Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01914/03
Data do Acordão:03/24/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IVA.
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO.
MÉTODOS INDIRECTOS.
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
INDICADORES OBJECTIVOS DE ACTIVIDADE.
CONTABILIDADE IRREGULAR.
Sumário:I. A utilização de métodos indirectos na determinação da matéria colectável, através de "margens médias do lucro líquido", a que se refere o art. 90°, n.º 1, al. a) da LGT, não concretiza a aplicação dos "indicadores de actividade inferiores aos normais", prevista no art. 89° do mesmo compêndio legal.
II. Este último normativo só será aplicável uma vez concretizada a via regulamentar necessária para o efeito, o que ainda não aconteceu.
III. Assim, nos casos previstos em 1 (primeira parte), o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de quatro anos, que não no de três, aplicável à sua segunda parte - art. 45°, n.ºs 1 e 2 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00060979
Nº do Documento:SA22004032401914
Data de Entrada:11/28/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N2 ART75 N1 N2 A ART84 N1 ART87 C M ART88 A ART90 N1 A.
CIVA84 ART84.
CPC96 ART676 N1 ART684 N3.
CONST97 ART103 N3.
Referência a Doutrina:LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG215.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por A..., da sentença do Tribunal Tributário de Primeira Instância de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial que a mesma deduzira contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1998.
Fundamentou-se a decisão em não se ter verificado a caducidade daquele acto tributário já que não foram, no caso, aplicados os indicadores objectivos da actividade previstos no art. 45°, n º 2 LGT, aliás inexistentes por ainda não publicados, mas, antes, as margens médias de lucro líquido, a que se refere o seu art. 90°, n.º 1, al. a) pelo que o prazo de caducidade é de quatro e não de três anos.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1 - A decisão recorrida considera que os indicadores objectivos de actividade não foram publicados, pelo que a avaliação indirecta tomou por base os critérios previstos no art. 90°, n .1 da LGT.
2 - A verdade, porém, é que a administração tributária não podia socorrer-se desses critérios sem partir de outros pressupostos, sob pena de estar a violar a lei.
3 - Para a determinação da nova matéria colectável, resultante do acto de fiscalização levado a efeito, a administração tributária não se baseou em omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que pudessem reflectir ou impedir o conhecimento da matéria colectável real do sujeito passivo, a partir da sua contabilidade.
4- Se assim fosse, tais irregularidades seriam identificadas objectivamente e a respectiva correcção determinada de forma concreta e nunca com recurso a métodos aleatórios.
5- A presunção legal estabelecida no n°. 1 do artigo 75° da LGT só pode ser afastada quando se verificar alguma das ocorrências previstas nas várias alíneas do seu n°. 2.
6- Das alíneas a), b) e d) do referido artigo, não se alcança qualquer previsão onde se possam enquadrar os fundamentos da administração tributária que levaram ao afastamento da aludida presunção.
7- De onde resulta que tal afastamento apenas se pode subsumir ao disposto na alínea c) daquele preceito legal.
8- Do relatório da fiscalização decorre que houve uma avaliação indirecta e que a administração tributária usou de elementos aleatórios de que dispunha, sendo estes os indicadores objectivos de actividade disponíveis, ainda que definidos, naquele relatório, pela terminologia "rácios da rentabilidade fiscal das vendas medianas do sector".
9- Tais indicadores, embora de âmbito distrital, não deixam de ter uma base técnico-científica para efeitos da avaliação indirecta. E, embora sejam definidos pela administração tributária como "rácios da rentabilidade fiscal das vendas medianas do sector" tal terminologia, em bom rigor jurídico, apenas se pode subsumir ao disposto na alínea c) do n°. 2 do citado artigo 75°.
10- Não é aceitável que tais indicadores possam aproveitar à administração tributária, para esta poder afastar a presunção legal prevista no n°. 1 do artigo 75°. e determinar, por avaliação indirecta, a matéria colectável; e não possam aproveitar ao contribuinte quando este os invoca para defender os seus direitos.
11- A administração tributária recorreu a indicadores objectivos de actividade por os considerar previstos na lei, pelo que está preenchido o segundo requisito do n°. 2 do artigo 45° da LGT.
12- Se a administração tributária recorreu a indicadores não previstos na lei, cometeu ilegalidade, por duas ordens de razão:
c) afastou uma presunção legal sem fundamento de ius
d) aplicou critérios legalmente inexistentes (e como tal, inconstitucionais).
13- Interpretação diferente conduz à iniquidade e coloca em crise o princípio da certeza e da segurança jurídica.
14- Os factos de que o tribunal dispõe, no presente caso, revelam que a administração tributária agiu ao arrepio da lei, ainda que se possa querer defender que os seus agentes procuraram colmatar a inércia do legislador. O tribunal só pode julgar as lides com base no que foi alegado e provado (judex judicare debet secundum allegata et probata partium).
15- Está alegado e provado que a administração tributária não agiu em conformidade com a lei. E, se agiu, não pode deixar-se de aplicar o prazo de caducidade previsto no n°. 2 do artigo 45° da LGT.
16- Acresce ainda a inconstitucionalidade que está subjacente à prática da administração tributária, que desde já se denuncia nos termos do artigo 204° da CRP, por se considerar violado o disposto no n°. 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa, visto que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
17- Ao afastar uma presunção legal - prevista n°. 1 do artigo 75°. da LGT - sem fundamento que sustente validamente esse afastamento, a administração tributária está liquidando um imposto de forma inconstitucional.
18- Entende-se que foram inobservados ou incorrectamente interpretados os artigos 8°, n°. 2, alínea a), 45°, n°. 2 e 75°, todos da Lei Geral Tributária.
19- Em nosso entender, as mencionadas normas deveriam ter sido interpretadas no sentido que se dissecou desenvolvidamente ao longo das alegações e conclusões do presente recurso.
Nestes termos, nos melhores de direito e nos mais doutos e escorreitos de V. Exas., requer-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que atenda a impugnação da contribuinte, ora recorrente."
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exm.º magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da incompetência deste STA, em razão da hierarquia, já que, nas 1ª, 8ª e 11ª conclusões, a recorrente diverge do julgamento de facto expresso na sentença, ao sustentar "que foram aplicados indicadores objectivos de actividade na determinação da matéria tributável"; ou, se assim se não entender, pelo seu não provimento pois que a decisão recorrida "interpretou correctamente a norma constante do art. 45°, n.º 2 da LGT, no sentido de que não estão sujeitos ao prazo de caducidade de três anos, os actos tributários resultantes da aplicação do citado critério": o da margem média de lucro líquido do sector em causa - art. 90°, n.º 1, al. a) da LGT -, que não configura indicador objectivo de actividade de base técnico científica - seu art. 89°, n.º 3.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
"1- A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização externa que decorreu entre os dias 4/4/2002 e 25/6/2002, no âmbito da qual foi realizado o relatório da inspecção tributária que consta de fls. 23 e segs. dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- A inspecção tributária concluiu que os custos e proveitos declarados não correspondiam aos efectivamente obtidos e suportados, obtendo a margem de lucro bruto sobre as vendas mediante aplicação do rácio de 19,87%, correspondente à mediana do sector declarado pelos sujeitos passivos a nível distrital.
3- Com base nessa correcção, foi apurado também o IVA em falta.
4- De tudo, resultaram as liquidações adicionais impugnadas."
Vejamos, pois:
Há que apreciar, em primeiro lugar, a competência hierárquica do STA para o conhecimento do recurso.
E, mau grado o propugnado pelo Ministério Público, há que afirmar a sua competência.
Na verdade, a recorrente não põe em causa, antes expressamente o afirma, que a Administração Fiscal procedeu a avaliação indirecta, utilizando os "rácios da rentabilidade fiscal das vendas medianas do sector", concordando, pois, no ponto, com a matéria factual fixada na sentença.
Não há, aí, qualquer divergência.
O que a recorrente pretende é que tal critério de determinação da matéria colectável preenche ou concretiza a utilização, para o efeito, dos referidos "indicadores objectivos de actividade" previstos na lei.
Questão puramente de direito, pois.
Que há, assim, que apreciar.
O art. 87°, al. c) da LGT (redacção anterior à Lei nº 100/99) prevê a realização da avaliação indirecta da matéria colectável do sujeito passivo quando esta se afastar, significativamente e sem razão justificada, da resultante "da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica" nela referidos.
Tais indicadores são definidos anualmente, nos termos da lei, pelo Ministro das Finanças, após audição das associações empresariais e profissionais, podendo consistir em margens de lucro ou rentabilidade, que, tendo em conta a localização e dimensão da actividade, sejam manifestamente inferiores às normais do exercício da actividade e possam, por isso, constituir factores distorsivos da concorrência.
Todavia, tal normativo não é aplicável, por não concretizada ainda a via regulamentar necessária para o efeito.
Pelo que, inexistentes, não podiam tais indicadores ter obviamente sido aplicados.
O que se passou foi que, apurada a infidelidade da contabilidade da recorrente, a Administração determinou a matéria tributável socorrendo-se ou tendo em conta "as margens médias de lucro líquido", nos termos do art. 90°, n.º 1, al. a) da LGT.
E, tratando-se embora de um critério também de cariz objectivo, não concretiza os ditos indicadores que terão de ser abstracta e genericamente definidos regulamentarmente.
Aliás, aquela determinação da matéria colectável, nos termos da dita al. a), tem necessariamente de basear-se em "critérios objectivos" em obediência ao disposto no art. 84°, n.º 1 da mesma LGT como efectivamente acontece já que reportada ao cálculo e estatística que lhe subjaz, como se acentua na sentença recorrida.
Ora, nos termos do art. 45°, n.º 2 da mesma lei, o prazo de caducidade é de três anos, se tiverem sido utilizados os ditos "indicadores objectivos", o que, como se viu, não foi o caso pelo que o prazo é o geral de quatro anos - seu n.º 1 -, aplicável às demais hipóteses de avaliação indirecta previstas no art. 87°, nomeadamente, como nos autos, à "impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável" - al. b).
A razão de ser de tal encurtamento do prazo resulta, como acentua Lima Guerreiro, LGT Anotada, pág. 215, de que, na aplicação de tais indicadores objectivos, "a administração tributária, não precisa de recorrer a qualquer inspecção externa ou interna".
Pelo que se não verifica a alegada caducidade do direito de liquidar o tributo.
Como vem decidido.
A recorrente levanta ainda uma outra questão: que os pressupostos de facto utilizados na determinação da matéria colectável não cabem nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do art. 75° da mesma LGT - cfr. conclusão 6ª.
Trata-se, todavia, de questão nova que não foi equacionada na decisão recorrida - nem esta vem arguida de qualquer omissão de pronúncia - e não é de conhecimento oficioso.
Mas, assim sendo, não pode este STA dela conhecer, como é jurisprudência pacífica, já que os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova (arts. 676°, n.º 1 e 684°, n.º 3 do CPC).
Cfr., por todos, o recente Ac. do STA – 1ª secção - de 21Jan03 in Ac' Dout' 497-709.
Finalmente, não há qualquer ofensa ao disposto no art. 103°, nº 3 da CRP (revisão de 1997): "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos ... cuja liquidação e cobrança, se não façam nos termos da lei" (princípio da legalidade).
Pois que a Administração actuou, como resulta do exposto, ao abrigo dos arts. 75°, n.º 2, al. a), 87°, al. h), 88°, al. a) e 90°, n.º 1, al. a), todos da mesma LGT e art. 84° do CIVA.
E, dado o preceituado naquele primeiro segmento normativo, ilidida fica a presunção de veracidade da escrita postulada no n.º 1 do mesmo art. 75°.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 60%.
Lisboa, 24 de Março de 2004
Brandão de Pinho – Relator – Vítor Meira – Baeta de Queiroz