Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0468/18
Data do Acordão:05/24/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
NORMA REGULAMENTAR
ENFERMEIRO
Sumário:Não é de admitir a revista em que a Ordem dos Enfermeiros questiona o indeferimento do seu pedido de que se suspendesse a eficácia de uma norma regulamentar – enquanto esta consentia a candidatura de enfermeiros a um programa de estágios – se a possibilidade desses profissionais livremente aderirem ao programa logo indiciava a inexistência de um «periculum in mora».
Nº Convencional:JSTA000P23342
Nº do Documento:SA1201805240468
Data de Entrada:05/07/2018
Recorrente:ORDEM DOS ENFERMEIROS
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA E VICE-PRESIDÊNCIA DO GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A Ordem dos Enfermeiros interpôs esta revista do acórdão do TCA-Sul confirmativo da sentença do TAF de Ponta Delgada que indeferiu o pedido de que se suspendesse a eficácia de uma norma inserta num regulamento emanado do Governo Regional dos Açores e relativo ao «Programa Estagiar».

A Ordem recorrente pugna pelo recebimento da revista porque o acórdão «sub specie» está errado e incidiu sobre «quaestiones juris» social e juridicamente relevantes

O Governo Regional dos Açores contra-alegou, considerando a revista inadmissível.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.° 1, do CPTA).
«ln casu», a Ordem dos Enfermeiros requereu «in judicio» a suspensão da eficácia «da norma contida nos ns.º 1 e 4 do art. 3° do Regulamento do Programa Estagiar», emanado do Governo Regional dos Açores, dizendo que tal preceito é ilegal ao abranger os enfermeiros, que a execução do programa trará, como «fait accompli», uma contratação desses profissionais e que o resultado disso é mais danoso do que as consequências derivadas do deferimento da providência.
O TAF negou a presença de um «periculum in mora» porque a requerente se limitou a tecer considerações genéricas sobre a dignidade da profissão de enfermeiro e porque a adesão ao programa é, afinal, voluntária. E o TCA confirmou essa pronúncia, não só devido ao modo genérico e conclusivo como a requerente alegou «in initio», mas também porque, ponderados os interesses em conflito, deve dar-se primazia à subsistência da norma suspendenda.
Nesta revista, a recorrente insurge-se contra o assim decidido, acrescentando ainda que o TAF e o TCA erraram ao condená-Ia em custas.
Mas uma «summaria cognitio» aponta logo para a bondade da posição das instâncias. O meio cautelar dos autos funda-se na ideia de que a actividade de enfermagem tem uma valia e uma importância – aliás, fundadas em normas legais, indicadas pela recorrente – que tornam insuportável a inclusão dela no dito «Programa Estagiar»; de modo que a superior dignidade da profissão seria ferida se, aproveitando a vigência da norma, algum enfermeiro aderisse ao programa.
Todavia, e como o TAF certeiramente notou, as candidaturas ao referido programa são voluntárias. Pelo que, e no fundo, a Ordem utiliza o meio cautelar dos autos para antecipada e universalmente tolher a liberdade de adesão dos seus membros ao mesmo programa. Aliás, os «interesses difusos» que a Ordem confusamente refere encontram-se precisamente aí: em vez de directamente se relacionar com os profissionais, impondo-lhes a abstenção de uma conduta supostamente atentatória da dignidade da profissão, a Ordem busca o mesmo efeito inviamente – mediante uma tutela cautelar. Mas, ao trilhar esse «iter», a Ordem dos Enfermeiros propiciou logo que os tribunais lhe dissessem o óbvio: que as candidaturas ao programa são inteiramente livres e constituem um assunto do foro de cada candidato, pelo que a possibilidade de adesão de alguns enfermeiros não envolve, «primo conspectu», um qualquer «periculum in mora». E isto, só por si, torna credível o decretado indeferimento da providência e desaconselha que agora recebamos o recurso.
Ademais, o assunto não tem o relevo jurídico ou social que a recorrente refere. Quanto ao primeiro, porque o TAF e o TCA julgaram dentro do quadro normal neste tipo de assuntos; quanto ao segundo, porque o dissídio parece partir de uma crença íntima da Ordem, mas sem repercussão pública – a de que a excelência da profissão de enfermeiro é melindrável por uma qualquer abordagem, designadamente remuneratória, que a não confirme ou reforce.
E a admissão do recurso também é desaconselhável face à unanimidade decisória das instâncias e à natureza do processo – pois, como esta formação costuma dizer, justifica-se uma especial exigência na análise dos requisitos da admissão de revistas surgidas em sede cautelar.
Relativamente à sua condenação em custas, a recorrente sugere que as instâncias não lhe explicaram por que motivo não foi delas isenta. Contudo, a denúncia carece de base, pois essa explicação consta da sentença da 1.ª instância. Aí, o TAF benevolamente admitiu que o processo cautelar dos autos correspondia a uma acção popular (Lei n.º 83/95, de 31/18); não obstante, e face à «manifesta improcedência do pedido», a requerente era devedora de custas – «ex vi» do art. 4°, ns.º 1, al. b), e 5, do RCP, conjugado com as regras gerais do decaimento. E somente abordamos aqui esta secundaríssima «quaestio juris» porque tal matéria já antecipa a condenação em custas que «infra» proferiremos.
Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 24 de Maio de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.