhecimento administrativo pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna (2.ª série), publicada no Diário da República, II Série, n.º 162 (cfr. fls. 70 dos presentes autos); h) Por despacho de 18/02/2005 do Ministro-adjunto do Primeiro-ministro, no uso da competência delegada pelo despacho n° 3503/2005, do Primeiro-Ministro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 34, de 17 de Fevereiro de 2005, foi declarada a utilidade pública à Fundação B……………….., publicado pela Declaração no 46/2005 (2.ª série) da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, no Diário da República n.º 45, de 04/03/2005 (cfr. fls. 71 dos presentes autos); i) Em 02/05/2005, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa um requerimento da Fundação B…………….. dirigido ao Ministro das Finanças em que peticiona o reconhecimento de isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do CIRC (cfr. fls. 72 a 80); j) Por Despacho de 03/03/2007 do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais por delegação de competência do Ministro de Estado e das Finanças, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi reconhecido à Fundação B…………….., com efeitos a partir de 04/03/2005, isenção de IRC, nas categorias B, E, F e G (cfr. fls. 82 e 83 dos presentes autos); k) Na sequência da notificação do despacho referido na alínea anterior, em 31/05/2007 a impugnante deduziu reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do grupo de sociedades, vertida na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2003, visando a correcção do lucro tributável apurado pelo Grupo, no montante de € 12.530.000,00 correspondente aos donativos concedidos à Fundação B……………. (€ 8.950.000,00) no sentido da sua dedução como custo e majoração na proporção de 40%, tendo invocado como fundamento, entre outros, a Circular n.º 13/2003, de 25 de Setembro, o estatuto de utilidade pública e o Estatuto do Mecenato (cfr. fls. 3 e segs. do procedimento de reclamação graciosa apenso e fls. 90 dos presentes autos); l) Em 20/03/2009, por despacho do Director de Finanças Adjunto, foi a reclamação graciosa indeferida, com a fundamentação constante da informação final, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 389 a 394 e 395 a 404 do procedimento de reclamação graciosa apenso); m) Em 22/04/2009, através do ofício com a referência 031362, de 20/04/2009, a impugnante foi notificada da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa (cfr. fls. 404 a 407 do procedimento anexo); n) A impugnante apresentou também reclamações graciosas referentes aos exercícios de 2004 e 2005, visando o reconhecimento fiscal das doações para a dotação inicial efectuadas nesses exercícios, tendo a reclamação graciosa relativa ao ano de 2005 sido parcialmente deferida por despacho de 08/05/2009 do Director de Finanças Adjunto, com a fundamentação constante da informação de fls. 120 a 136, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 149 dos presentes autos); o) Em 21/05/2009 a impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 2 e segs, do procedimento de recurso hierárquico); p) Em 30/03/2009 reuniu o conselho Geral da Fundação B……………….., para “apreciação e parecer quanto à proposta de alteração dos estatutos, submetida pelo Conselho de Administração” e deliberou por unanimidade, parecer favorável à referida proposta no sentido do n° 2 do artigo 22° dos estatutos, passarem a ter a seguinte redacção «2. Em caso de extinção da Fundação, o seu património será confiado às entidades fundadoras, devendo as mesmas afecta-lo a fins semelhantes aos da Fundação o que passará pela sua reversão para o Estado ou, em alternativa, a sua cedência às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas» (cfr. ponto 3 da ordem de trabalhos e acta n.º 12 a fls. 117 a 118); q) Por requerimento apresentado em 15/01/2010 a impugnante comunicou aos autos de procedimento de recurso hierárquico que a Fundação B……………… tinha procedido à rectificação dos estatutos, nos termos das actas n.ºs 13 e 20 (cfr. fls. 115 a 116); r) Pela Ap. 112/20100507 foi inscrita a alteração do n.º 2 do artigo 22.º dos estatutos da Fundação B………………., conforme certidão permanente de fls. 131 a 135 (cfr. fls. 120 a 130); s) Por despacho proferido em 27/12/2010 pela Subdirectora-Geral dos Impostos, o recurso hierárquico foi indeferido com os fundamentos invocados na informação n.º 2600 (cfr. fls. 73 a 83 do procedimento de recurso hierárquico); t) Através do ofício com a referência 006841, datado de 25/01/2011 a impugnante foi notificada da decisão referida na alínea anterior (cfr. fls. 84 a 86 do procedimento de recurso hierárquico); u) Em 26/04/2011 a impugnante remeteu por correio a petição inicial que deu origem à presente impugnação, que deu entrada neste Tribunal em 27/04/2011 (cfr. fls. 2 dos presentes autos); Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A questão suscitada neste recurso é em tudo idêntica à que foi tratada e decidida no recente acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 471/13 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em «A sentença recorrida […] julgou improcedente a impugnação do indeferimento de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC de 2003 deduzida pela ora recorrente, no entendimento de que a possibilidade de dedução pela impugnante como custo do exercício de 2003 do donativo que efectuou para a dotação inicial da Fundação B…………….. estava dependente de reconhecimento, porquanto nesse ano de 2003 ainda não havia sido reconhecida à Fundação o estatuto de utilidade pública e isenção de IRC, condições das quais dependia que o beneficio fiscal ficasse dispensado de reconhecimento nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, pois que, considerou a sentença recorrida, da interpretação conjugada da alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do EM, com o disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei, resulta que as doações para a dotação inicial de uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que seja dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC, permitem usufruir do benefício ali previsto a partir do momento em que a entidade beneficiária cumpra aquelas duas condições […]. Delimitada que ficou a questão a apreciar e decidir, passemos então a verificar qual a melhor interpretação da lei, o que continuaremos a fazer por remissão para o citado acórdão de 23 de Outubro p.p. 2.2.2 DA CONSTITUIÇÃO DO DIREITO AO BENEFÍCIO FISCAL «Dispõe o artigo 1.º do DL n.º 74/99 de 16/3, na redacção dada pela Lei n.º 60/99, de 14/9: Por sua vez, dispõe o artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, com a redacção dada pela Lei n.º 160/99: 1. São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades: Em causa nos autos está apenas a possibilidade de dedução como custo do exercício de 2004 da (parte) dos donativos efectuados naquele ano pelas empresas do grupo G……………. para a dotação inicial da Fundação B………………, porquanto à (restante) parte dos donativos efectuados pelas mesmas entidades e destinados ao mesmo fim realizados nos anos seguintes já se lhes reconheceu o direito a tal benefício fiscal, operando de forma automática, atento ao reconhecimento de utilidade pública e atribuição de isenção de IRC de que a Fundação veio a beneficiar. Ou seja, salvo nos casos em que a lei disponha de outro modo – o que não é o caso dos autos –, o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos – cf. artigo 4.º nº 2 do EBF (actual 5.º, n.º 2). Ora, como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2003, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2003, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Código do IRC». Em consonância com o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a impugnação judicial, como decidiremos a final. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, por remissão para o sumário doutrinal do referido acórdão de 23 de Outubro p.p.: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente. Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal. * Lisboa, 15 de Janeiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves. |