Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0392/12
Data do Acordão:09/05/2012
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PRESSUPOSTOS
FUMUS BONI JURIS
Sumário:I - Sendo complexas e de difícil dilucidação as questões suscitadas, relativamente à validade e conformidade constitucional de determinada lei, a respectiva aplicação, no âmbito de processo cautelar, baseada em apreciação perfunctória e sumária dessas questões, como é próprio desse processo, na medida em que legitime o juízo de inexistência do requisito do fumus boni iuris, referido na alínea a), do número 1, do artigo 120, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, por não ser evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal e baseada na invocação de inconstitucionalidade de tal diploma legal, postula também o reconhecimento de que não é manifesta a falta de fundamento dessa pretensão do interessado e, por consequência, de que se verifica esse requisito, na respectiva formulação negativa, em conformidade com a previsão da alínea b) daquele mesmo 1.
II - Assim, deve ser revogado acórdão que, nas circunstâncias descritas supra em I, decidiu pela inexistência do referido requisito de concessão de providência cautelar conservatória, julgando prejudicada a apreciação das questões relativas à existência dos demais pressupostos de concessão de providência cautelar conservatória.
Nº Convencional:JSTA000P14475
Nº do Documento:SA1201209050392
Data de Entrada:06/04/2012
Recorrente:A...... AG
Recorrido 1:INFARMED, IP E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……… AG inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAC de Lisboa que indeferiu as providências ((i) de suspensão de eficácia dos actos de Autorização de Introdução no Mercado concedidas pelo Infarmed, (ii) intimação a não autorizar ou não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contra interessadas e de (iii) intimação da DGAE, na pessoa do MEI a abster-se de, enquanto a Patente 96799 e o CCP n.º 20 estiverem em vigor, fixar para os medicamentos em causa) intentadas contra INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE IP, MINISTÉRIO DA ECONOMIA E INOVAÇÃO e, como contra-interessados, B………, SA E C………, SA, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, concluindo:

1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

3. Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

4. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

5. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a aprovação de PVP, terem por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos genéricos das Contra -interessadas - violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, considerada pela lei como um crime.

6. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, “per se”, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

7. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133.°, n.º 2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial.

8. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do artigo 135.° do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18º da Constituição que tem aplicação directa.

9. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA.

10. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, da Lei n.o 62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

11. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.

12. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

13. As normas dos artigos 25.°, n.º 2 e 179.°, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.° e 135.° do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do INFARMED à luz dessas disposições.

14. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

15. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

16. As considerações cima expostas acomodam-se “mutatis mutandis” à aplicação do artigo 8.° da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

17. As disposições constantes do artigo 19.°, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.°, n.º 2 e do artigo 179.°, n.º 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.º 62/2011 -, bem como o artigo 8.°, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

18. Tendo o Tribunal “a quo” entendido que as normas constantes do artigo 19.°, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.o 1 e n.º 2, do artigo 25.°, n.º 2 e do artigo 179.°, n.º 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n,º 62/2011 -, bem como o artigo 8.°, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.°, 18.°, 62.°, n.º 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

19. A norma do artigo 9.°, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis preexistentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

20. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.°, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

21. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na acção principal de que estes autos cautelares são dependentes.

22. Com vista a uma "melhor aplicação do direito", deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

23. Com base nos factos materiais fixados nas instâncias resulta inegável que os autos administrativos a que estes autos se reportam têm por finalidade única permitir o lançamento no mercado de medicamentos violadores dos direitos de propriedade industrial da Recorrente, ou seja, o seu objecto mediato integra a violação de um direito fundamental de que a mesma Recorrente é titular, análogo aos direitos, liberdades e garantias, actividade essa que constitui um crime previsto e punido pelo artigo 324.° do Código da Propriedade Industrial, sendo nulos, nos termos do artigo 133.°, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA.

24. Mesmo que assim se não entendesse, seriam sempre tais actos anuláveis, nos termos do artigo 135.° do CP A, por ter como única formalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18.° da Constituição que tem aplicação directa.

25. Devendo dar-se por verificada a existência de “fumus boni iuris”, deve ser então apreciado por este Tribunal o requisito do periculum in mora, nos termos do artigo 150.°, n.º 3 do CPTA.

26. O não decretamento da providência requerida levará com toda a probabilidade ao lançamento dos medicamentos dos autos no mercado, o que determinará uma situação de facto consumado, já que a eliminação do exclusivo de comercialização da Recorrente será na prática eliminado sem possibilidade de vir a ser restabelecido, uma vez que os direitos da Recorrente caducarão antes de decorrido o prazo normal de julgamento definitivo da acção principal e jamais lhe poderá ser concedido novo prazo de tal exclusivo pelo período que perdurar a venda ilegal dos medicamentos das Contrainteressadas.

27. Verifica-se assim a situação de "fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado" a que se reporta o artigo 120.°, n.º 1, alínea b) do CPTA, ou seja, encontra-se verificado o requisito do “periculum in mora”.

28. A douta sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação erradas dos preceitos da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro acima citados, nos termos também acima expostos, violando, entre outros, os artigos 17.°, 18.°, 62.°, n.º 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, 133.°, n.º 2, alíneas c) e d) e 135.° do CPA e ainda o artigo 120.°, n.º 1, alínea b) do CPTA.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, devendo, assim
(i) considerar-se que a Lei n.º 62/2011 não tem aplicabilidade ao caso vertente e, subsidiariamente,
(ii) considerar que a Lei n.º 62/2011, quando interpretada e aplicada nos termos em que fez o Tribunal a quo, é inconstitucional e, consequentemente ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que decrete a providência requerida, assim se fazendo JUSTIÇA.

Contra-alegou o INFARMED pugnado pela manutenção do acórdão recorrido.

1.ª O presente recurso não preenche os pressupostos previstos no artigo 150.°/1 do CPTA, porquanto as questões em causa não são questões cuja relevância jurídica revista importância fundamental ou para a qual seja necessário um recurso de revista para melhor aplicação do direito.

2.ª Isto porque, a questão levantada pela Recorrente no presente recurso em nada se relaciona com os requisitos para a adopção de providências cautelares previstos no artigo 120.° do CPTA, afigura-se que as questões colocadas pela Recorrente não revestem um caracter excepcional para serem julgadas em sede de recurso de revista de um processo cautelar.

3.ª Aliás, refira-se que, com o presente recurso, a Recorrente apenas pretende antecipar a decisão de mérito que terá lugar no âmbito do processo principal de forma a beneficiar desde já do efeito suspensivo operado por um eventual deferimento da presente providência cautelar.

4.ª No entanto, se assim não se entender, e conforme tem defendido este Venerando Supremo Tribunal, se o que a Recorrente pretende é a declaração de inconstitucionalidade de determinadas normas da Lei 62/2011, então deve efectuar um recurso autónomo para o Tribunal Constitucional.

5.ª Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade Administrativa dirimir.

6.ª No passado dia 12 de Dezembro de 2011 foi publicada a Lei 62/2011 ("Lei 62/2011" ou "Lei"), dando nova redação ao n.º 2 do artigo 25.º do Estatuto do Medicamento que dispõe que "O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do n.º 4 do artigo 18.º ", resultando evidente que a interpretação agora efetuada sobre a referida norma não pode deixar de ser tida em consideração nos presentes autos.

7.ª E desta resulta expresso que, na apreciação dos pedidos de AIM, o INFARMED não tem competência para indeferir pedidos de concessão de AIMs com fundamento em direitos de propriedade industrial, e por consequência, também não tem competência para apreciar a eventual existência daqueles direitos.

8.ª Efetivamente, ao atribuir natureza interpretativa aos supra mencionados artigos do Estatuto do Medicamento, o legislador esclareceu, de forma inequívoca, que não só o procedimento de autorização de introdução no mercado de medicamentos apenas visa apreciar a qualidade, segurança e eficácia do medicamento, como também que nunca pretendeu conferir ao INFARMED competências em matéria de propriedade

9.ª Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA.

10.ª No entanto, ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do artigo 62° da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado.

11.ª Além disso, não se pode considerar o direito de propriedade industrial como um direito absoluto em sede de procedimento de concessão de AIM, desde logo porque existe, acima de tudo, um interesse público a defender, que consiste em assegurar a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos a serem colocados no mercado, e em garantir a sustentabilidade do SNS.

12.ª Acresce que, também os laboratórios produtores de genéricos têm interesses legítimos a defender, como é o interesse de poderem comercializar os seus medicamentos logo que as patentes caduquem ou assim que sejam declaradas inválidas.

13.ª Assim, e tendo em conta que nomeadamente nos termos do artigo 2.° da Lei 62/2011, os laboratórios titulares de patentes têm forma de reagir à eventual violação dos seus direitos de propriedade industrial, sublinhe-se que num procedimento de concessão de AIM não há apenas estes interesses a ser considerados .

14.ª Pelo que, não se justifica que exista uma protecção especial dos interesses dos laboratórios titulares de patentes, principalmente face ao interesse público, mas também face aos legítimos interesses dos laboratórios produtores de genéricos.

15.ª Face ao exposto, para além de resultar inequívoco que os direitos de propriedade industrial não são direitos fundamentais, resulta também que, ao contrário do defendido pela Recorrente, não há qualquer inconstitucionalidade da norma constante no artigo 9.°/1 da Lei 62/2011, que conferiu carácter interpretativo à nova redacção dada aos artigos 19.°, 25.° e 179.° do Estatuto do Medicamento por violação do artigo 18.°/3 da CRP.

A contra – interessada C……… contralegou pugnado pela manutenção do acórdão recorrido.

A. O presente Recurso de Revista vem interposto, pela Recorrente A……… AG, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 02.02.2012, no âmbito do Proc. n.º 08367/11, que negou provimento ao recurso jurisdicional que a Recorrente havia interposto da sentença proferida pela 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 19.10.2011, no processo n.º 1790/10.8BELSB, a qual julgara improcedente a providência cautelar subjacente.

B. Refere o art. 150,°, n.º 1 do CPTA que das decisões que o Tribunal Central Administrativo tenha proferido em 2ª instância poderá haver, a título excepcional, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando «esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.»;

C. O Recurso de Revista interposto pela Recorrente deve ser recusado, por não verificação dos pressupostos de que depende a sua admissibilidade e conhecimento, de acordo com o n.º 1 do art. 150.° CPTA, porquanto não se reconhece relevância jurídica ou social à questão, nem a admissão do recurso se mostra necessária para a melhor aplicação do direito, em vista da convergência de toda a jurisprudência sobre a matéria, coincidência das instâncias anteriores e alcance diminuto da questão jurídica subjacente, não se atendendo a questões fundamentais para a comunidade;

D. Mau grado os esforços da Recorrente para tentar demonstrar o contrário, as disposições da Lei n.º 62/2011, são muito claras e não suscitam as dúvidas. Com efeito, é cristalina a vontade do Legislador ao publicar esse diploma e esclarecer, sem que possa subsistir qualquer dúvida, que a concessão de AIMs e de PVPs, por si só, não violam eventuais direitos de propriedade industrial.

E. A admissão do referido recurso - de mais a mais, em sede cautelar - também não é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», não devendo o mesmo ser admitido na medida em que não se verifica, sequer, uma errada aplicação do direito, pois que, de acordo com o quadro jurídico aplicável, o douto Tribunal a quo bem andou tomar a sua decisão;

F. No caso em apreço, e ainda por reporte à alegação que a Recorrente promove quanto ao requisito de admissão do Recurso de Revista por tal apreciação ser «necessária para uma melhor aplicação do direito», o que não ocorre no caso concreto;

G. O Supremo Tribunal Administrativo já teve a oportunidade de se pronunciar em sede de recursos de revista envolvendo a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, não tendo admitido os respetivos recursos, conforme jurisprudência citada.

H. Ainda, subsidiariamente e sem conceder, cabe recordar a linha jurisprudencial restritiva do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de admissão de recurso de revista no âmbito de providências cautelares e, por outro lado, que o mesmo tem considerado não lhe caber, nessa sede, fora das situações tipificadas na 2ª parte do n° 4, do artigo 150° do CPTA, a revisão do juízo feito pelo TCA em matéria de facto;

I. No que diz respeito à questão de fundo, conforme julgado no douto Acórdão Recorrido, cumpre também acrescentar que a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, veio explicitar, inclusivamente com uma norma transitória, dotada de natureza interpretativa, que uma AIM ou PVP, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento; não tendo o mencionado procedimento administrativo por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.

J. A norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13°, nº 1 do C. Civil).

K. Para procurar explicitar uma pretensa inconstitucionalidade da norma do artigo 9.°, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, A Recorrente invoca, nomeadamente, uma linha jurisprudencial do Tribunal Central Administrativo Sul

L. Porém, não parece ser possível considerar que existe uma linha jurisprudencial uniforme quando, em bom rigor, existem, apenas, alguns acórdãos que seguem essa linha jurisprudencial. Com efeito, até ao momento, foram prolatados poucos acórdãos, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito dos recursos jurisdicionais referentes às ações principais, isto é, no âmbito próprio, por excelência, para conhecer da legalidade da emissão das AIM (ou PVP). Aliás, a esmagadora maioria das ações principais ainda se encontram por decidir em primeira instância. De resto, conforme bem se refere, em termos expressos, no Acórdão recorrido, o mesmo veio espelhar «uma das correntes jurisprudenciais anteriormente existentes» nesse Tribunal.

M. A linha de argumentação da Recorrente não colhe porquanto, além de não merecer apoio legal, não está aqui em causa, apenas, o direito à propriedade industrial mas, também, um conjunto alargado de outros direitos, com assento constitucional específico, como o direito à saúde (artigo 64.° da CRP), incumbindo ao Estado, em termos prioritários, «disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento de diagnóstico» (artigo 64.°, n.º 3, alínea e) da CRP).

N. Encontram-se em causa os direitos dos cidadãos (os seus direitos no âmbito da saúde), assim como os direitos que lhes advêm do benefício que o Estado retira da comercialização dos genéricos em termos económicos, em benefício para os cidadãos e, por outro lado, para o erário público.

O. Assim, a procedência da tese da Recorrente conduziria a uma inadmissível sobrevalorização, inconstitucional, do direito de propriedade dos titulares de patentes sobre o interesse público da proteção da saúde pública.

P. Neste sentido, mencione-se a recente jurisprudência do TCAS, para os quais o Acórdão recorrido remeteu, nos termos e para os efeitos do artigo 713.°, n.º 5 do CPC, ex vi artigo 140.° do CPTA.

Q. Os direitos económicos de exploração da patente e da exclusividade devem ceder numa colisão com o direito fundamental à saúde pública, que pode ser posta em causa por práticas restritivas da entrada de medicamentos genéricos no mercado.

R. Não refere a Recorrente, comodamente, que a Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, instituiu um mecanismo de proteção dos direitos de DPI, através da previsão de um recurso à arbitragem necessária (cfr artigo 2.° e 3.° da Lei n.º 62/2011), o qual lhe permite assegurar os direitos propriedade industrial que pretenda fazer valer, isto é, salvaguardando uma tutela jurisdicional efectiva.

S. Não colhem, por não demonstradas, as pretensas e vagas alegações de inconstitucionalidade imputadas pela Recorrente à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro.

T. Deve-se chegar à conclusão que estamos - contrariamente ao que defende a Recorrente perante uma lei nova que reveste natureza interpretativa. Com efeito, encontram-se preenchidos os dois requisitos necessários para o efeito: i). o conteúdo da anterior lei era, no mínimo, controvertido (ou pelo menos incerto); ii). a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia. Por outro lado, no caso em apreço, o julgador podia sentir-se autorizado a adotar a solução que a lei nova veio a consagrar.

U. Pelo que, não procedem as alegações da Recorrente a propósito de uma pretensa violação do princípio da confiança legítima - não padecendo o artigo 9.° e outras disposições da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, de uma qualquer inconstitucionalidade material -, pelo que devem as normas em apreço ser aplicadas ao presente processo cautelar e, consequentemente, julgar manifestamente improcedentes o presente recurso jurisdicional de revista.

V. No que diz respeito ao pedido de apreciação do periculum in mora, cumpre referir que não cabe ao Supremo Tribunal Administrativo, em recurso de revista, fora das situações tipificadas na 2.ª parte do n° 4, do artigo 150° do CPTA, o juízo feito pelo TCA em matéria de facto.

O Supremo Tribunal Administrativo admitiu a revista, por acórdão de 9-5-2012.

Neste Supremo Tribunal Administrativo o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, destacando em especial que o conhecimento das inconstitucionalidades invocadas extravasa o âmbito da revista numa providência cautelar.

A recorrente respondeu ao parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto.

Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento da revista.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

Os factos dados como provados no acórdão recorrido são os seguintes:

1- A autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos, denominados de: Valsartan ………, 40 mg comprimido revestido por película, Valsartan ………, 80 mg, comprimido revestido por película, Valsartan ……… 160 mg, comprimido revestido por película, aos B……… foi autorizado pelo Infarmed – cfr. processo instrutor, e admissão por acordo.

2- A autorização de introdução no mercado do medicamento genérico, denominado Valsartan ………, 40 mg, pela C……… SA foi autorizada pelo Infarmed – cfr. processo instrutor, e admissão por acordo.

3- A A……… AG é titular da patente n. 96 799, que, em síntese, protege a invenção de vários compostos de bifenilo básicos, e o processo de preparação das formulas galénicas e a utilização terapêutica das substâncias activas e formulações, e de entre os compostos de bifenilo encontra-se o composto com a denominação comum internacional de Valsatan – cfr. doc. de fls. 64 a 238 dos autos, e admissão por acordo.

4- A patente identificada em “3” foi pedida em 18 de Fevereiro de 1998, e vigora até 26 de Junho de 2013 – cfr. doc. de fls. 64 dos autos, e admissão por acordo.

5- Foi concedida à A……… AG o certificado complementar de protecção, com o n.º 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e à luz do qual a patente identificada em “3” supra vigorará até 26 de Junho de 2013 – cfr. doc. de fls. 241 e segs. Dos autos, e admissão por acordo.

2.2. Matéria de direito
2.2.1. Objecto da revista
A recorrente suscita duas questões: a primeira questão é a de saber se a Lei 62/2011 é aplicável ao caso vertente; a segunda questão é a de saber se a referida lei, se aplicável, é inconstitucional nos termos em que foi interpretada e aplicada nos presentes autos.

2.2.2. O acórdão recorrido
O acórdão recorrido apenas apreciou uma das condições de procedência das providências cautelares requeridas (o fumus boni juris), concluindo pela sua não verificação.

Justificou a sua decisão nos seguintes termos:

“(…)De imediato se deve dizer ser de manter, na íntegra, a sentença sob recurso, por não proceder o erro de julgamento de direito que contra ela vem assacada.

Em 12/12/2011 foi publicada a Lei nº 62/2011, que entrou em vigor cinco dias após a sua publicação (nos termos do artº 5º nº 2 do CC e artº 2º nº 2 da Lei nº 74/98, de 11/11), ou seja, em 17/12/2011.

Estabeleceu a Lei nº 62/2011, que “cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, alterado pelos Decretos - Leis n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106-A/2010, de 1 de outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1 de outubro” (cfr. artº 1º), no seu artº 9º, nº 1, referente a “Disposições transitórias”, o seguinte:

“1 – A redação dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”.

Para tanto, prevê-se no nº 8 do artº 19º do D.L. n.º 176/2006, de 30/08, que aprova o Estatuto do Medicamento, que: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6 e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos.”.

Por sua vez, os nºs 2 e 3 do artº 25º do citado diploma, dispõem que: “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º” e “para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos”.

Por último, o nº 2 do artº 179º do Estatuto do Medicamento, estatui que “a autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial”.

Assim, tendo presente a redação dos citados normativos, que o nº 1 do artº 9º da Lei nº 62/2011, de 12/12, atribui-lhes natureza interpretativa e que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC, não pode ser outra a decisão deste Tribunal ad quem senão a que mantenha a sentença recorrida, denegando procedência ao presente recurso jurisdicional.

Interpretando a referida Lei nº 62/2011, de 12/12 à luz da jurisprudência expendida por este Tribunal nos processos nºs. 8055/11, de 10 de novembro de 2011, 8121/11 de 17 de novembro de 2011 e nºs. 8258/11, 8312/11 e 8355/11, todos de 19 de janeiro de 2012, que espelham não só uma das correntes jurisprudenciais anteriormente existentes neste Tribunal e, essencialmente, na 1ª instância, como também a plenitude da visão deste Tribunal de recurso após a entrada em vigor da nova Lei, decidindo julgar improcedentes os recursos interpostos pelas titulares das patentes em casos muito similares, fazendo uso do disposto no nº 5 do artº 713º do CPC, subsidiariamente aplicável aos recursos ordinários de decisões jurisdicionais dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do artº 140º do CPTA, remetemos a fundamentação do presente Acórdão para a daqueles Acórdãos, designadamente, nºs. 8055/11 e 8312/11, de que juntamos cópias.

Deste modo, em face do todo que antecede, designadamente, pelas razões aduzidas nos citados arestos, aqui inteiramente aplicáveis, improcedem as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida.
(…)”.

2.2.3. Análise das questões suscitadas no recurso.
Como já referimos estão, essencialmente, em causa duas questões: a aplicabilidade da Lei 62/2011 ao presente caso; a inconstitucionalidade dessa lei, se for aplicável com a interpretação acolhida no acórdão recorrido.

Relativamente à primeira questão sustenta a recorrente que a AIM ou a aprovação dos PVP em causa violavam os direitos de patente por si invocados. Daí decorria um vício gerador de nulidade por força do disposto no art. 133º, 2 al. c) e d) do CPA, na medida em que era violado o conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção e decorria um vicio gerador de anulabilidade por força do disposto no art. 135º do CPA por desse modo se permitir “uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo que lhe era anterior”, ofendendo, nomeadamente, o art. 18º da CRP. Ora, a lei 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA e, por isso, a mesma não era aplicável a este caso – conclusões 1ª a 9ª.

A segunda questão suscitada é a de saber se a Lei 62/2011, tal como foi aplicada, é inconstitucional. O acórdão recorrido apreciou a questão considerando que a Lei 62/2011 era aplicável ao presente processo, como vimos, por entender que alteração introduzida no art. 25º do Dec. Lei 176/2006 de 20/8 tinha natureza retroactiva, por ser uma lei interpretativa, e, portanto, dela resultava um regime jurídico acolhido na primeira instância. Entendeu que alteração do referido art. 25º tinha natureza interpretativa na medida em que veio a consagrar uma das soluções jurisprudências (ainda que minoritária) sobre essa matéria.

As questões colocadas devem ser apreciadas tendo em conta o âmbito de cognição deste Tribunal, o qual sofre duas ordens de restrições: em primeiro lugar apenas conhece matéria de direito e em segundo lugar aprecia as questões de forma sumária.

Com efeito, e quanto a esta última restrição, importa referir que o Tribunal ao apreciar os requisitos das providências cautelares, no contencioso administrativo, não vai apreciar “ex professo” o mérito das pretensões.

O seu julgamento é sumário, isto é, limita-se a concluir:

a) pela manifesta ilegalidade da pretensão formulada, caso em que rejeita liminarmente a providência (art. 116º, d) do CPTA)

b) pela manifesta procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, caso em que, nos termos do art. 120º do CPTA defere a providência;

c) não ser manifesta a improcedência, tratando-se de providências conservatórias - art. 120º, 1, al. b)do CPTA: “… não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao ao seu conhecimento de mérito…”.

d) ser provável a procedência da acção principal, tratando-se de providências antecipatórias – art. 120º, 1, al. c): “…seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente…”

Deste modo, tendo o Tribunal Central Administrativo concluído que as pretensões do requerente da providência são manifestamente improcedentes (como foi no caso dos autos) a questão que se coloca é a de saber se esse juízo é exacto ou se, pelo contrário, não é manifesta a sua improcedência (nas pretensões conservatórias) ou se é provável a procedência das pretensões antecipatórias.

A apreciação não tem que ser exaustiva, nem tem que traduzir uma resposta definitiva do Tribunal sobre essa questão, na medida em que o juízo que agora for feito, nem sequer vincula o Tribunal quando tiver que apreciar a acção principal – art. 383º, n.º 4 do CPC: “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”.

Ora, a nosso ver, as questões suscitadas na providência cautelar sobre a violação do direito de propriedade industrial e a sua repercussão sobre a actividade do INFARMED são complexas e não pode dizer-se, desde já, sem uma cuidada ponderação dos argumentos esgrimidos nos autos, que as pretensões da requerente sejam manifestamente improcedentes.

Com efeito, alega a recorrente que a violação do seu direito de propriedade industrial é geradora de nulidade e que, portanto, não pode a lei restringir o conhecimento dessa nulidade contra o disposto no art. 133º do CPC, sendo inconstitucional a Lei que modifica o Estatuto do Medicamento nessa vertente.

Como as providências requeridas são conservatórias, pretendendo a requerente defender os direitos que a ordem jurídica já lhe reconhece nem sequer tem que demonstrar que a sua pretensão provavelmente procederá (“fumus” qualificado), bastando-lhe mostrar que a sua pretensão não é manifestamente inviável.

A circunstância de haver jurisprudência maioritária do TCA Sul que, em acções semelhantes, acolheu este entendimento mostra que as referidas pretensões não são manifestamente improcedentes.

A publicação de uma lei com natureza interpretativa é, por outro lado, a demonstração de que – antes dessa lei – a questão não era unívoca. Tanto era assim que justificou uma intervenção do legislador.

Mesmo depois da publicação da lei interpretativa a questão não ganha evidência para os processos em curso, pois a recorrente discute precisamente a constitucionalidade dessa aplicação.

Ora, estas questões são efectivamente complexas pois implicam a qualificação e delimitação do núcleo essencial de um direito fundamental e da natureza jurídica da sua violação, a natureza jurídica de uma lei que se auto-intitula interpretativa e a respectiva constitucionalidade perante a sua aplicação a processos pendentes. Aliás sobre as questões em aberto estão juntos ao processo e são aqui referidos pareceres de eminentes Professores de Direito defendendo posições opostas.
Complexidade, de resto, expressamente reconhecida no acórdão que admitiu a revista: “… a questão atinente com os efeitos que o acórdão recorrido considerou sr de retirar da entrada em vigor da dita lei 62/2011, em termos do êxito da pretensão cautelar ligando-a ao pressuposto atinente com o fumus boni juris, se apresenta como configurando uma questão particularmente complexa, demandando a sua resolução a realização de operações lógico-jurídicas com um certo grau de dificuldade (…)”.
Podemos pois concluir que as pretensões da requerente a formular no processo principal não são manifestamente improcedentes.

Deste modo, deve julgar-se procedente a revista e o processo deve baixar ao TCA para conhecer as questões sobre o “periculum in mora” e ponderação de interesses que, por envolverem juízos de facto, estão subtraídas ao âmbito de cognição da Revista. Entendimento semelhante foi acolhido por este STA em situações praticamente idênticas, como se pode ver dos acórdãos de 11-7-2012, proferido no processo 0422 e de 28-6-2012, proferido no recurso 0302.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa dos autos ao TCA para conhecimento das questões sobre o periculum in mora e ponderação de interesses.

Custas neste Supremo Tribunal pelos recorridos.

Lisboa, 5 de Setembro de 2012. – António Bento São Pedro (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António Políbio Ferreira Henriques.