Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:029/20.2BALSB
Data do Acordão:04/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:Não havendo, entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27537
Nº do Documento:SAP20210421029/20
Data de Entrada:03/10/2020
Recorrente:A……….., S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A………………, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.212/2019-T, datado de 4/02/2020, o qual julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela sociedade recorrente, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2013 e no valor total de € 108.547,81.
A recorrente invoca oposição com a decisão arbitral proferida no processo nº.695/2015-T, em 18/05/2016, já transitada em julgado (cfr.cópia junta a fls.29 a 85 do processo físico).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a sociedade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.5 a 27 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente Recurso vem deduzido contra a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 212/2019-T que manteve os actos tributários e em matéria tributária objecto do mesmo em confronto com a douta Decisão proferida no processo 695/2015-T;
2-A tese preconizada, a final, pelo Tribunal Recorrido, e no qual fundamentou a improcedência do Pedido Arbitral, assenta na (errónea e) ultrapassada ideia – quer (há muito) a nível doutrinal quer também Jurisprudencial – de que os empréstimos efectuados por uma sociedade a sociedades suas participadas são-no no interesse e exercício da actividade destas;
3-Tal como admite o próprio Tribunal Recorrido, a necessidade ou indispensabilidade de gastos tem de ser aferida caso a caso, e no seu sentido jurídico-económico, a ponto de se aferir se, nos âmbito da actividade (económica) do sujeito passivo em causa aqueles gastos são realizados ou incorridos no interesse do próprio – entendido como gastos incorridos dentro do seu escopo societário, tendo em vista o lucro;
4-No caso em apreço, não obstante o Tribunal Recorrido admitir – expressamente – que tal é o caso sub judice, veio a final, a adoptar uma posição restritiva (e inaceitável) relativa a esse já fixado (doutrinal e jurisprudencialmente) conceito de indispensabilidade de gastos, de actividade e de fonte produtora;
5-Nesta sede, importa relembrar que não é apenas da Decisão Fundamento que decorre a correcta interpretação do artigo 23.º do Código do IRC, mas que a mesma já se encontrava plasmada no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1236/05, onde se deixou lapidarmente escrito que “deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos”;
6-Ora, considerando que no caso em presença (i) os gastos suportados pela Recorrente com financiamentos não se relacionam exclusivamente com os empréstimos efectuados às suas participadas; (ii) que, não obstante isso, em qualquer caso os empréstimos concedidos às suas participadas foram efectuados com o claro objectivo de potenciar a geração de um activo do qual se esperavam (e resultaram) lucros e outros benefícios que se materializaram em rendimento na esfera da Recorrente;
7-Apenas se poderá concluir que andou mal o Tribunal Recorrido, e contra a doutrina e Jurisprudência citada (e muita outra que se poderia citar), aplicando mal o Direito, devendo a Decisão Recorrida, por isso, ser anulada e substituída por outra que determine a anulação dos actos em causa nos presentes autos.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da entidade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.124 do processo físico).
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A entidade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.128 a 130 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-O presente recurso por oposição não reúne os necessários pressupostos de admissibilidade pois muito embora se verifique a oposição quanto à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, e exista a necessária identidade quanto à questão de facto;
B-Constata-se que a orientação perfilhada no acórdão recorrido está de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do STA;
C-Justamente, conforme resulta da leitura do acórdão recorrido, que está em causa nos autos a interpretação e aplicação da alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC na redacção em vigor em 2013, sendo que relativamente a este normativo legal, com esta redacção em particular, existe jurisprudência consolidada do STA que tem reiterado o entendimento adoptado pelo acórdão recorrido;
D-Assim, entendeu o acórdão arbitral recorrido não ir contra a jurisprudência do STA nesta matéria sob pena de a sua decisão por ser revogada em sede de recurso por oposição;
E-Consequentemente, deve o presente recurso ser rejeitado por não estarem preenchidos os pressupostos para a sua admissibilidade.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência no caso concreto, assim não devendo conhecer-se do mérito do mesmo (cfr.fls.132 a 139 do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.105 a 111 do processo físico):

1-A Requerente dedica-se à actividade principal de montagem de materiais refratários, isolante e anticorrosivos e construção e projecto de instalações industriais.
2-A Requerente internacionalizou a sua actividade.
3-A internacionalização da Requerente foi assegurada através da constituição ou aquisição de participações maioritárias nas seguintes sociedades:
• B..., em Itália;
• C..., no Reino Unido;
• D..., em França;
• E..., no Japão;
• F..., na Índia;
• G..., na Polónia;
• H... Ltda., no Brasil;
• I..., S.A., em Portugal; e
• J..., Lda., em Portugal.
4-A Requerente contraiu diversos empréstimos, contabilizados nas diversas contas 2511 (Financiamentos obtidos – contas caucionadas/Empréstimos bancários) e 2512 (Descobertos bancários), que em 31-12-2013, totalizaram € 6.693.049,32.
5-A Requerente suportou encargos financeiros com os referidos empréstimos que contabilizou como gasto e que em 2013, ascenderam a € 395.585,67.
6-Uma parte dos financiamentos obtidos foi utilizada pela Requerente para conceder empréstimos não remunerados a 10 empresas participadas, associadas e subsidiárias, sujo saldo devedor em 31-12-2013 era o seguinte:


[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


7-Apenas o empréstimo concedido à participada K... BV (K...) foi remunerado, tendo sido reconhecidos, no período de tributação de 2013, rendimentos no montante de €13.203,70.
8-A Requerente financiou-se junto de entidades financeiras e dos próprios accionistas.
9-Não sendo possível, à data da formalização do contrato de financiamento com os accionistas, determinar o momento exacto do reembolso, ficou determinado que o reembolso seria realizado tão depressa quanto possível.
10-Os accionistas foram reembolsados do capital em dívida ao longo do exercício de 2014 porém, os juros acordados não foram, até esse ano, pagos ou colocados à disposição dos accionistas.
11-A Requerente procedeu ao reconhecimento dos juros dos encargos devidos e gerados nos exercícios em causa.
12-A opção pela não remuneração dos empréstimos tinha como propósito de curto prazo assegurar uma redução de custos operacionais das participadas e a médio/longo prazo assegurar que as mesmas contribuíam directa ou indirectamente para os resultados da própria Requerente.
13-A concessão de empréstimos não remunerados às participadas teve como objectivo expandir o mercado da Requerente, ganhar representatividade e credibilidade e adquirir novos clientes.
14-Foi devido à existência da sociedade G... na Polónia que a Requerente conseguiu angariar clientes e cumprir as suas obrigações decorrentes de contratos celebrados na Polónia.
15-No que respeita à B..., em consequência das operações realizadas foi deliberada a distribuição de dividendos em 2017.
16-A presença directa no mercado internacional através da localização das suas participadas, foi um factor decisivo da angariação de clientes e na adjudicação de serviços à Requerente.
17-Em 2013, a Requerente realizou às entidades relacionadas prestações de serviços num valor global de cerca de 11 milhões de euros.
18-A Requerente teve, em 2013, cerca de 28 milhões de euros de rendimentos no mercado externo.
19-À data da concessão do empréstimo, a sociedade J... Lda., encontrava-se na iminência de ser encerrada.
20-A Requerente tinha interesse em manter o cumprimento do contrato de leasing que se encontrava em vigor, relativamente a um imóvel detido pela J... Lda., de forma a evitar custos maiores para esta, decorrentes do incumprimento do contrato celebrado com a respetiva instituição financeira e a perda do bem.
21-A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, através da Ordem de Serviço n.º OI2016..., tendo por referência o exercício de 2013.
22-Em 19-10-2017, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, no qual a AT propunha as seguintes correções:
• não aceitação de encargos financeiros suportados com empréstimos bancários no valor de €313.912,62, referente ao ano de 2013, por não estar cumprido o requisito da indispensabilidade conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC;
• não aceitação dos custos suportados com juros de suprimentos efetuados pelos accionistas no montante de €33.324,00, por não estar comprovado o vencimento dos mesmos.
23-Em 03-11-2017, a Requerente exerceu direito de audição.
24-Em Novembro de 2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção no qual consta, além do mais, o seguinte:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



25-Mais consta do relatório de inspecção o seguinte:


[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


26-Na sequência da referida inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., no valor de €108.547,81.
27-A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo o referido ato de liquidação como objeto.
28-Tendo sido notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, em 30-11-2018, a Requerente exerceu direito de audição.
29-Em 24-12-2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... .
30-Em 14-11-2019, a AT procedeu à compensação, no âmbito do processo de execução fiscal, no montante de €107.805,07, com vista ao pagamento do valor liquidado.
X
O acórdão arbitral fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.37 a 43 do processo físico):

A-A Requerente foi constituída em julho de 1991, tendo como objeto social promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros. [cf. documento n.º 5 anexo à P. I.]
B-A estrutura de capital da Requerente foi alterada em meados de 2011, passando a pertencer a 100% ao “Grupo D...”, pois sendo então já detida em 50% pela “C... España, SL”, esta última adquiriu os 50% que pertenciam ao anterior acionista, a “E...”. [cf. PA junto aos autos]
C-A Requerente passou, desde então, a integrar plenamente o universo “C...”, grupo económico líder à escala global no setor da produção de eletricidade pela utilização de recursos renováveis. [cf. PA junto aos autos]
D-O que teve um impacto na sua estrutura de financiamento, pois deixou de ser financiada por terceiros e passou a ser financiada por empréstimos intra-grupo, tendo terminado em 2011 o financiamento externo que tinha obtido através de programas de papel comercial. [cf. PA junto aos autos]
E-A Requerente é uma holding intermédia do “Grupo C...” que, além de participações sociais em diversas sociedades do setor da energia, dispõe de recursos e estruturas técnicas e humanas que permitem criar sinergias e potenciar o desenvolvimento da atividade operacional por parte das respetivas subsidiárias.
F-No ano de 2011, a Requerente relacionava-se com as entidades e detinha as participações a seguir identificadas [cf. PA junto aos autos]:


[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


G-A participada B...” consubstancia um consórcio para a construção e exploração de parques eólicos.
H-O desenvolvimento da atividade da Requerente – o qual tanto é realizado diretamente, como indiretamente, através das suas subsidiárias/associadas e outras participadas – pressupõe necessariamente a concessão de empréstimos intra-grupo, na medida em que os referidos financiamentos se mostram essenciais à prossecução da atividade desenvolvida pelas suas participadas e, consequentemente, à atividade exercida pela própria Requerente, permitindo que aquelas obtenham lucros que, posteriormente, serão distribuídos à Requerente e que valorizarão as participações sociais da Requerente.
I-Os serviços prestados pela Requerente decompõem-se em [cf. PA junto aos autos]:
(1) Um fee de gestão, na medida em que as sociedades que desenvolvem os projetos energéticos recorrem aos recursos existentes na esfera da Requerente, com vista à exploração dos mesmos, designadamente, nas áreas administrativa, técnica, financeira e comercial.
(2) Um fee de manutenção, uma vez que os ACE’s “S...” e “T...”, no âmbito da sua atividade de produção de energia nas suas centrais de cogeração, recorrem aos recursos disponíveis na esfera da Requerente, tendo em vista a exploração de projetos, nomeadamente, na área da manutenção de equipamento.
J-Relativamente ao ano de 2011, a Requerente declarou os seguintes valores em sede de IRC [cf. PA junto aos autos]:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



[segue imagem, aqui dada por reproduzida]




K-No ano de 2011, a Requerente apresenta os seguintes saldos no que respeita a financiamentos, quer obtidos, quer concedidos [cf. PA junto aos autos]:
- Empréstimos obtidos: € 103.836.584,00;
- Empréstimos concedidos: € 113.852.159,00.
L-No concernente a gastos e rendimentos de financiamentos reconhecidos em 2011, estes cifram-se nos seguintes montantes [cf. PA junto aos autos]:
- Gastos: € 4.781.874,00;
- Rendimentos: € 3.437.136,00;
- Gastos líquidos: € 1.344.738,00.
M-Em virtude de, à data dos factos, deter uma participação social de 17,98% na sua participada “B...”, quer a Requerente, quer o “Grupo C...” em que esta se integra encontravam-se desprovidos da faculdade de impor à “B...” uma taxa de juro nos financiamentos diferente da que foi contratualmente acordada e praticada (no ano de 2011, uma taxa média de 4,448%).
N-Todos os contratos e acordos subjacentes à definição das taxas de juro praticadas foram aprovados por unanimidade pelos membros do consórcio “B...”, não tendo dependido de uma declaração unilateral de vontade da Requerente.
O-A discrepância entre a taxa de juro a que a Requerente obteve financiamento e a taxa de juro por ela praticada nos financiamentos concedidos é explicada pelo facto de os primeiros serem tendencialmente empréstimos de longo prazo, contrariamente ao que sucede com referência a estes últimos. [cf. documentos n.ºs 11 e 12 anexos à P. I.]
P-O objetivo era que a participada “B...” viesse a ser financiada com recurso a project finance, com empréstimos obtidos junto de terceiros, o que apenas não veio a acontecer dada a grave crise financeira instalada desde o ano 2011 [cf.documento n.º 13 anexo à PI]
Q-A coberto da ordem de serviço n.º OI2014..., foi a Requerente sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito geral, incidente nos exercícios fiscais de 2011 e 2012, a qual foi realizada pela Divisão de Inspeção Tributária –... da Direção de Finanças do Porto, tendo tido início em 08/01/2014 e termo em 05/05/2015. [cf. PA junto aos autos]
R-No âmbito do referido procedimento inspetivo, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à Requerente que indicasse, relativamente aos exercícios de 2011 e 2012, quais as taxas de juro praticadas nos empréstimos por si obtidos e concedidos. [cf. PA junto aos autos].
S-Na sequência desse pedido, a Requerente prestou o seguinte esclarecimento aos Serviços de Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:

Juros empréstimos obtidos (5% + Euribor 6M)


[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

T-Através do ofício n.º .../..., datado de 06/05/2015, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do …, remetido por carta registada, foi a Requerente notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição, tendo ali sido propostas as seguintes correções em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2011 [cf. documento n.º 6 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


U-Em 02/06/2015, a Requerente exerceu o direito de audição sobre aquele Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo ali preconizado que os financiamentos que concedeu às suas associadas mostram-se justificados e plenamente admissíveis à luz do disposto no art. 23.º, n.º 1, do Código do IRC (aplicável à data dos factos), pelo que a manutenção das correcções propostas se afiguram manifestamente ilegais [cf. documento n.º 7 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
V-As correções ao IRC da Requerente, referente ao exercício de 2011, mencionadas em T), foram integralmente mantidas no Relatório da Inspeção Tributária, tendo o exercício de direito de audição por parte da Requerente sido objeto de apreciação pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos constantes daquele Relatório e que aqui se dão por reproduzidos. [cf. PA junto aos autos]
W-As aludidas correções respeitantes à matéria coletável de IRC do exercício de 2011, tiveram subjacente a seguinte fundamentação plasmada no Relatório da Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:


[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


X-A Requerente foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º .../..., datado de 09/06/2015, da Divisão de Inspeção Tributária –...da Direção de Finanças do …, remetido por carta registada com aviso de receção. [cf. documento n.º 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
Y-Em virtude das referenciadas correções, foram efetuadas a liquidação adicional de IRC n.º 2015..., datada de 24/06/2015, referente ao exercício de 2011, no montante de € 92.997,89, a liquidação de juros compensatórios n.º 2015..., no valor de € 25.348,91, bem como a compensação n.º 2015..., datada de 29/06/2015, e a demonstração de acerto de contas n.º 2015..., na qual foi apurado um valor total a pagar de € 247.761,28, com data limite de pagamento voluntário a 27/08/2015. [cf. documentos n.ºs 1, 2 e 3 anexos à P. I.]
Z-A Requerente não efetuou o pagamento do montante de € 247.761,28, resultante da referida demonstração de acerto de contas n.º 2015... .
AA-Em consequência dessa falta de pagamento, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2015..., no valor de € 248.805,06. [cf. documento n.º 8 anexo à P. I.]
AB-A Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão daquele processo de execução fiscal, prestou uma garantia bancária, emitida pelo Banco Z...e à qual foi atribuído o n.º..., no montante de € 314.628,21. [cf. documento n.º 9 anexo à P. I.]
AC-Em 23 de novembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
A sociedade "A………………, S.A." veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi consagrado pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.212/2019-T (datada do pretérito dia 4/02/2020), invocando contradição com o aresto arbitral fundamento proferido no processo nº.695/2015-T, em 18/05/2016, já transitado em julgado, oposição essa respeitante à questão do enquadramento, ou não, na previsão do artº.23, nº.1, al.c), do C.I.R.C., em vigor em 2011/2013, norma com idêntica redacção nos dois anos fiscais citados, dos encargos financeiros suportados com empréstimos contraídos e não debitados às empresas associadas/do mesmo grupo empresarial a quem tais abonos viriam a ser concedidos.
Para tanto e em síntese, argumenta que a decisão arbitral recorrida sofre de erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição com o acórdão fundamento, manter a liquidação de I.R.C. de 2013, estruturada nos termos do artº.23, nº.1, al.c), do C.I.R.C., com fundamento na desconsideração da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros com empréstimos gratuitos concedidos às empresas participadas, desde logo, porque tal actividade não integra o objecto social do sujeito passivo de imposto. Que não tem sustentação legal o entendimento expresso no acórdão arbitral recorrido quanto ao conceito de indispensabilidade de gastos, enquadráveis na previsão do artº.23, nº.1, do C.I.R.C., na redacção então em vigor. Que se deve anular a decisão arbitral recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a anulação da liquidação de I.R.C. em causa nos presentes autos.
Pelo contrário, a entidade recorrida defende que o presente recurso deve ser rejeitado por não estarem preenchidos os pressupostos para a sua admissibilidade, antes de mais, porque a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do S.T.A.
Por sua vez, o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência no caso concreto, assim não devendo conhecer-se do mérito do mesmo.
X
Contemplemos, em primeiro lugar, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., normas que remetem, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao S.T.A. e visando decisão arbitral, são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que essa decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
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Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso concreto.
Examinemos, pois, o teor dos acórdãos em confronto (as decisões arbitrais, recorrida e fundamento) tendo sempre presente, como pano de fundo, a questão para que foi invocada a contradição de julgados, a qual consiste no enquadramento, ou não, na previsão do artº.23, nº.1, al.c), do C.I.R.C. (na versão em vigor nos anos de 2011 e 2013), dos encargos financeiros suportados com empréstimos (instrumentos de capital alheio para efeitos de regime contabilístico e fiscal) contraídos e não debitados às empresas associadas/do mesmo grupo empresarial a quem viriam a ser concedidos.
Ora, antes de mais, o sujeito passivo do acto tributário objecto da decisão arbitral recorrida é uma sociedade anónima sujeita ao regime geral de apuramento do lucro tributável e cujo objecto social se consubstancia na montagem de materiais refratários, isolante e anticorrosivos e construção e projecto de instalações industriais, sendo que a correcção meramente aritmética que substancia a liquidação, tem por base, além do mais, a constatação de que a actividade em questão (encargos financeiros com a contracção/versus concessão de empréstimos) não integra o objecto social do sujeito passivo de imposto (cfr.nºs.1, 5, 22 e 24 do probatório supra; artºs.15, nº.1, al.a), 17 e seg. do C.I.R.C.).
Já o sujeito passivo do acto tributário objecto do aresto arbitral fundamento é uma holding/SGPS (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª.Edição, Almedina, 2007, pág.380 e seg.). sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades/RETGS, mais não tendo a correcção meramente aritmética que substancia a liquidação, como vector fundante, a questão do objecto social do sujeito passivo de imposto (cfr.als.E), F), H), I) e W) da matéria de facto supra; artº.69 e seg. do C.I.R.C.).
Pelo que, e desde logo, do exame da factualidade provada nos arestos em confronto, não resulta que os sujeitos passivos em causa tenham a mesma natureza societária e que seja idêntica a sua relação com as empresas participadas.
Com objectos sociais e enquadramentos societários nitidamente diversos, fica prejudicado a exigida substancial identidade fáctica.
Por conseguinte e desde logo, não se verifica o segundo requisito de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, acima identificado (que exista contradição entre a decisão arbitral recorrida e fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto).
Por outras palavras, inexiste a pretendida identidade de situações de facto entre as apontadas decisões, sendo, precisamente, a diversidade dessas situações de facto e os distintos juízos que se formularam sobre a prova produzida nos respectivos autos, a imporem as diferentes soluções jurídicas em cada caso, assim não tendo, os arestos em confronto, consagrado soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Concluindo, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., desde logo, porque não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida adoptado entendimento oposto ao do acórdão fundamento no quadro de uma situação de facto similar. Não se verificam, portanto, os pressupostos de que depende o conhecimento do salvatério, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 21 de Abril de 2021


Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso