Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0229/14
Data do Acordão:04/29/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:FARMÁCIAS
TRANSFERÊNCIA
DISTÂNCIA ENTRE FARMÁCIAS
CERTIDÃO
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista excepcional quando sobre a questão nele suscitada o entendimento adoptado pelo acórdão recorrido não se apresenta com erro manifesto ou adopção de critério jurídico claramente inadmissível e houve, entretanto, alteração do quadro regulamentar, que faz diminuir o alcance orientador da revista.
Nº Convencional:JSTA000P17422
Nº do Documento:SA1201404290229
Data de Entrada:02/26/2014
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:INFARMED, IP - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.

1.

1.1. A…………, Lda. propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé acção administrativa especial, com o pedido de anulação do acto do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP que autorizou a transferência da B………… para o ………, loja ……, sito na EN 125, freguesia de ………, Olhão, e o pedido de condenação a determinar o encerramento dessa farmácia.

1.2. O TAF de Loulé, em 30.4.2012 (fls. 177 a 186), julgou a acção procedente e, anulando o acto do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, de 27 de Novembro 2009, que autorizou a transferência da B………… para o ………, loja ……, sito na EN 125, freguesia de ………, Olhão, condenou a entidade demandada à emissão de acto devido, emitindo novo acto que respeite as distâncias entre Farmácias prescritas no art. 23º nº1 al c) da Portaria nº 1430/2007, 2/11.

1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 07.11.2013 (fls. 354 a 375), declarou nula a sentença quanto à 2ª parte do seu dispositivo, revogou a sentença no restante e absolveu os demandados do pedido.

1.4. É desse acórdão que A…………, Lda, vem requerer, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, a admissão do presente recurso de revista.

1.4. Contra-alegaram INFARMED e a interessada particular.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A problemática que vem trazida ao presente recurso tem a ver essencialmente com o preenchimento do requisito de distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias, requisito a que se reporta os artigo 2.º, n.º 1, b) e 23.º, 1, d) da Portaria n.º 1430/2007, de 2.11.
É que tendo sido pedida transferência de localização de farmácia só poderia ser deferida se a nova localização respeitasse esse requisito.
O acórdão recorrido entendeu que, tendo sido certificado, através de documento camarário, distância superior à exigida, a entidade demandada tinha agido correctamente; só poderia ser diferente, considerou o acórdão, se se provasse o contrário, isto é, se se provasse que o facto percepcionado nesse documento oficial não correspondia à verdade, o que não aconteceu.
Ora, a recorrente questiona esse entendimento e, mais, questiona como se deve efectuar a medição.
Deve dizer-se que o problema dos critérios de medição não foi objecto de discussão no acórdão recorrido e não vem suscitada qualquer omissão de pronúncia. Não será, assim, matéria de recurso.
Já quanto ao valor probatório do documento camarário, nomeadamente no seu confronto com documento particular apresentado pelo recorrente convém reter a justificação do acórdão:
«O documento autêntico usado pelo r. é, tal como aliás o doc. particular da a., narrativo. Tem a sua força probatória formal, i.e. quanto à origem, presumida de acordo com o art. 370º CC. Já o documento particular simples apresentado pela a. e utilizado na sentença, cuja factualidade probanda foi impugnada pelo r., está sujeito ao art. 374º- 2 CC.
Quanto à força probatória material dos documentos, há que atender aqui aos arts. 347º e 371º-1 CC, donde resulta que o facto percepcionado em documento autêntico está plenamente provado até prova do contrário, i.e. até o juiz ser convencido da existência do facto oposto, por se tornar psicologicamente certo o facto contrário. Diferentemente, resulta do art. 376° CC que facto provado constante de documento particular só será aquele facto que for desfavorável ao declarante, sendo a restante factualidade dali constante livremente apreciado pelo julgador.
Ora, aqui, a entidade administrativa fez prova (plena) da distância entre farmácias através do documento autêntico citado, constante do p. a. e destes autos. É que a respectiva e suposta falsidade - art. 372° CC (aqui em concreto nele se atestaria como tendo sido objecto da percepção da autoridade facto que na realidade se não verifica), a beneficiar a ora A. por erro nos pressupostos de facto do acto administrativo impugnado, assentou aqui num simples documento particular junto na p.i., o qual, aliás, tem um teor mínimo.
Apreciando-o criticamente e confrontando-o com o documento autêntico constante do p. a. e destes autos, (…), tal documento particular não nos permite ficar convencidos da existência do facto oposto ao do doc. autêntico utilizado pelo r. no seu p. a. (…) e também utilizado pelo r. neste processo. Tratou-se apenas de lançar dúvidas, ou seja, de ligeira contraprova, o que é insuficiente ante um documento autêntico municipal como este que foi utilizado pelo Infarmed».

Afigura-se que o acórdão apresenta uma solução juridicamente plausível pelo que se não revela uma clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito.
Acresce que a Portaria n.º 1430/2007, de 2/11, ao abrigo da qual a problemática foi submetida à apreciação do Tribunal, foi revogada pela Portaria n.º 352/2012, de 30/10.
E nesta passou a estipular-se entre os documentos que devem instruir o pedido de transferência de farmácias, «Certidão camarária relativa ao preenchimento dos requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º» (artigo 20.º, n.º 1, d)).
E por isso, a discussão sobre o valor do documento camarário não expressamente exigido no quadro dos documentos de instrução ao abrigo da Portaria 1430/2007 tem já um âmbito de expansão muito reduzido, atento que com a nova portaria essa certificação passou a ser exigida. E será no âmbito desta que poderá vir a existir conflitualidade repetida. O facto de penderem processos ainda determinados no quadro da Portaria de 2007 (e ainda que com os mesmos interessados), por residuais não justifica, por si, a admissão de revista.
No mais, não se revela matéria de relevo jurídico ou social a integrar em sede de problemática de importância fundamental.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Abril de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.