Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0791/13
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23271
Nº do Documento:SA2201805090791
Data de Entrada:05/06/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A folhas 277 dos autos vem a Fazenda Pública requerer a reforma do acórdão de folhas 239 e segs., quanto a custas, alegando, em síntese, que tendo sido julgada improcedente a presente impugnação em 1.ª instância, foi a mesma julgada procedente por força do provimento do recurso na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo a requerente/impugnada sido condenada no pagamento das custas.
Sendo o valor da acção de € 6 812 984,89 impor-se-ia o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Considera, contudo, a requerente que tendo usado no decorrer do processo um comportamento processual irrepreensível, não tendo promovido expedientes de natureza dilatória, atento o princípio da proporcionalidade, ser o caso dos autos um caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicável.

Notificada do pedido a A………… nada disse.

O Mº Pº não se opõe ao requerido.

Cumpre decidir.
Se bem atentarmos no pedido da Fazenda Pública vemos que no ponto 6 do seu requerimento o que a requerente pretende é, concretamente, “que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, por forma a dispensá-la do pagamento do remanescente das taxas de justiça, sem atender ao limite máximo de € 275 000,00 por doutra forma violar-se o direito de acesso aos tribunais e bem assim o princípio constitucional da proporcionalidade, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas.
De facto a questão da inconstitucionalidade da norma surge como corolário duma eventual desproporcionalidade do montante da taxa de justiça aplicável, caso não fosse dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça conforme solicitado.
Importa por isso conhecer primeiramente de tal pedido.
Como é sabido todos os processos salvo os que beneficiam de isenção estão sujeitos ao pagamento de custas que são a fonte do financiamento do sistema judicial. Por isso o legislador optou pelo estabelecimento de uma taxa fixada previamente tendo em consideração não só o valor da causa mas também a sua complexidade.
Partindo embora do valor da acção que fixa em princípio o valor económico da pretensão e o proveito, o legislador mitigou, nas acções de montante superior a € 275 000.00, o montante da taxa de justiça, permitindo a isenção do remanescente ou a sua redução desde que preenchidos os requisitos para tal.
A taxa de justiça refere o número 2 do artigo 529 do CPC corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa.
E o artigo 530 do CPC estabelece no nº 1 que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
No mesmo sentido também o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais que assim prescreve:
«1 — Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2 — Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria
Por sua vez o nº 7 do mesmo preceito e diploma legal considera para efeitos da condenação no pagamento da taxa de justiça, de especial complexidade as causas que contenham articulados ou alegações prolixas e as que digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e bem assim as causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Pelo que sendo assim é de considerar se neste caso se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que reafirma que a taxa de justiça deve ser fixada nos termos anteriormente referidos estipula que “nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Decorre deste preceito que o legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a € 275 000,00 mas o montante da taxa correspondente ao valor superior aos € 275 000,00 ficou dependente da verificação de determinados pressupostos legais.
Podendo as partes pedir a sua isenção e o juiz podendo fazê-lo até oficiosamente.
O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e dele decorre que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.
A Constituição não consagra contudo a gratuitidade do serviço de justiça mas o princípio constitucional que vimos referindo implica que o Estado não pode estabelecer um regime de custas de tal modo gravoso que se torne obstáculo ao proclamado acesso impondo-lhe ainda o dever de criar os meios instrumentais que assegurem a todos a efectivação desse direito.
Nestes sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182. e entre outros o acórdão: do Tribunal Constitucional n.º 467/91 in DR II Série de 2 de Abril de 1992.
A imposição assim da taxa de justiça surgindo como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao princípio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal cfr artigos 103 e 266/2 da CRP.
Tendo o legislador fixado o custo do serviço judiciário com base no valor da acção, reconhecendo que em muitos casos tal critério conduzia a que o usuário desses serviços se visse obrigado a suportar uma taxa de justiça de montante manifestamente desproporcionado em relação ao custo do serviço prestado, e à concreta actividade judicial desenvolvida procurou obstar a tal como a CRP lho impunha.
E desde logo com o DL 324/2003, de 27.12 (nos seus artºs 27º, nº 3 e 73º-B), dando ao juiz o poder de isentar o pagamento de taxa de justiça, quer de determinadas questões incidentais atípicas, quer nas acções de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas fossem de menor monta.
Estipulava o artº 27º, do CCJ:
“1 - Nas causas de valor superior a € 250.000 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o remanescente é considerado na conta a final.
3 - Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.”
Depois com o Dec-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que aprovou o Regulamento das Custas Processuais o legislador mitiga o valor das custas processuais decorrente do valor da causa.
Como decorre da motivação desse diploma legal ínsita no seu preâmbulo:
“De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”
E ainda, “(…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”
Por sua vez o artigo 2º da Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro manteve o mesmo propósito no nº 7 que foi inserido ao artº 6 do RCP.
De acordo com este artigo nas causas de valor superior a 275 000,00 euros o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275 000,00 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação da deste artigo aquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.
A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.
Veja-se também neste sentido o acórdão do STA de 23 07 2014 in Processo 885/14 e Salvador Costa in RCP 4 edição pp 84 onde se diz que “o referido circunstancialismo … é cumulativo.”
Face aos considerandos supra enunciados, importa avaliar a situação concreta que é veiculada neste recurso.
O valor da causa deste processo foi fixado em € 6 812 984,89.
Todavia, sendo este o valor da matéria tributável em sede de IRC, o proveito obtido ou a obter é, como se sabe, face à taxa de IRC aplicável, de € 2.043.854,67 acrescido dos juros compensatórios/indemnizatórios, devendo ser esse o valor a ter em conta para efeitos de custas.
Já relativamente à complexidade da causa sendo certo que a sua apreciação não reveste complexidade especial também é verdade que tratando-se de provisões para créditos securitizados e sua relevância fiscal, a sua apreciação e decisão, envolvendo necessariamente o conhecimento deste tipo de operações financeiras e respectivo regime, não pode considerar-se de conhecimento comum e de fácil resolução.
Por outro lado, o comportamento processual das partes é de considerar irrepreensível, na medida em que se limitaram, no decorrer do processo, a esgrimir e fornecer as razões e elementos que consideraram necessários à defesa das suas posições jurídicas, não se servindo de expedientes dilatórios.
E este comportamento processual no caso dos autos não pode deixar de ser relevado para efeitos da condenação do remanescente da taxa de justiça reduzindo em 25% o montante do remanescente da taxa de justiça a pagar.

Decisão
Face a todo o exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em deferir parcialmente o pedido de reforma quanto ao montante do remanescente da taxa de justiça que se reduz na proporção de 25%.
Sem custas, nesta parte.
Lisboa, 9 de Maio de 2018. - Fonseca Carvalho (relator) - António Pimpão - Pedro Delgado.