Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01307/13
Data do Acordão:10/25/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:DEMISSÃO
SUBSTITUIÇÃO POR PERDA DO DIREITO À PENSÃO
POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA
Sumário:É de admitir revista estando em discussão a substituição de demissão por perda de pensão e a possibilidade de aplicação do regime do artigo 4.º, 8, da Lei n.º 58/2008, de 09/09, aos abrangidos pelo Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública.
Nº Convencional:JSTA000P16468
Nº do Documento:SA12013102501307
Data de Entrada:07/22/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:MAI
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A……………………. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente acção administrativa especial contra o Ministro da Administração Interna, onde pede a declaração de nulidade ou a anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 12/12/2007, exarado no Parecer n.º 544-CM/07, da Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contenciosos do MAI, que aplicou, ao ora Recorrente, a sanção de perda do direito à pensão pelo período de quatro anos, em substituição da pena disciplinar de demissão.

1.2. Por sentença de 14/12/2009 aquela acção foi julgada improcedente.

1.3. Dessa sentença o ora Recorrente interpôs recurso jurisdicional para Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 11/04/2013, negou provimento ao recurso

1.4. É desse acórdão que o Recorrente vem requerer a admissão do presente recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, alegando, designadamente:
«10.º No entender do Recorrente, no presente recurso estão em causa questões cuja relevância ultrapassa o caso concreto e em que se manifesta a clara necessidade de melhor aplicação do direito.
11.º Com efeito, o Recorrente peticiona a anulação de uma decisão sancionatória que determinou a aplicação da pena substitutiva de perda de aposentação pelo período de quatro anos, proferida relativamente a factos ocorridos em 1997 (i.e., ocorridos há mais de quinze anos).
12.º A pena aplicada, como resulta dos autos cautelares apensos, encontra-se suspensa tendo, neste momento, o Recorrente/Arguido, 61 anos de idade, estando na condição de aposentado da Polícia de Segurança Pública (PSP) desde 14.12.1999, por ter sido considerado, com base em relatório ……….., incapaz para todo o serviço — cfr. alínea A) da fundamentação de facto do douto Acórdão recorrido e fls. 14 do processo administrativo apenso.
13.º Está, pois, em causa, desde logo, a aplicação e a efectivacão de uma pena disciplinar de perda de quatro anos de pensão a um trabalhador aposentado da PSP, por razões do foro …………….., que o declaram incapaz para todo o serviço.
14.º A pensão do Recorrente é, assim, a sua fonte de sobrevivência e sustento perante a condição de ter sido aposentado por doença invalidante, tendo deixado de reunir condições para exercer o cargo que desempenhou durante 23 anos — cfr. alínea C) da fundamentação de facto do douto Acórdão recorrido.
Salvo o devido respeito, e que é muito, está, assim, em causa, no entender do Recorrente, a aplicação e a efectivação de uma pena disciplinar que se afigura, para além de injustamente discriminatória (como se demonstrará), cruel ou degradante, em especial, por ser aplicada a um funcionário público aposentado por doença invalidante e que tem na sua pensão o rendimento essencial e indispensável ao seu sustento.
16.º Na verdade, a privação integral da pensão de aposentação por doença invalidante pelo período de quatro anos (encontrando-se o Recorrente já com 61 anos idade) violará de forma flagrante o princípio do respeito pela dignidade humana, reconhecido no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, e os próprios direitos humanos do Recorrente, tal como reconhecidos no artigo 25., n.º 1, da Declaração Universal Dos Direitos Do Homem, publicada no Diário da República, I Série, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978.
17.º Perdendo, in totum e por quatro anos, a pensão que lhe foi atribuída na sequência de aposentação por doença invalidante, o Recorrente deixará de poder prover ao seu sustento e, por ser pensionista da Caixa Geral de Aposentações, não terá sequer direito a pedir outros apoios do Estado, em sua substituição, que lhe permitam assegurar o mínimo de sustento ou subsistência durante o longo período de duração da sanção.
18.º Pelo que esta questão de direito, com manifesta relevância jurídica e social, não deverá deixar de ser apreciada por V. Ex.as, no âmbito do presente recurso.
19.º Para além da reapreciação da predita importantíssima questão, estão ainda em apreço, no caso sub judice, três questões jurídicas essenciais colocadas pelo Recorrente e que consistem em saber:
1.ª Questão; Se a ausência de proposta de pena, a proferir pelo instrutor do processo disciplinar nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RD/PSP — aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro), constitui uma ilegalidade que afecta ou não a validade do competente procedimento disciplinar e da respectiva decisão punitiva;
2.ª Questão: Se a manutenção da sanção disciplinar de perda de aposentação por quatro anos, aplicada ao Recorrente, aposentado da PSP, consubstancia ou não a violação do disposto no artigo 4.º, n.º 8, da Lei que aprovou o novo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas (Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro), que amnistiou as sanções disciplinares aplicadas a trabalhadores aposentados (sem proceder a qualquer distinção entre carreiras gerais e especiais);
3.ª Questão: Se, com a entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, mais precisamente o disposto no artigo 4.º, n.º 8, desse diploma legal, a aplicação ou a manutenção dos efeitos da aplicação de uma sanção punitiva de perda da pensão a um trabalhador aposentado da Polícia de Segurança Pública, deve ou não ser considerada manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, padecendo desse mesmo vício de inconstitucionalidade o disposto no artigo 35.º, n.º 2, do RD/PSP.».

1.5. O Recorrido sustentou a inadmissibilidade do recurso de revista alegando, nomeadamente:
«4° Ora, transpondo o que antecede para a situação concreta vertida nos autos, nomeadamente, da análise da presente petição de recurso constatamos que o recorrente não logrou demonstrar, nem do seu conteúdo se extrai, a existência dos pressupostos legais justificadores da revista, limitando-se a argumentar no sentido da sua pretensão substantiva.
5° Por um lado porque, não está em causa a apreciação de uma questão que, “pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental”, ao invés a relevância não ultrapassa os estreitos limites do caso concreto.
6° Com efeito, refere o ora Recorrente no artigo 10° da sua petição de recurso “...peticiona a anulação de uma decisão sancionatória que determinou a aplicação da pena substitutiva de perda de aposentação pelo período de quatro anos (...) Está, pois, em causa, desde logo, a aplicação e a efectivação de uma pena disciplinar de perda de quatro anos de pensão (...)”.
7° Contudo, face ao alegado será pertinente chamar à colação o entendimento desse venerando Tribunal, expresso no processo 1058/06, disponível no sítio da DGSI - o qual se reporta a uma situação de perda total de pensão de reforma -, que refere “... uma pena de privação de uma pensão de aposentação (…) pode vir a afectar as condições mínimas de subsistência do seu destinatário, mas o certo é que também o pode a pena de demissão de um funcionário no activo, ou mesmo a pena de inactividade por período longo, já que igualmente lhe corresponde perda total da remuneração, de modo definitivo ou temporário. E pode bem acontecer que o destinatário dessa pena não tenha outros meios de subsistência, nem possibilidade de os angariar. Teríamos então de considerar inconstitucional qualquer pena disciplinar que privasse o seu destinatário de um mínimo de subsistência durante um período longo de tempo, o que não parece razoável, pois estamos no campo do direito sancionatório disciplinar, que à semelhança do direito criminal, é eticamente fundado, na medida em que protege valores de obediência e disciplina, no quadro de um serviço público, necessários para o seu perfeito funcionamento e, portanto, visa também dar satisfação a um interesse público de punir (e não só prevenir) as infracções violadoras de determinados deveres funcionais, não sendo, portanto, sua finalidade assegurar aquele mínimo de subsistência aos infractores”.
8° Pelo que, nesta matéria é ponto assente que, na âmbito da direita sancionatório disciplinar, a pena aplicada (no culminar um procedimento regularmente conduzida) ao ora Recorrente encontra sustento legal.
9º Apenas se vislumbrando evidente a relevância para o caso em concreto, o que desde logo tem como consequência o não preenchimento do primeiro pressuposto legal para lançar mão deste recurso excecional.
10° Por outro lado, quanto à interpretação das normas invocadas não se entrevê a necessidade, e muito menos uma necessidade clara, de melhor aplicação do direito, pois não estamos perante a existência de erro evidente ou manifesto que inquine o Acórdão recorrido».

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado, como as partes reconhecem, a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. No caso em apreço, e como se vê do referido preliminarmente, foi instaurada acção com pedido de eliminação da sanção de perda do direito à pensão pelo período de quatro anos, em substituição da pena disciplinar de demissão.
Trata-se, portanto, de discussão envolvendo a pena disciplinar máxima.
Das diversas questões que o recorrente coloca, uma, a da ausência de proposta de pena, por parte do instrutor do processo disciplinar, pode ser desligada da natureza da sanção; as outras estão-lhe umbilicalmente unidas.

O problema da substituição da pena de demissão pela perda do direito à pensão foi já objecto de apreciação em acórdão deste Supremo de 15.6.2007, no processo 1058/06, sofrendo, depois, decisão sumária n.º 542/2008, no Tribunal Constitucional; muito correlacionado com ele, já antes havia sido objecto de apreciação neste Supremo o problema da substituição da pena de aposentação compulsiva pela perda do direito à pensão ‒ acórdão de 14.6.2005, no processo 108/2005, sobre que recaiu o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 28/2007.

Já o problema da interpretação e âmbito de aplicação do disposto no artigo 4.º, nº 8, da Lei n.º 58/2008, de 09/09, nomeadamente se é aplicável aos abrangidos pelo Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, e as consequentes questões de constitucionalidade, não foi ainda objecto de consolidado debate neste Supremo.
Estamos, pois, em sede de matéria que tem assinalável relevância jurídica e social, pelo que se justifica a sua apreciação em sede de revista, tal como solicitado, de modo a que a pronúncia por este Supremo possa, além da decisão do presente caso, servir de referente para casos futuros.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.

Sem custas, nesta fase.

Lisboa, 25 de Outubro de 2013. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – Rosendo José.