Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01116/04.0BELSB 01240/17
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:LOCAÇÃO FINANCEIRA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:Considerando que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão da questão colocada pelas partes, há que revogar, nesta medida, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23953
Nº do Documento:SA22018121201116/04
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, SA, deduziu impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes aos anos de 2000 e 2001, no valor total de € 683.639,17.
Por sentença datada de 11 de Maio de 2016, o Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) julgou a impugnação judicial improcedente.
Inconformado com esta decisão o B…………, SA (entidade incorporante da A…………, SA), veio interpor recurso daquela para este Supremo Tribunal.
O C…………. (entidade criada na sequência da aplicação ao B…………, SA, da medida de resolução prevista na alínea b) do nº 1 do artº 145º-C, na redação à data aplicável, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), veio requerer a sua intervenção nos autos.
Por despacho de fls. 298 foi admitida a intervenção nos autos, em litisconsórcio voluntário e por mera adesão.

Os recorrentes alegaram, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1.º A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), identificadas nos autos, respeitantes aos anos de 2000 e 2001, no valor total de € 257.594,34 e € 325.017,13, respetivamente, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, no montante total de € 101.027,70;
2.° Desde logo, considera a Recorrente que incorre a sentença recorrida em erro de julgamento de direito quanto à natureza jurídica das indemnizações pagas pela seguradora à locadora, ora Recorrente, em caso de perda total dos bens objeto de locação financeira;
3.° Com efeito, considera o Tribunal a quo que as indemnizações recebidas pela locadora, ora Recorrente, aquando das perdas dos bens locados configuram uma substituição do valor das rendas vincendas tendo, por isso, a mesma natureza daquelas, isto é, a natureza de contraprestação de serviços sujeita a imposto ou, dito de outro modo, uma natureza remuneratória e não ressarcitória;
4.º Efetivamente, do quadro jurídico resultante dos artigos 1.º e 10.º, n.° 1, alínea j) do Decreto- Lei n.° 149/95 de 24 de Junho, decorre que a locadora obriga-se a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do veículo ao locatário recebendo como contrapartida uma prestação;
5.° Já em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, a interrupção da relação sinalagmática existente entre locadora e locatário;
6.° Impõe-se, assim, distinguir entre a prestação paga pelo locatário no âmbito do contrato de locação financeira e a prestação paga pela seguradora em caso de perda total do bem objeto de locação financeira;
7.º Efetivamente, enquanto a primeira das prestações supra referida tem a sua fonte no contrato de locação financeira e numa relação sinalagmática entre locador e locatário, coisa diferente sucede já com a segunda prestação, qual seja, a indemnização paga pela seguradora, cuja fonte é já um evento externo ao aludido contrato e que visa compensar a locadora pela saída dos bens que se perderam do seu ativo. (cf., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.10.2012 e de 27.01.2016, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.° 01158/11 e n.° 0331/14);
8.º Em face do exposto impõe-se concluir que as indemnizações pagas pela seguradora à locadora, ora Recorrente, visam reparar o dano resultante da perda do veículo (ou do capital utilizado para a sua aquisição), sofrido por aquela, e com impacto na sua atividade, possuindo um caráter meramente ressarcitório e não tendo associada qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços sujeita a IVA (cf., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.10.2012 e de 27.01.2016, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.° 01158/11 e n.° 0331/14);
9.° Assim, as indemnizações recebidas pela Recorrente tendentes à reparação dos danos por aquela sofridos com a perda dos veículos não estão sujeitas a IVA, por não lhes estar associada qualquer relação sinalagmática que se traduza numa transmissão de bens ou prestação de serviços, possuindo caráter ressarcitório e não remuneratório;
10.º Por assim não ter decidido, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, determinante da revogação da sentença recorrida;
11.º No que concerne à incidência de IVA sobre as indemnizações importa ainda clarificar que se encontra consolidado, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de acordo com o qual se encontram excluídas da incidência do IVA, para além das indemnizações que tenham sido declaradas judicialmente, tal como resulta expressamente da alínea a) do n.° 6 do artigo 16.°, do Código do IVA, todas aquelas que tenham caráter meramente ressarcitório, como é o caso das indemnizações em questão nos autos;
12.º Com efeito, segundo o artigo 1.º do Código do IVA, encontram-se sujeitas a este imposto, entre outras operações, as transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso por um sujeito passivo agindo como tal;
13.º Ora, a doutrina converge no sentido de que o conceito de onerosidade, sublinhado neste preceito e, entre outros, nos artigos 2.° e 9.° da Diretiva do IVA, é fulcral para a definição do âmbito de incidência do imposto, uma vez que, enquanto imposto geral sobre o consumo, o mesmo incide unicamente sobre a atividade económica;
14.° Assim, não havendo qualquer conexão entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontre adstrito, uma vez que a obrigação nasce ex novo no momento em que é causado o dano, a entrega de uma indemnização, não pressupondo qualquer nexo sinalagmático com uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem carácter oneroso;
15.º Conclui-se, pois, que as indemnizações destinadas à compensação de uma lesão sem carácter remuneratório, por não remunerarem qualquer operação, antes se destinando a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços;
16.º A sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento por ter julgado não verificado o vício de falta de fundamentação;
17.º Refira-se que, contrariamente ao que perpassa da douta sentença recorrida, não invoca a Recorrente a total ausência de fundamentação da correção que subjaz aos actos tributários sub judice;
18.º Alega, ao invés, e em face do disposto no artigo 77.°, n.° 2, da LGT, a insuficiência da fundamentação constante do relatório de inspeção tributária quanto à tributação dos montantes faturados aos locatários, referentes à diferença entre a indemnização paga pela seguradora e o valor total das rendas vincendas e do valor residual, por falta de quantificação dos factos tributários, e, bem assim, por omissão das operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, o que impossibilita o eficaz exercício do direito de defesa pela Recorrente;
19.º Ora, por um lado resulta dos anexos 2 e 4 do relatório de inspeção tributária, dados por reproduzidos nos pontos d) e e) do probatório da sentença recorrida, as liquidações contestadas nos autos tributam a totalidade das quantias recebidas pela locadora, ora Recorrente, em virtude da perda total dos veículos locados, independentemente de se tratarem das indemnizações recebidas das seguradoras ou de se reportarem a eventuais “acertos de contas” com os locatários;
20.° Por outro, tal como decorre do ponto c) do probatório da sentença recorrida, os serviços de inspeção tributária referiram a existência de alguns contratos de locação financeira no âmbito dos quais a indemnização paga pela seguradora não foi suficiente para cobrir o valor total das rendas vincendas e do valor residual, afirmando que “(...) é faturado ao locatário essa diferença conforme se pode verificar como exemplo nos contratos 34445, 41982, 36941 e 40056 (…)”;
21.° Admitindo-se que nos aludidos casos concretos a locadora, ora Recorrente, tenha efetivamente faturado aos locatários a diferença entre o valor da indemnização e o valor do somatório das rendas vincendas com o valor residual, a fundamentação apresentada pelos serviços de inspeção tributária não é suficiente para tributar tais montantes, na medida em que, em violação do disposto no n.° 2 do artigo 77.° da LGT, dela não resulta a sua quantificação nem o apuramento da tributação que sobre eles incide;
22.° Deste modo, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por ter decidido não se verificar o vício de falta de fundamentação, quanto à tributação dos aludidos montantes, invocado na petição inicial;
23.° Com efeito, em face do disposto nos artigos 36.° do CPPT, 77.°, n.° 2, da LGT, 62.° do RCPIT e 268.°, n.° 3 da CRP, qualquer correção que venha a ser efetuada pelos serviços de inspeção tributária deverá ser-lhe notificada, contendo a respetiva fundamentação, a qual estará necessária e materialmente associada à decisão de procedimento, e que não deverá deixar de ser clara, congruente, suficiente e expressa:
24.º Ora, em face do dever geral de fundamentação expressamente consignado nos preceitos acima indicados, não pode deixar de concluir-se que a correção em apreço não se encontra devidamente fundamentada, no que respeita aos montantes relativos à faturação aos locatários dos valores correspondentes à diferença entre o valor da indemnização e o valor do somatório das rendas vincendas com o valor residual, pois os serviços de inspeção tributária não procedem à quantificação de tais montantes e tão pouco apresentam as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto respeitante a tais montantes;
25.° Em face de todo o exposto, não pode a sentença recorrida manter-se, impondo-se a sua revogação.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial e, nessa medida, determinada a anulação das liquidações adicionais de taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene relativas aos anos de 2003 e de 2004.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pelo provimento do recurso, determinando-se que o tribunal de 1ª instância proceda à ampliação da matéria de facto, por entender que, “(…) cumpriria ao tribunal a quo destrinçar e levar ao probatório, discriminadamente, todas as liquidações que tiveram por base os valores complementarmente pagos à Impugnante pelos seus clientes, por contraposição aos respeitantes às indemnizações satisfeitas pelas seguradoras, o que não foi feito.(…)”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a. A impugnante é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste na locação financeira.
b. Com base nas ordens de serviço n.°s 03/01/163 e 03/01/164, a Impugnante foi objeto de ação inspetiva de âmbito geral pelos serviços de inspeção tributária, com início em 15/07/2003, e que incidiu sobre a contabilidade, registos, auxiliares e demonstrações financeiras respeitantes aos exercícios de 2000 e 2001.
c. Do relatório de inspeção tributária elaborado na sequência daquela ação, cujo teor consta do PA anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais o seguinte:
(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III. 1— Exercício de 2000
(…)
III. 1.2 Imposto sobre o Valor Acrescentado
III. 1.2. 1 — Perdas Totais dos bens objecto de Locação Financeira
No âmbito do exercício normal da actividade, constatámos que a perda total dos bens objecto de locação financeira está prevista contratualmente, segundo o qual, em caso de ocorrência, conduz à resolução do contrato sendo o locatário obrigado a pagar o somatório das rendas vincendas e valor residual actualizado. Esta norma consubstancia assim, o vencimento antecipado das rendas, naturalmente sujeitas a IVA de harmonia com o art.° 1.° n.° 1 a) e alínea h) do n.° 2 do art.° 16°, ambos do CIVA. Constatámos no entanto que, nos contratos de locação financeira mobiliária, em consequência de perda total dos bens objecto de locação financeira, a empresa não procedeu à liquidação do IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) do capital em divida, designadamente rendas vincendas e valor residual e ainda juros, desde a última renda vencida até ao momento da perda total.
Porém, de acordo com as “condições gerais” dos contratos de locação, quando a perda do bem objecto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora. Deste modo o que está em causa não é o valor a restituir pela locadora ao locatário, relativa à indemnização recebida da seguradora, uma vez que não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA, mas sim o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativa ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem, uma vez que configura uma prestação de serviços face ao n.° 1 do art.° 4.° do CIVA.
Com os fundamentos expostos anteriormente, o valor total do IVA em falta, de harmonia com os artigos 7.° e 8.° e alínea h) do n.° 2 do artigo 16.° do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade é de 257.594,34, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr anexo n.° 2).
(…)
III. 2 — Exercício de 2001
(…)
III. 2.2 — Imposto sobre o Valor Acrescentado
III.2.2. 1 — Perdas Totais dos bens objecto de Locação Financeira
Conforme descrito para o exercício de 2000 (ponto III. 1.2.1), também neste exercício o valor total do IVA em falta, relativo às perdas totais dos bens objecto de locação financeira, de harmonia com os artigos 7.° e 8.° alínea h) do n.° 2 do artigo 16.º do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade é de 325.017,13 euros, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr anexo 4).
(…)
V — Direito de Audição — Fundamentação
(…)
Por outro lado de acordo com as “condições gerais” dos contratos de locação, quando a perda do bem objecto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário o valor da indemnização que venha a receber da seguradora.
(…)
(...). Refira que o pagamento da indemnização directamente à locadora resulta das próprias cláusulas contratuais.
(…)
Existem casos concretos no exame efectuado em que o valor da indemnização paga pela seguradora não chega para cobrir o montante total das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, donde é facturado ao locatário essa diferença, conforme se pode verificar como exemplo nos contratos 34445, 41982, 36941 e 40056”.
d. Como anexo 2 ao relatório de inspecção tributária consta um mapa resumo do IVA em falta referente a 2000, e um extracto da conta “226094... Perca total”, com movimentos e valores referentes àquele exercício, e cujo teor, constante de fls. 125 a 144 do PA aqui em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
e. Como anexo 4 ao relatório de inspecção tributária consta um mapa resumo do IVA em falta referente a 2001, e um extracto da conta “226094... Perca total” da contabilidade da impugnante, com movimentos e valores referentes àquele exercício, e cujo teor, constante de fls. 150 a 167 do PA aqui em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
f. O valor de cada uma das liquidações adicionais e de juros compensatórios impugnadas foi pago em 01.03.2004.
Nada mais se deu como assente.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Os recorrentes colocam duas questões distintas no presente recurso e que foram resolvidas na sentença recorrida, no entender dos recorrentes, enfermando de erro de julgamento de direito:
A da ilegalidade formal de falta de fundamentação do acto tributário impugnado e a da violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto subjacentes às liquidações impugnadas.

Começando pelo erro de julgamento respeitante à falta de fundamentação do acto tributário.
O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos constitui princípio constitucional com assento no n.º 3 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, bem como encontra acolhimento no artigo 77º, n.º 2 da LGT.
Já por várias vezes este Supremo Tribunal disse o que se deve entender por fundamentação suficiente e bastante em cumprimento das normas legais, cfr. entre outros o acórdão de 07/06/2017, no Processo n.º 0723/15, "A Administração Tributária cumpre este dever de fundamentação quando, estando em causa um acto de liquidação oficiosa de IVA, dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em divida, depois de identificar, individualizar e quantificar os fatores que utilizou nessas operações (...)".
Todavia, importa distinguir a fundamentação formal, que deverá, necessariamente, ser expressa, clara, suficiente, contextual e congruente e a fundamentação substancial inscrita no acto, esta última atinente à valia das razões de facto e de direito em que assentou a decisão.
Na verdade, conforme emerge da fundamentação jurídica plasmada no Acórdão deste STA, de 28/09/2011, tirado no Processo n.º 0494/11, "O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.
Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".
No caso, como bem se enfatiza na sentença recorrida, da mera análise do relatório de inspeção tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas, constata-se que aí foram explicitadas as razões de facto e de direito que estiveram subjacentes às liquidações adicionais de IVA, ora sindicadas.
Efetivamente, nos anexos 2 e 4 ao referido relatório, para os quais se faz expressa remissão, foram exaradas, com pormenor e clareza bastantes, as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto, aí tendo sido enunciada a base tributável considerada pelos serviços de inspeção tributária, por referência a cada um dos períodos de imposto, a correspondente taxa de imposto, e o respetivo valor de imposto.
De resto, dos termos da impugnação judicial em apreço, verifica-se que o Impugnante compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance, tendo captado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela Impugnada para efetuar as referidas liquidações.
Questão diversa da explicitação das razões por que a Recorrida procedeu à emissão dessas liquidações é a do seu tratamento sob o prisma fáctico-jurídico, que será conhecida de seguida.
Improcede, assim, nesta parte o recurso que nos vinha dirigido.

Alegam, ainda, os Recorrentes que o tribunal a quo incorreu em erro, ao concluir pela verificação dos pressupostos de facto e de direito para a emissão das liquidações impugnadas.

Defendem que, ao contrário das rendas vincendas, as indemnizações pagas pelas seguradoras, referentes às perdas dos bens objeto de locação financeira, não têm uma natureza remuneratória, mas sim ressarcitória, imputando, assim, erro de julgamento à sentença em crise, também quanto a esta vertente.
Invoca em favor da sua tese os acórdãos deste Supremo Tribunal datados de 21.10.2012 e de 27.01.2016, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.° 01158/11 e n.° 0331/14, cfr. conclusões 7ª e 8ª.

Efectivamente esta questão aqui trazida pelas partes já foi suficientemente escalpelizada e decidida por este Supremo Tribunal naqueles acórdãos acima referidos, não havendo agora razão, para, perante idêntica situação fáctica e jurídica, decidir de modo diferente.
Pode ler-se naquele primeiro acórdão referido, por ser o mais emblemático, que "…Neste caso, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora.
Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respectivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA.
Na verdade, aplicando ao caso o que ficou dito sobre o critério identificador do conceito de indemnização remuneratória, vemos que nas relações entre locador e locatário havia uma relação sinalagmática e onerosa enquanto a locadora propiciava ao locador, no âmbito do contrato de locação, o uso do veículo.
Já no que respeita à segunda situação as coisas são diferentes.
Com o acidente dá-se a intervenção de um evento externo que interrompe essa relação e constitui a causa da indemnização a pagar pela seguradora à locadora. Aplicando a doutrina do Parecer da Comissão Europeia, o pagamento a efectuar pela seguradora é motivado por um evento exógeno que não está de modo algum relacionado com a operação tributável que constitui a locação do veículo.
Por outro lado, a indemnização não cobre o ganho que a recorrida teria se o contrato chegasse ao fim, uma vez que, como resulta do probatório (ponto N), a recorrida não exigia o pagamento de quaisquer juros vincendos devidos até ao final do contrato e que seriam liquidados se o contrato fosse cumprido.
Pelo contrário, o valor pago pela seguradora visa apenas indemnizar a recorrida do capital afecto às operações, compensando-se da saída do seu activo dos bens que se perderam. Dito por outras palavras, o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing ou de aluguer de longa duração, mas os veículos, que constituem o objecto da actividade da recorrida, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários.
Não assiste razão à recorrente quando alega que “a indemnização paga pela seguradora deveria ser entregue ao locatário que, por sua vez, acertaria as contas com a locadora. Ora, assim sendo, apenas na óptica da esfera jurídica do locatário os montantes entregues pela seguradora podem ser qualificados com a natureza de indemnização…”.
Ainda no dizer deste acórdão, torna-se, desta forma, necessário esclarecer qual a origem do montante sobre que incidiram as liquidações, devendo o Tribunal “a quo” proceder à averiguação:
a) Se o imposto adicionalmente liquidado incidiu sobre as quantias pagas pela companhia seguradora em cumprimento dos respectivos contratos de seguro, ou se, pelo contrário,
b) incidiu sobre eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, correspondentes a verbas complementarmente pagas ao recorrido pelos locatários, na sequência do cumprimento dos respectivos contratos;
c) E quais os respectivos montantes.

Também no caso concreto dos autos, do exame ao relatório da inspeção, constata-se que aí se assinalou, expressamente, que "Existem casos concretos, no exame efetuado, em que o valor da indemnização paga pela seguradora não chega para cobrir o montante total das rendas vincendas e do valor residual, atualizado, donde é faturado ao locatário essa diferença, conforme se pode verificar como exemplo nos contratos 34445, 41982, 36941 e 40056." (ponto C. do probatório)
Todavia, como decorre dessa formulação, trata-se de um elenco meramente exemplificativo, pelo que cumpriria ao tribunal a quo destrinçar e levar ao probatório, discriminadamente, todas as liquidações que tiveram por base os valores complementarmente pagos à Impugnante pelos seus clientes, por contraposição aos respeitantes às indemnizações satisfeitas pelas seguradoras, o que não foi feito.
Na verdade, examinada a matéria de facto levada ao probatório, conclui-se que, com os factos selecionados pelo julgador da 1.ª instância, este Supremo Tribunal não pode resolver a questão decidenda, por não dispor de elementos factuais suficientes que lhe permitam destrinçar quais os casos que se mostram excluídos da incidência objetiva de IVA e os que, ao invés, estão sujeitos a tributação em IVA.
Assim, também agora, se impõe que o Tribunal recorrido faça um esforço probatório adicional no sentido de esclarecer as incertezas surgidas quanto à matéria de facto.
Assim sendo, impõe-se revogar, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 729º e no nº 3 do art. 722º, ambos do CPC, a sentença recorrida, devendo os autos regressar à 1ª instância para ser substituída por outra que decida após a averiguação da origem dos montantes de IVA liquidados nos autos, assim se concedendo provimento ao recurso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar à primeira instância para ampliação da pertinente matéria de facto.
Sem custas.
D.n.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.