Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01470/13
Data do Acordão:02/26/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACÓRDÃO FUNDAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral, previsto no art. 25º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a que é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152º do CPTA, depende da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial.
II - São requisitos formais essenciais: (i) a interposição do recurso no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral; (ii) a invocação e identificação de acórdão proferido pelo TCA ou pelo STA que se encontre em oposição com a decisão arbitral recorrida (acórdão fundamento); o trânsito em julgado de acórdão fundamento.
III - O conceito de trânsito em julgado é o que consta do art. 677º do CPC (art. 628º do novo CPC).
IV - A falta de trânsito em julgado do acórdão fundamento torna inadmissível o recurso.
Nº Convencional:JSTA000P17152
Nº do Documento:SAP2014022601470
Data de Entrada:10/02/2013
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA dirigiu ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 26 de Setembro de 2013, e ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 25º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), recurso da decisão arbitral proferida no processo nº 12/2013-T CAAD instaurado na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado pela sociedade A………, S.A., invocando para o efeito a oposição dessa decisão arbitral com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Abril de 2012, no processo nº 05251/11, afirmando que este acórdão já havia «transitado em julgado» - cfr. fls. 3 e 4.
A Recorrente apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
A- Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no processo nº 12/2013-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte que aqui nos interessa, de reconhecimento como custo as despesas incorridas com a realização de prestações suplementares e prestações acessórias, sob a forma de prestações suplementares.
B- Com efeito, a decisão arbitral recorrida colide frontalmente com o Acórdão, já transitado em julgado, do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 24/04/2011, no âmbito do processo nº 05251/11 (Acórdão fundamento), encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico, por errada interpretação do artigo 23º do CIRC.
C- Na decisão recorrida, o Tribunal Arbitral sufragou a interpretação de que aquelas despesas, porque relacionadas com a actividade da empresa, deverão ser aceites como custo, ao abrigo do disposto no art.23º do CIRC.
D- Sobre esta questão pronuncia-se o Acórdão fundamento em sentido totalmente oposto, ao concluir, no caso, que não poderão ser considerados custos ou perdas do exercício os encargos suportados com a realização de prestações suplementares uma vez que não são indispensáveis à formação do seu lucro tributável.
E- Demonstrada está uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão fundamento, quanto à interpretação e aplicação do artigo 23º do CIRC, isto é, uma manifesta contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e, consequentemente, anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida (nº 6 do artigo 152º do CPTA).
F- A infracção a que se refere o nº 2 do artigo 152º do CPTA consiste num erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral adoptou uma interpretação da referida norma do CIRC em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente.
G- Tal interpretação encontra sustentação jurídica, no entender do Sr. Árbitro, no facto de “(...) A sociedade (a Requerente), na sua liberdade de gestão, pode dotar as dominadas com os fundos que carecem, das formas mais díspares. E os interesses (comercial e fiscal) têm de aceitar qualquer dessas opções”. Pelo que “(...) o art. 23º do CIRC não se pode imiscuir nas livres e lícitas opções económicas do sujeito (…) nem no grau de risco económico (maior ou menor) que o mesmo quer emprestar às suas decisões (...)”.
H- Decidindo assim que os custos incorridos pela empresa com aqueles encargos financeiros são fiscalmente dedutíveis, por terem enquadramento legal no artigo 23º do CIRC.
I- Todavia, ficou devidamente demonstrado que a linha de raciocínio adoptada pelo Sr. Árbitro do Tribunal Arbitral é ilegal por violação expressa do disposto no referido artigo 23º do CIRC.
J- Com efeito, conforme resulta directamente da norma, quaisquer despesas incorridas pelos sujeitos passivos, para serem fiscalmente aceites, necessitam de preencher três requisitos: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e, ainda, o da ligação a proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
K- Nesse sentido aponta o Acórdão fundamento, bem como diversa jurisprudência supra citada, ao considerar que «Ora, não obstante a ora recorrida também englobar no seu objecto social a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou sejam, os encargos financeiros relativos aos empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas associadas, directamente para o prosseguimento normal das actividades destas, e que é onde, desde logo, directamente, os normais efeitos irão ter lugar (susceptibilidade de gerarem lucros), numa relação causal ou de dependência, pelo que tais encargos eram a estas sociedades que directamente deveriam ser imputados que não à sociedade dominante, sob pena de passarem a ser imputadas a esta os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outra, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, para o exercício das suas actividades (...)».
L- Assim sendo, o entendimento de que aqueles encargos, aquele custo, é aceite conforme disposição do artigo 23º do CIRC, só a erro de julgamento pode ser imputado.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

1.2. Notificado que foi o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto junto do STA nos termos e para os efeitos do art. 146º nº 1 do CPTA, apresentou a sua pronúncia nos termos que constam de fls. 44 a 46, onde defendeu que não se encontravam preenchidos os requisitos necessários para a admissibilidade deste recurso e, para o caso de assim não ser entendido, sustentou que devia ser concedido provimento ao recurso, revogada a decisão arbitral e substituída por acórdão que decida em conformidade com o acórdão do TCAS.

1.3. Notificada a Recorrida, apresentou contra-alegações onde sustentou, em suma, a ausência de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso e, para o caso de assim não ser entendido, a correcção e a bondade da decisão arbitral recorrida.

1.4. Notificada que foi a Recorrente do despacho da Relatora de fls. 150 dos autos, para apresentar certidão com nota de trânsito em julgado do acórdão do TCAS que indicara como acórdão fundamento, veio explicar que afinal esse acórdão ainda não transitou em julgado, porquanto dele foi interposto recurso de revista que se encontra pendente no STA.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência no Pleno da Secção.

2. Colocada que foi, pela Recorrida e pelo Ministério Público, a questão da falta de verificação dos requisitos de admissibilidade do presente recurso, cumpre conhecer prioritariamente dessa questão.
Como se viu, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo nº 12/2013-T CAAD (“acórdão recorrido”), por alegada contradição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo nº 05251/11 (“acórdão fundamento”), nos termos e para os efeitos do art. 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do art. 25º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
Segundo o disposto nesse art. 25º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (nº 2), sendo aplicável a esse recurso, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152º do CPTA, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (nº 3).
O que significa, desde logo, que o recurso perante o STA tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral; e porque essa mesma decisão arbitral pode também ser objecto de impugnação perante o TCA no prazo de 15 dias contados da sua notificação (arts. 27º e 28º do RJAT), torna-se inquestionável que aquele recurso pode ter que ser interposto antes de a decisão arbitral se ter tornado definitiva através da resolução da respectiva impugnação (nesse caso, e tendo em conta que a eventual procedência da impugnação determinará a eliminação da ordem jurídica do objecto do recurso, propendemos a considerar que a interposição dessa impugnação deve determinar, ao abrigo do disposto nos arts. 276º, nº 1, al. c), e 279º, nº 1, do Código de Processo Civil, a suspensão da instância de recurso até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir na impugnação).
Tudo isto para dizermos que não constitui pressuposto formal ou requisito de admissibilidade deste recurso o carácter definitivo da decisão recorrida (definitividade a que corresponde, nas decisões judiciais, o trânsito em julgado).
O mesmo não se diga relativamente ao acórdão fundamento.
É que tendo em conta que ao recurso da decisão arbitral se aplica o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 152º do CPTA, há que atender à teleologia deste preceito, que inequivocamente aponta para que só se justifique o recurso para uniformização de jurisprudência quando o acórdão cuja oposição é invocada como fundamento do recurso já não seja já susceptível de recurso ordinário - pois só nesse caso estamos perante acórdão que, por ter transitado em julgado, tem eficácia em sentido contrário ao da decisão recorrida, só então podendo considerar-se estabilizada a oposição justificativa do recurso extraordinário que essa disposição prevê.
Este entendimento tem consagração legal no art. 152º do CPTA e no art. 763º nº 2 do CPC, para os recursos para uniformização de jurisprudência, e foi já acolhido no acórdão do Pleno desta Secção de 3/07/2013, no recurso nº 01136/12, também interposto ao abrigo do art. 25º do RJAT, onde se deixou dito que «Manifesto é, porém, que o recurso - este ou qualquer outro destinado a prevenir ou solucionar conflitos de jurisprudência – não pode ser admitido (ou, tendo-o sido indevidamente, deve ser julgado findo) se o acórdão invocado como fundamento não transitou, também ele, em julgado, pois que tal seria contrário à razão de ser de tais recursos. É que não pode pretender-se uniformizar jurisprudência tendo como parâmetro uma decisão ainda não definitiva e que pode nunca vir a sê-lo.».
É, pois, pressuposto formal essencial do recurso previsto no art. 25º do RJAT, tal como acontece com o recurso para fixação de jurisprudência, o trânsito em julgado do acórdão fundamento.
E, quanto a este conceito de trânsito em julgado, há que ir buscá-lo ao art. 677º do Código de Processo Civil (a que corresponde o análogo art. 628º do novo CPC), de acordo com o qual se considera transitada em julgado a decisão logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º.
No caso vertente, a Recorrente não juntou, aquando da interposição do recurso, prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento, e quando notificada pela Relatora para o fazer veio explicar que afinal esse acórdão ainda não transitara em julgado, porquanto dele foi interposto recurso de revista que se encontra ainda pendente no STA.
Não tendo transitado em julgado o acórdão fundamento, falece um dos pressupostos formais essenciais do presente recurso, o que o torna inadmissível e nos exime de verificar se os pressupostos substanciais se encontram ou não preenchidos.

3. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o presente recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – João António Valente Torrão - Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado.