Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0212/18
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OBJECTO DO RECURSO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O tribunal ad quem não pode decidir a questão do erro na forma do processo em sentido diverso da sentença se, por ausência de recurso quanto a esse segmento, essa decisão transitou em julgado.
II - Perante o erro na forma do processo – que se afere pela adequação do meio processual utilizado à pretensão formulada em juízo – há verificar a viabilidade da convolação para a forma processual que seria adequada (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT).
III - Essa convolação é proibida, porque inútil (cf. art. 130.º do CPC), se for manifesta a intempestividade da petição inicial relativamente à forma processual adequada.
IV - Não é de ponderar a convolação se os diversos fundamentos invocados correspondem a diversas formas processuais, pois não compete ao tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir.
Nº Convencional:JSTA000P23424
Nº do Documento:SA2201806200212
Data de Entrada:02/27/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 829/12.7BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A…………………… (a seguir Recorrente, Impugnante ou Executado por reversão) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, com fundamento em erro na forma do processo insusceptível de ser corrigido por convolação para a forma processual adequada – que seria a oposição à execução fiscal –, absolveu a Fazenda Pública (a seguir Recorrida) da instância no processo de impugnação judicial por aquele deduzido na qualidade de responsável subsidiário chamado, por reversão, à execução fiscal instaurada contra a sociedade denominada “B………………, Lda.” para cobrança de dívidas de IVA e de IRC.

1.2 O recurso que foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«I- Vem a ora recorrente apresentar a sua defesa, face à sentença dos presentes autos.

II- A douta sentença decidiu julgar procedente a excepção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência absolver a Fazenda Pública da Instância.

III- Ora em face, da decisão, não pode o ora recorrente sufragar o entendimento do douto Tribunal, na medida em que não admitiu a convolação dos presentes autos em oposição à execução fiscal.

IV- Entende, o ora recorrente, se trata de uma clara violação do direito de acesso à Justiça da recorrente.

V- A convolação, no caso em apreço, justifica-se em nome do direito à tutela judicial efectiva.

VI- Considerando que a Impugnação Judicial foi apresentada pelo Recorrente atempadamente, não pode ser o facto de uma possível Oposição à Execução Fiscal ter um prazo de 30 dias para ser apresentada, que irá obstar a tal convolação.

VII- Nesse sentido, considerando que a impugnação judicial foi tempestivamente apresentada, nada poderá obstar à sua convolação na forma correcta face aos artigos 99.º e 204.º do CPPT.

VIII- Assim, deveria ter ordenada, oficiosamente, o Tribunal a quo, a convolação do processo de Impugnação Judicial em processo de Oposição à Execução Fiscal.

IX- A não ser assim, o que o Recorrente não concebe, sempre teria de ocorrer a convolação do processo de impugnação judicial em requerimento de arguição de dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças.

X- Isto, claro está, ao abrigo do artigo 97.º, n.º 3, da LGT em conjugação com o artigo 98.º, n.º 4, do CPPT.

XI- Aliás, como bem nota a Jurisprudência que admite a convolação de petições iniciais de processos judiciais tributários em requerimentos dirigidos ao chefe de repartição de finanças.

XII- É também o entendimento doutrinário, que considera no caso de intempestividade da oposição à execução fiscal, deverá convolar-se a petição em requerimento dirigido ao processo de execução fiscal (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 7 d) ao art. 175.º, pág. 286 e anotação 4 c) ao art. 203.º, pág. 432.).

XIII- Por todo o exposto, mal andou o Mmº Juiz de Direito do Tribunal a quo, sendo, pois, de revogar a decisão recorrida.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V/a Ex. mui doutamente se dignará em suprir, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, e bem assim decidir pela convolação da petição inicial de impugnação judicial, na forma de processo adequada, isto é a convolação da petição respectiva em petição de oposição à execução fiscal, por se encontrar conforme com a lei ou, em alternativa, a convolação da petição respectiva em Requerimento dirigido a todo tempo à AT, cumprindo-se, assim, a tão douta e costumada JUSTIÇA!».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento parcial, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por «acórdão que ordene a devolução do processo ao TAF de Leiria para prosseguimento da tramitação da impugnação judicial», com a seguinte fundamentação:

«1. A propriedade/impropriedade do meio processual afere-se pela sua adequação à tutela judicial do pedido formulado, segundo a legislação aplicável.
Na apreciação dos articulados apresentados pelas partes o tribunal deve adoptar uma interpretação que privilegie a apreciação do mérito da pretensão, em detrimento da sua recusa por razões puramente formais.
O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação do imposto ou opor-se à execução contra ele revertida, desde que invoque os fundamentos adequados à procedência de cada um dos pedidos formulados (art. 22.º n.º 4 LGT).

2. Segundo entendimento de doutrina qualificada e jurisprudência consolidada o meio processual adequado para a discussão da legalidade do acto de reversão é a oposição à execução fiscal, de preferência à reclamação contra actos do órgão da execução fiscal, nunca a impugnação judicial (arts. 151.º n.º 1 e 204.º n.º 1 al. b) / Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5.ª edição Volume II p. 355; acórdãos STA SCT 29.06.2005 processo n.º 501/05; 8.03.2006 processo n.º 1249/05; 21.03.2007 processo n.º 130/07; 4.06.2008 processo n.º 76/08; 25.06.2008 processo n.º 123/08; 19.11.2008 processo n.º 711/08; 27.05.2009 processo n.º 448/09).
A pluralidade de meios de reacção graciosa e contenciosa ao dispor do responsável subsidiário, na sequência da sua citação no processo de execução fiscal, não o dispensa de invocar em cada um deles os fundamentos legalmente admissíveis, como inequivocamente inculca, no tocante à reclamação graciosa e à impugnação judicial, o inciso nos mesmos termos do devedor principal, inscrito na norma constante do art. 22.º n.º 4 LGT.

3. No caso concreto o recorrente formulou explicitamente o pedido de anulação do despacho de reversão, invocando fundamentos característicos da oposição à execução fiscal:
a) falta dos pressupostos da responsabilidade subsidiária por:
- inexistência de gerência de facto da sociedade, originária devedora, no período temporal legalmente relevante (art. 204.º n.º al. b) CPPT);
- falta de excussão prévia do património da devedora originária;
b) prescrição da dívida exequenda (art. 204.º n.º 1 al. d) CPPT)
Porém, a petição de impugnação judicial invoca igualmente fundamento característico da forma processual utilizada:
- caducidade do direito à liquidação, com efeito imediato sobre a legalidade da liquidação da dívida exequenda (petição, arts 51.º/53.º ; art. 45.º n.º 1 LGT)

4. À luz de uma interpretação da petição inicial iluminada pelo critério hermenêutico supra indicado (n.º 1) o pedido de anulação do despacho de reversão é formulado como mera consequência do pedido implícito de procedência da impugnação judicial, traduzida na anulação do acto de liquidação.
Neste contexto o processo [deverá] ser devolvido ao tribunal de 1.ª instância, para prosseguimento da tramitação da impugnação judicial, mediante apreciação do fundamento enunciado, adequado àquela forma processual.
Jurisprudência acórdãos STA-SCT 7.01.2016 processo n.º 1265/13; 12.10.2016 processo n.º 425/16
Doutrina: Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume II anotações 10 d) e e) ao art. 98.º pp. 91/93».

1.6 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença não procedeu ao julgamento da matéria de facto de modo destacado. No entanto, nela foi dada como assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão a proferir e que agora ordenamos e sujeitamos a alíneas:

a) Corre termos pelo Serviço de Finanças da Chamusca uma execução fiscal, à qual foi atribuído o n.º 1996200901002139, instaurada contra a sociedade denominada “B…………….., Lda.” e que, depois de lhe terem sido apensadas outras, prossegue para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 2006 e 2008 e de IRC dos anos de 2006 e 2007, no total de € 49.053,47;

b) Para citação de A…………………… como responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, aquele serviço de finanças remeteu-lhe carta registada com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 16 de Janeiro de 2012.

c) A petição inicial que deu origem ao presente processo foi apresentada no Serviço de Finanças da Chamusca via “fax” enviado em 18 de Abril de 2012.

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 O ora Recorrente fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria um articulado em que, dizendo que vinha deduzir impugnação judicial ao abrigo do disposto nos arts. 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), formulou o seguinte pedido: «[…] requer-se que seja julgada, por provada, procedente a presente Impugnação Judicial, e, em consequência, seja anulado o despacho de reversão notificado à Impugnante na qualidade de legal representante da firma “B…………., LDA., atento o disposto nos arts. 16.º do CPCI e 13.º do CPT aplicáveis “in casu”, ou, nos termos da actual redacção do art. 24.º da LGT».
Como fundamentos desse pedido, o Impugnante invocou i) a ilegitimidade no processo de execução fiscal, quer por não ter exercido a gerência de facto na sociedade originária devedora, quer por falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, que entendeu competia à AT demonstrar, ii) a existência de bens da sociedade originária devedora (falta de excussão prévia do património desta), iii) a caducidade da dívida exequenda, «[u]ma vez que a mesma nunca anteriormente foi liquidada e notificada à ora Impugnante», «tendo decorrido mais de cinco e quatro anos» e iv) a prescrição das dívidas, porque «se encontram decorridos todos os prazos legais da prescrição das mesmas».
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, conhecendo do erro na forma do processo, que a Representante da Fazenda Pública invocou na contestação, e em síntese, começou por referir que o erro na forma do processo se afere pelo pedido formulado, sendo que no caso este foi de anulação do despacho de reversão, pedido típico do processo de execução fiscal; depois, referiu que os fundamentos invocados pelo Impugnante para suportar o pedido – «consubstanciados na ilegitimidade por falta dos pressupostos da reversão, na prescrição das dívidas exequendas e na falta de notificação dentro do prazo de caducidade» –, são fundamentos de oposição, «encontrando-se expressamente previstos no art. 204.º, n.º 1, als. b), d) e e), do CPPT» e, por isso, «ainda que se recorresse à teoria do pedido implícito, sempre seria de considerar a oposição como o meio próprio de defesa e não a impugnação judicial»; finalmente, passou a ponderar a possibilidade de os autos prosseguirem como oposição à execução fiscal, tendo concluído pela negativa, por a tal obstar o facto de a petição inicial ter sido apresentada quando estava já esgotado o prazo para deduzir oposição.
Assim, julgando verificado o erro na forma do processo e a inviabilidade da convolação, decidiu pela absolvição da Fazenda Pública da instância.
Inconformado com esta decisão, o Impugnante dela recorreu. Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, o Recorrente não questiona que a forma processual que escolheu – a impugnação judicial – não é adequada ao pedido que formulou; no entanto, sustenta que, contrariamente ao que considerou a sentença recorrida, inexiste obstáculo à convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal. Na perspectiva do Recorrente, uma vez que a impugnação judicial foi apresentada em tempo «não pode ser o facto de uma possível Oposição à Execução Fiscal ter um prazo de 30 dias para ser apresentada que irá obstar a tal convolação».
Ou seja, o Recorrente, embora se tenha conformado com a sentença no segmento em que julgou verificado o erro na forma do processo, entende que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria fez errado julgamento quando, indagando da possibilidade de fazer o processo seguir sob a forma processual adequada – a oposição à execução fiscal –, como lho impunham o art. 97.º, n.º 3, da LGT e o art. 98.º, n.º 4, do CPPT, concluiu pela negativa. Isto porque, a seu ver, o juízo sobre a intempestividade só pode fazer-se em face do meio processual escolhido (a impugnação judicial) e já não relativamente ao meio processual adequado (a oposição à execução fiscal).
É essa, pois, a questão que cumpre apreciar e decidir: se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria fez correcto julgamento quando decidiu pela inviabilidade da correcção da forma do processe, de impugnação judicial para oposição à execução fiscal.
Subsidiariamente, o Recorrente sustenta a convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao processo de execução fiscal (cfr. conclusões XI e XI). Afirma que, a não ser feita convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal, «sempre teria de ocorrer a convolação do processo de impugnação judicial em requerimento de arguição de dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças» (art. 11.º das alegações); o que nunca diz, nem aí nem em qualquer outro segmento das alegações e respectivas conclusões, é em requerimento de quê, ou seja, o que pretende requerer ao órgão da execução fiscal.
Apesar disso, se se justificar (i.e., se viermos a concluir pelo não provimento do recurso pelo primeiro fundamento) não deixaremos de considerar este fundamento do recurso, considerando – naquela que se nos afigura ser a única interpretação susceptível de conferir algum efeito útil à alegação –, que o Recorrente pretenderá a convolação em requerimento dirigido à execução fiscal para que aí seja conhecida a invocada prescrição das obrigações tributárias que estão na origem das dívidas exequendas. Na verdade, dos fundamentos invocados na petição inicial, a prescrição é o único susceptível de ser apreciado pelo órgão da execução fiscal (cfr. art. 175.º do CPPT).
São estas, pois, as questões a apreciar e decidir.

2.2.1.2 É certo que o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal entendeu também que, fazendo apelo à tese do pedido implícito, que tem vindo a ser sustentada pela jurisprudência, deveria fazer-se prosseguir o processo como impugnação judicial para conhecer da invocada caducidade do direito à liquidação, que constitui fundamento de impugnação. Na tese por ele sustentada, sendo que «[n]a apreciação dos articulados apresentados pelas partes o tribunal deve adoptar uma interpretação que privilegie a apreciação do mérito da pretensão, em detrimento da sua recusa por razões meramente formais», «o pedido de anulação do despacho de reversão é formulado como mera consequência do pedido implícito de procedência da impugnação judicial, traduzida na anulação do acto de liquidação» e, assim, porque um dos fundamentos invocados na petição inicial é a caducidade do direito à liquidação – fundamento válido de impugnação –, deve fazer-se prosseguir o processo como impugnação judicial para apreciação desse fundamento.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esse entendimento.
Isto porque o Recorrente não questionou o julgamento de que se verifica o erro na forma do processo; ao invés, conformou-se com essa decisão. Nesse segmento, a sentença transitou em julgado, não podendo, pois, este Supremo Tribunal, que tem os seus poderes de cognição delimitados pelo objecto do recurso, tal como definidos pelas alegações e respectivas conclusões [cfr. art. 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], reapreciar agora uma questão – a da verificação do erro na forma do processo – cuja decisão o Recorrente não pôs em causa e, por isso, transitou em julgado. Dito de outro modo, este Supremo Tribunal, enquanto tribunal ad quem, não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez; apenas lhe compete controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal a quo quanto às questões que lhe forem suscitadas ou que sejam do conhecimento oficioso, mantendo-se o julgado na parte não recorrida (cfr. art. 635.º, n.º 5, do CPC).
Significa isto que não pode este Supremo Tribunal revogar a decisão na parte em que nesta se considerou verificado o erro na forma do processo, mas apenas na parte em que se considerou não ser viável a convolação para a forma processual adequada.
Sem prejuízo do que vimos de dizer (ou seja, como mero reforço argumentativo), sempre haverá de se ter presente que os fundamentos invocados em suporte do pedido de anulação do despacho de reversão são, todos eles, fundamentos admissíveis de oposição à execução fiscal, como judiciosamente observou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, motivo por que, salvo o devido respeito, não se justificaria no caso o apelo à figura do pedido implícito, que este Supremo Tribunal tem admitido quando se possa intuir, designadamente em face dos fundamentos invocados, que a verdadeira pretensão do autor é diversa daquela que resulta da literalidade do pedido que formulou.
Por outro lado, sempre meramente para efeitos de argumentação, não podemos deixar de realçar a manifesta improcedência da invocada caducidade, uma vez que a invocada “caducidade da dívida” tem como único suporte o facto de «a mesma nunca anteriormente foi liquidada e notificada à ora Impugnante» e de que «tendo decorrido mais de cinco e quatro anos respectivamente as mesmas encontram-se caducas» (cfr. arts. 52.º e 53.º da petição inicial).
Ora, manifestamente, a liquidação e a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas que relevam para aferir da caducidade foram as efectuadas à sociedade originária devedora, não podendo conferir-se para esse efeito relevância alguma à factualidade alegada, de que a dívida exequenda nunca foi liquidada e notificada ao ora Recorrente.

2.2.2 DA INVIABILIDADE DA CONVOLAÇÃO

2.2.2.1 CONVOLAÇÃO EM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL

A sentença considerou inviável a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal com o fundamento de que, na data em que foi apresentada a petição inicial, estava já esgotado o prazo para deduzir oposição.
O Recorrente insurge-se, sustentado que a tempestividade, para efeitos de aferir da viabilidade da convolação, deve aferir-se em face do meio processual escolhido e não em face do meio processual que seria o adequado.
Salvo o devido respeito, é manifesto que não tem razão. Na ponderação da possibilidade da convolação para a forma processual adequada ao pedido formulado – exigida pelo art. 97.º, n.º 3, da LGT e pelo art. 98.º, n.º 4, do CPPT – haverá que indagar se, na data em que a petição inicial foi apresentada, não estava já esgotado o prazo para o exercício do direito de acção sob a forma processual própria; se estava, a convolação será proibida, por inútil (cfr. art. 130.º do CPC), tudo como bem deu conta a Juíza do Tribunal a quo.
Como é óbvio, sob pena de estar encontrado o modo de subverter os prazos e a teleologia que preside à sua fixação, na ponderação da possibilidade de convolação o prazo a atender não pode ser outro senão o que estiver fixado para o exercício do meio processual adequado; será, pois, necessário averiguar se a petição inicial pode considerar-se tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual (Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 d) ao art. 98.º, págs. 91/92.).
Assim, porque é inequívoco que na data em que a petição inicial deu entrada em juízo estava já caducado o direito de deduzir oposição à execução fiscal pelo esgotamento do prazo para o efeito, como bem assinalou a sentença, esta não merece censura alguma no segmento em que julgou inviável a convolação, que é o único sob recurso.
Não pode, pois, conceder-se provimento ao recurso.

2.2.2.2 CONVOLAÇÃO EM REQUERIMENTO DIRIGIDO AO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL

Resta-nos apreciar o fundamento de recurso invocado a título subsidiário, qual seja a viabilidade da convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal. Como dissemos já, apesar de o Recorrente não ter dito qual seria o conteúdo desse requerimento, o mesmo só poderá ser entendido como tendo por finalidade que aí seja apreciada a questão da prescrição das obrigações tributárias que deram origem às dívidas exequendas (cfr. supra 2.2.1)
Salvo o devido respeito, também essa convolação será inviável.
É que o Impugnante não deduziu oposição à execução fiscal, mas impugnação judicial e nela, não invocou apenas a prescrição, mas também outros fundamentos, quer de oposição à execução fiscal quer, um deles, também de impugnação judicial. O facto de se terem invocado outros fundamentos, sempre obviaria à convolação, pois não pode o tribunal eleger de entre eles aquele por que o processo deve prosseguir. Tenha-se presente que a jurisprudência invocada pelo Recorrente se refere exclusivamente a situações em que a prescrição era o único fundamento invocado em sede de oposição apresentada para além do termo do prazo para o efeito.
Note-se, finalmente, que nenhum ganho resultaria dessa convolação, pois o Recorrente sempre teria que arcar com as custas deste processo. Como também da recusa da convolação não resulta prejuízo algum para o ora Recorrente, que, enquanto executado por reversão, se pode dirigir a todo o tempo ao órgão da execução fiscal pedindo que seja reconhecida a prescrição, com possibilidade de reclamar judicialmente de eventual decisão desfavorável (cfr. arts. 175.º e 286.º do CPPT).
O recurso também não pode ser provido com este fundamento.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O tribunal ad quem não pode decidir a questão do erro na forma do processo em sentido diverso da sentença se, por ausência de recurso quanto a esse segmento, essa decisão transitou em julgado.
II - Perante o erro na forma do processo – que se afere pela adequação do meio processual utilizado à pretensão formulada em juízo – há verificar a viabilidade da convolação para a forma processual que seria adequada (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT).
III - Essa convolação é proibida, porque inútil (cf. art. 130.º do CPC), se for manifesta a intempestividade da petição inicial relativamente à forma processual adequada.
IV - Não é de ponderar a convolação se os diversos fundamentos invocados correspondem a diversas formas processuais, pois não compete ao tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 20 de Junho de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.