Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:061/16
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
JUNTA MÉDICA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Está devida e suficientemente fundamentada a deliberação da Direcção da CGA que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho, se a mesma deliberação se apoia num relatório médico elaborado por especialista indicado pela Junta Médica, relatório esse em que são analisadas as várias patologias de que padece a recorrente e que contém elementos clínicos objectivos a justificar a conclusão a que chega.
Nº Convencional:JSTA000P23254
Nº do Documento:SA120180503061
Data de Entrada:06/23/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:CGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……………, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 11.09.15, que decidiu “negar provimento ao Recurso, confirmando o Acórdão Recorrido”.

Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF do Porto, de 13.01.15, a qual julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial (AAE) de condenação à prática de acto devido (in casu, o deferimento do pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho) e à atribuição de uma indemnização por danos morais (em virtude da prática do acto de indeferimento do dito pedido de aposentação) interposta pela ora recorrente.

Relativamente ao acórdão do TCAN, a recorrente invocou a nulidade do acórdão com os seguintes fundamentos: omissão de pronúncia ou absoluta falta de fundamentação da decisão que confirma o julgamento da matéria de facto pelo TAF do Porto e omissão de pronúncia quanto à questão da nulidade do acórdão do TAF do Porto por absoluta falta de fundamentação de direito. Além disso, imputa ao acórdão recorrido erros de julgamento por violação de lei substantiva.
2. A A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 338 a 347):

“I. O presente recurso de revista tem por objeto a impugnação do douto Acórdão do TCAN, datado de 11/09/2015, que julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente contra o douto Acórdão do TAF do Porto, datado de 13/01/2015, que tinha julgado totalmente improcedente a ação administrativa especial de condenação da Caixa Geral de Aposentação (CGA) à prática de ato administrativo legalmente devido consistente no deferimento do seu pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho, bem como de atribuição de uma indemnização pelos danos morais sofridos pela prática do ato de indeferimento do seu pedido de aposentação.

II. Tendo por fundamento a nulidade do Acórdão recorrido por absoluta falta de fundamentação da decisão que confirma o julgamento da matéria de facto feito pelo TAF do Porto no seu Acórdão de 13/01/2015, com consequente violação, pelo menos, das normas jurídico-processuais (administrativas) constantes dos artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 662.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA (cfr. artigo 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.° do CPTA);

III. a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à questão da nulidade do Acórdão do TAF do Porto por absoluta falta de fundamentação de direito, com consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos 607.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC e 205.º da Constituição (cfr. artigo 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º do CPTA);

IV. bem como a verificação de erro de julgamento de Direito, por não ter julgado procedente a ilegalidade e invalidade do ato administrativo impugnado, por não ter condenado a CGA a deferir o seu pedido de aposentação por incapacidade laboral, com fundamento em absoluta falta de fundamentação do ato impugnado (mais precisamente, do Parecer da Junta Médica de Recurso) e em erro grosseiro de apreciação e por não ter julgado procedente o pedido de indemnização por danos morais, por erro de interpretação e aplicação e consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos por violação do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90, 37.º, n.º 2, alínea a), 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, 3.º e 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e 496.º do Código Civil.

V. Com o presente recurso de revista, pretende a Recorrente que seja revogado ou anulado o douto Acórdão do TCAN datado de 11/09/2015 e que seja o mesmo substituído por outro que julgue ilegal, inválido e ilícito o ato impugnado (com fundamento em erro grosseiro e em violação de lei e, pelo menos, por falta de fundamentação) e, consequentemente, condene a CGA à prática de ato administrativo de deferimento do seu pedido de aposentação e ao pagamento de uma indemnização por danos morais, em montante a liquidar em sede executiva.

VI. A intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo torna-se, in casu, absolutamente necessária para a reposição da legalidade administrativa e para a realização da Justiça material, perante uma situação em que o bem-estar e a vida de um ser humano estão a ser gravemente colocados em causa, com profundo desrespeito pela dignidade da Recorrente.

VII. O presente recurso de revista deve ser admitido para assegurar uma melhor aplicação do Direito Administrativo relativo à atividade das Juntas Médicas da CGA, em especial para assegurar uma interpretação juridicamente adequada e uniforme do dever de fundamentação constante dos artigos 11.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g) do Decreto-Regulamentar n.º 41/90, 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, em articulação com as normas gerais dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA.

VIII. Visando-se com isso impedir que as Juntas Médicas emitam decisões arbitrárias, sem sustentação fáctica, obrigando-as assim a fundamentar adequadamente os seus pareceres e a identificar, ainda que sumariamente, os elementos clínicos e as premissas que sustentam as suas determinações.

IX. Mas o presente recurso de revista é ainda necessário e pertinente para delimitar o âmbito do julgamento da matéria de facto em processos administrativos que respeitam à apreciação de atos praticados pela CGA e pelas Juntas Médicas, de modo a que nenhum elemento clínico – constante de um processo de aposentação e levado ao conhecimento do Tribunal pelas partes – seja excluído da matéria de facto ou seja valorizado ou desvalorizado em função apenas da entidade que o solicitou.

X. O presente recurso de revista deve ainda ser admitido devido a manifesta relevância jurídica e comunitária das questões em análise nos presentes autos, conforme já foi declarado no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05/11/2008, proferido no processo n.º 0904/08, no qual se pode ler que "Dada a sua relevância social é de admitir a revista de Acórdão do TCA em que a matéria em discussão está relacionada com os actos praticados pela CGA no âmbito dos pedidos formulados por funcionários que apresentam um quadro clínico onde a situação do foro oncológico se assume como de especial importância".

XI. A maioria dos relatórios médicos juntos ao processo de aposentação da Recorrente, e aos presentes autos, evidenciavam, à data do procedimento de aposentação, um quadro clínico particularmente gravoso e incapacitante, a saber: doença do foro oncológico (cancro da mama com risco de reincidência e com tratamento limitado devido a implantação de CDI); patologia cardiovascular, que determinou a implantação de CDI, que limita não só a atividade física da Recorrente, como condiciona também eventuais tratamentos em caso de reincidência do(s) tumor(es); quadro psiquiátrico particularmente preocupante e fortemente incapacitante no que respeita, designadamente, ao exercício da sua atividade profissional.

XII. Para além deste quadro clínico, que por si só fundamenta o deferimento do pedido de aposentação da Recorrente por incapacidade permanente para o trabalho, acresce o facto de a mesma desempenhar funções de técnica de reinserção social na área penal, o que envolve elevado stresse, implica o relacionamento com pessoas potencialmente de risco e requer, portanto, uma particular estabilidade e saúde, tanto física como psíquica e emocional.

XIII. A Deliberação da Direção da CGA, datada de 20/04/2010, que indeferiu o pedido de aposentação da Recorrente com fundamento no parecer da Junta Médica de Recurso de 06/04/2010, padece de vício de absoluta falta de fundamentação, de erro grosseiro de apreciação e de vício de violação de lei, mais precisamente das normas dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA, 11.º, n.º 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90, 37.º, n.º 2, alínea a), 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação.

XIV. A idade avançada da Recorrente à data dos factos (53 anos no início do procedimento, 55 anos à data do ato impugnado e cerca de 57 anos na presente data), a delicadeza e complexidade das funções que exerce e o supra referido quadro clinico devidamente demonstrado, impunham que fosse atribuído à Recorrente o direito de aposentação por incapacidade permanente para o exercício da sua profissão e a consequente obtenção das legítimas vantagens inerentes.

XV. No que respeita ao pedido de ampliação da matéria de facto deduzido no âmbito do recurso de apelação contra o douto Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015, o Tribunal a quo limitou-se apenas a referir que a factualidade assente é "adequada e suficiente", sem proceder à análise crítica da prova e dos factos alegados e demonstrados pela Recorrente e sem apresentar qualquer fundamentação para rejeitar ou julgar improcedente o pedido de ampliação da matéria de facto.

XVI. O que determina a nulidade do Acórdão recorrido, nesta parte, por omissão de pronúncia, com consequente violação das normas dos artigos 640.º e 662.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 140.º do CPTA (cfr. artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 140.º do CPTA);

XVII. ou, pelo menos, a nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito no que respeita à decisão confirmativa do julgamento da matéria de facto realizada pelo TAF do Porto no seu Acórdão de 13/01/2015, com consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos 607.º, 640.º, 662.º do CPC e 205.º, n.º 1 da Constituição (cfr. artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 140.º do CPTA).

XVIII. A lei (a razão prática e o bom senso, sem os quais não pode haver Direito Justo) não permite nem habilita a que um só relatório médico – emitido à solicitação da CGA por um médico que nunca acompanhou a Recorrente e apenas a observou superficialmente, sem sequer ser da especialidade – seja sobrevalorizado em face de todos os restantes relatórios, emitidos por médicos da especialidade e que acompanharam a Recorrente ao longo da sua doença.

XIX. Admitir um entendimento como este é abrir à porta à arbitrariedade, algo que é absolutamente inadmissível num Estado de Direito (de juridicidade) como o nosso.

XX. O Tribunal a quo tinha o dever jurídico de proceder à análise crítica da prova invocada pela Recorrente no seu pedido de ampliação da matéria de facto dada como provada no Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015, como o impunha a norma do artigo 662.º do CPC, pois, só assim ficava o Tribunal a quo em condições de avaliar, concretamente, se existia ou não erro grosseiro de apreciação da Junta Médica de Recurso, bem como para condenar à CGA a deferir o seu pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho.

XXI. O facto de um relatório médico ter sido solicitado diretamente pela CGA a um médico externo não torna esse relatório médico mais credível e rigoroso que um relatório médico junto pela Requerente ao seu pedido de aposentação.

XXII. Logo, o Acórdão recorrido, ao julgar improcedente, sem fundamentação, o recurso para ampliação da matéria de facto, é nulo por falta de fundamentação, violando, pelo menos, as normas jurídico-processuais (administrativas) constantes dos artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 662.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA (cfr. artigo 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º do CPTA).

XXIII. E mais, o Acórdão recorrido, ao basear a sua decisão apenas num relatório médico – como o fez, aliás, o Acórdão de 13/01/2015 do TAF do Porto –, incorreu em erro de julgamento de Direito por errada interpretação e aplicação e consequente violação, pelo menos e ainda, das normas dos artigos 607.º, n.º 4 do CPC, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação.

XXIV. O Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia sobre a nulidade do Acórdão do TAF do Porto por falta de fundamentação de direito, o que determina a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º do CPTA).

XXV. Sem conceder, por dever do ofício, pode equacionar-se a hipótese de tal omissão conformar um erro de julgamento de direito, nos termos infra exposto, pois, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a legalidade da deliberação impugnada, muito embora nada tenha dito quanto à fundamentação ou falta de fundamentação de direito do Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015.

XXVI. A Deliberação da Direção da CGA, datada de 20/04/2010 (ato impugnado), que aderiu integralmente ao Parecer da Junta Médica de Recurso de 06/04/2010, é inválida, ilegal e ilícita, designadamente por absoluta falta de fundamentação, erro grosseiro de apreciação e vício de violação de lei.

XXVII. O parecer da Junta Médica de Recurso, datado de 06/04/2010, no qual se baseou a decisão da Direção da CGA de indeferimento do pedido de aposentação, datada de 20/04/2010, não identifica o sentido de voto dos seus membros, nem sequer identifica os elementos clínicos em que baseou a sua decisão – sendo, portanto, absolutamente carecida de fundamentação.

XXVIII. O Tribunal a quo julgou inexistir erro grosseiro de apreciação, mas baseou a sua decisão apenas na análise de um relatório médico, desconsiderando todos os restantes e não se pronunciando sobre o pedido de ampliação da matéria de facto.

XXIX. O Acórdão recorrido, ao não julgar ilegal a deliberação impugnada – pelo menos por vício de falta de fundamentação – e ao não julgar procedente o pedido de condenação da CGA à prática de ato de deferimento do pedido de aposentação da Recorrente e ao pagamento à mesma de indemnização por danos morais, padece de manifesto erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação e consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90, 37.º, n.º 2, alínea a), 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, 3.º e 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e 496.º do Código Civil.

XXX. As ações administrativas especiais de condenação à prática de ato devido, quando exista ato de indeferimento expresso, pressupõem necessariamente a apreciação da legalidade desse mesmo ato de indeferimento e, sendo o mesmo ilegal e inválido, tem o Tribunal o dever constitucional de o anular ou declarar nulo.

XXXI. Ou seja, o Tribunal a quo tinha o dever de pronunciar-se sobre os vícios que foram imputados pela Recorrente às deliberações da junta de Recurso (de 06/04/2010) e da Direção da CGA (de 20/04/2010) – cfr. artigo 95.º, n.º 1 do CPTA.

XXXII. No que respeita ao vício de falta de fundamentação da Deliberação da Direção da CGA de 20/04/2010 (e do Parecer da Junta Médica de Recurso de 06/04/2010), é o mesmo evidente e manifesto à luz dos elementos constantes do processo e da matéria de facto dada como assente no Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015, pelo que tinha o Tribunal a quo o dever de anular a deliberação impugnada com base, pelo menos, no vício de falta de fundamentação.

XXXIII. Entende a Recorrente que, com bases nos elementos existentes nos autos e sem necessidade de baixa do processo ao TCAN para ampliação da matéria de facto, tem o Supremo Tribunal Administrativo os poderes (de cognição) e os elementos necessários para julgar ilegal e inválido o ato administrativo impugnado, pelo menos, com fundamento em vício de falta de fundamentação – o que se requer.

XXXIV. A Deliberação da Junta de Recurso é também ilegal e inválida em razão de erro grosseiro de apreciação do processo clínico da Recorrente, dado que os relatórios e pareceres médicos juntos ao seu processo de aposentação apontavam para a incapacidade da Recorrente para o exercício da sua profissão.

XXXV. Entendemos que o facto de a Deliberação impugnada não estar minimamente fundamentada, de os relatórios médicos existentes nos presentes autos demonstrarem, inequivocamente, a incapacidade funcional da Recorrente e do seu quadro clinico se ter agravado, habilita o Tribunal ad quem a julgar procedente o vício de erro grosseiro de apreciação e, consequentemente, o pedido de condenação da CGA a deferir o pedido de aposentação da Recorrente – o que se requer.

XXXVI. Conclui-se ainda que estão preenchidos os pressupostos para a condenação da CGA a pagar à Recorrente uma indemnização por danos morais, em montante a liquidar em sede executiva, tendo o Tribunal ad quem os elementos e os poderes necessários para julgar procedente essa pretensão indemnizatória.

Termos em que, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V.as Ex.as, deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente, por provado e fundado, e, consequentemente, ser o Acórdão do TCAN de 11/09/2015 revogado, devendo ainda:

1) Ser declarado ilegal, inválido e ilícito o ato de indeferimento do pedido de aposentação da Recorrente, datado de 20/04/2010, por erro grosseiro de apreciação, vício de violação de lei e, pelo menos, por falta de fundamentação; e

2) Ser a CGA condenada a pagar à Recorrente uma indemnização por danos morais, em montante a liquidar em sede executiva; e

3) Ser a CGA condenada a deferir o pedido de aposentação da Recorrente por incapacidade absoluta e permanente para o exercício da sua profissão, com fundamento no Decreto-Lei n.º 173/2001, de 31/05, devendo o valor da sua pensão ser determinado à luz do regime jurídico mais favorável à Recorrente”.

3. A recorrida Caixa Geral de Aposentações (CGA) apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões (cfr. fls. 365 a 368):

“A) Não pode conhecer-se do presente recurso, por não ser admissível nos termos do artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por a questão em apreço ter apenas a ver com uma classe social (funcionalismo público) das muitas que compõem o espectro social nacional – uma certa e quantificáveí (número de indivíduos que a compõem) classe social –, não se tratando, por isso, de causa de âmbito geral e universal que revista a importância jurídica ou social que a norma prevê (exige?).

B) Quanto à alegada hipotética melhor aplicação de direito é uma autêntica falácia, já que seria uma forma de ultrapassar o sentido mais substancial da exigência normativa, que é a utilização excepcional de o recurso de revista ter apenas lugar quando esteja em causa um universo inquantificável de potenciais beneficiários e que a sua relevância revista clamorosamente uma importância primordial, quando prejudicial, para o referido universo inquantificável.

C) Ao contrário do que alega a recorrente, o itinerário cognoscitivo e valorativo começou desde o início com a apreciação efectuada pelo médico relator através de exame presencial da recorrente, tendo por base toda a documentação clínica existente no seu processo.

D) Após o que aquele clínico terá concluído que a examinanda não estava em situação de incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções.

E) A Junta Médica da CGA prevista no artigo 91.º do EA. constituída por três médicos, a que a recorrente foi submetida, em 24 de Abril de 2009, foi de parecer que aquela não se encontrava absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

F) A recorrente não pode invocar desconhecer o itinerário cognoscitivo, uma vez que, por não concordar com tal decisão, em 28 de Julho de 2009, requereu a realização de uma Junta de Recurso, nos termos do artigo 95.º do Decreto-Lei nº 377/2007, de 9 de Novembro.

G) A Junta Médica de Recurso, após ter consultado perito em medicina interna, no caso o Dr. B……….., em 6 de Abril de 2010, concluiu que a doença de que a recorrente padece não constitui motivo suficiente para a considerar absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

H) A conclusão da Junta Médica realizada em 6 de Abril de 2010 é idêntica à da Junta Médica, realizada em 24 de Abril de 2009, e com uma composição diferente – duas juntas médicas, compostas por peritos diversos, atingiram resultados idênticos – o que só por si retira toda a plausibilidade a um pretenso "erro manifesto de apreciação".

I) Sublinhe-se, dando como factor determinante, o facto de o Dr. C………., designado pela recorrente ter votado em consonância com os 2 médicos da JM da Caixa.

J) O Dr. C……….. terá considerado que, apesar da paciente que o indicou para constituir parte integrante da junta médica de recurso da CGA padeça de algumas maleitas, não são de todo suficientes para a considerar incapaz para o exercício das suas funções.

L) A apresentação de um médico indicado pela recorrente pressupõe necessariamente que se trate de um clínico que certamente a tem vindo a aconselhar e a prestar os cuidados médicos requeridos, circunstância esta que não lhe permite invocar o desconhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo dos actos praticados pela Caixa.

M) Da realidade do exposto inevitavelmente resultam duas coisas:

a) O erro de apreciação existiu (?) – mas nada aponta para que seja dos peritos médicos da Caixa;

b) O erro de apreciação não é "evidente, grave ou flagrante (Acórdão do STA de 7/12/1997, processo n.° 40.019) – pois, peritos com formação técnica sensivelmente equivalente emitiram juízos contraditórios sobre os mesmos dados.

N) Isto significa que mesmo a admitir-se que o erro de apreciação pertencesse aqui às juntas da Caixa, nunca esse erro poderia qualificar-se como manifesto.

O) Ora, para anular actos administrativos, como o ora impugnado, praticados com fundamento no exercício de discricionariedade técnica não basta um erro nos pressupostos. É indispensável que se trate de um erro manifesto e indispensável que o acto administrativo "assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo" (Acórdão do STA de 31/5/2001, processo n.º 47.029).

P) Tanto assim é que, face ao disposto no artigo 96.º, n.º 2, do Estatuto de Aposentação, apesar da existência de outros exames oficiais, pareceres médicos, perícias clínicas, etc...., o parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações é sempre independente, ou seja, prevalece sobre os emitidos por qualquer dos médicos que, embora intervindo no processo, dela não constituam parte integrante.

Q) Na verdade, abonando-se para o efeito numa longa e consolidada orientação jurisprudencial e doutrinária relativa às matérias da discricionariedade técnica, a lei atribui à Caixa prerrogativas de valoração e decisão sobre a matéria da perícia (cfr., v. g., os artigos. 89.º e 97.º do Estatuto da Aposentação).

R) O Acórdão recorrido julgou de harmonia com a lei e com a prova dos autos, no que respeita à matéria invocada pela ora Recorrente, nesta sede.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista e mantida a douta decisão recorrida, bem como o acto por ela mantido”.

4. Por acórdão de sustentação, de 04.03.16, veio o TCAN decidir no sentido de “não reconhecer as arguidas nulidades do acórdão proferido em 11 de Setembro de 2015” (cfr. fls. 385 a 388v.).

5. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 01.06.16 (fls. 398 a 400), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

3. A Recorrente justifica a admissibilidade da revista nos seguintes termos:

“[…]
VI. A intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo torna-se, in casu, absolutamente necessária para a reposição da legalidade administrativa e para a realização da Justiça material, perante uma situação em que o bem-estar e a vida de um ser humano estão a ser gravemente colocados em causa, com profundo desrespeito pela dignidade da Recorrente.
VII. O presente recurso de revista deve ser admitido para assegurar uma melhor aplicação do Direito Administrativo relativo à atividade das Juntas Médicas da CGA, em especial para assegurar uma interpretação juridicamente adequada e uniforme do dever de fundamentação constante dos artigos 11.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g) do Decreto-Regulamentar n.º 41/90, 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, em articulação com as normas gerais dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA.
VIII. Visando-se com isso impedir que as Juntas Médicas emitam decisões arbitrárias, sem sustentação fáctica, obrigando-as assim a fundamentar adequadamente os seus pareceres e a identificar, ainda que sumariamente, os elementos clínicos e as premissas que sustentam as suas determinações.
IX. Mas o presente recurso de revista é ainda necessário e pertinente para delimitar o âmbito do julgamento da matéria de facto em processos administrativos que respeitam à apreciação de atos praticados pela CGA e pelas Juntas Médicas, de modo a que nenhum elemento clínico – constante de um processo de aposentação e levado ao conhecimento do Tribunal pelas partes – seja excluído da matéria de facto ou seja valorizado ou desvalorizado em função apenas da entidade que o solicitou”.

Sem embargo de mais exacta definição do âmbito de conhecimento que resulte da apreciação das vicissitudes do processo pela formação de julgamento, pretende discutir-se no presente recurso o conteúdo do dever de fundamentação por parte das juntas médicas no âmbito dos procedimentos de aposentação por incapacidade e os termos da sindicabilidade desse juízo por parte dos tribunais. Ora, o que respeita a aposentação (ou reforma) por incapacidade é, desde logo, matéria de alta importância para os interessados, já que significa a saída ou a manutenção de uma relação profissional activa. E, em contraponto, o rigor de apreciação das pretensões ou situações justificativas de aposentação antecipada assume interesse comunitário por respeitar à adequada alocação de fundos públicos à realização do princípio da solidariedade social, no contexto de uma questão social de grande complexidade e magnitude. Além disso, é matéria de repetida ocorrência, sendo de toda a utilidade que cada interessado e a Caixa Geral de Aposentações disponham de mais clara informação sobre o entendimento dos tribunais quanto às possibilidades, extensão e intensidade de impugnação das decisões por esta tomadas”.

6. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de “que o presente recurso de revista não merece provimento” (cfr. fls. 407 a 411), pronúncia esta que, objecto de contraditório, mereceu resposta discordante da A., aqui recorrente (fls. 417 a 425).

7. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

No que concerne à matéria de facto, diz-se no acórdão recorrido o seguinte:

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se entende como adequada e suficiente:

“A) A Autora requereu a sua aposentação por incapacidade, nos termos da aliena g) do artigo 11.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90, de 29 de Novembro, tendo sido submetida a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações no dia 24/04/2009, a qual deliberou não a considerar absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, referindo que: «A patologia cardiovascular que apresenta não determina a sua aposentação por doença de modo definitivo e permanente». (fls. 15 e 49 do PA – processo administrativo)

B) Inconformada com aquela decisão, recorreu para a Junta Médica de Recurso, a qual na reunião de 06/04/2010, deliberou não considerar a Autora absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções. (vide fls. 59 do PA)

C) Na sequência da deliberação da Junta Médica de Recurso, por Despacho da Direção da Ré de 20/04/2010, foi indeferido o pedido de aposentação da Autora.

D) Em 06/02/2009, foi emitido pelo Presidente da Junta Médica da Administração Regional de Saúde do Norte, atestado médico multiusos, no qual mencionava que a Autora apresentava deficiências de Acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, que lhe conferem uma incapacidade global de 42%, apresentando desvalorizações nos Capítulos II, VI e XVI da TNI.

E) A Autora desempenha funções de técnica de reinserção social, na Equipa do Porto ………, tendo desde Maio de 2010 até Março de 2011, faltado ao serviço 133,5 dias, conforme teor de certidão que aqui se dá por reproduzida, e desempenhando tarefas na área operativa de reinserção de delinquentes; assessoria técnica aos Tribunais no âmbito da jurisdição Penal e tutelar Educativa; execução e acompanhamento de medidas penais alternativas à prisão e das medidas de internamento, em Centro Educativo, na Lei Tutelar Educativa; Fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica; e quando realiza deslocações, conduz viaturas afetas ao serviço (vide fls. 79 dos autos e fls. 46 do PA).

F) Em 09/02/2010, o Prof. Doutor B………, emitiu um parecer no qual concluiu que quanto à Autora «não parece justificar-se que lhe seja concedida neste momento incapacidade definitiva para o exercício profissional». (fl. 56 e 57 PA)

G) Em 19/10/2009, o médico de psiquiatria e psicoterapia, Dr. C………., emitiu um parecer, no qual concluiu que a Autora não apresenta condições para exercer a sua profissão de forma definitiva. (fls. 50 do PA)

H) Em 08/07/2008, o Laboratório de Pacemakers do Hospital de S. João declarou que a autora foi submetida a implantação de cardiodesfibrilhador em 08/07/2008, podendo a doente utilizar aparelhos elétricos e eletrodomésticos comuns, ser submetida à maioria das intervenções médicas de disgnóstico e terapêutica, exceto ressonância magnética nuclear, ultrassons terapêuticos, diatermia, ondas curtas, radiações ionizantes (…). – vide fls. 45 do PA

I) Em 10/07/2009, foi elaborado um Relatório de Cardiologia pela Dr.ª D………. da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, no qual depois de descrever o historial clínico da Autora refere: «Tem sido observada em consulta de Pacemakers, estando o dispositivo normofuncionante e sem registo de arritemias ou terapias. Tem indicação para manter medicação cardiovascular com (…) e evitar situações que envolvam esforço físico e, sobretudo, stress emocional que poderá ser fator desencadeante de arritemias ou terapias inapropriadas pelo dispositivo. Deverá também evitar atividades que envolvam obrigatoriedade de condução de veículos automóveis, sobretudo se por tempos prolongados ou grandes distancias».

J) Em 02/07/2009, foi emitido Relatório Médico pela Prof. Doutora E……….. (ginecologia e obstetrícia e doenças da mama), no qual relata o historial clínico da Autora relativamente a um diagnóstico de cancro da mama esquerda desde Março de 2001, referindo que foi submetida a quimioterapia durante dois anos + castração química, que durante o ano de 2002 a doente apresentava várias sequelas, tais como estado psicológico alterado com depressão profunda e crises de ansiedade extrema, função hepática permanentemente alterada; que em 01/07/2009, a Autora se apresentava com estado psicológico alterado, com depressão e inércias acentuadas, revelando um estado geral no “limite”, queixando-se de cefaleias; que a situação clínica é muito reservada, por não ser possível a profilaxia, a administração de fármaco dirigido aos tumores, que está impedida de fisioterapia e de exercício físico adequado; concluindo que não deve estar exposta a condições ou situações que elevem o nível de ansiedade e stress, sendo desaconselhável que mantenha a sua atividade profissional, aconselhando a reforma o mais breve possível. (vide fls. 39 a 43 do PA)

K) Em 09/03/2009, a Autora foi submetida a um exame médico no serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital da Segurança Social do Porto, para efeitos de apreciação do pedido de aposentação por incapacidade, tendo sido elaborado Relatório Médico que concluiu que a Autora «não está em situação de incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas, cargo de técnica superior principal». (fls. 26 a 30 PA)”.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas que estão com a alegada verificação de nulidades e erros de julgamento por violação da lei substantiva.

Conheceremos, em primeiro lugar, por uma questão de prioridade lógica, as nulidades assacadas ao acórdão recorrido – nulidades por omissão de pronúncia ou absoluta falta de fundamentação da decisão que confirma o julgamento da matéria de facto realizado pelo TAF do Porto e por omissão de pronúncia quanto à questão da nulidade do acórdão do TAF do Porto por absoluta falta de fundamentação.

2.1.1. Nulidade por absoluta falta de fundamentação da decisão que confirma o julgamento da matéria de facto realizado pelo TAF do Porto

Antes de passar ao conhecimento da primeira nulidade assacada ao acórdão recorrido é conveniente realçar que a mesma se prende com uma questão de direito, cabível, portanto, nos poderes de cognição deste STA em sede de recurso de revista. Com efeito, o que está em causa na apreciação da nulidade invocada pela recorrente é a questão da absoluta falta de fundamentação da decisão do TCAN (e da eventual omissão de pronúncia) que confirma o julgamento da matéria de facto feito pelo TAF do Porto e não qualquer pedido de reapreciação ou modificação da matéria de facto, que, no caso vertente, não seria admissível tendo em conta os artigos 150.º do CPTA e 662.º e 679.º do CPC, estes últimos aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA. Ou seja, o que está em causa é a alegada violação do dever de fundamentação imposto por lei aos tribunais (art. 205.º da CRP).

Feito este esclarecimento prévio, passemos, então, à apreciação da primeira nulidade imputada ao acórdão recorrido. Vejamos.

A ora recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (conclusão XVI das alegações) “ou, pelo menos, a nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito no que respeita à decisão confirmativa do julgamento da matéria de facto realizada pelo TAF do Porto no seu Acórdão de 13/01/2015” (conclusão XVII das alegações).

No acórdão de sustentação, as ideias-chave são, resumidamente, e antes de mais, a de que, “Em bom rigor, a Recorrente limita-se a descontextualizar o segmento fático da decisão de 1ª instância por forma a procurar evidenciar o seu ponto de vista. Efetivamente, a Recorrente no seu recurso para o TCAN, requeria a «reapreciação da matéria de facto dada como provada», o que foi naturalmente feito, de onde se concluiu que a mesma se mostrava «adequada e suficiente» atento o objeto da ação”, mostrando-se “inútil e redundante aduzir qualquer outra factualidade de relevância meramente colateral e duvidosa, e sem incidência para a questão em apreciação”. Além disso, “O referido não pode ser desligado do peticionado na PI (Cfr. fls. 73 e 74 Procº físico) onde singelamente se pede apenas a «Revisão da Junta Médica e, consequentemente» a sua aposentação «por incapacidade para o trabalho»”. E, “Porventura ainda mais importante é o facto de a Recorrente vir em sede de Recursos para as instâncias superiores reclamar a inclusão de factos não constantes da decisão, designadamente, de 1ª instância, quando tais factos não haviam sido invocados nem na PI (Cfr. Fls. 71 a 74 Procº físico), nem nas alegações finais, nos termos do Artº 91º nº 4 CPTA, nas quais a aqui Recorrente se limitou a dar como «reproduzida toda a matéria de facto e de direito da petição»”. “Em face de tudo quanto supra se resumiu, entende-se que não haverá lugar à alteração da matéria de facto assente na 1ª instância e confirmada por este TCAN, por ser aquela que corresponde à factualidade invocada em função do inicialmente peticionado, pouco importando, para este efeito, a substancial inflexão da posição da Recorrente verificada aquando dos recursos para as instâncias superiores”. “Acresce, em qualquer caso, que a factualidade que a Recorrente pretende aduzir em sede de Recurso, nada de substancialmente relevante traria à decisão a proferir”.

No acórdão recorrido, e no que toca à matéria de facto, pode ler-se o seguinte: “O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se entende como adequada e suficiente: (…)” – negrito nosso).

A utilização da fórmula em questão é demonstrativa de que o TCAN ponderou o pedido de ampliação da matéria de facto, considerando, contudo, que não se justificava essa ampliação. Assim sendo, não se pode afirmar que tenha havido omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido nos termos da al. d) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, improcedendo este fundamento de nulidade da decisão recorrida.

Mas, afirma a recorrente que, pelo menos, terá havido nulidade por absoluta falta de fundamentação da decisão do TCAN que confirmou o julgamento da matéria de facto realizado pelo TAF do Porto ao abrigo da al. b) do preceito supra citado. Quanto a isto, cabe antes de mais concluir que a opção do TCAN de nada mais acrescentar à matéria de facto fixada pela 1.ª instância não merece censura, desde logo no que se refere aos relatórios médicos/declarações/informações posteriores ao despacho de indeferimento da Direcção da CGA (e, portanto, também às deliberações das duas juntas médicas), pois não se pode impugnar o referido acto por alegado erro grosseiro na apreciação da situação clínica da ora recorrente, absoluta falta de fundamentação e violação da lei (cfr. conclusão XIII) das alegações) com base em elementos de que as juntas médicas não dispunham, pois, como já se disse, são cronologicamente posteriores à realização das duas juntas médicas e à subsequente deliberação da Direcção da CGA. Quanto à circunstância de, “à data do procedimento de aposentação”, a ora recorrente apresentar “um quadro clínico particularmente gravoso e incapacitante” do foro oncológico, cardiovascular e psiquiátrico (conclusão XI das alegações), foram considerados na matéria de facto provada os relatórios de ginecologista, cardiologista e psiquiatra, exceptuando, como se disse, aqueles ulteriores ao despacho considerado inválido pela recorrente (cfr. factos G), H), I) e J) da matéria de facto). Também é referido na matéria de facto o âmbito das funções exercidas pela ora recorrente (cfr. facto E) da matéria de facto), sendo que, nos relatórios médicos que constam dos factos I) e J) é salientado pelos especialistas que os assinam o carácter ‘stressante’ das funções exercidas pela ora recorrente.
Questão diferente é a de saber se existe ou não absoluta falta de fundamentação da decisão recorrida. Afirma a este propósito a ora recorrente que o “Tribunal a quo tinha o dever jurídico de proceder à análise crítica da prova invocada pela Recorrente no seu pedido de ampliação da matéria de facto dada como provada no Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015, como o impunha a norma do artigo 662.º do CPC, pois só assim ficava o Tribunal a quo em condições de avaliar, concretamente, se existia ou não erro grosseiro de apreciação da Junta Médica de Recurso, bem como para condenar a CGA a deferir o seu pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho” (conclusão XX das alegações). Vejamos.

O n.º 1 do artigo 205.º da CRP determina que “As decisões do tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 158.º, actual artigo 154.º do CPC (com redacção algo distinta do n.º 2, mas sem incidência para a decisão a proferir no caso vertente), aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA, determina que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (n.º 1); e que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” (n.º 2). Finalmente, o artigo 668.º, n.º 1, al. b), actual artigo 615.º, n.º 1, al. b), dispõe no sentido de que é nula a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Quanto ao que deva considerar-se como fundamentação, ela consiste no conjunto de razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão, vale por dizer, os motivos de facto e de direito que a sustentam. No que concerne especificamente à fundamentação de direito, a mesma consiste na indicação das razões jurídicas que subjazem à solução adoptada pelo julgador, sendo de toda a conveniência a indicação dos dispositivos legais que interessam, apesar de não ser indispensável essa indicação.

Resta dizer que vem sendo unanimemente entendido que apenas a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito constitui a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do dito art. 668º (actual artigo 615.º).

No caso dos autos, a recorrente contesta a decisão do TCAN que considerou “adequada e suficiente” a matéria de facto fixada pela 1.ª instância. Há pouco afirmou-se que da fórmula em questão se pode extrair a convicção de que para aquele tribunal não se justificava a fixação de mais factos, designadamente daqueles alegados (e documentados) pela recorrente para fundar o pedido de reapreciação da matéria de facto e de aditamento de documento superveniente (atestado de incapacidade multiuso de 14.09.12). Pode agora acrescentar-se que, atendendo ao teor detalhado do artigo 662.º do CPC, convocado pela recorrente, é razoavelmente simples perceber em que situações ou por que motivos a 2.ª instância pode decidir no sentido da não modificabilidade da decisão de facto. Ora, justamente, tendo em conta, de um lado, os factos que a recorrente queria que fossem reapreciados e aditados pelo TCAN, e, por outro, os motivos que podem levar, nos termos legais, à modificação da matéria de facto, é fácil descortinar os motivos que fundaram a decisão do TCAN de considerar “adequada e suficiente” a matéria de facto fixada pela 1.ª instância. Assim, e no que respeita especificamente a factos que não sejam os constantes dos documentos apresentados aquando da renovação da instância, tirando a questão da especificação da idade, a recorrente, como se viu aquando da apreciação da alegada omissão de pronúncia, não alega nada de verdadeiramente novo em relação ao que consta da matéria de facto; não alega, em suma, o quer que seja que pudesse com toda a certeza fazer alterar a decisão recorrida (v.g., a recorrente alega a desconsideração de um atestado médico multiuso de 19.10.07 que lhe conferia uma incapacidade permanente global de 32%, mas a verdade é que da matéria de facto consta um atestado médico multiuso de 2009 que conferia uma incapacidade permanente global superior – de 42%; refere um atestado médico do Dr. C………., de 25.07.09, que também não foi considerado e que era favorável à sua pretensão, reconhecendo, contudo, ser de teor semelhante a um outro atestado emitido pelo mesmo especialista poucos meses depois; quanto às faltas ao serviço, são as mesmas posteriores às deliberações da Junta Médica de Recurso e da Direcção da CGA). Com isto, dificilmente se poderia concluir que a decisão de considerar “adequada e suficiente” a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, sem mais, consubstancie uma absoluta falta de fundamentação. Certamente que a recorrente facilmente conclui, comparando o que alega no pedido de reapreciação da matéria de facto e de aditamento de novo facto com a matéria de facto dada como provada, que nada de substancialmente novo e relevante para efeitos decisórios iria ser trazido para os autos. Quanto aos factos alegados aquando da renovação da instância no âmbito do pedido de reapreciação da matéria de facto e de aditamento de facto superveniente que constam de documentos presentes nos autos, como foi já afirmado, não são atendíveis, pois as deliberações das juntas médicas e o Despacho da Direcção da CGA não podiam por razões lógicas tê-los em conta.
Improcede, assim, também, o pedido de nulidade por absoluta falta de fundamentação da decisão que confirma o julgamento da matéria de facto pelo TAF do Porto.

2.1.2. Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à questão da nulidade do acórdão do TAF do Porto por absoluta falta de fundamentação de direito

Quanto a este segundo fundamento de nulidade, pode desde já adiantar-se que o mesmo não deve proceder. A recorrente sustenta a sua posição nos seguintes argumentos: “A Recorrente, no seu recurso de apelação, invocou a nulidade do Acórdão do TAF do Porto por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 615.º, alínea b) do CPC, por violação das normas dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 205.º, n.º 1 da Constituição, dado que o mencionado Acórdão não indicava, nem interpretava ou aplicava, quaisquer normas jurídicas para sustentar a sua decisão de julgar improcedente a ação administrativa especial”. “Sobre este fundamento, o Tribunal a quo não emitiu, ao contrário do que era legalmente imposto, qualquer decisão, o que determina a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º do CPTA)”. “Sem conceder, por dever de ofício, pode equacionar-se a hipótese de tal omissão conformar um erro de julgamento de direito, nos termos infra expostos, pois o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a legalidade da deliberação impugnada, muito embora nada tenha dito quanto à fundamentação ou falta de fundamentação de direito do Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015” (alegações de recurso 59., 60. e 61).
Atentemos agora nos argumentos-chave utilizados pela ora recorrente nas suas alegações de recurso de apelação para o TCAN: “O Tribunal a quo, ao omitir em completo qualquer pronúncia sobre a invalidade e ilegalidade das Deliberações da Junta de Recurso, de 06/04/2010, e da Direção da CGA, de 20/04/2010, incorreu em omissão de pronúncia, violando, desta forma, pelo menos, os artigos 95.º, n.º 1 do CPTA e 608.º, n.º 2 do NCPC, o que constitui fundamento bastante para declarar nulo o douto Acórdão recorrido, o que ora se requer, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do NCPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA”. “O Tribunal a quo, ao omitir qualquer pronúncia sobre o pedido de indemnização por danos morais sofridos pela Recorrente em razão da prática do ato de indeferimento expresso do seu pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho, incorreu, da mesma forma, em omissão de pronúncia, violando, deste modo, pelo menos, os artigos 95.º, n.º 1 do CPTA e 608.º, n.º 2 do NCPC, o que constitui fundamento bastante para declarar nulo o seu douto Acórdão, o que ora se requer, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do NCPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA”. “No seu Acórdão, Tribunal a quo, após dar como provado a existência de vários relatórios clínicos que apontavam para a aposentação imediata da Recorrente por incapacidade para o serviço da sua profissão, decidiu que apenas devia ser considerado o último relatório emitido, por solicitação da CGA, sem no entanto indicar quaisquer normas jurídicas que lhe permitissem concluir que os demais relatórios médicos eram irrelevantes para efeito de determinação da capacidade ou incapacidade da Recorrente para o exercício da sua função”. “No acórdão recorrido não consta a indicação de qualquer norma jurídica aplicável à resolução da questão jurídica especialmente aplicável, designadamente do Estatuto da Aposentação e demais legislação aplicável e identificada nas presentes alegações” (cfr. conclusões VIII, XIX, X e XI).
Já no acórdão de sustentação, e relativamente ao primeiro pedido, é transcrito excerto do acórdão recorrido (que nos abstemos de reproduzir na íntegra e para o qual remetemos) em que se descreve o iter da apreciação da ilegalidade das deliberações das juntas e da Direcção da CGA levada a cabo pelo TAF do Porto, e em que se conclui no sentido da presença, no caso dos autos, de questão do âmbito da discricionariedade técnica e no da consequente limitação do controlo a efectuar pelo juiz administrativo (“É pacífico que, sem prejuízo dos mecanismos previstos da reclamação e recurso, é a junta médica da CGA quem tem competência legal para declarar a incapacidade, ou não, dos seus subscritores para efeitos de aposentação – cfr. artigos 38.º, 89.º, 96.º, 97.º, 118.º, n.º 2, 119.º, n.º 2, 127.º e 129.º do Estatuto da Aposentação”. “Assim sendo, os exames efetuados pelas juntas médicas da Caixa Geral de Aposentações correspondem a uma atividade inserida no âmbito da chamada discricionariedade técnica, traduzindo-se na aplicação de princípios e critérios de natureza técnica, próprios das ciências médicas”. “A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções atingidas se restrinja a casos-limite, a situações excecionais em que se torna patente o caráter ostensivamente inadmissível, grosseiramente erróneo, dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas”.
Vejamos.

Antes de mais, a recorrente entende que houve omissão de pronúncia do acórdão recorrido, uma vez que o mesmo não se terá pronunciado sobre o vício de falta de fundamentação de direito, e concomitante nulidade, da decisão do TAF do Porto, uma vez que esta última “não indicava, nem interpretava ou aplicava quaisquer normas jurídicas para sustentar a sua decisão de julgar improcedente a ação administrativa especial”. Na realidade, embora de forma não muito explícita, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a decisão do TAF e da sua alegada falta de fundamentação. E fê-lo ao remeter para a figura da ‘discricionariedade técnica’, para a (sua) explicação desta figura e para as consequências que derivam da sua verificação. Ora, subjacente a esta figura – que, verdadeiramente, já conheceu evolução de sentido e, mais do que isto, é hoje em dia bastante contestada – está a ideia de uma autonomia de juízo que é concedida à Administração naqueles casos em que a mesma deve proceder a uma análise dos factos mediante recurso a conhecimentos técnicos e científicos e em que a avaliação técnica e científica não é susceptível de controlo mediante o recurso a regras dessa natureza (sendo certo que, por vezes, isso é possível, v.g., o teor alcoólico de certas bebidas). À figura da ‘discricionariedade técnica’, como é sabido, esteve desde muito cedo associada a ideia de liberdade de actuação da Administração e consequente limitação do seu controlo pelo julgador. Ou seja, o juiz administrativo estava e ainda está, pelo menos para alguns, grandemente limitado na sua actuação, não podendo fazer substituir o juízo discricionário da Administração pelo seu próprio juízo discricionário. Outra consequência importante desta figura é a da menor exigência posta à sua fundamentação, haja em vista a tal autonomia de juízo da Administração em virtude do recurso, pela mesma, a regras de natureza técnica e científica que escapam ao conhecimento do julgador. Conforme há pouco foi aflorado, esta figura é hoje em dia cada vez mais contestada à medida que doutrina e jurisprudência vão preconizando e admitindo um controlo mais apertado da dita ‘discricionariedade técnica’ (ou das situações/actuações habitualmente conhecidas sob essa designação). Designadamente, sustenta-se a possibilidade de controlar o iter procedimental e não apenas o acto final que o concluiu; sustenta-se, outrossim, a possibilidade de controlar a dita ‘discricionariedade técnica’ com base no princípio da proporcionalidade e da prossecução do interesse público (mais concretamente, com recurso a um juízo de ponderação do interesse primário da Administração e dos interesses secundários dos particulares), com base nas ideias de razoabilidade e logicidade, entre outras. Sucede que a recorrente se limitou a invocar a omissão de pronúncia do acórdão recorrido, o qual não se teria pronunciado sobre a alegada nulidade da sentença do TAF por absoluta falta de fundamentação – omissão de pronúncia que, como se acabou de ver, não se pode dar como verificada.
Não obstante o que acabou de ser dito, cumpre salientar, ainda a propósito da pretensa nulidade por omissão de pronúncia, que a acusação de omissão de pronúncia não poderia mesmo ser atendida na parte em que afirma que o acórdão recorrido é omisso pois não se pronunciou sobre a alegada falta de fundamentação jurídica do acórdão do TAF do Porto. Sucede que a fundamentação existe e é patente, tendo o TAF do Porto fundado juridicamente a sua decisão, cuja bondade não nos cabe, hic et nunc, apreciar. Com efeito, o raciocínio que subjaz à sua decisão é o de que a condição médica da recorrente afecta toda a sua vida e não apenas a sua vida profissional, e, quanto a esta última, o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) prevê a possibilidade de adequação da situação do trabalhador com capacidade de trabalho diminuída ao exercício das suas funções. Ou seja, relativamente à primeira asserção, a mesma não carece de fundamentação jurídica. Em relação à segunda, as normas que na decisão do TAF do Porto se invocam, do RCTFP, são consentâneas e suficientes para justificar a decisão do mesmo tribunal. Com isto, pode concluir-se que a alegada falta de fundamentação da decisão do TAF do Porto poderia até existir se a solução por ele encontrada fosse outra. Mas, tendo em consideração a solução por ele engendrada – seja ela ou não a mais correcta, questão que aqui e agora não se coloca – a fundamentação utilizada é adequada e suficiente.

A certa altura concede a recorrente, por dever de ofício, que a nulidade que agora se aprecia seja, afinal, um erro de julgamento, “pois o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a legalidade da deliberação impugnada, muito embora nada tenha dito quanto à fundamentação ou falta de fundamentação de direito do Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015”. Vale, como resposta a este alegado erro de julgamento, a explicação anteriormente dada, não se verificando o mesmo.

Em suma, e em face do que foi dito, deve improceder também o fundamento de nulidade (ou de erro de julgamento) do acórdão recorrido que agora se apreciou.

2.2. Dos erros de julgamento de direito do acórdão recorrido por violação da lei substantiva

Imputa ainda a recorrente ao acórdão recorrido erros de julgamento.

Sustenta a recorrente que existe erro de julgamento de direito do acórdão recorrido, antes de tudo, “por não ter julgado procedente a ilegalidade e invalidade do ato administrativo impugnado, por não ter condenado a CGA a deferir o seu pedido de aposentação por incapacidade laboral, com fundamento em absoluta falta de fundamentação do ato impugnado (mais precisamente, do Parecer da Junta Médica de Recurso)”. “E mais, o Acórdão recorrido, ao basear a sua decisão apenas num relatório médico – como o fez, aliás, o Acórdão de 13/01/2015 do TAF do Porto –, incorreu em erro de julgamento de Direito por errada interpretação e aplicação e consequente violação, pelo menos e ainda, das normas dos artigos 607.º, n.º 4 do CPC, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação” (cfr. conclusões IV. e XXIII. das alegações de recurso). Além destes alegados erros de julgamento, o acórdão recorrido incorre ainda “em erro grosseiro de apreciação e por não ter julgado procedente o pedido de indemnização por danos morais, por erro de interpretação e aplicação e consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos por violação do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90, 37.º, n.º 2, alínea a), 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, 3.º e 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e 496.º do Código Civil” (cfr. conclusão IV. das alegações de recurso).
Vejamos.

No que respeita aos dois últimos alegados erros de julgamento, diga-se, desde já, que claramente não procede nenhum deles. Assim, e quanto ao argumento de que o acórdão recorrido – tal como a decisão do TAF do Porto – baseou a sua decisão apenas num relatório médico, ele não tem qualquer razão de ser. É que, na realidade, não é de todo certo que essa decisão existe nos termos em que a recorrente entende existir. Diz-se na decisão do TAF do Porto que, “Por fim, refira-se que não obstante a existência de vários relatórios Clínicos, produzidos por médicos de diversas especialidades, resulta que o último relatório que pôde ser valorado aquando da realização da Junta Médica de Recurso, elaborado por médico especialista em medicina interna, referiu não ser de conceder a incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional – vide a alínea F) da matéria de facto acima dada por assente”. Da leitura deste trecho pode retirar-se, sem dificuldade, que o TAF do Porto se limitou a terminar a descrição do desenrolar do procedimento de aposentação que envolveu a recorrente afirmando que o relatório médico mais próximo temporalmente da actuação das juntas médicas não dava a recorrente como totalmente incapaz. Em parte alguma se diz que os outros relatórios não deviam ser considerados. Não se vê, pois, como tenham sido desrespeitados o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, nem os artigos 11.º, n.os 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 41/90 e 95.º, n.º 4, do Estatuto da Aposentação, relacionados estes últimos com o dever de fundamentação por parte das juntas médicas.
Quanto à afirmação de que o acórdão recorrido incorre ainda “em erro grosseiro de apreciação e por não ter julgado procedente o pedido de indemnização por danos morais, por erro de interpretação e aplicação” e consequente violação dos preceitos enunciados (as “normas dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 27.º, 123.º, 124.º e 125.º do CPA, 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto Regulamentar 41/90, 37.º, n.º 2, alínea a), 91.º, n.º 3 e 95.º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, 3.º e 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e 496.º do Código Civil” – cfr. conclusões IV e XXIX), ela também não tem razão de ser. Efectivamente, diz-se no acórdão recorrido o seguinte: “No que respeita já ao suscitado vício de omissão de pronúncia relativamente ao pedido de indemnização por danos morais sofridos pela Recorrente, naturalmente que atentas as conclusões a que chegou o tribunal a quo, julgando improcedente o pedido formulado, mostrar-se-ia inútil e desprositada qualquer ponderação indemnizatória, análise que ficou assim compreensivelmente prejudicada. Com efeito, resulta do disposto no artº 95º, nº 1 do CPTA, que «… o tribunal deve decidir na sentença ou Acórdão todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras …»”. Ora, considerada a argumentação do acórdão recorrido, que também encontra arrimo no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA, não tendo o julgador, sequer, que se pronunciar sobre a questão do pagamento da indemnização por danos morais peticionada pela recorrente, por maioria de razão não tinha de pronunciar-se sobre o (bem fundado) dos motivos que poderiam levar à procedência do pedido indemnizatório. Improcede, nesta medida, mais este alegado erro de julgamento.
Resta, por fim, apreciar o argumento mais genérico de erro de julgamento, qual seja, o que decorre da circunstância de o acórdão recorrido “não ter julgado procedente a ilegalidade e invalidade do ato administrativo impugnado, por não ter condenado a CGA a deferir o seu pedido de aposentação por incapacidade laboral, com fundamento em absoluta falta de fundamentação do ato impugnado (mais precisamente, do Parecer da Junta Médica de Recurso)”. No que se refere a este alegado erro de julgamento, é conveniente pormenorizar um pouco mais as razões da recorrente. Assim, a recorrente defende que “A Deliberação da Direção da CGA, datada de 20/04/2010 (ato impugnado), que aderiu integralmente ao Parecer da Junta Médica de Recurso de 06/04/2010, é inválida, ilegal e ilícita, designadamente por absoluta falta de fundamentação, erro grosseiro de apreciação e vício de violação de lei”; “O parecer da Junta Médica de Recurso, datado de 06/04/2010, no qual se baseou a decisão da Direção da CGA de indeferimento do pedido de aposentação, datada de 20/04/2010, não identifica o sentido de voto dos seus membros, nem sequer identifica os elementos clínicos em que baseou a sua decisão – sendo, portanto, absolutamente carecida de fundamentação”; “O Tribunal a quo julgou inexistir erro grosseiro de apreciação, mas baseou a sua decisão apenas na análise de um relatório médico, desconsiderando todos os restantes e não se pronunciando sobre o pedido de ampliação da matéria de facto”; “As ações administrativas especiais de condenação à prática de ato devido, quando exista ato de indeferimento expresso, pressupõem necessariamente a apreciação da legalidade desse mesmo ato de indeferimento e, sendo o mesmo ilegal e inválido, tem o Tribunal o dever constitucional de o anular ou declarar nulo”; “Ou seja, o Tribunal a quo tinha o dever de pronunciar-se sobre os vícios que foram imputados pela Recorrente às deliberações da junta de Recurso (de 06/04/2010) e da Direção da CGA (de 20/04/2010) – cfr. artigo 95.º, n.º 1 do CPTA”; “No que respeita ao vício de falta de fundamentação da Deliberação da Direção da CGA de 20/04/2010 (e do Parecer da Junta Médica de Recurso de 06/04/2010), é o mesmo evidente e manifesto à luz dos elementos constantes do processo e da matéria de facto dada como assente no Acórdão do TAF do Porto de 13/01/2015, pelo que tinha o Tribunal a quo o dever de anular a deliberação impugnada com base, pelo menos, no vício de falta de fundamentação” (cfr. as conclusões XXVI., XXVII., XXVIII., XXX., XXXI. e XXXII.).
Vejamos se lhe assiste razão.
Por Auto da Junta Médica (entretanto constituída), de 27.10.09, é pedido parecer a um médico de Medicina Interna (fl. 49 do p.a.).
Ulteriormente, a ora recorrente é notificada para comparecer no consultório do Dr. B……….. para ser observada.
De fls.56 e 57 do p.a. consta o relatório médico elaborado por aquele especialista, em que são analisadas as várias patologias de que sofre a ora recorrente, a sintomatologia que apresenta e bem assim a medicação que toma. O dito relatório médico conclui da seguinte maneira: “Em face dos problemas acima referidos, e não estando a terapêutica optimizada, não parece justificar-se que lhe seja concedida neste momento incapacidade definitiva para o exercício profissional”.
Do Auto da Junta Médica de 20.04.10, assinado sem reservas pelos três médicos que a compunham, depois de se determinar que a examinada não está absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções e que a examinada não sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, conclui assim: “Sem patologia definitivamente incapacitante para o exercício de função”.
No que se refere aos relatórios médicos dos especialistas que seguem a ora recorrente, são sobretudo sublinhadas as limitações para o trabalho que o seu estado de saúde impõe e os cuidados que deve ter, isto, tendo em conta o momento em que são elaborados.
Em face disto, não se pode concluir que tenha havido falta de fundamentação das deliberações da Junta Médica de Recurso e da Direcção da CGA. Em consonância não se pode dar por verificado o erro de julgamento da decisão recorrida com base em incorrecta interpretação e aplicação do dever de fundamentação consagrado constitucional (art. 268.º, n.º 3, da CRP) e legalmente (arts. 123.º, 124.º e 125.º do CPA, na versão que existia à data da interposição da presente acção; arts. 11,º, n.os 1 e 2, al. g), do Decreto Regulamentar 41/90; arts. 91.º, n.º 3, e 95.º, n.º 4, do DL n.º 498/72, de 09.12, com as subsequentes alterações – EA).

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Maio de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.