Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0371/18
Data do Acordão:05/24/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
SANÇÃO DISCIPLINAR
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI JURIS
Sumário:I - O periculum in mora constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora na obtenção de decisão no processo principal cause danos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que motiva ou justifica este tipo de tutela urgente;
II - A privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do acto punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social;
III - A nível do fumus boni iuris não basta constatar que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão vertida ou a verter na acção principal, antes é necessário poder-se concluir, a partir da análise perfunctória das ilegalidades invocadas, pela «probabilidade de procedência da mesma»;
IV - Se o erro sobre os pressupostos de facto apontados ao sancionamento disciplinar suspendendo incidir no plano da intenção e não no da objectividade da conduta infraccional não se verifica, por regra, esse fumus boni iuris, atenta a dificuldade de prova de factos do foro subjectivo.
Nº Convencional:JSTA000P23336
Nº do Documento:SA1201805240371
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:A.......
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo cautelar nº 371/18

I. Relatório

1. A……….. - Magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador-Adjunto, residente na rua ……………., em Braga - pede a este Supremo Tribunal Administrativo [STA] a «suspensão de eficácia» do decidido no acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público [CSMP], datado de 16.01.2018, e que em sede de reclamação do acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho, datado de 07.11.2017, lhe aplicou a «pena disciplinar de 19 meses de inactividade», reduzindo em 1 mês a pena do acórdão reclamado.
Para tanto, articula um manancial de «factos» a partir dos quais pretende fazer vingar a sua tese jurídica segundo a qual a referida decisão punitiva padece de «erros manifestos» nos seus pressupostos de facto, e de direito, a sua imediata execução acarretar-lhe-á prejuízos de difícil reparação, e, até, uma situação de facto consumado, sendo que, além disso, os danos daí resultantes, para si, são superiores aos eventualmente resultantes para o interesse público - ver artigos 114º e 120º do CPTA.
O demandado CSMP deduziu oposição, aceitando boa parte dos factos alegados pelo requerente cautelar, invocando desconhecimento de outros, e, sobretudo, impugnando as consequências jurídicas que dos mesmos ele pretende extrair - ver artigos 117º e 118º do CPTA.
Juntou «Resolução Fundamentada», a qual, notificada ao requerente cautelar, nele não provocou qualquer reacção a nível do processo - ver artigo 128º do CPTA.
2. Cumpre apreciar e decidir a pretensão cautelar - ver artigos 36º nº2, 119º e 120º do CPTA.

II. De Facto
São os seguintes os factos articulados, pertinentes e sumariamente provados:
1- O requerente ingressou na Magistratura do Ministério Público no ano de 1989, e exerceu funções nas comarcas de ………., ………., ……….,………. e ………. - pacífico nos autos;
2- Foi colocado na comarca de ………. em 24.06.98, como Procurador-Adjunto, onde se mantém até à presente data - pacífico nos autos;
3- No início do ano de 2000, foi afecto ao departamento especializado crime, então designado ………., e entretanto extinto - pacífico nos autos;
4- Aí se manteve até 24.04.2008, data em que transitou para o ………., mantendo, no entanto, a direcção de cerca de 130 inquéritos que por si vinham sendo anteriormente conduzidos - pacífico nos autos;
5- No triénio de 2007 a 2009, por razões da sua vida particular, sofreu de profunda depressão que lhe diminuiu acentuadamente a capacidade de trabalho - pacífico nos autos;
6- Apesar disso, e nesse período, o requerente ainda teve uma média de acusações superior à nacional - pacífico nos autos;
7- Contudo, não conseguiu findar mais inquéritos do que os «entrados», tendo inclusivamente subido as pendências em 2007, com objectiva quebra de produtividade - pacífico nos autos;
8- Assim, em 2008 foi alvo de processo disciplinar [nº…………], no qual foi condenado pela prática de uma infracção, na forma continuada, consubstanciada em «violação dos deveres de zelo e de lealdade» - pacífico nos autos;
9- Neste processo, por acórdão de 12.05.2009, a Secção Disciplinar do CSMP aplicou-lhe a pena disciplinar de suspensão do exercício de funções por 60 dias, que foi alterada, por acórdão de 22.06.2009 do Plenário do mesmo Conselho para uma pena disciplinar de 60 dias de multa, que cumpriu - pacífico nos autos;
10- O requerente não findou as pendências do ………. com a brevidade desejável, tendo ainda acumulado novos atrasos nos inquéritos que lhe foram distribuídos - pacífico nos autos;
11- Dos 110 inquéritos que tinha pendentes em 30.05.2008, somente conseguiu dar despacho final em 20, até 30.09.2008, ficando com 90 inquéritos, pendentes nesta última data, 46 dos quais provindos do extinto ………. e já com os atrasos censurados no processo disciplinar dito em 8 supra - pacífico nos autos;
12- A hierarquia, através de provimento de 12.09.2008 [nº90], colocou-o no …….º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ………., o que implicou a sua ocupação permanente em sala de audiências nos dias úteis, o tratamento e impulso de todos os processos classificados em curso, bem como a interposição e resposta a recursos, mantendo a direcção dos processos pendentes do extinto………., com a incumbência de os tramitar e dar despacho final - pacífico nos autos;
13- Em face disto, o requerente apenas concluiu 18 inquéritos até 31.10.2008, 12 outros até 30.11.2008, e mais 19 até 04.02.2009, pelo que, em 26.03.2009 tinha 30 inquéritos pendentes - pacífico nos autos;
14- A partir de 01.07.2010, e por provimento de 23.06.2010 [nº96], o requerente passou a receber, conjuntamente com os restantes 5 Procuradores-Adjuntos dos Juízos Cíveis e Criminais do Tribunal Judicial de ………., 20% dos inquéritos pela prática de crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos, exceptuados os com arguidos detidos, percentagem que foi reduzida para 15% a partir de 01.10.2012 através de provimento de 28.09.2012 [nº106] - pacífico nos autos;
15- Dada a extinção do …….º Juízo Criminal, a partir de Setembro de 2011 houve um acréscimo de trabalho para os outros Juízos do Tribunal Judicial de ………. - pacífico nos autos;
16- Mediante provimento de 12.09.2011 [nº99], o requerente mais recebeu, conjuntamente com os demais magistrados ao serviço, 88 inquéritos anteriormente dirigidos por outra Procuradora- Adjunta, os quais foram repartidos equitativamente entre todos eles - pacífico nos autos;
17- Por despacho da Senhora Procuradora-Geral Distrital ………., foram também distribuídos aos magistrados do Ministério Público de ……… cerca de 360 inquéritos antigos e parados nos serviços do Ministério Público de ………., tendo cabido ao ora requerente cerca de 33 desses inquéritos - pacífico nos autos;
18- Na sequência do dito em 10 supra, e de inspecção iniciada em 10.10.2012 a que foi sujeito, foi instaurado ao requerente novo processo disciplinar [nº………….], aberto por despacho do Vice Procurador-Geral da República [despacho de 14.02.2013], e onde lhe foi imputada a prática do total de 33 infracções disciplinares e proposta a aplicação da pena de 150 dias de suspensão do exercício das funções de Procurador-Adjunto - pacífico nos autos;
19- Por acórdão de 12.07.2013, da Secção Disciplinar do CSMP, foi sancionado na pena que foi proposta, acrescida de transferência para a comarca de ………., sendo que esta decisão punitiva foi confirmada pelo Plenário do CSMP em acórdão de 03.12.2013 - documentos de folhas 37 a 82 dos autos;
20- Em 15.04.2013, o ora requerente tinha apenas um inquérito do extinto ………. dos serviços do Ministério Público de ……… por finalizar, que integrava um total de 49 processos pendentes, em termos estatísticos, 2 dos quais provisoriamente suspensos e 8 deles há mais de 8 meses - pacífico nos autos;
21- Em Maio de 2013 o requerente deixou o ……º Juízo Criminal, e passou a assegurar o serviço junto do Juiz de Instrução do Tribunal Judicial de ………., mantendo-se, todavia, a contínua distribuição dos inquéritos «entrados» por ele e pelos restantes 9 Procuradores-Adjuntos dos Juízos Criminais da comarca - pacífico nos autos;
22- Desde 01.06.2013 e pelo menos até 05.02.2014, foi ele o magistrado dos serviços do Ministério Público de ………. com menos inquéritos pendentes há mais de 8 meses, e o segundo melhor classificado nas pendências com menos de 8 meses, excluídos os colegas afectos aos Juízos Cíveis - documentos de folhas 83 e 84 dos autos;
23- Na sequência de processo cautelar instaurado pelo ora requerente no STA [nº148/14], e por acórdão proferido em 20.03.2014, foi suspensa a eficácia da decisão punitiva dita em 19 supra, e declarada indevida a execução entretanto havida - documento de folhas 85 a 113 dos autos;
24- Pela Ordem de Serviço de 27.03.2014 [nº8/2014], a Procuradora-Geral Distrital determinou que o requerente «assegurará 50% do serviço atribuído ao ……º Juízo do Tribunal de Trabalho [de ……….], bem como 50% do atendimento ao público deste Juízo e ser-lhe-ão distribuídos os inquéritos contra desconhecidos da comarca de ……….» - documento de folhas 114 dos autos;
25- O requerente reagiu a esta instrução, mas a mesma foi mantida por decisão de 01.07.2014 do CSMP - documentos de folhas 115 a 121 dos autos;
26- O ora requerente prestou serviço durante cerca de dois meses no Tribunal de Trabalho de ………., partilhado com o despacho de inquéritos da ……ª Secção do Ministério Público de ………. - pacífico nos autos;
27- Em 01.09.2014 foi superiormente determinado que o requerente passasse para a 3ª Secção do então criado ……….de …….., com competência genérica e número de inquéritos averbados muito significativo - pacífico nos autos;
28- Através de acórdão de 10.02.2015 da 1ª Secção «Para Apreciação do Mérito Profissional, do CSMP», foi deliberado atribuir ao requerente a classificação de «Medíocre» em relação ao seu desempenho na comarca de ………. entre 10.10.2008 e 10.10.2012, bem como proceder «à instauração de inquérito por inaptidão para o exercício de funções, ficando o magistrado suspenso desse exercício, nos termos do nº2 do artigo 110º do EMP» - documento de folhas 122 a 127 dos autos;
29- O que foi confirmado pelo acórdão do Plenário do CSMP em 28.04.2015 [processo nº................], e cuja notificação implicou o afastamento completo do ora requerente do serviço a partir de 04.05.2015 - documento de folhas 128 a 135 dos autos;
30- Por acórdão de 26.05.2015 o CSMP indeferiu a reclamação apresentada pelo ora requerente e só em 24.11.2015 acabou por considerá-lo «Apto para o exercício das funções de magistrado do Ministério Público», com o consequente arquivamento, embora determinando que «seja objecto de inspecção extraordinária dentro de 2 anos, devendo, entretanto, o seu desempenho ser monotorizado por parte da respectiva hierarquia até que tal inspecção se realize» - documentos de folhas 136 a 153 dos autos;
31- Quando o requerente regressou ao serviço, em Dezembro de 2015, tinha a seu cargo cerca de 600 inquéritos - pacífico nos autos;
32- E tinha, tal como os demais magistrados da Secção, de assegurar os turnos semanais do serviço do Ministério Público - pacífico nos autos;
33- E um acréscimo de serviço, a partir de Setembro de 2015, advindo da falta de um dos 4 magistrados do Ministério Público que integravam aquela Secção - pacífico nos autos;
34- Durante o ano de 2016, o ora requerente padeceu de problemas de saúde, bem como teve de acompanhar os sogros, de idade avançada, com problemas de saúde, e necessitados desse acompanhamento - pacífico nos autos;
35- Por acórdão de 13.07.2016, proferido no processo principal [do cautelar referido a 23 supra], este STA decidiu «anular o acto administrativo impugnado, com todas as consequências legais», e aguarda-se, ainda, a decisão final do recurso interposto para o Pleno pelo CSMP - documento de folhas 154 a 205 dos autos;
36- Em 01.09.2017, a hierarquia determinou a colocação do aqui requerente no ……..º Juízo Local Criminal da Comarca de ………., mantendo-o com o encargo de tramitar e despachar o número que lhe coube dos inquéritos de que até então tinha sido titular, após a ocorrida repartição dos mesmos entre ele e os magistrados da …….Secção do ..……. de …….. - pacífico nos autos;
37- A hierarquia de proximidade do ora requerente sempre insistiu para que ele mantivesse um número de baixas mensal que contrariasse o elevado número de entradas - cerca de 160, em média, para cada magistrado da ………ª Secção do ………, dado que um deles esteve de baixa médica por gravidez, desde Setembro de 2016 até Dezembro de 2017 - pacífico nos autos;
38- O requerente, por vezes, apôs assinaturas electrónicas, em alguns inquéritos, enquanto procurava ir fazendo os respectivos despachos finais no seu arquivo de documentos - pacífico nos autos;
39- E retinha os inquéritos em questão, não os entregando na secretaria - pacífico nos autos;
40- O aqui requerente inseriu no Citius sete despachos em 17.02.2017, doze em 05.05.2017, nove em 06.05.2017 e dezassete em 08.05.2017, sendo que muitos deles não eram de simples expediente - pacífico nos autos;
41- Este comportamento do requerente acabou por ser reportado superiormente - pacífico nos autos;
42- Na sequência disso foi instaurado ao requerente novo processo disciplinar [nº…………..], que culminou com o acórdão de 07.11.2017, da Secção Disciplinar do CSMP, que o condenou na pena de «inactividade pelo período de 20 meses» - documento de folhas 205 a 233 dos autos;
43- Por acórdão de 16.01.2018, o Plenário do CSMP, decidindo reclamação do ora requerente, reduziu tal pena disciplinar para «19 meses de inactividade» - documento de folhas 234 a 269 dos autos;
44- O agora requerente conta, à data, 64 anos de idade, e já perfez 29 anos de serviço na magistratura do Ministério Público - pacífico nos autos;
45- Durante os primeiros 19 anos da sua carreira, 10 dos quais na comarca de ……….., nunca lhe foi instaurado qualquer processo disciplinar, e obteve 4 classificações de serviço com a notação de «Bom» - pacífico nos autos;
46- Até aos dias de hoje o requerente sempre foi considerado pelos seus pares como excelente colega, solidário, com grande disponibilidade, respeitador da hierarquia, tendo granjeado por isso algum prestígio junto deles - pacífico nos autos;
47- É magistrado assíduo e dedicado ao serviço, que sempre permaneceu no Tribunal Judicial de ………. para além do horário normal, trabalha, por vezes, em tempo de férias, e leva trabalho para casa - pacífico nos autos;
48- No âmbito da Inspecção Ordinária nº8/2012, o Procurador da República do Círculo Judicial de ………., coordenador dos magistrados do Ministério Público na comarca de…………, realçou «o seu empenho, a sua dedicação ao serviço, a sua postura social e funcional, o excelente relacionamento com a hierarquia, demais gentes do foro e instâncias policiais e administrativas com quem o Ministério Público se articula e com os cidadãos em geral» - documento de folha 270 dos autos;
49- A acusação proferida contra o ora requerente no âmbito do processo disciplinar em cujo seio foi praticado o acto suspendendo continha duas imputações distintas, a saber:
a) A primeira, de ter procedido à assinatura electrónica, com ou sem despacho fictício, mas na realidade sempre inexistente, em 68 inquéritos de que era titular e com conclusões abertas, com o propósito de ludibriar a sua hierarquia, fazendo crer a esta que se encontravam despachados, quando não o estavam - artigo 1º a 72º da acusação, junta a folhas 439 a 463 do II volume do PA anexo aos autos;
b) A segunda, de em 06.01.2017 ter dado conhecimento ao jornalista ………. do teor da acusação pública proferida em inquérito do qual era titular a Procuradora Adjunta Dra. ………….., com nº ………….., tendo para tanto acedido previamente ao mesmo através do sistema informático Citius, ciente de que com essa sua conduta poderia vir a frustrar o sucesso de arresto promovido - artigos 73º a 76º da acusação, junta a folhas 464 a 466 do II volume do PA anexo aos autos;
50- O requerente é casado com…………….., e, segundo a declaração conjunta de IRS relativa a 2016, não têm qualquer outra fonte de rendimentos para além do salário de ambos - documento de folhas 279;
51- Actualmente, o requerente retira por mês 3.438,35€ líquidos da sua actividade profissional, e a sua esposa 1.559,98€, enquanto professora do ensino secundário - documentos de folhas 280 e 281 dos autos;
52- O património do casal é composto pela fracção autónoma que habitam - documentos de folhas 282 a 284 dos autos;
53- Bem como pelos veículos automóveis que cada um utiliza nas suas deslocações, com as matrículas ……… e ………., este último adquirido com recurso a financiamento bancário - documentos de folhas 285 e 286 conjugados com os de folhas 287 e 288 e 329 dos autos;
54- O casal é ainda titular das seguintes contas bancárias: - conta ordenado, onde é depositado o vencimento do requerente, e cujo saldo costuma ser negativo antes desse depósito; - conta à ordem na qual é depositado o vencimento da esposa e alguma poupança do casal, cujo saldo médio é de 15.000,00€; - conta à ordem, na qual era anteriormente depositado o vencimento do requerente, à data actual com saldo de 4,32€; - conta à ordem, conta poupança, e conta poupança-habitação, as duas primeiras com saldo zero e a última com um saldo de 31,00€ - documentos de folhas 288 a 298 dos autos;
55- A totalidade dos empréstimos em dívida pelo casal do requerente, incluindo o concedido para aquisição da referida habitação, implica o pagamento de 922,57€ por mês - documentos de folhas 287 a 292, e 298 a 328 dos autos;
56- Com o contrato de locação financeira relativo ao automóvel [ver 53 supra], tem um dispêndio mensal actual de 776,00€ - documentos de folhas 287 a 292 e 329 dos autos;
57- Com água, luz e gás, gastam mensalmente uma média de 300,00€ a que se somam cerca de 150,00€ com o serviço MEO e PT - documentos de folhas 330 a 332 dos autos;
58- Pagam por serviços domésticos a remuneração mensal de 260,00€ acrescida de idêntica quantia a título de subsídios de férias e de Natal - documento de folha 333 dos autos;
59- Auxiliam a filha, apesar de licenciada em Medicina, com a quantia de 300,00€ mensais - documento de folha 334 dos autos.

III. De Direito
1. Segundo a lei adjectiva aplicável, para ver deferida a sua pretensão cautelar o Senhor Procurador-Adjunto requerente teria de articular e provar, embora de forma sumária, o preenchimento de três requisitos [artigo 120º do CPTA]:
- Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ele visa assegurar no processo principal - «periculum in mora»;
- Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular, nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - «fumus boni iuris»;
- Mesmo que verificados estes dois requisitos, a adopção da providência cautelar é recusada se, ponderados os interesses públicos e privados em presença, «os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
Estes três requisitos - dois positivos e um negativo - são cumulativos, e, portanto, «indispensáveis para a concessão da providência cautelar» requerida. Significa, isto, que a não verificação de um dos «requisitos positivos» impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a abordagem do requisito negativo apenas se exige no caso de se verificarem os outros dois - o «periculum in mora» e o «fumus boni iuris».
2. O «periculum in mora» constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause danos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo, que motiva ou justifica este tipo de tutela urgente.
O requerente alegou e provou, a este respeito, e no essencial, que a imediata execução do acórdão punitivo acarretará, a si e ao seu agregado familiar, danos patrimoniais, na medida em que fica privado do seu vencimento durante longos meses, pelo que, só com o vencimento da sua esposa não terão condições para «suprir as necessidades do seu agregado familiar», composto por ele, esposa, e uma filha que, muito embora recentemente licenciada em Medicina, ainda é por eles ajudada economicamente.
Além disso, alega prejuízos não patrimoniais, dado que, entre o mais, constitui facto notório que a inactividade prolongada que lhe será imposta causa danos irreparáveis na sua reputação e imagem profissional, desgastando notoriamente o seu prestígio, mesmo pessoal, e perturbando-o psiquicamente, sobretudo por já ter antecedentes nessa área.
Face aos factos provados - a partir do ponto 50 - este requisito do «periculum in mora» verifica-se.
Na verdade, resulta da factualidade provada que sem o seu vencimento, e logo durante dezanove longos meses, passaria a existir um deficit mensal de 998,00€ no orçamento do agregado familiar do requerente [2558,00€ de despesas mensais face a um vencimento de 1559,98€ da sua esposa], o que significa, tal como ele afirma, que sendo esta situação impossível de cobrir, ao longo de todo esse tempo, com as economias do casal, nunca ele poderia manter «com a dignidade exigível pela sua condição, o padrão de vida de que pode desfrutar com a manutenção desses rendimentos, ou, no mínimo, diminuiria drasticamente o seu nível de vida e o do seu agregado familiar», e poria em risco o cumprimento das suas obrigações perante instituições financeiras, com o inerente desprestígio não só para ele como até para a respectiva classe.
Constitui jurisprudência, pacífica, deste Supremo Tribunal Administrativo, que a «privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do acto punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social [ver, entre outros, o AC STA de 28.01.2009, Rº1030/08, e jurisprudência nele citada].
Consideramos, pois, atendendo à matéria de facto provada [pontos 50 a 59 do provado], que a execução imediata do acto punitivo, no tocante à perda da remuneração, põe em risco a satisfação de necessidades básicas do requerente cautelar e seu agregado familiar, sendo susceptível de lhe causar prejuízos de difícil reparação, pelo que se verifica, nesta vertente, o «periculum in mora» [artigo 120º, nº1, do CPTA].
Além disso, é consistente a alegação do requerente relativamente ao «risco da produção de danos de natureza não patrimonial, nomeadamente os ligados à sua imagem e reputação pessoal e profissional», porque essa constatação encontra suporte bastante na «experiência comum». Porém, independentemente da sua verificação ou não nesta concreta situação, certo é que já julgamos preenchido este pressuposto do deferimento da providência cautelar, sendo desnecessário, pois, avançar mais sobre o assunto.
3. Mas, mesmo verificado este requisito nuclear da tutela cautelar, ela apenas será concedida se ocorrer um «fumus boni iuris» positivo. Ou seja, não bastará constatar que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão vertida ou a verter na acção principal, antes é necessário poder-se concluir, a partir da «sua análise perfunctória», pela «probabilidade de procedência da mesma». E é este, pois, o verdadeiro «odor ao bom direito». Apenas neste caso permite a lei que o julgador cautelar possa conceder a providência que lhe é requerida.
O requerente cautelar imputa ao acto punitivo - que o sancionou com 19 meses de inactividade - «erros manifestos» nos seus pressupostos de facto e de direito que impõem a respectiva anulação [artigo 163º do CPA].
O primeiro alegado erro nos pressupostos de facto tem a ver com a intenção, ou com o propósito que levou o requerente a ter procedido à assinatura electrónica, com ou sem despacho fictício, em 68 inquéritos seus e com conclusões abertas.
Este invocado erro reporta-se aos pontos 1 e 77 da matéria de facto dada como provada no acórdão punitivo. Aí se diz o seguinte:
[…]
«1. O Senhor Procurador da República, Dr…………, na qualidade de Coordenador do ……….de ……….., de acordo com prévias ordens de serviços subscritas em 16 de Setembro de 2015 e 14 de Outubro de 2016 pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto Dr. ………, procedia a um controlo estatístico mensal do desempenho dos magistrados responsáveis pelos inquéritos, nomeadamente do desempenho do Dr. A………. que na última avaliação do seu desempenho tinha merecido classificação negativa.
Tal controlo era exercido, para além do mais, pela análise das listas mensais de inquéritos da responsabilidade dos magistrados com conclusões por despachar com mais de trinta dias, permitindo à hierarquia verificar se ocorriam ou não atrasos na prolação dos despachos.
Conhecedor desse facto, o Dr. A…………, responsável por inquéritos respeitantes à ……….ª Secção do ……. de ………., engendrou um procedimento com o propósito de ludibriar a hierarquia, fazendo crer a esta que se encontravam despachados inquéritos que o não estavam, de modo a que não aparecessem nessas listas mensais inquéritos da sua responsabilidade que estivessem por despachar há mais de trinta dias.
Tal actuação traduziu-se na criação de despachos fantasmas, ou seja, inexistentes, mas que da análise das listas parecia resultar que os despachos teriam sido proferidos, não se encontrando, por isso, conclusos os inquéritos.
Assim, procedia à assinatura electrónica nos processos que lhe estavam conclusos, umas vezes nada mais escrevendo, outras escrevendo textos que nada tinham a ver com a matéria do inquérito.
Logo que apunha a assinatura electrónica, o inquérito não apareceria no sistema CITIUS como pendente no gabinete do magistrado, considerando-se que fora proferido despacho em versão final.
Para que o seu procedimento não fosse descoberto, retinha consigo esses inquéritos, não os entregando na Secretaria.
Não os entregando na Secretaria, em qualquer momento poderia dar sem efeito esses despachos fantasmas e proceder à prolação dos despachos que fossem adequados quando o entendesse.
Com este procedimento conseguiu, até que a situação foi detectada, enganar a hierarquia».
De seguida, passa-se a enumerar e a descrever, sinteticamente, o ocorrido em cada um dos referidos 68 inquéritos [páginas 5 a 26 do acórdão punitivo, junto no volume II do PA anexo aos autos].
[…]
«77. O Dr. A………… agiu sempre voluntária e conscientemente, com propósitos que sabia serem desadequados ao seu estatuto de magistrado do Ministério Público.»
[…]
Segundo o requerente, nestes citados pontos factuais são feitas afirmações que não correspondem à verdade, nomeadamente a da sua intenção de «ludibriar os seus superiores hierárquicos» [ver artigos 53º a 63º do Requerimento Cautelar]. Refuta que tenha sido este o seu propósito, e afirma não haver qualquer prova que o suporte.
Como vemos, este alegado erro sobre os pressupostos da decisão punitiva, cuja eficácia o requerente quer ver suspensa, diz respeito à 1ª das duas imputações referidas no ponto 49 da matéria provada supra. Mas, um outro «erro sobre os pressupostos de facto» é por ele apontado à 2ª, e tem a ver com os pontos 73, 74 e 76 da matéria de facto dada como provada no acórdão punitivo. Neles se diz o seguinte [acrescentaremos o teor dos pontos 72 e 75 da factualidade que serviu de base à decisão punitiva para uma melhor compreensão do teor dos pontos em causa]:
[…]
«72. Em 31 de Dezembro de 2016, no inquérito nº.............., a Senhora Procuradora-Adjunta Dr. …………., deduziu acusação e requereu o arresto preventivo dos bens dos arguidos.
Para obviar ao conhecimento público do arresto, determinou que não se procedesse à notificação da acusação ou se realizasse qualquer outra diligência antes de concluso à Senhora Juiz de Instrução Criminal e que se procedesse a essa notificação apenas após a execução dos arrestos.
73. Posteriormente a esta data, mas em data anterior a 6 de Janeiro de 2017, o jornal ………….. noticiou que tinha sido deduzida aquela acusação.
74. Em 7 de Janeiro de 2017, em notícia assinada pelo jornalista ……….. e publicada no …………., dava-se conta de que aquela acusação tinha sido deduzida.
Dela constava um número aproximado de páginas da acusação, dando como acusados aqueles que efectivamente o foram e um outro cidadão que não o fora, e que o teor da acusação ainda não é conhecido pelos arguidos, dado que a necessária notificação ainda não lhes foi enviada.
75. O jornalista teve conhecimento de que a acusação tinha sido deduzida através do Dr. A………., em conversa telefónica que mantiveram na tarde do dia anterior ao da publicação referida.
Para tanto, este não se coibiu de, em 6 de Janeiro, pelas 17 horas e 31 minutos, aceder, via CITIUS, ao inquérito nº............, sem que tivesse qualquer razão funcional para o fazer, assim colhendo a informação que iria comunicar ao referido jornalista.
76. Nem a notícia publicada no ………… nem a notícia publicada no ………… impossibilitaram ou prejudicaram as diligências de arresto que o Ministério Público tinha requerido.»
[…]
O ora requerente refuta esta imputação que lhe é feita porque, e a seu ver, «os autos revelam que não foi através dele que o jornalista em questão teve conhecimento de que a acusação [do inquérito nº………….] tinha sido deduzida […]» [ver artigos 64º a 79º do Requerimento Cautelar].
Por fim, e no que respeita ao alegado «erro sobre os pressupostos de direito da decisão punitiva», defende o requerente que perante os factos que devem ser tidos como provados lhe deve ser aplicada uma pena de escalão muito inferior - pena de «advertência» - e, na eventualidade de assim não ser entendido, «a pena abstractamente aplicável ao caso em apreço sempre seria a de suspensão do exercício e não a de inactividade […] a substituir por pena de multa […] graduada próximo do seu limite mínimo e nunca acima do seu limite médio».
4. O requerente cautelar qualifica estes descritos «erros» de «manifestos», não carecidos, portanto, de demonstração. Mas não o são, obviamente, aliás, nem a actual lei adjectiva prevê como critério único de concessão da providência o da «evidência» ou carácter «manifesto» da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Haverá, pois, que averiguar de forma perfunctória, isto é, de demonstração de aparência, se é «provável» que a pretensão a formular pelo ora requerente na acção principal, na base do que já articulou, «venha a ser julgada procedente».
E isto não acontece.
É sabido que o «erro sobre os pressupostos de facto» ocorre quando os factos, que serviram de base à decisão administrativa, não existem ou se configuram de outro modo no âmbito factual dessa decisão. Trata-se, assim, de divergência entre a realidade empírica e a realidade representada.
No primeiro erro sobre os pressupostos de facto, acima referido, não está posta em causa a objectividade do provado, mas antes a intenção que presidiu a tal conduta. Defende o requerente que a motivação dessa conduta, que não nega, foi a de «evitar que fosse entendido pela hierarquia que ele não estava a tentar recuperar os inquéritos», e que os reteve no gabinete por estar convencido que conseguiria efectivamente despachá-los. Sublinha, assim, que «o propósito de enganar os seus superiores não é o único extraível do objectivamente apurado» pois há um possível desígnio alternativo.
Ora, e sem querermos retirar a «eventual razão» do requerente, impõe-se-nos concluir, mediante o tipo de análise em presença, que a intenção extraída pelo acórdão punitivo como motivadora da conduta do requerente se mostra lógica e perfeitamente de acordo com as regras da experiência comum. É difícil aceitar a «explicação» do requerente para essa sua conduta, e a luta por ela, em sede de acção principal, antevê-se difícil, pois sempre o foi a prova da «factualidade subjectiva».
No segundo erro sobre os pressupostos de facto, acima referido, não está posto em causa o telefonema havido, no dia 06.01.2017, entre o ora requerente e o jornalista do …………, nem sequer o tema da conversa. Nem está posto em causa que o ora requerente acedeu, via CITIUS, na tarde desse mesmo dia, ao inquérito em questão, fazendo-o sem qualquer razão funcional. O requerente insurge-se, e reputa de errado ter-se dado como provado, no acórdão punitivo, que «os autos revelam que foi através dele que o jornalista […] teve conhecimento de que a acusação [do inquérito nº……….] tinha sido deduzida […]», dado que essa notícia já tinha sido publicada pelo jornal ………… no dia anterior. Além disso, afirma que acedeu informaticamente ao inquérito «por mera curiosidade».
Também aqui, levando em conta a natureza da análise que se pede ao julgador cautelar, impõe-se-nos negar razão ao requerente. Na verdade, a concatenação empírica e lógica dos factos apontam para os segmentos conclusivos que foram extraídos no acórdão punitivo. Aliás, o «conhecimento» da dedução da acusação através do jornal …………. ou através de Procurador a exercer funções nos serviços do Ministério Público onde pende o respectivo inquérito, é bom de ver que tem uma «dimensão» diferente. E a «mera curiosidade», invocada como «explicação» do acesso informático ao inquérito, tende a ceder, repetimos, face ao encadeamento dos factos dados como provados no acórdão punitivo.
Finalmente, o «erro sobre os pressupostos de direito da decisão punitiva», que é invocado sob a égide dos princípios da justiça e da proporcionalidade, tem na sua base dois pressupostos subliminares: - que sejam julgados procedentes os erros sobre os pressupostos de facto, acabados de abordar; - e que estejamos perante caso de erro grosseiro sobre os pressupostos de direito.
Ora, tal como acabamos de ver, esse primeiro pressuposto não ocorre, uma vez que não se nos mostra possível realizar um juízo positivo sobre a probabilidade de sucesso da pretensão a deduzir pelo requerente na acção principal, quanto a esses segmentos da causa de pedir.
E o segundo também falece.
Efectivamente, aí, onde o CSMP exerce o seu poder disciplinar, os tribunais não devem nem podem entrar, a não ser, e isso se lhes exige, mediante o controlo externo sobre o correcto exercício desse poder que lhe é atribuído, o que inclui, obviamente, tudo o que tenha a ver com os princípios referidos pelo requerente: justiça e proporcionalidade.
Mas torna-se difícil delimitar esse «controlo externo», sendo que esta dificuldade não deverá justificar nem a excessiva auto-contenção judicial, nem o excessivo activismo judicial. Assim, vem-se entendendo, a respeito, que cabe ao tribunal apreciar nomeadamente os casos - entre outros - de erro grosseiro por parte, aqui, do CSMP, quer a nível de julgamento de facto quer de julgamento de direito.
E mais uma vez independentemente da eventual razão que o requerente tenha, certo é que, neste «julgamento perfunctório», não surge como grosseiro, ou, do ângulo invocado pelo requerente, como manifesto, qualquer «erro na subsunção dos factos ao direito» por parte do Plenário do CSMP.
5. A não verificação deste requisito positivo - «fumus boni iuris» - e indispensável à concessão da providência cautelar pretendida pelo requerente, ou outra, põe definitivamente em causa o êxito deste processo cautelar.
Apesar da verificação do «periculum in mora», a pretensão a deduzir no processo principal não se mostra aureolada pela probabilidade de êxito que é indispensável à concessão da tutela cautelar.
Na linha do que dissemos acima, não se justifica prosseguir com a abordagem à ponderação de interesses e danos referida no nº2 do artigo 120º do CPTA.

IV. Decisão
Nestes termos, decidimos indeferir o pedido cautelar que foi formulado pelo requerente.

Custas pelo requerente.

Lisboa, 24 de Maio de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.