Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01724/02
Data do Acordão:01/29/2003
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:DIREITO DE VEDAÇÃO.
PRÉDIO CONFINANTE.
VIA PÚBLICA.
RECURSO CONTENCIOSO.
JANELA.
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:I - Na ausência de normas expressas ou analogicamente aplicáveis sobre a repartição do ónus da prova em recurso contencioso de acto administrativo, tendo em conta os critérios de razoabilidade subjacentes às regras do ónus da prova contidas nos arts. 342.º a 344.º do Código Civil, que devem servir de modelo na determinação do regime aplicável à sombra do n.º 3 do art. 10.º do Código Civil, e tendo em mente o dever de fundamentação legalmente imposto à Administração para os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (arts. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 124.º do C.P.A.) será de impor-lhe no recurso contencioso o ónus de provar os pressupostos de facto em que ela basear as suas decisões que afectem os administrados, enquanto ao recorrente caberá o ónus da prova dos pressupostos em que assenta a sua pretensão.
II - Não se demonstrando que a colocação de uma rede de uma vedação a 2,40 metros de uma janela de uma habitação afecte a salubridade, a luminosidade e o arejamento desta, o preceituado nos arts. 73.º, 74.º e 75.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, constante do Decreto-Lei n.º 38382, de 7-8-1951, não é obstáculo àquela colocação.
III - O art. 59.º da Lei n.º 2110, de 19-8 1961, ao referir-se a «vedações de terrenos abertos confinantes com as estradas e caminhos municipais», tem em vista as vedações colocadas ao longo das vias municipais, nos limites comuns dessas vias com os terrenos adjacentes, e não aquelas que estão colocadas perpendicularmente a elas, terminando junto a elas.
Nº Convencional:JSTA00058767
Nº do Documento:SA12003012901724
Data de Entrada:11/05/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRES DA CM DE FAFE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:CCIV66 ART10 N3 ART342 ART344.
CONST2001 ART268 N3.
RGEU51 ART73 ART74 ART75.
L 2110 DE 1961/08/19 ART59.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC363/02 DE 2002/10/02.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 2ED PAG268.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto recurso contencioso de anulação do despacho do senhor presidente da Câmara Municipal de Fafe de 31-7-99 que não ordenou o derrube de uma vedação, que o recorrente pretendia.
Por sentença de 24-4-2002, aquele T.A.C. negou provimento ao recurso.
Inconformado, o recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com a seguintes conclusões:
A) Da matéria de facto dada como provada resulta que o recorrido particular colocou uma rede morangueira no muro do seu prédio que confina com o prédio do recorrente e que tal rede se encontra a 2,40 metros da dependência servida pela janela do prédio deste; mais resultou provado que a rede possuí uma altura de 1,50 metros e que encima o dito muro do prédio do recorrido particular;
B) Tal rede morangueira obsta à passagem da luz, pelo que constitui um obstáculo óbvio à manutenção da salubridade da dependência servida pela aludida janela;
C) Sustenta a Mto Juiz “a quo” que o recorrente não logrou provar se a janela serve algum compartimento da sua casa de habitação quando na verdade, seja qual for a janela que exista em qualquer casa de habitação tem por função permitir o arejamento e a iluminação de qualquer que seja o compartimento em que está integrada e óbvio se torna que tem que servir pelo menos um compartimento;
D) Considerando que a dita rede morangueira dista apenas 2,40 metros de tal janela, viola o disposto nos artigos 73º, 74º e 75º do RGEU, pelo que a decisão recorrida deveria ter considerado ilegal a sua manutenção e concluído pela procedência do recurso;
E) Na matéria de facto dada como provada, o Mto Juiz “a quo” concluiu que tal rede está colocada de forma perpendicular à via pública e que, por isso, tal não se enquadra na previsão do artigo 59º da Lei nº 2110;
F) Porém, tal preceito legal não exclui as vedações colocadas perpendicularmente às vias públicas, ao contrário do que sustenta o Mto Juiz “a quo” e, ainda que colocada de forma perpendicular, a aludida rede morangueira confina com o caminho público em causa, sendo que tal preceito legal pretende evitar que junto às vias públicas sejam colocados obstáculos a quem nelas circula, os quais serão sempre motivo de eventuais perigos que se pretendem evitar;
G) Não resulta da decisão recorrida que a dita rede não colide, designadamente, com a segurança do trânsito rodoviário que por ela circula e que não perturba a visibilidade dos peões e dos condutores que por ela circulam, pelo contrário, é até de concluir, que efectivamente tal rede colide e prejudica a segurança da circulação pedona1 e rodoviária, mas que tem de se manter, pelo facto de estar colocada perpendicularmente à via e não paralelamente;
H) Por último, apenas uma referência ao facto do Mto Juiz “a quo”, imputar a responsabilidade pela “não prova” de determinados factos, quando podia e devia, ao chegar a tal conclusão, acrescentar novos quesitos ao questionário que elaborou e dissipar, dessa forma, todas as dúvidas que lhe ocorreram;
I) A decisão recorrida, viola entre outras as normas constantes dos artigos 73º,74º e 75º do RGEU e artigo 59º da Lei nº 2110.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso jurisdicional, nos seguintes termos:
Parece-nos que será de negar provimento ao recurso jurisdicional.
Da matéria de facto dada como provada não resulta que a vedação efectuada com rede morangueira, e que aqui está em causa, obste à passagem de luz e afecte a salubridade e segurança do prédio urbano do recorrente. Assim sendo e não constituindo essa vedação um muro ou fachada, não poderá ter ocorrido violação do artº 73º do RGEU; como não poderá ter ocorrido violação dos artºs 74º e 75º do mesmo diploma, já que a situação em análise é manifestamente diversa das que vêm aí previstas.
Quanto à invocada violação do artº 59º da Lei nº 2110, de 19.08.1961, perfilhamos o entendimento da sentença de que não estando a vedação implantada paralelamente ao caminho público não ocorre esse vício. De facto, a nosso ver, o termo “confinantes”, usado na norma, só pode significar a implantação paralela das vedações, situação que, neste caso, não se verifica.
Em razão do exposto, deverá a sentença ser mantida.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – O Tribunal Administrativo de Círculo deu como provados os seguintes factos:
I) Em 21/06/1999 o recorrente apresentou nos serviços daquela edilidade reclamação dirigida à autoridade aqui ora recorrida que consta de fls. 05, 11 e 12 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido no qual peticionava que aquela autoridade ordenasse a vistoria ao local e obrigasse que a vedação seja reposta com as medidas e dimensões de acordo com a lei; (al. A) da especificação] ;
II) A Junta de Freguesia de Estorãos remeteu ofício dirigido à autoridade recorrida, datado de 28/06/1999, que deu entrada em 01/07/1999, no qual juntava reclamação do recorrente que este havia apresentado nos serviços da edilidade de Fafe em 21/06/1999 (cfr. fls. 08 a 09 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido); [al. B) da especificação];
III) O recorrente, em 26/07/1999 apresentou nos serviços daquela edilidade reclamação dirigida à autoridade aqui ora recorrida que consta de fls. 13 e 14 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido na qual peticionava que aquela autoridade ordenasse o imediato derrube da vedação ali aplicada pelo recorrido-particular; [al. C) da especificação];
IV) Sobre o requerimento referido em I) foi lavrado despacho, datado de 22/06/1999, no qual se determinava que a Divisão Licenciamento de Obras daquela Câmara informasse em conformidade, o que a mesma veio fazer nos termos insertos a fls. 04 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido; [al. D) da especificação] ;
V) Após veio a recair parecer, datado de 29/07/1999, com o seguinte teor:
Visto o local, é nosso entendimento e salvo melhor opinião, não haver justificação técnico/regulamentar que dê suporte à reclamação apresentada. (...)” (cfr. fls. 04 do processo administrativo apenso); (al. E) da especificação];
VI) Sobre a informação referida em IV) e parecer aludido em V) recaiu despacho, datado de 31/07/1999, proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Fafe com o seguinte teor: “Concordo. Comunique-se. (...)” (cfr. fls. 04 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido) (ACTO RECORRIDO); (al. F) da especificação]; – -
VII) Tal despacho foi comunicado ao recorrente através do oficio n.º 5304, datado de 12/08/1999, remetido sob registo e com aviso de recepção, que foi recebido em 16/08/1999 (cfr. fls. 01 a 03 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido); [al. C) da especificação];
VIII) O recorrente e recorrido-particular são donos de prédios urbanos que confinam entre si sitos no lugar da Sargaça, freguesia de Estorãos, concelho de Fafe, prédios estes que confiam com o arruamento público que entronca na estrada camarária que dá acesso ao lugar da Lagoa; [al. H] da especificação];
IX) O recorrido-particular colocou, sem para o efeito se ter munido de qualquer licença camarária, sobre o muro divisório daqueles prédios uma rede morangueira; [al. I) da especificação];
X) A referida rede morangueira está colocada de forma perpendicular à via publica aludida em VIII) e de forma paralela à casa do recorrente e do recorrido-particular; [al. J) da especificação];
XI) Na parte que confinam aqueles prédios o prédio do recorrente possui pelo menos uma janela que deita directamente para o prédio do recorrido-particular; [resposta ao quesito 01º)];
XII) O recorrido-particular encimou o muro divisório daqueles prédios com uma rede morangueira, rede esse com uma altura de 1,5 metros e o comprimento de 12,5 metros; [respostas aos quesitos 02º) e 03º)];
XIII) Tal rede dista 2,40 metros da dependência servida por aquela janela; [resposta ao quesito 04º)] ;
XIV) A referida rede morangueira e o muro na parte entroncam no caminho público ali existente possui a altura de 2,35 metros; [resposta ao quesito 07º]];
XV) O recorrente deduziu o presente recurso contencioso de anulação em 13/10/1999 (cfr. fls. 02 dos presentes autos); [al. L) da especificação].
3 – A primeira questão suscitada pelo recorrente é a de saber se a vedação referida viola o disposto nos arts. 73.º, 74.º e 75.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, por diminuir o arejamento e iluminação do compartimento da habitação em que existe a janela, afectando a sua salubridade.
Os arts. 73.º, 74.º e 75.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, constante do Decreto-Lei n.º 38382, de 7-8-1951, estabelecem o seguinte:
Artigo 73.º
As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado.
Artigo 74.º
A ocupação duradoura de logradouros, pátios ou recantos das edificações com quaisquer construções, designadamente telheiros e coberturas, e o pejamento dos mesmos locais com materiais ou volumes de qualquer natureza só podem efectuar-se com expressa autorização das câmaras municipais quando se verifique não advir daí prejuízo para o bom aspecto e condições de salubridade e segurança de todas as edificações directa ou indirectamente afectadas.
Artigo 75.º
Sempre que nas fachadas sobre logradouros ou pátios haja varandas, alpendres ou quaisquer outras construções, salientes das paredes, susceptíveis de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação, as distâncias ou dimensões mínimas fixadas no artigo 73.º serão contadas a partir dos limites extremos dessas construções.
A norma do art. 73.º começa a referir-se a muros e fachadas, mas, na sua parte final, refere «qualquer obstáculo à iluminação».Por outro lado, a norma do art. 74.º refere-se que «quaisquer construções» que prejudiquem a salubridade das habitações e o art. 75.º, reportando-se às situações do art. 73.º, refere também quaisquer outras construções que possam prejudicar as condições de iluminação ou ventilação.
Sendo assim, não é de excluir, sem mais, a possibilidade de enquadramento da rede referida nos autos na previsão do referido art. 73.º, uma vez que ela está a distância de menos de três metros da janela.
.. No entanto, para tal enquadramento é necessário demonstrar que a rede referida constitui um obstáculo à iluminação, ou à salubridade ou ao arejamento.
No caso em apreço, está em causa uma rede que, ao contrário do que o Recorrente afirmou na petição de recurso (artigo 6.º) não é completamente opaca.
Na verdade, tendo sido formulado o segundo quesito em que se perguntava se «o recorrido-particular encimou o muro divisório com uma rede morangueira, completamente opaca?» foi dado como provado apenas que aquele encimou o muro com essa rede, mas não que ela fosse completamente opaca, o que tem apoio nas afirmações de todos os peritos, inclusivamente o indicado pelo Recorrente (fls. 58 e 59).
Por outro lado, no que concerne ao quesito 6.º, em que se perguntava se «tal rede afecta a salubridade, a luminosidade e arejamento do prédio do Recorrente?», não foi dado como provado, o que tem fundamento o relatório da maioria dos peritos (fls. 60). É certo que o perito indicado pelo Recorrente respondeu afirmativamente a este quesito, mas, sendo a sua posição minoritária e não sendo aventada pelo Recorrente qualquer razão para não confiar nos outros peritos, um nomeado pela Autoridade Recorrida e outro pelo Tribunal, não há qualquer justificação para, em termos de razoabilidade, fazer prevalecer a nível probatório a posição daquele em relação à destes. Para além disso, é de notar que, em relação ao perito indicado pelo Recorrente é presumível a existência de uma relação de proximidade com o Recorrente, que se intui da opção deste pela sua indicação, que recomenda que as suas afirmações sejam lidas com certa reserva, o que não sucede com qualquer dos outros peritos, pois mesmo em relação ao nomeado pela Autoridade Recorrida, não se vislumbra nos autos qualquer relação entre eles e o vizinho do Recorrente que colocou a rede que é com quem este tem um conflito real de interesses.
Por isso, não há razão para sobrepor à posição dos peritos indicados pelo Tribunal e pela Autoridade Recorrida a posição do perito indicado pelo Recorrente.
No mínimo, perante as posições contraditórias dos peritos sobre a matéria do quesito 6.º terá de se dar como não provado que a rede referida afecte a salubridade, a luminosidade e arejamento do prédio do Recorrente.
Por outro lado não há que quesitar quaisquer novos factos, pois os relevantes para a decisão foram quesitados e especificados.
Assim, perante uma situação de dúvida quanto aos factos que integram um dos vícios imputado ao acto recorrido, coloca-se a questão de saber contra quem ela deverá ser valorada, o que tem de ser decidido à face das regras do ónus da prova.
À face da regra básica do ónus da prova contida no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, recai sobre quem invoca um direito o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos.
No entanto, esta regra não é directamente aplicável aos processos de recurso contencioso, pois não existe qualquer remissão genérica ou específica nas leis processuais administrativas para o Código Civil, como legislação subsidiária.
Por outro lado, nos processos de recurso contencioso não está directamente em causa o reconhecimento de um direito subjectivo, mas sim apreciação da legalidade de um acto administrativo, o que afasta a possibilidade de aplicar analogicamente aquela norma do art. 342.º do Código Civil ou qualquer das regras especiais dos arts. 343.º e 344.º do mesmo.
Por isso, em harmonia com os critérios de razoabilidade subjacentes àquelas regras, que devem servir de modelo na determinação do regime aplicável à sombra do n.º 3 do art. 10.º do Código Civil, e tendo em mente o dever de fundamentação legalmente imposto à Administração para os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (arts. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 124.º do C.P.A.) será de impor-lhe no recurso contencioso o ónus de provar os pressupostos de facto em que ela basear as suas decisões que afectem os administrados e ao Recorrente o ónus da prova dos pressupostos em que assenta a sua pretensão. ( ( ) Essencialmente neste sentido pode ver-se VIEIRA de ANDRADE, A Justiça Administrativa, 2.ª edição, páginas 268-269, que defende que deve «levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos no que respeita aos actos desfavoráveis, o dever de fundamentação» e conclui que «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando estejam verificados esses pressupostos.».
No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2-10-2002, proferido no recurso n.º 363/02. )
No caso em apreço, a existência de efeitos negativos da rede referida sobre a habitação do Recorrente, a nível de salubridade, iluminação e arejamento, são pressupostos de facto em que ele assenta a sua pretensão, pelo que a dúvida sobre tal ponto tem de ser valorada processualmente contra ele, e não a seu favor, conduzindo à conclusão de que não procede o recurso quanto ao vício referido.
Por isso, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional, quanto a este vício.
4 – O Recorrente imputa também ao acto recorrido vício de violação do art. 59.º da Lei n.º 2110, de 19-8 1961.
Este art. 59.º estabelece o seguinte:
Poderão autorizar-se as vedações de terrenos abertos confinantes com as estradas e caminhos municipais, por meio de sebes vivas, muros e grades, a aprovar pelas câmaras, se as vedações que não sejam vazadas não ultrapassarem 1,20 m acima do nível da berma, salvo nos casos seguintes:
1.° Quando os muros sirvam de suporte ou revestimento de terrenos sobranceiros à via municipal, em que a altura do muro pode ir até 0,50 m acima do nível de tais terrenos;
2.° Quando se trate da vedação de terrenos de jardins ou logradouros, que poderá ter maior altura do que a fixada neste artigo, sem contudo exceder, em regra, a de 2 m acima da berma;
3.º Quando se trate de edifícios de interesse arquitectónicos ou de grandes instalações industriais ou agrícolas, bem como de construções hospitalares, de assistência, militares ou prisionais e de reformatórios, campos de jogos ou outros congéneres casos em que os muros poderão atingir 2,50 m;
4.º Quando se trate de cemitérios, onde os muros poderão exceder a altura fixada neste artigo, de acordo com as disposições regulamentares especialmente aplicáveis;
5.º Quando a vedação for constituída por sebe viva e se torne aconselhável, para embelezamento das vias municipais à altura poderá ser superior a 1,20 m desde que não cause prejuízos de qualquer natureza.
§ 1.° Os muros de vedação e os taludes de trincheira poderão ser encimados por guardas vazadas até ás alturas indispensáveis para defesa dos produtos das propriedades. A superfície mínima de vazamento será de 50 por cento da superfície da guarda.
§ 2.º Dentro das povoações não são permitidas as vedações irregulares de pedra solta e quaisquer outras de mau aspecto os proprietários das existentes à data da publicação deste regulamento poderão ser convidados a proceder à sua substituição ou demolição. Se não o fizerem dentro do prazo assinalado, o pessoal dos serviços municipais demolirá as vedações, mas o custo da demolição não pode ser exigido aos proprietários. Se estes não removerem, dentro do prazo de quinze dias, os materiais provenientes da demolição, as câmaras municipais poderão dispor deles como entenderem.
§ 3.° Não será permitido o emprego de arame farpado em vedações a altura inferior a 2 m acima do nível da berma, nem a colocação de fragmentos de vidro nos coroamentos dos muros de vedação. Os proprietários das vedações com arame farpado ou vidros existentes à data da entrada em vigor deste regulamento serão intimados a pô-las nas condições indicadas neste artigo.
As câmaras municipais podem, contudo, autorizar o emprego de arame farpado nas vedações fora das condições deste parágrafo, quando se tratar de áreas de criação de gado bravo.
§ 4.º Para a vedação de terrenos confinantes com vias municipais com sebes vivas não é necessária licença.
Na sentença recorrida entendeu-se que esta norma se reporta apenas a vedações paralelas às estradas ou caminhos municipais, o que não é o caso dos autos, em que a vedação está implantada perpendicularmente em relação ao caminho público.
A expressão «vedações de terrenos abertos confinantes com as estradas e caminhos municipais» tem o alcance de referenciar vedações colocadas nos limites comuns ( ( ) É esse o sentido da expressão confinante, como se pode ver Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, página 915. ) dos terrenos e das estradas ou caminhos, pelo que abrangerá as colocadas ao longo das estradas e caminhos municipais, mas não as que delimitam prédios particulares entre si, mesmo que um dos extremos vedação termine numa via municipal.
Aliás, seria irrazoável outro entendimento, designadamente que se entendesse que, pelo facto de o extremo de uma vedação entre dois prédios particulares coincidir com uma via municipal, as restrições impostas por aquele art. 59.º se estendessem a toda a vedação, sem qualquer limitação, mesmo que ela tivesse dezenas ou centenas de metros. Na verdade, as razões que justificam as restrições impostas pelo art. 59.º, ligadas à visibilidade dos utentes das vias municipais e correlativa segurança do trânsito, poderiam justificar, quando muito, que se impusessem essas restrições à parte da vedação que está mais próxima da via municipal, numa medida razoável. Por isso, se se pretendessem legislativamente abranger naquele art. 59.º as vedações entre terrenos particulares que terminam perpendicularmente numa via municipal, certamente seria feita naquele diploma ao distanciamento em relação à via que estaria sujeito às restrições referidas. Consequentemente, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir correctamente o seu pensamento (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), da omissão de qualquer referência àquelas vedações que delimitem entre si terrenos que não são vias municipais e respectiva amplitude de imposição das restrições conjugada com a constatação da considerável pormenorização constante deste art. 59.º sobre as vedações a que se reporta, deverá concluir-se que esteve ausente da mente legislativa impor estas restrições a tal tipo de vedações.
Por isso, improcede também o recurso no que concerne ao vício de violação deste art. 59.º.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 300 euros e procuradoria de 150 euros.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2003.
Jorge de Sousa – Relator – Costa Reis – Isabel Jovita