Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0705/16
Data do Acordão:05/31/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TAXA SIRCA
CONTRIBUIÇÕES
FINANCIAMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:É inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.º da Constituição), a taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo de tal tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração.
Nº Convencional:JSTA000P21925
Nº do Documento:SA2201705310705
Data de Entrada:06/02/2016
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:IFAP, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………….., SA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida, contra o pagamento das taxas à Direção Geral de Alimentação e Veterinária para financiar o sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, no valor global de € 75.486,57.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1ª) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, e que, salvo o devido respeito, não poderá ser mantida.
2ª) A sentença proferida é contraditória relativamente a outras sentenças proferidas pelo mesmo Tribunal quanto à mesma questão de direito, nas quais foram os pedidos formulados julgados totalmente procedentes e, consequentemente, anuladas as liquidações das taxas impugnadas e restituídos os montantes pagos.
3.ª) A criação do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” (SIRCA) teve em vista, na sequência dos diplomas legais que interditaram que fossem enterrados animais mortos nas exploração das espécies bovina, ovina, caprina e suína, assegurar a recolha daqueles animais nas explorações com vista à sua eliminação e de forma a salvaguardar a segurança alimentar, a saúde pública e a protecção do ambiente.
4.ª) Desta forma, a SIRCA consistia, nos termos Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro, num serviço prestado a quem apresentasse os animais para abate, isto é, aos titulares de explorações que se dedicam à pecuária pelo que, consequentemente, era também sobre estes que, naturalmente, recaía a obrigação de proceder ao pagamento do respectivo serviço por via de uma taxa, cobrada através dos estabelecimentos de abate apenas por uma questão de eficácia na cobrança da taxa.
5.ª) O Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações visava, como é comum num estado de direito, que apenas os beneficiários do sistema — produtores de gado — contribuíssem para o seu próprio financiamento, mediante o pagamento de uma taxa.
6.ª) Sucede que, o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, veio revogar o previsto no Decreto - Lei 244/2003 no que respeita ao regime de financiamento, tendo sido radicalmente alterado o paradigma da responsabilidade pelo pagamento da taxa devida, o qual passou a recair sobre quem dela não retira qualquer benefício: os estabelecimentos de abate.
7.ª) O legislador transformou a taxa em causa num verdadeiro imposto, porquanto, conforme resulta demonstrado, os beneficiários do SIRCA são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os estabelecimentos de abate.
8.ª) Acresce que, a “Taxa TSAM” nada tem que ver com a “Taxa SIRCA”, cujos pressupostos e finalidade se afiguram totalmente distintos daquela taxa.
9.ª) No caso da “Taxa TSAM”, o valor da taxa paga pelos estabelecimentos comercias sobre os quais a mesma incide, é visto como uma contrapartida da segurança e de qualidade alimentar que os próprios titulares desses estabelecimentos têm que garantir no tocante aos produtos que comercializam e que aquela contribuição lhes vai proporcionar e, portanto, existe em seu próprio beneficio.
10.ª) A recorrente assume-se como uma mera prestadora de serviços, cuja actividade se dirige essencialmente à prestação de serviços de abate de animais a terceiros — os apresentantes dos animais, esses sim, verdadeiros beneficiários do sistema em questão — o que a distingue daqueles que são produtores, distribuidores ou comerciantes de géneros alimentícios, nomeadamente de origem animal, e que, nessa medida, beneficiam da garantia de segurança e qualidade alimentar desses produtos resultante da actividade a que tais contribuições se destinam.
11.ª) Mais se diga que os beneficiários da recolha dos animais mortos são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os matadouros, uma vez que a ausência de qualquer infecção permite que os produtores e apresentantes dos animais os possam comercializar. Contrariamente, infectados ou não, os matadouros procedem sempre ao seu serviço, a única diferença é que o animal enfermo não entra no circuito comercial com directo prejuízo para o apresentante do animal e não para o matadouro, que cobra sempre o seu serviço de abate.
12.ª) Diversamente, do que sucede na Taxa de Segurança Alimentar Mais, em que o diploma procurou assegurar uma equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que vários operadores da cadeia alimentar são beneficiários, na Taxa SIRCA, estranhamente, a taxa é cobrada apenas aos matadouros, em clara violação do princípio do “utilizador pagador”.
13.ª) Nos termos do artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, e do n.º 3 da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho, a Taxa de Segurança Alimentar Mais abrange sociedades comerciais com lojas de grande dimensão, propriedade de grandes grupos económicos, como por exemplo a “………..” ou “………..”, que podem facilmente incorporar a TSAM nos seus custos.
14.ª) Ao contrário do que sucede com os estabelecimentos de abate que são incapazes de suportar taxas estranhas a sua actividade específica, comprometendo a sua sobrevivência, o que originará um número elevado de desempregados.
15.ª) O facto de os titulares de explorações que tenham capacidade de recolha, transporte e destruição ficarem isentos da taxa de financiamento do SIRCA demonstra igualmente, de forma inequívoca, como os únicos beneficiários daqueles serviços são os titulares de explorações que não procedam directamente à recolha e transporte de cadáveres e, por isso mesmo, têm que recorrer aos serviços do Estado, suportando, por isso, o pagamento da respectiva contrapartida monetária.
16.ª) Existem outras taxas impostas aos matadouros em que há efectivamente uma contrapartida específica, e em que estes, por isso, enquanto beneficiários da actividade desenvolvida, pagam as respectivas taxas sanitárias e taxas de controlo oficial, o que lhes permite a prossecução da actividade industrial e comercial a que se dedicam.
17.ª) A taxa devida pelo financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), quando imposta aos estabelecimentos de abate, consubstancia um imposto e não uma taxa ou qualquer outra contribuição financeira.
18.ª) Com efeito, atentas as características reconhecidas à taxa enquanto tributo, conclui-se que não estamos, in casu, perante a liquidação de qualquer taxa, porquanto a quantia exigida à ora Impugnante não é devida por qualquer prestação de um serviço público, pela utilização de um bem do domínio público, nem pela remoção de um obstáculo jurídico.
19.ª) Na verdade, para que a SIRCA fosse susceptível de continuar a ser qualificada como uma taxa teria que ser possível identificar um vínculo de correspectividade entre o pagamento da mesma e a prestação efectuada pelo Estado. Ora, se essa sinalagmaticidade existia enquanto a SIRCA era cobrada àqueles que dela beneficiavam (os detentores de animais), desapareceu a partir do momento em que com o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, passaram os estabelecimentos de abate de animais a figurar como seus sujeitos passivos.
20.ª) Destarte, para que o montante cobrado seja uma taxa, a mesma terá, necessariamente, que incidir sobre os titulares de explorações (os beneficiários) e não sobre os estabelecimentos de abate (terceiros), pelo podemos afirmar que estamos perante um verdadeiro imposto e não qualquer taxa.
21.ª) É então, mister afirmar que as liquidações impugnadas são ilegais, na justa medida em que violam o disposto no n.º 2 do artigo 4.º da LGT.
22.ª) Ora, ao tratar-se de um imposto, acontece que os impostos obedecem ao princípio da legalidade tributária, consagrado no n.º 2, do artigo 103.º, da CRP, de acordo com o qual, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”
23.ª) A criação de impostos é da exclusiva competência legislativa reservada da Assembleia da República, pelo que a lei a que se refere o referido n.º 2 do artigo 103.º da CRP é, em princípio, uma lei da AR, só podendo tratar-se de Decreto-Lei quando houver uma autorização concedida ao Governo.
24.ª) Sucede que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro foi aprovado nos termos do artigo 198.°, n.º 1, alínea a), da CRP, ou seja, como se a matéria em causa fosse de competência não reservada da Assembleia da República, pelo que são organicamente inconstitucionais as normas constantes do Decreto-Lei n.° 19/2011, de 7 de Fevereiro, designadamente o seu artigo 2.°, n.º 1, na medida em que procede à criação de um imposto sobre os estabelecimentos de abate em desrespeito pelos supramencionados comandos constitucionais.
25.ª) Isto posto, a Constituição reconhece aos cidadãos o direito a não procederem ao pagamento dos impostos, não só no caso de os mesmos terem sido criados de forma inconstitucional, ou seja, quando não foram criados pela Assembleia da República, ou mediante autorização desta, mas igualmente quando a sua liquidação e cobrança não sejam feitas “nas formas prescritas na lei”.
26.ª) Pelo que, em face de tudo o exposto são ilegais os actos de liquidação da denominada “Taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” que a Recorrente liquidou à Recorrida, no montante de EUR. 67.396,12 (sessenta e sete mil e trezentos e noventa e seis euros e doze cêntimos), razão pela qual não pode ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal” «a quo.»

2 – A entidade recorrida, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP, veio apresentar as suas contra alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
«A. A Recorrente na impugnação judicial objeto dos presentes autos «impugna os actos de autoliquidação de quatro “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações”, no valor global de EUR 75.436,57», ou seja, as autoliquidações da denominada taxa SIRCA, cuja liquidação foi efetuada pelo IFAP em cumprimento do disposto no artigo 2° do Decreto-Lei n° 19/2011, de 7 de fevereiro, nos termos da qual a ora Recorrente era sujeito passivo da referida liquidação.
B. Deste modo, ao contrário do que pretende a Recorrente, não se pode dizer simplesmente que o único fundamento para «julgar como improcedente a impugnação radica, essencialmente, na classificação das “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” não como taxa ou imposto mas, antes como contribuição financeira».
C. Acresce ao exposto que a Recorrente refere cerca de 12 processos onde alega existir «total identidade jurídica variando apenas o montante das taxas impugnadas», sendo que o único processo no qual o IFAP, IP, ora Recorrido, é efetivamente parte, ou seja, no qual a Recorrente poderia alegar “total identidade jurídica” é o Proc. n.º 364/12.3BEPNF, no qual foi igualmente proferida sentença favorável ao IFAP, mas que, efetivamente, aguarda ainda o trânsito em julgado.
D. Relembra-se que no âmbito dos presentes autos existiu uma primeira sentença desfavorável ao IFAP que foi objeto de recurso para o STA (que correu termos na 2ª Secção de Contencioso Tributário, sob o n° 663/15) e na qual, em suma, se decidiu o seguinte:
«Como a própria sentença recorrida relata o pedido de impugnação do acto de autoliquidação indica como seu fundamento jurídico que:
«o novo regime legal da taxa SIRCA aprovado pelo Decreto-Lei n° (DL) 19/2011, de 17 de fevereiro ao passar a considerar como sujeito passivo da taxa os estabelecimentos de abate, como é o caso da impugnante, que não têm qualquer contrapartida nos serviços prestados criou um verdadeiro imposto e como tal é ilegal porquanto viola o art 4°, n° 2, da LGT e a reserva de lei formal da Assembleia da República consagrada nos arts. 103°, n°2, e 161°, n° 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa (CRP)». Ora, para desaplicação desse regime jurídico o que é verdadeiramente relevante é apurar se tal regime padece de inconstitucionalidade por violar a reserva de lei da Assembleia da República na criação de impostos. Se o tributo em análise for um imposto e não uma taxa, diferença que poderá estabelecer-se tendo em conta o constante do art.º 4°, n°2 da LGT e a numerosa doutrina sobre a diferença entre as características do imposto e da taxa, então poderemos estar perante uma violação da reserva de lei que fere o diploma de inconstitucionalidade e impossibilita a sua aplicação a qualquer caso concreto», concluindo que a decisão recorrida teria de «analisar a invocada inconstitucionalidade da norma que serve de fundamento legal/de direito do acto de autoliquidação» anulando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que este aprecie os fundamentos da impugnação.
E. Apesar da recorrente alegar que não percebe a existência de duas sentenças contraditórias, sendo uma proferida em 12 de junho de 2014 e outra em 31 de março de 2016, ao ler os fundamentos da douta sentença recorrida, os quais a Recorrente cita, aperceber-se-ia facilmente que a sentença em causa subscreve uma posição similar assumida pelo Tribunal Constitucional no seu douto Acórdão n° 539/2015, de 20/10/2015, ou seja, em momento posterior à prolação da primeira sentença.
F. De facto, a sentença recorrida refere expressamente que “A questão a decidir passa necessariamente pela qualificação jurídica da denominada taxa SIRCA. (...) Esta classificação tripartida dos tributos foi reconhecida e julgada pelo Tribunal Constitucional no seu douto Acórdão n° 539/2015, de 20/10/2015, publicado no Diário da República, n° Série, n° 227, de 19/11/2015, a propósito da denominada taxa de segurança alimentar mais, aprovada pelo DL 119/2012, de 1 Junho.
Assim, atenta a identidade jurídica das denominadas taxas SIRCA e segurança alimentar mais, as considerações expendidas a propósito desta última são integralmente aplicáveis à taxa SIRCA com as devidas adaptações.
(...) A taxa SIRCA não é um imposto e também não é uma taxa. Apesar de ser denominada taxa, juridicamente o tributo em causa é uma verdadeira contribuição financeira.”
G. Face ao exposto, bem andou o Tribunal ao aderir integralmente ao Acórdão do Tribunal Constitucional citado e concluir que as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade, “julgando a impugnação judicial totalmente improcedente”.
H. Os subprodutos animais, nomeadamente cadáveres inteiros ou partes de animais ou produtos de origem animal, não destinados ao consumo humano são uma fonte potencial de riscos para a saúde pública e animal e para o ambiente, sendo gerados principalmente durante o abate de animais para consumo humano, na produção de géneros alimentícios de origem animal, na eliminação de animais mortos e na aplicação de medidas de controlo de doenças.
I. O Decreto-Lei n° 244/2003, de 7 de Outubro (adiante DL 244/2003), estabelece o regime a que ficam obrigadas as entidades geradoras de subprodutos animais, de acordo com o disposto no Regulamento (CE) n°1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, e suas alterações, relativamente à sua recolha, transporte, armazenagem, manuseamento, transformação e utilização ou eliminação, bem como as regras de financiamento do sistema de recolha de animais mortos na exploração (SIRCA).
J. Além disso, o DL 244/2003 atribuiu ao agora Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.) a missão de assegurar a recolha, transporte e destruição dos cadáveres dos bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos mortos na exploração, tendo ainda estabelecido taxas de igual valor para todas as espécies de animais, como forma de financiamento do SIRCA.
K. Foi, pois, neste contexto que o Decreto-lei n° 244/2003 instituiu um encargo, ao qual se deu a designação de taxa, a cobrar aos apresentantes de animais para abate, através dos estabelecimentos de abate que eram também, nos termos do mesmo diploma, os responsáveis pela entrega do produto das taxas cobradas junto do INGA e a quem era imputável, em caso de incumprimento dessa obrigação, a prática de uma contraordenação, punível com coima [cfr. alínea c) do n°1 do artigo 10° do DL 244/2003].
L. A experiência adquirida ao longo do período de aplicação do referido regime levou a que fossem adotadas alterações para garantir a proporcionalidade entre os custos inerentes aos serviços de recolha, transporte e destruição dos cadáveres e os valores das taxas a cobrar, assegurando ainda uma repartição equitativa entre as várias espécies de animais.
M. O Decreto-Lei n° 19/2011, de 7 de Fevereiro, definiu as regras de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (SIRCA), sistema este criado ao abrigo do Regulamento (CE) n° 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, ao qual são também aplicáveis as normas constantes do Regulamento (CE) n° 1069/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro.
N. Com o Decreto-Lei n° 19/2011, de 7 de Fevereiro, pretendeu-se, assim, ajustar o regime de financiamento do SIRCA, criando condições para introduzir a adequada proporcionalidade, em particular na vertente da cobertura de custos, bem como uma maior equidade em termos de repartição dos mesmos em função da espécie de animal em presença, e ainda uma maior eficácia e celeridade nos procedimentos inerentes ao mecanismo de cobrança das taxas.
O. Nos termos do citado decreto-lei, para efeitos de financiamento do SIRCA, é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos, produzidos no território continental e apresentados para abate.
P. Nesta medida, a alteração preconizada pelo Decreto-lei n° 19/2011, de 07/02, tornou coerente o espírito da anterior lei, já que passou a considerar que o devedor da taxa coincide com aquele a quem já era imputada a falta de pagamento junto do organismo competente, o que antes não acontecia.
Q. O recorrente insiste que a taxa SIRCA não é nem uma taxa, nem uma contribuição financeira conforme concluiu o Tribunal “a quo” baseado no entendimento do Tribunal Constitucional, concluindo que se trata de uma outra taxa aplicada a um sector de atividade diferente da indústria de abate de carnes e derivados e quem suma, nada tem que ver com o presente caso, insistindo estarmos perante um verdadeiro imposto e não uma taxa e/ou contribuição financeira.
R. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, bem andou o Tribunal a quo ao julgar a impugnação judicial improcedente, uma vez que estamos de facto perante uma taxa e/ou contribuição financeira e não um imposto, como erroneamente pretende a ora recorrente, ao arrepio da jurisprudência constitucional e comunitária sobre esta matéria.
S. De facto, conforme se concluiu e bem no douto Acórdão n°539/2015, de 20/10/2015, do Tribunal Constitucional, ao qual a douta sentença proferida aderiu na íntegra, o fornecimento, a titulo gratuito, do serviço público de eliminação de cadáveres de animais, constitui uma vantagem económica suscetível de constituir um auxílio de Estado às empresas que beneficiam desse serviço e, como tal, tal atividade deve ser taxada tendo em conta o princípio do poluidor-pagador, os custos das medidas de combate à poluição não devem ser suportados pela sociedade, através da tributação geral, mas por quem polui.
T. Aliás, este entendimento resulta, de forma inequívoca e uniforme, da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
U. No entanto, por dever de patrocínio, refira-se ainda que mesmo se o Tribunal entendesse, como pretende a ora Recorrente, que o disposto no artigo 2° n° 1 do Decreto-Lei n° 19/2011 viola o disposto no artigo 4° n°2 da LGT, por se tratar de um imposto e não de uma verdadeira taxa, para não aplicar a referida norma o Tribunal a quo teria obrigatoriamente que declarar a inconstitucionalidade da norma em questão, por forma a que o Tribunal Constitucional se pronunciasse, sob pena de nulidade da sentença proferida.
V. A ora recorrente defende em suma que a taxa SIRCA “consubstancia um imposto e não uma taxa ou qualquer outra contribuição financeira”, insistindo na falta de bilateralidade e na falta de vínculo sinalagmático.
W. A este propósito a ora Recorrente cita um parecer proferido pelo Ministério Público, no qual salienta-se que, o ora recorrido não é parte, em que este conclui que «o mencionado Decreto-Lei 19/2011 de 7 de Fevereiro é ilegal, quer face à norma constante do artigo 4°, n° 2, da LGT, quer face à CRP uma vez que emanando do Governo, criou um novo imposto, em completo desrespeito pela reserva de lei formal, ditada pelo seu artigo 161°, n° 1, alínea c)» (realçado no original).
X. Salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente, porque conforme o próprio Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou, anteriormente, no âmbito dos presentes autos, «para desaplicação desse regime jurídico o que é verdadeiramente relevante é apurar se tal regime padece de inconstitucionalidade por violar a reserva de lei da Assembleia da República na criação de impostos. Se o tributo em análise for um imposto e não uma taxa, diferença que poderá estabelecer-se tendo em conta o constante do art.º 4º, n° 2 da LGT e a numerosa doutrina sobre a diferença entre as características do imposto e da taxa, então poderemos estar perante uma violação da reserva de lei que fere o diploma de inconstitucionalidade e impossibilita a sua aplicação a qualquer caso concreto», concluindo que a decisão recorrida teria de «analisar a invocada inconstitucionalidade da norma que serve de fundamento legal/de direito do acto de autoliquidação», anulando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que este aprecie os fundamentos da impugnação», ou seja, nunca estaríamos perante um diploma ilegal, mas quanto muito inconstitucional!
Y. O Tribunal recorrido decidiu a nosso ver bem e de acordo com as normas citadas ao afirmar que «a criação desta contribuição financeira denominada taxa SIRCA por DL não viola os arts. 103.°, nº 2 e 165°, n° 1, alínea i), da CRP, pelo que não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica por violação de reserva de lei formal, pelo que não existe qualquer fundamento legal para desaplicar o regime legal aprovado pelo DL 19/2011, que determine a ilegalidade das liquidações impugnadas.
Sendo a taxa SIRCA uma contribuição financeira, as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade por vício de violação de lei, quer por violação do art. 4.º da LGT, quer por eventual desaplicação do regime jurídico aprovado pelo DL 19/2011 por inconstitucionalidade orgânica desse DL por violação da reserva de lei formal da Assembleia da República, nos termos dos arts. 103.º, n.° 2, e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP.
As liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade.».
Z. Impossibilitar a cobrança da referida taxa, devida pela destruição dos subprodutos animais, originaria uma obrigação de desenvolver gratuitamente uma competência que foi cometida por lei e à qual, nos termos da mesma lei, corresponde uma contraprestação do particular, consubstanciada no pagamento da referida taxa. Tal entendimento violaria o disposto nos artigos 36° e 37° da Lei-quadro dos Institutos Públicos.
AA. Assim, a taxa sub judice tem por objetivo financiar um serviço público destinado à segurança sanitária e assegura a manutenção do sistema de recolha dos cadáveres de animais nas instalações dos produtores
BB. Tal entendimento foi, inclusive, sufragado pelo próprio Tribunal de Justiça da União Europeia, ao considerar que a gratuidade devida pela destruição dos subprodutos animais, em circunstâncias similares, implicaria um auxílio de Estado ilegal.
CC. Neste âmbito o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) viria a decidir que «o artigo 92°, n° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87°, n° 1, CE) deve ser interpretado no sentido de que um regime como o que está em causa no processo principal, que assegura aos produtores e aos matadouros a recolha e a eliminação, a título gratuito, dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros, deve ser qualificado de auxílio de Estado» (realçado nosso).
DD. Relativamente à questão ora em dissídio e quanto à natureza de auxílio de Estado relativamente ao regime que assegura, no que aos presentes autos respeita, aos matadouros a eliminação a título gratuito, que, salienta-se, se justificou entre 1998 e 2004, mas em termos factuais atualmente já não faz sentido e face à pronúncia da própria Comissão a este respeito, esta questão deverá ser objeto de reenvio prejudicial ao Tribunal da Justiça da União Europeia (TJUE).
EE. De facto, o Tribunal de Justiça precisou, no acórdão GEMO, que o encargo financeiro ocasionado pela eliminação dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros deve ser considerado um custo inerente à atividade económica dos produtores e dos matadouros. O Tribunal concluiu, portanto, que o artigo 107°, n° 1, do TFUE deve ser interpretado no sentido de que um regime que assegura aos produtores e aos matadouros a recolha e a eliminação, a título gratuito, dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros deve ser qualificado de auxílio de Estado a favor dos agricultores e dos matadouros (sublinhado nosso, cfr. Decisão da Comissão, de 13 de Julho de 2011, relativa ao regime de auxílios estatais C 3/09, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n° L 274/15, de 19/10/2011, disponível em http://eur lex.europa.eu/pt/index.htm) pelo que o entendimento do Tribunal a quo viola expressamente as normas comunitárias referidas, designadamente o disposto no artigo 107° n°1 do TFUE, razão pela qual se requer o reenvio prejudicial para o TFUO.
FF. Relativamente à questão ora em análise e quanto à natureza de auxílio de Estado a Comissão entendeu, no essencial, que o fornecimento, a título gratuito, desse serviço de eliminação de resíduos, libera os produtores e os matadouros de encargos que, segundo o princípio do poluidor-pagador, normalmente teriam de suportar O serviço constitui, assim, uma vantagem económica que se inscreve no âmbito de aplicação do artigo 87°, n°1, CE.
GG. Ora, segundo o princípio do poluidor-pagador, os custos das medidas de combate à poluição não devem ser suportados pela sociedade, através da tributação geral, mas por quem polui, devendo os custos associados à proteção do ambiente ser incluídos, conforme já se referiu, nos custos de produção das empresas (interiorização dos custos).
HH. É certo que, ao pagamento de uma taxa deverá corresponder, em contrapartida, a prestação de um serviço.
II. Ora, este encargo financeiro tem-se repercutido, e deve continuar a repercutir-se, apenas naqueles que constituem o universo de utilizadores e beneficiários do SIRCA. Com efeito, são os apresentantes de animais para abate produzidos em território nacional assim como os próprios estabelecimentos de abate que recorrem aos serviços do SIRCA, a determinado momento, para recolher e eliminar os cadáveres de animais que morram de forma espontânea. E tanto assim é que, conforme decorre do artigo 3° do Decreto-lei n°19/2011, quando em causa estejam animais provenientes das regiões autónomas, de trocas intracomunitárias ou importados, os mesmos não estão abrangidos pelos serviços do SIRCA e os seus detentores encontram-se obrigados a suportar os custos inerentes à destruição dos respetivos cadáveres, porque não contribuíram para o financiamento daquele Sistema.
JJ. Como já se referiu, os subprodutos animais, nomeadamente cadáveres inteiros ou partes de animais ou produtos de origem animal, não destinados ao consumo humano são uma fonte potencial de riscos para a saúde pública e animal e para o ambiente, sendo gerados principalmente durante o abate de animais para consumo humano, na produção de géneros alimentícios de origem animal, na eliminação de animais mortos e na aplicação de medidas de controlo de doenças.
KK. O Decreto-Lei n° 19/2011, de 7 de fevereiro, pretende, assim, ajustar o regime de financiamento do SIRCA, criando condições para introduzir a adequada proporcionalidade, em particular na vertente da cobertura de custos, bem como uma maior equidade em termos de repartição dos mesmos em função da espécie de animal em presença, e ainda uma maior eficácia e celeridade nos procedimentos inerentes ao mecanismo de cobrança das taxas.
LL. Razão pela qual com o Decreto-lei n° 19/2011, para efeitos de financiamento do SIRCA é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos produzidos no território continental e apresentados para abate, sendo este sistema criado ao abrigo do Regulamento (CE) n° 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, ao qual são também aplicáveis as normas constantes do Regulamento (CE) n° 1069/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro.
MM. Acresce ao exposto que a alteração preconizada pelo Decreto-lei n° 19/2011, de 07/02, passou a considerar que o devedor da taxa coincide com aquele a quem já era imputada a falta de pagamento junto do organismo competente, o que antes não acontecia.
NN. Ao contrário do que pretende dar a entender a ora Recorrente, entre a taxa paga e a contrapartida recebida não tem que existir uma exata equivalência económica, mas uma mera equivalência jurídica.
OO. Ora, por força da possibilidade de um eventual impacto negativo para a saúde pública e animal e para o ambiente e face à necessidade de assegurar o respeito pelos restantes utilizadores do espaço público, impõe-se a sujeição a restrições ao exercício da atividade em questão.
PP. Conforme referimos, as normas reguladoras dos subprodutos animais, nomeadamente cadáveres inteiros ou partes de animais ou produtos de origem animal, não destinados ao consumo humano são uma fonte potencial de riscos para a saúde pública e animal e para o ambiente, sendo gerados principalmente durante o abate de animais para consumo humano, na produção de géneros alimentícios de origem animal, na eliminação de animais mortos e na aplicação de medidas de controlo de doenças.
QQ. O SIRCA visa salvaguardar o interesse público em aspetos relacionados com a recolha e destruição dos cadáveres de bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos mortos nas explorações, nos centros de agrupamento, nos entrepostos e nas abegoarias, com danos que essa destruição, designadamente, a levada a cabo pelos estabelecimentos de abate, tendo como preocupação a segurança alimentar, a saúde pública e a proteção do ambiente.
RR. Impossibilitar a cobrança da referida taxa, devida pela destruição dos subprodutos animais, originaria uma obrigação de desenvolver gratuitamente uma competência que foi cometida por lei e à qual, nos termos da mesma lei, corresponde uma contraprestação do particular, consubstanciada no pagamento da referida taxa. Tal entendimento violaria o disposto nos artigos 36° e 37° da Lei-quadro dos Institutos Públicos.
SS. Assim, a taxa sub judice tem por objetivo financiar um serviço público destinado à segurança sanitária e assegura a manutenção do sistema de recolha dos cadáveres de animais nas instalações dos produtores e trata-se de um encargo inerente à atividade desenvolvida.
TT. Tal entendimento foi, inclusive, sufragado pelo próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), ao considerar que a gratuidade devida pela destruição dos subprodutos animais, em circunstâncias similares, implicaria um auxílio de Estado ilegal, que entendeu, numa situação similar que «o artigo 92°, n° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87°, n° 1, CE) deve ser interpretado no sentido de que um regime como o que está em causa no processo principal, que assegura aos produtores e aos matadouros a recolha e a eliminação, a título gratuito, dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros, deve ser qualificado de auxilio de Estado» (realçado nosso, cfr. Acórdão do TJUE, de 20 de novembro de 2003, no âmbito do Processo n° C-126/01, GEMO SA, disponível in www.curia.europa.eu/pt/transitpaqe.htm)
UU. No domínio da eliminação de resíduos, o princípio do poluidor-pagador exige que os custos da eliminação de resíduos sejam suportados pelo detentor dos resíduos e/ou pelos produtores dos produtos geradores dos resíduos, o que significa que de um ponto de vista económico não pode, portanto, haver dúvida que os custos da eliminação de matérias perigosas de origem animal são imputáveis aos produtores, aos matadouros e a outras pessoas que produzam ou sejam detentoras desse tipo de matérias
VV. Logo, uma medida estatal que libere estes operadores daqueles custos deve, assim, ser considerada uma vantagem económica suscetível de constituir um auxílio de Estado. Na prática, o fornecimento, a título gratuito, do serviço de eliminação de resíduos em questão tem os mesmos efeitos que um subsídio direto destinado a compensar empresas pelos custos que suportam para eliminar os seus resíduos.
WW. Consequentemente, o fornecimento, a título gratuito, do serviço público de eliminação de cadáveres de animais constitui uma vantagem económica suscetível de constituir um auxílio de Estado às empresas que beneficiam desse serviço, devendo tal atividade ser taxada tendo em conta o princípio do poluidor-pagador, uma vez que os custos das medidas de combate à poluição não devem ser suportados pela sociedade através da tributação geral, mas por quem polui.
XX. Por último, refira-se ainda que as diversas contrapartidas consideradas pelo legislador como atributivas da natureza jurídica de taxa aos montantes exigidos ao sujeito passivo não pressupõem uma verificação cumulativa, bastando a existência de uma (1) prestação concreta de um serviço público, ou (2) utilização de um bem do domínio público ou (3) remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, como é o caso sub judice, para enquadrar a contrapartida no âmbito do n°2, do artigo 4°, da Lei Geral Tributária (LGT).
YY. Em conformidade com o exposto, conclui-se que as quantias liquidadas à ora recorrente têm natureza de taxa, e não de imposto, e, como tal, não está sujeita ao princípio de legalidade de reserva de lei formal constante dos artigos 106°, n° 2, e 168°, n.º 1, al. i) da CRP.
ZZ. Quanto à natureza de auxílio de Estado, no que aos presentes autos respeita, relativamente ao regime que assegura aos matadouros a eliminação a título gratuito, que, salienta-se, se justificou entre 1998 e 2004, mas em termos factuais atualmente já não faz sentido a própria Comissão pronunciou-se concluindo que «o Tribunal de Justiça precisou, no acórdão GEMO, que o encargo financeiro ocasionado pela eliminação dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros deve ser considerado um custo inerente à actividade económica dos produtores e dos matadouros. O Tribunal concluiu portanto, que o artigo 107°, n° 1, do TFUE deve ser interpretado no sentido de que um regime que assegura aos produtores e aos matadouros a recolha e a eliminação, a título gratuito, dos cadáveres de animais e dos desperdícios dos matadouros deve ser qualificado de auxílio de Estado a favor dos agricultores e dos matadouros
(113) No caso em apreço, pode considerar-se que a eliminação dos cadáveres de animais e dos resíduos de matadouro constitui um custo inerente à actividade, não apenas para os estabelecimentos de abate e as salas de desmancha» (realçado e sublinhado nosso, cfr. Decisão da Comissão, de 13 de Julho de 2011, relativa ao regime de auxílios estatais C 3/09, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n° L 274/15, de 19/10/2011, disponível em http://eur-lex.europa.eu/pt/index.htm)
AAA. Relativamente à questão ora em dissídio e quanto à natureza de auxílio de Estado a Comissão entendeu, no essencial, que o fornecimento, a título gratuito, desse serviço de eliminação de resíduos, libera os produtores e os matadouros de encargos que, segundo o princípio do poluidor-pagador, normalmente teriam de suportar pelo que o serviço constitui, assim, uma vantagem económica que se inscreve no âmbito de aplicação do artigo 87°, n°1 CE.
BBB. Relativamente à questão ora em dissídio e quanto à natureza de auxílio de Estado a Comissão entendeu, no essencial, que o fornecimento, a título gratuito, desse serviço de eliminação de resíduos, libera os produtores e os matadouros de encargos que, segundo o princípio do poluidor-pagador, normalmente teriam de suportar. O serviço constitui, assim, uma vantagem económica que se inscreve no âmbito de aplicação do artigo 87°, n°1, CE
CCC. Consequentemente, o fornecimento, a título gratuito, do serviço público de eliminação de cadáveres de animais, constitui uma vantagem económica suscetível de constituir um auxílio de Estado às empresas que beneficiam desse serviço e, como tal, tal atividade deve ser taxada tendo em conta o princípio do poluidor-pagador, os custos das medidas de combate à poluição não devem ser suportados pela sociedade, através da tributação geral, mas por quem polui.
DDD. Em conformidade com o exposto, conclui-se que as quantias liquidadas à ora recorrente têm natureza de taxa/contribuição financeira, e não de imposto, e, como tal, não está sujeita ao princípio de legalidade de reserva de lei formal constante dos artigos 106°, n° 2, e 168°, n° 1, al. i) da CRP, devendo improceder, portanto, todos os fundamentos alegados pela recorrente, relativamente à ilegalidade da liquidação efetuada e à alegada existência de um imposto e não de uma taxa.
EEE. É certo que, ao pagamento de uma taxa deverá corresponder, em contrapartida, a prestação de um serviço, razão pela qual, este encargo financeiro tem-se repercutido, e deve continuar a repercutir-se, apenas naqueles que constituem o universo de utilizadores e beneficiários do SIRCA.
FFF. Com efeito, ao contrário do imposto, que não confere a quem o paga o direito a nenhuma contrapartida direta e imediata, sinalagmaticamente ligada a esse pagamento, a taxa é sempre a contrapartida individualizada de algo que se recebe em troca, seja um serviço concretamente prestado, seja a utilização de um bem do domínio público, seja a remoção do limite legal ao exercício de determinada atividade, conforme sucede no caso dos presentes autos (cfr. art. 4°, n° 2 da LGT).
GGG. Nesta medida, é manifesto que a recorrente incorre em manifesto erro de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 2°, n° 1 do DL 19/2011, porquanto se trata de uma verdadeira taxa/contribuição financeira e não de um imposto, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo que concluiu em sintonia e de acordo com as próprias normas citadas.
HHH. Razão pela qual se assume como forçosa a conclusão de que nenhum vício pode ser assacado à douta decisão recorrida, a qual se mostra não só correta, como procedeu a uma correta decisão sobre a matéria de facto e correta interpretação e aplicação das normas legais e processuais aplicáveis ao caso sub judice.»

3 – O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra autoliquidações de taxas para financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (taxa SIRCA) no montante global de € 75 486,57.
FUNDAMENTAÇÃO
1.Inconstitucionalidade orgânica
O acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n° 539/2015, 20 outubro 2015 (Diário da República, 2 série – nº 227-19 novembro 2015) procedeu à análise da constitucionalidade das normas constantes do art.9° DL n° 119/2012, 15 junho e dos arts.3° e 4º Portaria n° 215/2012, 17 julho que regulam o regime da taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM).
Sobre a distinção entre as figuras da taxa, imposto e contribuição financeira, a caracterização e classificação do tributo em apreço, discursou o acórdão nos seguintes termos:
“O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º nº 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem de domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, nº 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (SÉRGIO VASQUES, em “Manual de Direito Fiscal”, pág. 207, ed. de 2011, Almedina)
Entretanto, a revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º n.º 1, alínea i). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa) (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” 1 vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, SÉRGIO VASQUES, ob. cit., pág. 221, e SUZANA TAVARES DA SILVA, em “As taxas e a coerência do sistema tributário” pág. 89-91, 2ª edição, Coimbra Editora.
(…)
No caso vertente, poderá afirmar-se que a “taxa de segurança alimentar mais” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes lida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar (...)
É assim claro que o produto da “taxa de segurança alimentar mais” enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais
É quanto basta para considerar que a “taxa de segurança alimentar mais” sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.° 1, alínea i), da Constituição”.
Sobre a inclusão do regime das contribuições financeiras na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República escreveu-se:
“O artigo 165.º n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado» Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum.
Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas.
O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras (...)
Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe.
Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas das no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma no exercício dos seus poderes constitucionais”.
A fundamentação transcrita do acórdão é aplicável, mutatis mutandis à análise da natureza do tributo com a designação de taxa SIRCA, igualmente fonte de financiamento do Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais (FSAM) permitindo concluir no sentido:
a) da sua classificação como contribuição financeira especial;
b) da inexistência de inconstitucionalidade orgânica do diploma que a prevê, na medida em que apenas o regime geral das contribuições financeiras está sujeito à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, não a criação individualizada de cada contribuição financeira
2.Inconstitucionalidade material
Apesar da sua caracterização como contribuição financeira, o tributo controvertido deve ser submetido ao teste de confronto com parâmetro constitucional, por forma a apurar se é possível surpreender na sua estrutura uma natureza comutativa adequada à conformidade como o princípio da equivalência, enquanto expressão do princípio da igualdade (art.13° CRP), à semelhança da apreciação efectuada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Eventual violação daquele princípio, conferindo ao tributo a natureza pura e dura de imposto, determinaria a inconstitucionalidade orgânica do diploma por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos (art.165° n°1 al. i) CRP)
A análise da questão justifica as seguintes considerações:
1ª A taxa SIRCA constitui receita do Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais, gerido pela Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (art.4° n°1 al. a) DL n° 119/2012, 15 junho);
2ª A taxa SIRCA, em concorrência com outras contribuições financeiras, concretiza o princípio da responsabilização de todos os agentes económicos intervenientes na componente de prevenção das políticas de saúde animal e proteção do consumidor, segundo o propósito enunciado pelo legislador no preâmbulo do diploma.
Emerge, assim, o conceito de responsabilidade partilhada na garantia da segurança entre os referidos operadores económicos e o Estado, através dos seus serviços oficiais, o qual contribui decisivamente para o cumprimento das rigorosas regras europeias em matéria de qualidade alimentar, conferindo às exportações nacionais condições de sucesso nos competitivos mercados internacionais.
Aqueles normativos (comunitários) consagram ainda a obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de contribuições especiais a suportar pelos operadores.
(...) encontram-se já instituídas diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os actos de verificação e controlo (...) os produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal encontram-se assim, obrigados ao pagamento de diversas taxas, designadamente a que se destina a financiar o sistema de recolha de cadáveres de animais na exploração (...).
3ª O princípio da equivalência, aplicado às contribuições financeiras manifesta-se em relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou do custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes (acórdão citado do Tribunal Constitucional).
4ª No caso concreto essa relação de equivalência resulta do facto de os estabelecimentos de abate pertencerem a uma categoria de agentes económicos inseridos na fileira da produção e comercialização animal que beneficiam do controlo oficial pela autoridade pública das condições de exercício da sua actividade, com a correspondente certificação da sanidade e adequação para consumo público das espécies neles abatidas (distintas dos cadáveres de animais apresentados para abate ao abrigo do regime SIRCA); deste controlo oficial resultando a confiança dos produtores pecuários que apresentam os animais para abate, pressuposto indispensável de uma normal exploração económica da empresa que gere o estabelecimento, visando a obtenção de lucro.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada na ordem jurídica.»

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) A impugnante no exercício da sua atividade e em cumprimento do DL 19/2011, de 7 de fevereiro, procedeu às autoliquidações da denominada taxa SIRCA em 20/10/2011, 17/11/2011, 21/12/2011 e 12/01/2012, nos montantes de, respetivamente, €18.178,92, €20.615,94, €18.378,55 e €18.313,16 (fls. 17 a 24).
B) A impugnante pagou ao IFAP esses montantes, nessas datas (fls. 17 a 24).
C) A impugnante procedeu às autoliquidações em cumprimento das instruções recebidas do IFAP (fls. 17 a 32).

6. Do objecto do recurso

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente no entendimento de que a impugnada Taxa “Sirca” constitui uma verdadeira contribuição financeira e não viola os arts.103º, nº 2, e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP, pelo que não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica por violação de reserva de lei formal, não existindo qualquer fundamento legal para desaplicar o regime legal aprovado pelo DL 19/2011, que determine a ilegalidade das liquidações impugnadas.

Não conformada com o assim decidido sustenta a recorrente, no essencial, que a denominada “taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações”, enquanto imposta aos estabelecimentos de abate, consubstancia um imposto e não uma taxa ou qualquer outra contribuição financeira, sendo que a criação de impostos é da competência legislativa reservada da Assembleia da República; que, assim sendo, são organicamente inconstitucionais as normas constantes do DL n.º 19/2011, de 7 de Fev., designadamente o seu art. 2.º, n.º 1 (cfr. as Conclusões 17.ª, 20.ª 22.ª e 23.ª).


7. Do alegado erro de julgamento imputado à decisão recorrida

A questão suscitada é em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 03.05.2017, recurso n.º 914/16 e de 17.05.2017, recurso 1000/16, interpostos pela mesma recorrente, sendo idênticas as alegações de recurso, pelo que se acompanhará a argumentação jurídica aduzida naquele primeiro aresto, por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC).
Será, pois, pertinente referir o que se decidiu no supra citado Acórdão 914/16 sobre a legalidade da liquidação da taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro:
«A doutrina define as “contribuições” como prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2015, p. 260).
Entende o Tribunal Constitucional, ao arrepio de doutrina qualificada – vg. Sérgio Vasques, Suzana Tavares da Silva, para quem até à aprovação do “regime geral” constitucionalmente previsto as contribuições financeiras devem continuar a ser sujeitas à reserva de lei parlamentar -, no Acórdão que a sentença recorrida invoca para fundamentar a sua decisão do sentido da não inconstitucionalidade orgânica do Decreto-lei 19/2011, de 7 de Fevereiro, não estarem as contribuições financeiras sujeitas à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Não obstante, mesmo acatando esse entendimento – não incontroverso na doutrina, como referimos já – é lícito ao julgador sindicar o regime legal do tributo paracomutativo quando este se apresente desconforme com os princípios fundamentais que devem conformar o seu regime, designadamente com o princípio da igualdade.
No regime da taxa “Sirca”, tal como configurado pelo Decreto-Lei n.º 19/2011 – e ao contrário do que sucedia no regime precedente (Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro) e do que lhe sucedeu (Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de Março), o legislador estabeleceu que Para efeitos de financiamento do SIRCA é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos, produzidos no território continental e apresentados para abate (…) – cfr. o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro -, estando os estabelecimentos de abate isentos do pagamento de tal taxa relativamente a animais que provenham de explorações em que os respectivos titulares, por si ou através de organizações de produtores, recorrendo ou não à prestação de serviços de terceiros, assegurem a recolha, o transporte, a eventual concentração em unidades intermédias aprovadas para o efeito e a destruição dos animais referidos no n.º 1 mortos nas suas explorações (cfr. o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro) e bem assim relativamente a animais para abate provenientes das regiões autónomas, de trocas intracomunitárias ou importados directamente para esse efeito (cfr. o n.º 6 do artigo 2.º), neste caso estando os apresentantes de animais para abate (…) obrigados a suportar os custos inerentes à recolha, ao transporte e à destruição dos cadáveres (cfr. o artigo 3.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro).
Não oferece dúvidas que estando a taxa “SIRCA” afecta ao financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos em explorações (SIRCA) – cfr. o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro -, é o titular da exploração, e não o estabelecimento de abate, aquele que directamente beneficia da existência e funcionamento do “SIRCA”, compreendendo-se, pois, que seja a ele que se imponha o encargo de contribuir para o financiamento de tal sistema.
A lei pretérita e posterior assim o estabeleciam, aliás – cfr. o n.º 2 do artigo 5.º e o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro e artigos 7.º a 10.º do Decreto-lei n.º 33/2017, de 23 de Março -, sem prejuízo de, designadamente por razões de praticabilidade, o legislador impor aos estabelecimentos de abate a obrigação de liquidação, cobrança e entrega de tal tributo.
Esta solução legal, que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro não observou, é a que melhor se afigura conforme ao princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência, pois que onera com o tributo aquele que, no circuito produtivo, é o directo beneficiário do serviço público prestado. O estabelecimento de abate não o é, e como tal, afigura-se desconforme a tal princípio configurá-lo não como substituto tributário, com ou sem retenção, mas como contribuinte directo.
Entendemos, pois, ser inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.º da Constituição), a taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo do tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração» (fim de citação).

É esta a jurisprudência que se reitera, por com a respectiva fundamentação concordarmos, e, por isso, concluímos que, o recurso merece provimento, sendo de julgar procedente a impugnação judicial deduzida, anulando as liquidações sindicadas e ordenando a restituição dos montantes pagos pela recorrente, sem pagamento de juros indemnizatórios, por inexistência de “erro imputável aos serviços” dado o fundamento de ilegalidade julgado verificado.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar procedente a impugnação judicial, salvo quanto aos peticionados juros indemnizatórios.

Custas pela entidade recorrida, que contra-alegou.
Lisboa, 31 de Maio de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.