Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0242/18
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
REPETIÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
DECISÃO
INDEFERIMENTO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I - O prazo para impugnar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e os actos de liquidação, a indicação clara precisa e sem possibilidade de equívocos para esse efeito, é atinente ao exercício do direito de defesa do contribuinte perante a Administração Tributária, não comportando interpretações restritivas dos preceitos legais em termos que redundem na denegação da tutela jurisdicional efectiva imposta pelo art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, como direito fundamental directamente aplicável, art.º 18º da mesma lei.
II - O art.º 36.º n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário ao exigir para a validade da notificação a indicação do prazo para reagir contra o acto notificado pretende que essa indicação seja clara e inequívoca, o que não ocorre na situação presente quando no decurso do prazo para impugnar a decisão de indeferimento o contribuinte recebe uma segunda notificação, indicando que é a segunda notificação do mesmo acto, que lhe indica um novo prazo para impugnar a decisão.
III - Tendo o contribuinte recebido duas notificações em momentos temporais sucessivos duas notificações da mesma decisão de indeferimento da reclamação graciosa poderá impugnar essa decisão no prazo de 15 dias a contar da última notificação recebida, se não lhe foi indicado que o prazo para impugnar se contabiliza a partir da primeira notificação.
Nº Convencional:JSTA000P23235
Nº do Documento:SA2201805030242
Data de Entrada:03/05/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 17 de Maio de 2017

Julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Fazenda Pública na contestação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A…………, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 941/13.5BELRS, que instaurou da decisão proferida na Reclamação Graciosa de IRS dos anos de 2007 e 2008, que indeferiu o seu pedido de anulação das liquidações adicionais nº 20125000056584 e 20125000056854, respetivamente nos montantes de 172 385,00€ e 7 360,89€, com vista à anulação daquela decisão e das liquidações que lhe estão subjacentes, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
I. Em 30/04/2013, a AT enviou o Ofício nº 30 879, por meio de carta registada com aviso de receção, e notificou o Recorrente, na pessoa do seu Representante Legal, de que fora indeferida a Reclamação Graciosa que anteriormente havia sido apresentada contra as liquidações em causa nesse processo e que podia, querendo, apresentar impugnação judicial no prazo de 15 dias ou recorrer hierarquicamente em 30 dias.
II. O aviso de receção foi assinado em 03/05/2016.
III. Logo de seguida, a AT remeteu uma nova notificação, com o mesmo conteúdo, também com aviso de receção que foi assinado em 16/05/2013 pelo mesmo Representante Legal, com a referência de que tratava de 2ª Notificação, e que, informava o contribuinte do seguinte:
IV. "Fica V. Ex.ª por este meio notificado(a) que a reclamação acima identificada foi INDEFERIDA por despacho de 29/04/2013, conforme fundamentação que se junta.
V. Deste despacho poderá recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 (trinta) dias, ou impugnar judicialmente no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, nos termos, respetivamente, dos art.º 66º, n.º 2, e 102°, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário".
VI. Por conseguinte, o contribuinte foi legalmente informado de que dispunha de 15 dias contados desta notificação para impugnar ou de 30 para recorrer hierarquicamente, e informava-se que se tratava de 2ª Notificação, conforme o próprio Ofício junto aos autos.
VII. Porém, esta segunda notificação não continha, efetivamente, qualquer referência ao art.º 39º, nº 5 do CPPT, mas tinha inscrito no Ofício a menção de que tratava de "2ª Notificação".
VIII. Com este quadro, um observador médio só pode depreender que se trata da notificação do nº 5 do artº 39º do CPPT;
IX. E aliás, esta mesma opinião tem o próprio RFP que no artigo 29º da Informação Anexa-Contestação, ao referir que "o ofício cuja cópia juntou como anexo n. 1 da p.i. corresponde à 2ª notificação prevista no nº 5 do art.º 39º do CPPT como revela a referência colocada junto ao ofício: "reclamação graciosa 2ª Notificação".
X. Discorda-se, portanto, da tese da sentença recorrida que se estriba no facto de que sendo perfeita a 1ª notificação, a 2ª não será propriamente uma notificação uma vez que o contribuinte já havia tomado conhecimento do conteúdo da decisão na primeira notificação.
XI. Na realidade esta tomada de posição não se encontra fundadamente justificada por ausência de base legal para este entendimento, limitando-se a invocar o nº 3 do art.º 39º do CPPT com um âmbito demasiado lato pois que, in casu, temos duas notificações com aviso de receção e, por essa tese, serão as duas válidas porque ambos os avisos de receção foram assinados.
XII. O aresto recorrido não esclarece se a 2ª notificação é perfeita, porque foi realizada de acordo com a lei, e se, sendo perfeita, confere os direitos emergentes do seu conteúdo ou não, mais especificamente qual a razão porque não se abre novo prazo para impugnar se essa matéria é uma parte muito importante e significativa do conteúdo do ato administrativo de notificação.
XIII. À decisão proferida caberia fundamentar a decisão de não aceitar duas notificações válidas efetuadas pela AT, sem nenhuma interferência do sujeito passivo, e indicar os fundamentos legais para poder considerar inexistente a segunda, independentemente de entender que o conhecimento do ato ocorreu com a primeira notificação.
XIV. Na verdade, a decisão tem também a virtualidade de fixar os prazos para o recurso à defesa por parte do sujeito passivo e sobre isso nada é dito.
XV. Face a tal omissão de fundamentação, o que resta é a violação direta do princípio da tutela plena e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, conforme estabelece o art.º 9º da Lei Geral Tributária (LGT), porque o que se pretendeu atingir com a interposição da impugnação judicial foi a legalidade e a consequente anulação das liquidações adicionais referidas nos autos, dadas as diversas ilegalidades que lhes podem ser assacadas.
XVI. O Tribunal, com base numa interpretação restritiva das normas adjetivas legais aplicáveis aos procedimentos, está a afastar a possibilidade de se sindicar a matéria de fundo, sendo certo que a decisão recorrida enferma também ela dos vícios de violação de lei e de falta de fundamento.
XVII. O art.º 39º do CPPT enuncia o regime legal a cumprir pela AT para a perfeição das notificações em matéria tributária, enquanto ato externo ao próprio ato notificado.
XVIII. Da sua leitura podemos concluir que a notificação efetuada em primeiro lugar pela AT poderá não ter observado os procedimentos legais previstos já que, sem que tenha sido apresentada nenhuma justificação ao interessado, não aguardou que viesse devolvido o aviso de receção, assinado ou não, para proceder ao envio de uma segunda carta.
XIX. Porém, a lei prevê a possibilidade da realização de duas notificações, sendo certo que, caso exista essa segunda notificação, os prazos para utilização dos meios de defesa se iniciam nessa data.
XX. Todavia, o regime legal constante do art.º 39º prevê um conjunto de duas notificações, mas que consubstanciam um único procedimento, tese acolhida pelo RFP que invoca os nº 1 e 5 do CPPT, pelo que é normal que o sujeito passivo crie a convicção de que a segunda notificação é aquela que define os prazos, até porque ele foi completamente estranho aos caminhos seguidos pela AT.
XXI. Por outro lado, sendo aplicável tanto à primeira notificação como à segunda notificação a previsão do nº 3 do citado art.º 39º, nem o RFP nem a douta sentença mencionam, em apoio da tese que logrou vencimento na decisão, qual o mecanismo legal que permite escolher entre dois atos válidos, insistimos, de um único procedimento de notificação.
XXII. Em sede de senso comum qualquer notificado entenderá, ao realizar-se uma segunda notificação, como consta no próprio ofício, que mesmo que não tenha respeitado o dispositivo legal aplicável estamos perante o quadro legal atrás descrito, ou seja, estamos perante uma segunda notificação válida e integrada no mesmo procedimento.
XXIII. Na verdade, o ato de notificação, sendo embora externo ao ato de liquidação de imposto, é, todavia, um ato administrativo (no conceito expresso no art.º 120º do CPA) que condiciona a eficácia daquele e que se projeta no início de contagem dos prazos que o contribuinte tem ao seu dispor, posteriormente à notificação.
XXIV. Porém, é aplicável aos atos administrativos em matéria tributária não só o regime do CPPT, mas também, subsidiariamente, o que a lei prevê sobre a legalidade dos atos administrativos.
XXV. No presente recurso impugna-se a validade da sentença que considera eficaz a notificação de uma decisão tomada em processo de reclamação graciosa, e que, como tal, tem a virtualidade de determinar o início do prazo para defesa contenciosa, quando, no entendimento do recorrente, o ato de notificação sofre no mínimo de irregularidades que não foram consideradas pela decisão.
XXVI. Não entendemos que seja aplicável a este caso o apoio que se pretendeu obter com a citação do Ac. 919/08, de 11/03/2009, do STA porque se trata de realidades diferentes.
XXVII. Na verdade, a jurisprudência conhecida do STA sobre este assunto tem a ver com notificações autónomas, realizadas por meios e vias diferentes, e em nenhum caso a jurisprudência se pronunciou sobre notificações que envolvam o mesmo procedimento administrativo de notificação que enferma de irregularidades.
XXVIII. A Administração, no mínimo, induziu o Recorrente em erro, o que ofende a manutenção do direito à ação, pelo que nada impede que seja aplicável subsidiariamente, a disposição contida na alínea a) do nº 4 do art.º 58º do CPTA.
XXIX. Não podemos, ainda assim, deixar de realçar que é paradoxal verificar que a entidade que efetua a notificação de forma irregular e nada transparente, eivada de erros, venha depois, com grande galhardia, suscitar o problema da caducidade do direito à ação requerendo a impossibilidade de escrutínio judicial do ato de liquidação impugnado por erros de procedimento externos que ela própria causou.
XXX. Do que não podemos prescindir é da verificação de que existe um único procedimento de notificação, que tem duas cartas registadas com aviso de receção, admita-se ou não a observância das normas legais aplicáveis aos formalismos das notificações por carta registada, e, por outro lado, há erro no procedimento que é imputável à AT.
XXXI. Os seus reflexos não se podem projetar na esfera jurídica do contribuinte em seu prejuízo ou diminuição de direitos.
XXXII. Por isso a douta sentença deve ser revogada porque viola o que determina os nº 1 e 5 do art.º 39º do CPPT ao considerar perfeita a notificação levada a cabo pela primeira carta, como sendo a definidora dos prazos para defesa, pois que não atende ao que se dispõe no conjunto das normas respeitantes aos mecanismos a cumprir pela AT sobre um procedimento de notificação que tem duas cartas.
XXXIII. Deve a douta sentença ser revogada porque viola também o que se prevê no nº 3 do mesmo preceito ao conferir efeitos à assinatura do aviso de receção da primeira carta e nada dizer sobre o aviso de receção da segunda carta.
XXXIV. Por outro lado, ainda, a douta sentença recorrida é ilegal por não fundamentar a decisão de desconsiderar as regras aplicáveis às notificações com aviso de receção bastando-se com a verificação de que o Recorrente se considera notificado com a primeira carta porque o aviso de receção foi assinado, o que é contrário aos que determina o art.º 607º e art.º 615º, alínea b), do CPC.
XXXV. A declaração de verificação da invocada exceção de caducidade, com base na interpretação que é feita do art.º 39º do CPPT pela douta sentença ora recorrida viola flagrantemente o princípio constitucional da tutela judicial plena e efetiva de todos os direitos e interesses legalmente protegidos aos administrados previstos no art.º 9º da LGT e garantido pelo art.º 20º da Constituição da República.

Em face de todo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que não reconheça a exceção e ordene o prosseguimento dos autos de impugnação.
1.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

1. O Impugnante apresentou, em 9 de Julho de 2012, reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRS de 2007 e 2008, com os n.ºs 20125000056584 e 20125000056854, nos montantes, respectivamente, de € 172.385,00 e € 7.360,89, em que se incluem os juros compensatórios (cf. fls. 2 e segs. do PAT apenso);

2. Em 3 de Maio de 2013, através do ofício n.° 030879, da Direcção de Finanças de Lisboa, o Impugnante foi notificado, na pessoa do seu Mandatário, da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, sendo essa a data da assinatura do aviso de recepção (cf. fls. 110 e segs. do PAT apenso);

3. Em 14 de Maio de 2013, através do ofício n.º 034524, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi enviada "2.ª notificação" da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 21 e segs., igualmente constante de fls. 113 e segs. do PAT apenso);

4. A p. i. da presente impugnação judicial foi enviada a juízo em 28 de Maio de 2013 (cf. fls. 2 e 3,).
****


Questão objecto de recurso:

1- Caducidade do direito de acção.

Em discussão encontra-se o termo inicial do prazo para deduzir impugnação que, na situação presente, todos aceitam que seja de 15 dias a contar da data de notificação da decisão que indeferiu o pedido de reclamação graciosa ao abrigo do disposto no art.º 102.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário.
O impugnante foi notificado uma primeira vez desse indeferimento, por carta registada com aviso de recepção assinado em 3 de Maio de 2013.
Depois, foi, novamente, notificado da mesma decisão, em 14 de Maio de 2013.
A petição de impugnação deu entrada em juízo no dia 28 de Maio pelo que terá que ser considerada tempestiva se for tida em conta a segunda notificação e, intempestiva se for tida em conta a 1.ª notificação.
A sentença recorrida escolheu a primeira notificação, contra o que se insurge o recorrente, com a seguinte fundamentação:
«Ora, a p. i. da presente impugnação judicial, enviada a juízo em 28 de Maio de 2013, após a notificação válida e regularmente efectuada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, ocorrida em 3 de Maio de 2013, data da assinatura do aviso de recepção, é extemporânea porque não respeita o prazo de 15 dias previsto no artigo 102.º, n.º 2, do CPPT.
Conta-se esse prazo nos termos do artigo 279.º do CC, aplicável ex vi artigo 20.º do CPPT, ou seja, de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos períodos de férias judiciais, apenas acontecendo que se o prazo terminar durante esse período, o seu termo se transfere para o primeiro dia útil após as férias.
Como bem salienta o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, tendo o Impugnante sido válida e regularmente notificado em 3 de Maio de 2013, nada obsta à perfeição desse acto de notificação, iniciando-se nessa data os pertinentes efeitos e não podendo o Impugnante aproveitar-se da segunda notificação para fazer ressurgir o direito de intentar a impugnação judicial. Em rigor, não estamos perante uma segunda notificação, uma vez que há que observar o disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, segundo o qual, “havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado”, sendo que, nos termos do disposto no n.º 5, só “em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal”. Antes, tendo-se empregue a carta registada com aviso de recepção, a notificação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa da liquidação considera-se feita no dia em que se mostra assinado o aviso de recepção (cf., entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Março de 2009, proferido no processo n.º 0919/08, disponível em www.dgsi.pt).».
Ao longo do processo mostram-se referidos alguns acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo ditos apreciarem a mesma questão jurídica, mas que se referem a situações em que a citação para a execução foi efectuada duas vezes, o que é diverso, tendo em conta que a citação numa execução, por definição é um acto processual que pode apenas existir uma vez em cada processo, coisa diversa do que ocorre com notificações de decisões.
O argumento avançado na sentença recorrida para desconsiderar a validade da segunda notificação é que a primeira notificação era válida, completa e eficaz, pelo que a segunda não pode produzir efeitos.
Não temos dúvida que se verificou neste procedimento um erro praticado pela Administração Tributária. Por uma razão desconhecida, seguramente por mero lapso, depois de efectuada uma notificação praticou-se uma segunda em tudo idêntica à anterior.
A sentença recorrida considera que sendo a primeira notificação válida e eficaz, nessa data iniciam-se os seus efeitos, não podendo o Impugnante aproveitar-se da segunda notificação para fazer ressurgir o direito de intentar a impugnação judicial.
A razão pela qual desconsidera a segunda notificação reside em não a considerar uma verdadeira notificação mas ter ela surgido em observância do disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, segundo o qual, “havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado”, sendo que, nos termos do disposto no n.º 5, só “em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal”.
Parece-nos existir aqui uma certa confusão de conceitos e de procedimentos. Nada na matéria de facto provada, nem nos documentos nela referenciados permite concluir que o aviso de recepção que acompanhou a primeira notificação se extraviou, ou foi devolvido sem assinatura, por o destinatário ter recusado recebê-la ou a não ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. Assim a causa da segunda notificação não recebe qualquer enquadramento no disposto no art.º 39.º, n.º 5 do Código de Processo e Procedimento Tributário.
A deficiente redacção da matéria de facto, nomeadamente nos seus pontos 2 e 3:
2. Em 3 de Maio de 2013, através do ofício n.° 030879, da Direcção de Finanças de Lisboa, o Impugnante foi notificado, na pessoa do seu Mandatário, da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, sendo essa a data da assinatura do aviso de recepção (cf. fls. 110 e segs. do PAT apenso);
3. Em 14 de Maio de 2013, através do ofício n.º 034524, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi enviada "2.ª notificação" da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 21 e segs., igualmente constante de fls. 113 e segs. do PAT apenso);
parece dar consistência ao raciocínio lógico que se pretendia desenvolver de seguida, mas os factos devem ser fixados desacompanhados de valorações ou orientações teóricas para serem só factos, como a lei impõe, e permitirem que sobre eles assentem as diversas soluções de direito plausíveis. Falta no ponto 3 referir se foi ou não enviado aviso de recepção, se ele foi assinado, e em ambas se foi indicado o modo e prazo para exercício da defesa e forma de o contabilizar, por tudo serem elementos imprescindíveis para que, nos termos da lei – art.º 36.º do Código de Processo e Procedimento Tributário - sejam as notificações tidas por válidas. As referências que contém a matéria de facto são mais pobres quanto à segunda notificação o que facilita, indevidamente, a desconsideração da sua validade.
Apesar do que consta dos documentos e que indevidamente a 1.ª instância não levou ao probatório, não pode este Supremo Tribunal Administrativo completar a matéria de facto com o conteúdo de tais documentos, que pode, deve, e, lê. Mas a matéria de facto permite concluir que houve uma primeira notificação e sucedendo-se no tempo, uma segunda notificação da mesma decisão administrativa sem que conste do probatório que a segunda notificação continha qualquer indicação de que o prazo para exercer a defesa, por uma qualquer razão, se continuaria a contabilizar a partir da primeira notificação.
Nada na matéria de facto indicia que a segunda notificação daquela decisão padeça de qualquer invalidade, insuficiência ou ineficácia, ou que o contribuinte com manifesto abuso de direito haja acreditado nesta, mais que na primeira.
A Administração Tributária ao efectuar a segunda notificação sabia, ou tinha obrigação de saber porque as notificações não se criam por geração espontânea, sem registo procedimental, que estava a realizar uma segunda notificação da mesma decisão de indeferimento. Não se sabe a razão pela qual assim procedeu, mas deveria ter tornado aparente essa razão e, sobretudo deveria ter sido clara quanto ao momento em que se iniciava o prazo para exercer a defesa, se com a primeira, se com a segunda notificação. Sabemos apenas que o contribuinte recebeu duas notificações e contabilizou o prazo para deduzir impugnação do momento em que recebeu a segunda, porque assim o diz a sentença, «tendo o Impugnante sido válida e regularmente notificado em 3 de Maio de 2013, nada obsta à perfeição desse acto de notificação, iniciando-se nessa data os pertinentes efeitos e não podendo o Impugnante aproveitar-se da segunda notificação para fazer ressurgir o direito de intentar a impugnação judicial». O prazo para deduzir impugnação judicial estava em curso a contar da primeira notificação. A segunda notificação, que a sentença desqualifica dizendo que não é uma verdadeira notificação, sem indicar qualquer vício ou insuficiência desta para valer como uma notificação, é uma notificação de uma decisão de indeferimento de uma reclamação graciosa que, ainda que o não dissesse, confere ao contribuinte, nos termos do art.º 102.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário o prazo de 15 dias para deduzir impugnação judicial do acto notificado, seja esta a primeira ou a vigésima notificação que o contribuinte receba dessa decisão de indeferimento.
Verdadeiramente o art.º 39.º, n.º 3 do Código de Processo e Procedimento Tributário não pode resolver este diferendo porque foi criado para a situação normal de que cada decisão é seguida de uma e uma única notificação e não de duas ou mais notificações de conteúdos idênticos. O contribuinte não deu causa a este erro, não teve na sua produção qualquer interferência e ficou com duas notificações que diziam, de forma expressa ou tácita, não podemos dizer, face ao probatório, verdadeiramente duas coisas fundamentais e diferentes, a segunda, que se intitulava de segunda notificação, enviada em 14 de Maio de 2013, através do ofício n.º 034524, da Direcção de Finanças de Lisboa - "2.ª notificação" da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, que nesta data se iniciava um novo e diverso prazo para impugnar a decisão de indeferimento.
Não é o contribuinte que se quer fazer valer de um prazo ilegal, artificialmente alargado, para exercício da sua defesa foi a Administração Tributária que lhe concedeu um novo prazo para exercício da sua defesa contado a partir de 14 de Maio de 2013.
Não compete ao contribuinte que recebe uma notificação ir estudar o Código de Processo e Procedimento Tributário sobretudo quando tem em mão um documento de leitura fácil que lhe indica o prazo para impugnar a decisão em termos que qualquer cidadão médio pode entender quer quanto à duração, 15 dias, quer quanto ao seu cômputo, dado que, só assim poderá ser o conteúdo da primeira notificação tida por válida como considerado na sentença recorrida. Nem parece que a um cidadão normal seja exigível que desenvolva construções teóricas de direito processual tributário que conduzam ao entendimento de que a primeira notificação é válida e a segunda inválida, quando elas são tão similares.
De todo o modo o erro ou lapso foi cometido pela Administração Tributária e não pelo contribuinte e a notificação se na primeira e na segunda vez lhe dava a conhecer o teor da decisão de indeferimento dava-lhe também a conhecer dois prazos para a impugnar sem lhe indicar qual o critério de escolha entre eles, o que, neste caso, se imporia para que pudéssemos estar certos de que lhe foi lealmente assegurado o conhecimento dos meios e prazo para impugnar a decisão. A não indicação do critério de escolha entre os dois prazos que lhe foram efectivamente comunicados, quando a Administração Tributária nem pode dizer que não sabia que estava a notificar a mesma coisa pela segunda vez, porque o refere na segunda notificação, há-de obter o tratamento idêntico à não informação do prazo para deduzir oposição, de tal modo a confusão criada se equipara a ausência de informação. O art.º 36.º n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário ao exigir para a validade da notificação a indicação do prazo para reagir contra o acto notificado pretende que essa indicação seja clara e inequívoca, o que não ocorre na situação presente quando no decurso do prazo para impugnar a decisão de indeferimento o contribuinte recebe uma segunda notificação, indicando que é a segunda notificação do mesmo acto, o que lhe indica um novo prazo para impugnar a decisão.
O prazo para impugnar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e os actos de liquidação, a indicação clara precisa e sem possibilidade de equívocos para esse efeito, é atinente ao exercício do direito de defesa do contribuinte perante a Administração Tributária, não comportando interpretações restritivas dos preceitos legais em termos que redundem na denegação da tutela jurisdicional efectiva imposta pelo art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, como direito fundamental directamente aplicável, art.º 18º da mesma lei.
Não se vislumbra, pois, que haja caducado o direito de deduzir impugnação cujo prazo se há-de ter por iniciado com a notificação recebida pelo impugnante em 14 de Maio de 2013.
A sentença recorrida fez, a este propósito um errado enquadramento legal da situação sub judice, pelo que enferma de erro de julgamento, a determinar a sua revogação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que o processo siga os seus trâmites normais, se a tal nada mais obstar.

Custas pela recorrida que não suporta taxa de justiça dada a ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 3 de Maio de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) - António Pimpão - Francisco Rothes.