Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0534/18
Data do Acordão:06/14/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
SUBSTITUIÇÃO
MOTIVO
Sumário:É de admitir a revista se o acórdão recorrido considerou legal o acto impugnado – que indeferiu o pedido, dirigido ao FGS, de pagamento de créditos laborais – mediante uma substituição dos motivos enunciados na pronúncia administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P23417
Nº do Documento:SA1201806140534
Data de Entrada:05/25/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SOCIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A……….., identificado nos autos, interpôs esta revista do acórdão do TCA Norte confirmativo – embora com fundamentação diversa – da sentença do TAF de Penafiel que julgou improcedente a acção interposta pelo recorrente contra o Fundo de Garantia Salarial para impugnação do acto que lhe denegara o pedido de pagamento de créditos laborais.

O recorrente pugna pela admissão da revista por ela recair sobre uma questão importante e mal decidida pelo tribunal «a quo».

O FGS contra-alegou, defendendo a manutenção do aresto recorrido.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).

«In casu», o aqui recorrente solicitou ao FGS, em 8/5/2015, o pagamento de créditos laborais, atenta a insolvência do seu pretérito empregador. Mas tal pretensão foi recusada pelo acto impugnado que, aplicando o novo regime do Fundo – vigente desde o início desse mês de Maio (art. 3° do DL n.º 59/2015, de 21/4) – baseou o indeferimento no art. 2°, n.º 8, dessa «lex nova» (onde se estabelece que «o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho»).

O recorrente impugnou tal acto «in judicio», afirmando basicamente o seguinte: que o acto se inscreveu no novo regime do FGS; mas que o modo como legalmente se previu a transição do regime anterior para o actual violara os princípios da segurança e da protecção da confiança – o que trazia a ilegalidade do acto impugnado.

A acção improcedeu no TAF, já que aí se julgou que a aplicação, pelo acto, do novo regime não envolvia qualquer inconstitucionalidade. O autor apelou dessa sentença absolutória, que o aresto «sub specie» manteve. No entanto, o TCA afastou-se radicalmente da fundamentação utilizada na 1ª instância, pois o TCA disse que o novo regime do Fundo não era aplicável à pretensão do autor; e, abordando o assunto pelo prisma do regime pretérito, o aresto concluiu que o pedido que ele dirigira ao FGS, olhado a essa luz, estava votado ao insucesso.

O autor recorreu do acórdão do TCA para o Tribunal Constitucional. Mas o recurso não foi aí conhecido porque as questões de inconstitucionalidade, suscitadas «in initio litis» e ligadas à aplicação do novo regime, haviam perdido actualidade porque o aresto se centrara no regime jurídico anterior.

Nesta revista, e compreensivelmente, o autor já parece hesitar quanto ao regime resolutivo do seu caso. Clama, todavia, que não caducou o direito indeferido pelo acto, mesmo que ele se subsuma à «lex praeterita»; e regressa à afirmação de que a recusa desse direito feriria o princípio da confiança.

Note-se ainda que até o FGS se distancia do aresto presentemente sob recurso, pois defende na contra-alegação que a pronúncia decisória exacta é a da 1ª instância.

Ora, é óbvio que o acórdão recorrido apresenta uma fragilidade imediata: confrontado com um acto que inequivocamente aplicara o novo regime, o aresto afirmou a sua legalidade a partir do que se dispunha no regime anterior. Tudo indica, portanto, que o TCA decidiu com substituição de motivos – o que normalmente envolve uma passagem do acto real, sob ataque, a um acto apenas possível e que nunca existiu.

Com efeito, uma «brevis cognitio» sugere o seguinte: ou o acto impugnado aplicou o regime correcto – e o TCA teria então de enfrentar as questões de constitucionalidade conexas; ou o mesmo acto escolheu mal o regime aplicável – e a pretensão impugnatória teria de triunfar, independentemente do que o FGS pudesse depois decidir.

Assim, conclui-se pela necessidade de se receber o recurso para se rever a decisão de direito.

Nestes termos, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Junho de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.