Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/18
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:EXCEPÇÃO DILATÓRIA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CUSTAS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário:O juízo de procedência da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária e consequente extinção da instância impossibilitam um qualquer aproveitamento ou subsistência, ainda que parcial, do juízo de mérito que havia sido emitido pelo tribunal a quo no pressuposto da regularidade da instância, respondendo unicamente o A. pelas custas da ação.
Nº Convencional:JSTA000P23397
Nº do Documento:SA120180607065
Data de Entrada:03/09/2018
Recorrente:ME
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A……….., devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco [doravante «TAF/CB»] a presente ação administrativa comum contra o “MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO” [«AGRUPAMENTO DE ESCOLAS JOÃO FRANCO»] [doravante «ME»], formulando, pelos fundamentos e motivação aduzida no articulado inicial, os seguintes pedidos:
i) seja «[d]eclarada judicialmente a caducidade do contrato de trabalho outorgado a 1 de setembro de 2008 e que cessou a 31 de agosto 2011»;
ii) seja condenado o R. «a pagar à Autora € 4 493,85 (…), a título de compensação (…) pela caducidade do contrato de trabalho»;
iii) seja condenado o R. «a pagar à Autora os proporcionais (8/12) de férias pelo trabalho prestado em 2011, no montante de € 915,41 …»;
iv) seja condenado o R. «a pagar à Autora os proporcionais (8/12) de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2011, no montante de € 915,41 …»;
v) seja condenado o R. «a pagar à Autora os proporcionais (8/12) de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2011, no montante de € 915,41 …»;
vi) seja condenado o R. «no pagamento de € 500,00 (…) a título de indemnização pelos danos morais …»;
vii) seja condenado o R. «a pagar à Autora os juros vincendos das quantias acima referidas, calculados à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento».

2. O «TAF/CB», por saneador-sentença de 14.06.2013 [cfr. fls. 92 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgando o R. como dotado, nomeadamente, de personalidade judiciária, veio a julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, «condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 5.408,01, a que acrescem juros de mora calculados desde a data da citação».

3. O R., inconformado recorreu para o TCA Sul [doravante «TCA/S»], o qual por acórdão de 30.03.2017 [cfr. fls. 210/225] «concedeu provimento ao … recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida no segmento em que condenou o Réu … a pagar à Autora … a quantia de € 4.493,85, a título de compensação por caducidade do contrato de trabalho, e em consequência, julgar verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Réu …, absolvendo o mesmo da instância quanto a tal pedido» e condenou nas custas «a recorrida … relativa ao presente recurso jurisdicional e, em primeira instância, … a recorrida e o recorrente na proporção de 88,2% e 11,8 %, respetivamente».

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., de novo inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 233 e segs.], apresentando, no que aqui ora releva, o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
3 - O Recorrente entende haver uma manifesta contradição/ambiguidade entre a conclusão jurídica sufragada pelo o TCA Sul (a falta de personalidade judiciária do Ministério, devidamente fundamentada na lei e na jurisprudência unânime do STA) e a decisão proferida (que viola o regime jurídico segundo a qual a exceção da falta de personalidade judiciária, que determina a absolvição da instância, prejudica/impede a apreciação do meritum causae, e a revogação da sentença frustra a apreciação, feita pelo tribunal recorrido, sobre a questão de mérito, dada a falta de personalidade judiciária do Ministério), enfermando, a esta parte, o Ac., designadamente, de nulidade - cfr. art. 615.º do CPC.
(…)
6 - O ME, a instâncias do Recurso dirigido ao TCA Sul peticionou a título principal que o MEC fosse considerada parte ilegítima, absolvendo-o da instância, e, subsidiariamente caso tal assim não se entendesse, que da apreciação do meritum causae viesse a resultar a absolvição do MEC do pedido formulado.
7 - O ME, aqui Recorrente, ao consignar peticionando, … deverá resultar a absolvição do MEC do pedido formulado” (sublinhado nosso) quando se refere ao pedido formulado, sem nada mais dizer, foi conclusivo no sentido de estar a referir-se ao pedido/pretensão formulado na sua totalidade pela Autora, aqui Recorrida, e não a parte deste.
8 - Porque o ME carece de personalidade judiciária, ou seja, da suscetibilidade de ser parte, de onde decorre a sua ilegitimidade processual, tendo sido absolvido da instância, esta absolvição prejudica todos os efeitos do conhecimento de mérito consumado em primeira instância, porquanto, a sua manutenção deixaria sair pela janela o que se fez entrar pela porta.
9 - A absolvição da instância, por ausência de personalidade judiciária de uma das partes afeta, de per si, toda a análise que o tribunal recorrido tenha feito da questão de mérito, independentemente de ter sido ou não recorrida tal análise, porquanto como a falta de personalidade judiciária é uma circunstância obstativa ao conhecimento do mérito, tal conhecimento feito pelo tribunal recorrido não se mantém como caso decidido, por ausência de um dos pré-requisitos (personalidade judiciária) para que o conhecimento do mérito pudesse ter sido realizado.
10 - O Recorrente que, por decisão do tribunal de recurso carece de legitimidade para ser parte (ausência de personalidade judiciária), com a revogação da sentença recorrida, a qual determinou a absolvição da instância, não pode ver mantida a sua condenação de 1.ª instância, que erradamente entrou pela análise do mérito, devendo antes ser absolvido da instância, com toda a sua extensão jurídica, e ilibado de qualquer condenação, seja em parte do mérito da relação material controvertida, seja a título de custas processuais.
11 - O TCA Sul considera que o recorrido ficou vencido em primeira instância em 914,16 euros, a título de remuneração correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço não gozado e, nessa parte, não recorreu (mas até recorreu, cfr. conclusões 6 e 7, e 16 e 17), no entanto ao manter este segmento decisório intocável, tal colide com o instituto jurídico da absolvição da instância, por falta de personalidade judiciária, que impede o conhecimento de mérito e, uma vez conhecido, é revogado, pois quem não tem personalidade judiciária, não a detém para todo o processo.
12 - O Ministério porque carece de personalidade judiciária, não é suscetível de ser parte e, por isso, tendo-se escudado, designadamente, na exceção, tal como fez no recurso, tudo quanto foi para além do que a exceção (considerada verificada), impugnado ou não, fica sem qualquer efeito porquanto quem reconhecidamente pelo TCA Sul não tem apetência para ser parte no processo não pode sofrer os efeitos próprios das partes - designadamente ser condenado no pedido, em parte, ou no seu todo.
13 - Tendo sido revogada a sentença recorrida com o fundamento na falta de personalidade judiciária do ME, e determinando-se a absolvição do ME do pedido, consequentemente, prejudicado fica, ipso factu, o conhecimento do mérito, feito em primeira instância, pois esse conhecimento fica revogado com a revogação da sentença que o apreciou. Revogação esta não por ter sido bem ou mal decidido, mas porque não poderia ter sido decidido/conhecido.
14 - O Recorrente, não podendo ser parte, com a revogação da sentença recorrida, que determina a absolvição da instância, não pode ver mantida a sua condenação de 1.ª instância por decisão do tribunal que, erradamente, entrou pela análise do mérito, o que para além de ser um contrassenso, a análise do mérito efetuada fica prejudicada e, assim, o TCA Sul deveria ter ficado onde ficado o deveria ter o TAF - no quadro normativo da exceção, caindo tudo o demais.
15 - Tendo sido o ME absolvido da instância pelas razões já delineadas, tem de ser ilibado de qualquer condenação, seja na totalidade do mérito da relação material controvertida, seja a título de custas processuais.
16 - Com os excertos da decisão do TAF de Castelo Branco, transcritos e/ou resumidos, em sede de recurso dirigido ao TCA Sul (cfr. a fls. 3 do texto do recurso), não se pretendeu fazer qualquer explicitação exaustiva da sentença recorrida, mas apenas exemplificativa, havendo todo o cuidado em utilizar as expressões DESIGNADAMENTE e devidamente sublinhadas, para que dúvidas não se suscitassem, pois, em termos de hermenêutica jurídica a expressão DESIGNADAMENTE é usada para designar que tudo quanto se lhe segue reveste natureza exemplificativa e não exaustiva e/ou taxativa.
17 - O Recorrente ao alegar, em sede de recurso dirigido ao TCA Sul (cfr. a fls. 1 e 2 do texto do recurso), de forma clara, e inequívoca, que “…notificado da Decisão proferida (…) não se conformando com o teor, fundamentação e sentido da mesma…” e, ainda, “ … não se conformando com o decidido (…) Vem interpor recurso (…) e requer a Vs. Exas. a revogação do decidido está a impugnar a decisão na sua totalidade, pois resulta, que o Recorrente não se conformando com o teor fundamentação e sentido da decisão requer ao TCA Sul a revogação do DECIDIDO, ou seja da sentença na sua globalidade, e não de qualquer parte em especial da sentença recorrida.
18 - O TCA Sul relegou para segundo plano questões prévias, impeditivas do conhecimento do mérito da causa, concretamente matéria de exceção - a ausência de personalidade judiciária por parte do ME -, remetendo para primeiro plano a questão de fundo, que ficaria prejudicada pela procedência da matéria de exceção, havendo, deste modo, uma inversão na hierarquia de prioridades legais que determinou o erro de julgamento por parte do TCA SUL - art. 87.º, n.º 1, alínea a) e art. 89.º, n.º 1 alíneas b) e d) ambos do CPTA.
Na verdade:
19 - O TCA Sul primeiro concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida no segmento em que condenou o ME a pagar à Autora a quantia de € 4 493,85, a título de compensação por caducidade do contrato de trabalho e, em consequência, julgou verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação absolvendo-o da instância quanto a tal pedido quando deveria, primeiro julgar verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, absolvendo o Ministério da Educação da instância, porquanto é a falta de personalidade judiciária quem determina a absolvição da instância e, por decorrência, a revogação da decisão recorrida e não o contrário.
Normas jurídicas violadas:
Conforme se disse supra, com o devido respeito, a Decisão ora impugnada, em nosso entendimento, infringiu, designadamente, o disposto nos preceitos legais a saber:
… Art. 89.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPTA;
… Alínea a), do n.º 1, do art. 87.º, do CPTA;
… Art. 576.º, n.º 2 e art. 577.º, alíneas c) e e), ambos do CPC;
… Art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC;
… Art. 9.º do CC …».

5. Devidamente notificada a A., aqui ora recorrida, não veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 284 e segs.].

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 08.02.2018 [cfr. fls. 301/303], veio a ser admitido o recurso de revista consignando-se na sua fundamentação de que o «… presente recurso tem por objeto este entendimento do TCA Sul, ou seja, o entendimento de que o Ministério da Educação apenas tinha recorrido da parte da sentença que o condenou a pagar à autora a quantia devida a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e por entender, ainda, que a sua absolvição da instância, por falta de personalidade judiciária, deveria implicar a absolvição da instância relativamente a todas as pretensões formuladas nos autos. (…) é discutível a interpretação acolhida no acórdão, segundo a qual a crítica que uma das partes dirige ao saneador, relativa à falta de um pressuposto processual (falta de personalidade judiciária) seja limitada apenas a alguns dos pedidos formulados na ação. (…) Por outro lado, tendo o acórdão recorrido julgado procedente o recurso do despacho saneador sobre a falta de personalidade judiciária do réu, não se mostra juridicamente fundamentada através de um discurso plausível a conclusão a que chegou o TCA Sul, ao revogar apenas parcialmente a sentença recorrida e absolvendo o réu da instância apenas, quanto a um dos pedidos formulados na ação …».

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu pronúncia no sentido de se dever conceder provimento ao recurso [cfr. fls. 310/312], pronúncia essa que, objeto de contraditório, não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 313 e segs.].

8. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.






DAS QUESTÕES A DECIDIR
9. Constituem objeto de apreciação nesta sede, para além das nulidades de decisão por alegada infração do acórdão recorrido do disposto no art. 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC [na redação dada Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], ainda o assacado erro de julgamento acometido àquela decisão pelo R./Recorrente, visto considerar o juízo nela firmado em violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 87.º, n.º 1, al. a), 89.º, n.º 1, als. b) e d), do CPTA [na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], 576.º, n.º 2, 577.º, als. c) e e), ambos do CPC ex vi do art. 01.º do CPTA, e 09.º do CC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Nos termos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC dá-se aqui como reproduzida a factualidade dada como provada no acórdão recorrido e como assente, com relevância para as questões objeto deste recurso, o seguinte quadro factual:
I) O «TAF/CB», por saneador-sentença de 14.06.2013 julgando o R. «ME» «como dotado, nomeadamente, de personalidade judiciária, veio ainda a julgar parcialmente procedente a ação administrativa comum contra si instaurada pela A. e, em consequência, «condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 5.408,01, a que acrescem juros de mora calculados desde a data da citação» [cfr. fls. 92 e segs. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
II) O R., inconformado com aquela decisão, recorreu para o «TCA/S» nos termos e pelos fundamentos aduzidos nas alegações de recurso insertas a fls. 120 e segs. dos autos e cujo teor aqui se tem por reproduzido.
III) O «TCA/S», por acórdão de 30.03.2017, «concedeu provimento ao … recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida no segmento em que condenou o Réu … a pagar à Autora … a quantia de € 4.493,85, a título de compensação por caducidade do contrato de trabalho, e em consequência, julgar verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Réu …, absolvendo o mesmo da instância quanto a tal pedido» e condenou nas custas «a recorrida … relativa ao presente recurso jurisdicional e, em primeira instância, … a recorrida e o recorrente na proporção de 88,2% e 11,8 %, respetivamente» [cfr. fls. 210/225 dos autos e cujo teor aqui se tem por reproduzido].

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DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista supra enunciado.
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DAS NULIDADES DE DECISÃO

12. Argumenta o recorrente «ME» que o acórdão sob impugnação padece de nulidade por contradição/ambiguidade entre a conclusão jurídica firmada [de procedência da exceção de falta de personalidade judiciária] e a decisão proferida, convocando como normativos violados as als. b) e c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC [conclusões 03.ª) e 19.ª) das alegações].
Analisemos.

13. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC “ex vi” dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

14. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade” e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas «quando: … b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível …” [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» - [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] - se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” [n.º 4].

15. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - ou por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC.

16. Presente a alegação do recorrente «ME» mostra-se evidente que a referência na mesma à infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC se deve a mero lapso já que da motivação que foi aduzida nenhuma se reporta ou integra a aludida alínea, na certeza de que sempre a mesma improcede, porquanto visto a decisão judicial sindicada da mesma constam, com o mínimo de suficiência e de explicitação, os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

17. Passando, agora, à análise da nulidade da decisão prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma, na sua primeira parte, assenta na contradição localizada no plano da expressão formal da decisão, redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, ou seja, traduz-se numa contradição de ordem formal quanto aos fundamentos estabelecidos e utilizados na mesma e não aos que resultam do processo.

18. Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC de o juiz fundamentar as suas decisões e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu inciso decisório deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor], ou seja, os fundamentos de facto e de direito insertos no acórdão devem ser logicamente harmónicos com a sua pertinente conclusão decisória, enquanto corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito e que tal não se verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.

19. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão do acórdão, e outra, radicalmente diversa, é o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste.

20. É que a nulidade em questão nada tem que ver com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação, visto que, quanto muito, estaremos em face de erro de julgamento, mas não desta nulidade.

21. Temos que, por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível.

22. A decisão só é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.

23. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.

24. Cientes dos considerandos caracterizadores da nulidade de decisão sob análise temos que na situação vertente, à luz do enquadramento supra efetuado e uma vez analisada a estrutura global da decisão judicial impugnada, a respetiva conclusão decisória mostra-se encadeada com a motivação fáctico-jurídica desenvolvida, inexistindo a nulidade de decisão apontada, já que a discordância do recorrente estriba-se ou radica numa diversa e discordante interpretação do direito ou da sua aplicação.

25. O saber e determinar se o juízo firmado se mostra acertado ou não, por alegadamente ter errado na subsunção dos factos ao direito e na interpretação das normas aplicáveis quanto aos efeitos do juízo de procedência da exceção de falta de personalidade judiciária, consubstanciará eventual erro de julgamento, erro esse que, manifestamente, não se integra na previsão do normativo em referência.

26. De igual modo não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso expendido, porquanto o seu sentido é claro e perfeitamente inteligível, não se vislumbrando no mesmo alguma passagem que se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos e que, dessa forma, possa por em causa a sua cabal e total compreensão.

27. Não ocorrem, por conseguinte, as arguidas nulidades de decisão invocadas pelo recorrente «ME».

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DO ERRO DE JULGAMENTO

28. Insurge-se ainda R., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, concedendo provimento ao recurso por procedência da exceção relativa à personalidade judiciária, revogou «a decisão recorrida no segmento em que condenou o Réu … a pagar à Autora … a quantia de € 4.493,85, a título de compensação por caducidade do contrato de trabalho» e que, em consequência de haver julgado «verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Réu», o absolveu «da instância quanto a tal pedido», condenando-o nas custas «em primeira instância (…) na proporção de (…) 11,8 %».
Vejamos.

29. Nos autos não se mostra como controvertido o juízo que veio a ser firmado pelo «TCA/S» no acórdão recorrido de procedência da exceção dilatória relativa à falta de personalidade judiciária do R. «ME» e da impossibilidade de sanação da mesma em face, nomeadamente, do disposto nos arts. 10.º do CPTA, 05.º, 08.º, 288.º, 493.º e 494.º, todos do CPC [na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013].

30. Temos, por outro lado, que ressalta dos termos e teor das alegações de recurso de apelação produzidas pelo R. «ME» de que o mesmo se insurge «contra a decisão proferida» pelo «TAF/CB», discordando, primeiramente, da afirmação de que o mesmo detinha personalidade judiciária e legitimidade processual passiva e, assim, não haver sido absolvido da instância, e, de seguida, para o «caso de tal assim se não entenda», do juízo de mérito feito, concluindo pela «absolvição … do pedido formulado».

31. A finalidade dum processo judicial declarativo realiza-se quando, em resposta a pretensão e pedido formulado, o tribunal emite decisão de mérito, condenando ou absolvendo do pedido [total ou parcialmente].

32. Ocorre que, para que o tribunal possa, no exercício da sua função, emitir um tal juízo de mérito sobre a causa que lhe foi submetida a apreciação, exige a lei processual a verificação ou o preenchimento de determinadas condições ou requisitos, denominados de pressupostos processuais, respeitantes, mormente, às partes, ao tribunal, ao objeto do processo e à relação entre as partes e este objeto.

33. Tais pressupostos, com uma função especificamente processual, não se confundem com aquilo que constituem as condições de fundo da ação, ou seja, com as condições ou requisitos exigidos para a procedência da ação mediante a obtenção de decisão favorável à pretensão/pedido.

34. Constituindo os pressupostos processuais condições de verificação necessária para a possibilidade de vir a ser emitida uma decisão judicial de mérito, seja ela favorável ou desfavorável à pretensão deduzida, temos que, na sua falta e/ou na impossibilidade da sua sanação ou suprimento, tal conduz ou implica que o juiz não poderá, não estará habilitado, a entrar na análise de fundo da causa e emitir uma pronúncia sobre o mérito ou demérito da pretensão/pedido que lhe foi presente para julgamento, restando-lhe, simplesmente, por fim ao processo através de decisão de forma, absolvendo da instância ou, se for o caso, determinando a remessa do processo para outro tribunal [cfr., entre outros, os arts. 287.º, 288.º, 289.º, 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, 495.º do CPC (na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013) ex vi dos arts. 01.º e 42.º, n.º 1, do CPTA - atuais arts. 277.º, 278.º, 279.º, 576.º, 577.º e 578.º do CPC].

35. Acarretando ou implicando o juízo de procedência de exceção dilatória que conduza à absolvição da instância o término ou a extinção desta, por efeito de uma pronúncia de mera forma, como é o caso da falta de personalidade judiciária à luz do quadro legal convocado e então aplicável, tal significa que, essa pronúncia, obsta a que a instância, estando ou ficando extinta na sua inteira globalidade, possa prosseguir para o conhecimento de mérito da pretensão que na mesma foi formulada.

36. Nessa medida, detendo ou possuindo esse efeito global obstativo quanto à possibilidade de emissão dum juízo quanto ao mérito por parte do julgador já que este, lógica e materialmente, carece de poder para esse efeito, então, temos que a emissão, em sede de recurso, de uma decisão que venha, ao invés do que se havia considerado em 1.ª instância, a julgar procedente a exceção dilatória com consequente total absolvição do R. da instância [no caso, por falta de personalidade judiciária do R. «ME»], conduz a que extinta a instância com e por efeito dum tal julgamento da matéria de exceção dilatória o juízo de mérito que havia sido feito pelo tribunal a quo resulta, na sua totalidade, eliminado da ordem jurídica, visto aquele juízo deixou de mostrar-se estribado naquilo que eram as condições e requisitos legalmente impostos e exigidos para a valia dum tal tipo de pronúncia.

37. Perante a pronúncia do tribunal ad quem, eliminando e substituindo o julgamento que havia sido feito quanto à exceção dilatória em crise, daí derivou, como consequência direta, necessária e indubitável, a extinção da presente instância, extinção essa que opera na sua globalidade face ao alcance e efeitos desse juízo de impossibilidade de se poder vir a proferir ou de se poder vir manter ou fazer subsistir uma qualquer decisão de mérito que tivesse sido prolatada, tanto mais que, quanto ao R. nela demandado, se conclui que, de harmonia com o normativo processual supra convocado, contra o mesmo não era possível requerer ou deduzir pretensão como aquela que havia sido deduzida, ou seja, o mesmo, enquanto centro de imputação de direitos e obrigações, não era suscetível de poder vir a ser considerado como parte processual e, nessa qualidade, demandado quanto ao pedido na sua totalidade.

38. Assim, em decorrência do juízo de absolvição da instância firmado pelo «TCA/S», por procedência da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária do «ME» para ser réu na presente ação administrativa comum, impunha-se a extinção da instância fundada numa tal causa e a extinção da própria relação jurídica processual, extinção essa que impossibilita um qualquer aproveitamento ou subsistência, ainda que parcial, do juízo de mérito que havia sido emitido pelo «TAF/CB» no pressuposto da regularidade da instância.

39. Com efeito, o mesmo resulta plena e totalmente eliminado da ordem jurídica em resultado da extinção da instância operada, dado se ter tornado impossível a sua subsistência, tanto mais que aquela extinção aporta ou implica a eliminação dos trâmites e dos juízos, mormente, de mérito, que hajam sido, eventualmente, produzidos ou feitos, trâmites e juízos esses cuja manutenção pressupõe ou está condicionada pela validade e regularidade da instância e que serão arrastados ou varridos no caso destas não se manterem.

40. Neste contexto e para efeitos das implicações que emergem da absolvição da instância fundada no juízo de procedência da exceção de falta de personalidade judiciária acabadas de referir irreleva, aliás, que o R., aqui ora recorrente, haja impugnado ou não o juízo de mérito que foi firmado ou se, impugnando-o o fez apenas em parte, e que consequências isso aporta à condenação em custas em sede de 1.ª instância, dado que, mercê da absolvição da instância fundada na procedência daquela exceção, as custas nessa instância são unicamente da responsabilidade da A., aqui ora recorrida.

41. Daí que não poderá manter-se, no segmento objeto de impugnação, o acórdão recorrido, já que lavrado em erro de julgamento [cfr., entre outros, os arts. 287.º, al. a), 288.º, n.ºs 1, al. c), 2 e 3, 289.º, 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, al. c), e 495.º do CPC (na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013) ex vi dos arts. 01.º e 42.º, n.º 1, do CPTA - atuais arts. 277.º, al. a), 278.º, n.ºs 1, al. c), 2 e 3, 279.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. c), e 578.º do CPC], impondo-se, nessa medida, a sua revogação, com as legais consequências.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão do «TCA/S» no segmento recorrido, e, na procedência da exceção de falta de personalidade judiciária do R., ora recorrente, absolver o mesmo da presente instância.
Não são devidas custas neste Supremo, sendo que as custas em 1.ª instância são da responsabilidade da A., aqui ora recorrida.
D.N..


Lisboa, 7 de junho de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.