Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0264/18
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ERRO SOBRE O OBJECTO
Sumário:É de admitir a revista, nos termos do artigo 150º do CPPT, dada a necessidade de determinar se a expressão “por falta de conformidade com o que foi anunciado” respeita apenas ao “erro sobre o objeto transmitido” ou a este erro e também ao erro “sobre as qualidades” do mesmo e, ainda, se para a respetiva invocabilidade se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante e a cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário.
Nº Convencional:JSTA000P23229
Nº do Documento:SA2201805030264
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o atual n.º 6 do artigo 150.º do CPTA:
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1.1. A……………………., Lda., reclamou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, do despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Barreiro, proferido em 19/05/2017, exarado no processo de execução fiscal n.º 2160200901042432, que indeferiu a anulação da venda requerida pelo reclamante, tendo peticionado a sua anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 11/10/2017 (fls.65/71), julgou a reclamação improcedente por não provada.
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1.3. O reclamante recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 25/01/2018 (fls. 136/142), negou provimento ao recurso jurisdicional e confirmou a decisão recorrida.
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1.4. É desse acórdão que a recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido no seguinte quadro conclusivo:
«A) Na presente acção, como em acções que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento está-se perante a questão de saber se a expressão erro sobre o objecto transmitido no art. 257º, nº 1, alínea a) do CPPT se reporta ou não ao erro sobre o objecto do negócio (e não apenas ao erro sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado).
B) E, caso assim se entenda, dado que o regime de anulação da venda em processo tributário deve ser apurado pela conjugação do 257º do CPPT com os 838º e 839º do CPC, se deve ou não ser aplicável o regime do erro-vício previsto pelo Cód. Civil.
C) Sendo que, sempre se critica a aplicação restritiva que foi feita pelo douto Acórdão ora recorrido que parece aplicar o regime do erro sobre as qualidades do objecto a uma situação de erro na formação da vontade, por entender que apenas aquela primeira situação tem previsão na alínea a), do nº 1, do art. 257º.
D) Pugna-se por ora, pela extensão do regime desde artigo por forma a incluir as várias situações de erro.
E) Em primeiro lugar por se entender que a argumentação citada e explanada na jurisprudência tem sempre por objecto situações de efectiva desconformidade entre as qualidades transmitidas e as efectivamente existentes.
F) Em segundo lugar por se crer que não permitir a extensão do regime do erro, sob mais forma alguma, à anulação da venda em processo tributário, constitui uma violação dos ditames da boa-fé contratual e da tutela da confiança e segurança jurídica que devem pautar as relações negociais, criando no contribuinte, na posição de declarante ao emitir uma proposta negocial, especialmente desta natureza, uma falta de certeza e de segurança jurídicas que não devem existir na relação com a Administração Tributária.
G) Reforçando que a Administração Tributária é a parte mais forte nesta relação e que existe uma clara necessidade de proteger a parte mais fraca numa relação jurídica, neste caso o adquirente.
H) A este propósito se defendendo que o regime do erro-vício, no âmbito da venda executiva deve também ele ser tratado de forma especial, como de resto, a jurisprudência judicial supra citada, tem feito, a respeito da interpretação do art. 838º do CPC, reconhecendo a especificidade de uma venda por licitação electrónica no âmbito de venda executiva e reconhecendo que em casos de erro sobre o objecto da venda executiva se basta com a essencialidade do erro.
I) Essencialidade essa que ficou de resto provada na 1.ª Instância.
J) E que, mesmo quando assim não se entenda estando-se em face de erro essencial que nem sequer constituí requisito do erro-vício, bastando-se a verificação de erro incidental.
K) Pela importância de que esta situação se reveste e pela discrepância de soluções que esta questão pode suscitar entende-se estar perante uma questão jurídica controversa de relevância fundamental e que justifica uma melhor aplicação do direito.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, com as legais consequências, por ser de Justiça.».
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1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«I. Objecto do recurso
1. O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, tendo como objeto o acórdão do TCA Sul de 25 de Janeiro de 2018, exarado a fls. 136/141 dos autos, que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença de 1ª instância, que havia julgado improcedente a ação de anulação de venda.
2. Considera a Recorrente que a questão consiste em «determinar a interpretação que deve ser dado ao tipo de erro a considerar relevante para a anulação da venda, na redação da alínea a), nº 1, do artigo 257º do CPPT. Ou seja, se deve o regime do erro vício ser extensível e enquadrável no âmbito deste artigo».
Entende a Recorrente que face às discrepâncias de interpretações adotadas na 1ª e 2ª instâncias, estamos perante uma questão jurídica controversa, de relevância fundamental e que justifica uma reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, de forma a assegurar a melhor aplicação do direito a todos os casos semelhantes e que possam vir a surgir.
Entende igualmente a Recorrente que «esta questão se afigura de importância fundamental em termos de relevância social, estando-se perante uma violação dos ditames da boa-fé contratual ao ignorar o regime dos vários vícios previstos para a declaração negocial, bem como de uma violação da tutela da confiança da parte mais fraca ao contratar com a Administração Tributária e da segurança jurídica».
Considera por último que se trata de uma questão de fundamental relevância jurídica e social ainda não decidida em momento anterior pelo Supremo Tribunal Administrativo.
3. Na decisão de 1ª instância – TAF de Almada – deu-se como assente que “a reclamante pretendia apresentar a sua proposta noutro bem diferente do adquirido” (Ainda que se perceba da fundamentação da matéria de facto que o único facto provado é que o interessado (reclamante) fez uma declaração nesse sentido, já que não foram indicados quaisquer outros elementos que permitissem ao tribunal dar como provado que o interesse negocial do proponente incidia sobre outro imóvel que não o licitado. Aliás o Reclamante também não alegou qualquer facto na sua petição inicial que tivesse aptidão para evidenciar o erro sobre o objecto.). E com base nesse pretenso facto, considerou o TAF de Almada, após enunciação de doutrina e jurisprudência sobre o erro na declaração previstos nos artigos 247º e 251º do Código Civil, que se mostrava reunido um dos requisitos legais desse erro – erro sobre o objeto do negócio –, mas não um segundo requisito, que contende com o conhecimento por parte do declaratário da essencialidade desse erro. E nessa medida julgou-se improcedente a ação.
Ora, pese embora na sentença de 1ª instância se tenha citado doutrina dando conta de que «as condições gerais de relevância do erro-vício como motivo de anulabilidade encontra-se a sua “essencialidade”, no sentido de que só é relevante o erro essencial (determinante), isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído» (Citação de Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, pág. 508 e segs.), certo é que se considerou reunido o requisito dessa essencialidade, ainda que não se alcance da sentença como é que o tribunal chegou a essa conclusão. Todavia, deu-se como não verificado o outro requisito da verificação de tal vício da declaração, ou seja, que essa “essencialidade” (cujo conteúdo o tribunal não esclareceu) fosse conhecida do declaratário.
Já no acórdão recorrido, adotando-se um entendimento restritivo sobre o erro relevante em sede de anulação de venda, entendeu-se que para efeitos de anulação de venda judicial em sede de execução fiscal «…só releva o erro que deriva de uma situação em que o comprador terá sido enganado pelo conteúdo dos meios de publicitação da venda, já não relevando situações em que o comprador diz que se enganou, equívoco este sem qualquer ligação ao conteúdo dos editais ou anúncios que apregoam a mesma (cfr. ac. TCA Sul-2ª seção, 21/06/2011, proc. 4683/11)». E nessa medida julgou-se o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com outra fundamentação.
Resulta, assim, que embora a ação de anulação da venda tenha sido julgada improcedente em ambas as instâncias, os entendimentos sobre a relevância do erro invocado pelo Autor da ação e aqui Recorrente foram díspares. E pese embora em ambas as instâncias tenha sido citada e invocada doutrina e jurisprudência sobre a matéria do erro e seus efeitos, afigura-se-nos que as soluções adotadas revelam uma incorreta perceção e aplicação dessa doutrina e jurisprudência, o que a nosso ver demanda a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em ordem a uma melhor aplicação do direito.
Com efeito, é entendimento majoritário na doutrina que «ao contrário do que sucede no erro sobre o objecto em geral (cfr. arts. 251º e 247° do CC) e mesmo na venda de coisas oneradas (cfr. artº 905º CC), o erro sobre o objecto da venda executiva não requer que o declaratário – isto é, o tribunal ou o encarregado de venda – conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidiu o erro» (Miguel Teixeira de Sousa (Autor que indica neste sentido Lebre de Freitas e Remédio Marques e em sentido contrário Anselmo de Castro.), in “Ação Executiva Singular, pág. 396).
Por outro lado e em face da pretensão anulatória do Recorrente, importa apurar e apreciar em sede de venda judicial e designadamente do regime consignado nos artigos 257º, nº 1, alínea a), do CPPT, e 908º do CPC (antigo), qual a amplidão (ou amplitude) do erro sobre o objecto de venda e os seus efeitos sobre a venda executiva, atendendo a que o erro pode incidir sobre o objeto transmitido e sobre as qualidades dele (Cfr. a este propósito o acórdão do STJ de 17/06/2014, proc. 388-E/2001.L1.S1.).
Afigura-se-nos, assim, que se mostram reunidos os requisitos de recurso de revista.».
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1 - Em 27/05/2007, foi autuado o processo de execução fiscal nº 2160200901042432 no qual é executada B……………….. – Cabeça de Casal, por dívidas de lMl de 2006 no montante de € 211,56 (cfr. doc. junto a fls. 1 da cópia do processo executivo junto aos autos);
2 - Ao processo executivo identificado no ponto anterior foram apensos os processos executivos n°s. 2160201001038664, 2160201101047400, 2160201201069551, 2160201301077252, 2160201401191330 e 2160201501116452 (cfr.doc. junto a fls. 16 da cópia do processo executivo junto aos autos);
3 - Em 08/01/2016 foi registada a penhora, no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior e apensos, sobre a fracção autónoma designada pela letra M, correspondente ao 4º andar direito, destinado a habitação, sito na Rua …………., ……………, ………., freguesia de Santo António da Charneca, concelho do Barreiro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1407, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n° 1796/20080325-A no montante de € 1.922,95 (cfr. doc. junto a fls. 8 a 10 da cópia do processo executivo junto aos autos);
4 - Por despacho de 20/01/2017 foi determinada a venda do imóvel identificado no ponto anterior sendo a primeira tentativa de venda efectuada por leilão electrónico com o valor base de € 39.551,21, caso esse leilão ficasse deserto a venda seria efectuada através de proposta em carta fechada sendo a base no montante de € 28.250,87 e inexistindo novamente propostas voltaria a ser efectuado novo leilão electrónico sendo o bem adjudicado à proposta com maior valor (cfr. doc. junto a fls. 31 a 32 da cópia do processo executivo junto aos autos);
5 - O primeiro leilão ficou deserto (cfr.doc. junto a fls. 49 da cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);
6 - A reclamante apresentou uma proposta com o n° 2160.2017.174.2012/679681 através de carta fechada no montante de € 29.000,01 para a aquisição do imóvel melhor identificado em 3 para a venda identificada com o número 2160.2017.174 (cfr. doc. junto a fls. 51 da cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);
7 - Em 19/04/2017 deu entrada no Serviço de Finanças do Barreiro um articulado no qual a reclamante solicita que a venda seja dada sem efeito uma vez que a proposta que pretendia fazer era para outro imóvel e não para o imóvel em causa nos autos, afirmando não ter o mínimo interesse neste imóvel (cfr. doc. junto a fls. 52 da cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);
8 - Por despacho de 08/05/2017 o Chefe do Serviço de Finanças afirmou não existir qualquer fundamento para anular a venda pelo que indeferiu o requerimento (cfr. doc. junto a fls. 53 da cópia do processo de execução fiscal junto aos autos);
9 - A reclamante pretendia apresentar a sua proposta noutro bem diferente do adquirido (depoimento da testemunha inquirida e do depoimento do gerente da sociedade).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “... Não ficou provado que a Fazenda Pública tivesse conhecimento que a Reclamante pretendia adquirir um imóvel diferente.
Dos factos constantes da reclamação, todos objectos de análise concreta não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita...”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento da testemunha inquirida e do depoimento do gerente da sociedade.
Desde logo pelo gerente foi afirmado apenas que não sabe explicar como licitou um bem que não pretendia.
Já a testemunha arrolada afirmou também que sabia que o bem que a Reclamante pretendia adquirir era outro bem, no entanto, sem que se encontre explicação foi apresentada proposta para aquele bem. Também afirmou que não estava presente no momento da apresentação da proposta e o que sabe foi o que o gerente da sociedade lhe transmitiu dias depois. O depoimento desta testemunha não é considerado pelo tribunal desde logo por ela não ter tido conhecimento directo sobre os factos a que depôs...”.
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Este Tribunal, ao abrigo do disposto no art.º 662, n.º 1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do art.º 281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tudo em virtude do exame da prova documental, constante do presente processo e apenso, mais se levando em consideração os princípios da aquisição processual e da livre apreciação das provas (cfr. art.ºs 413 e 607, n.º 5, ambos do C.P.Civil; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, Almedina, 2017, pág.270 e seg.), altera e adita o probatório estruturado em “1.ª Instância, nos termos que passamos a explanar.
O n.º1 do probatório supra passa a ter a seguinte redacção, consentânea com o teor dos documentos em que se baseia:
1 - Em 29/05/2009, foi autuado o processo de execução fiscal n.º 2160-2009/104243.2, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças do Barreiro, neste figurando como executada B……………… - Cabeça de Casal da Herança de, visando a cobrança de dívidas de lMl, do ano de 2008 e no montante de € 211,56 e acrescidos (cfr. documentos juntos a fls. 2 e 3 da cópia do processo executivo apenso).
Aditam-se ao probatório vindo da 1.ª Instância os seguintes números, atenta a prova documental constante do processo e apenso:
10 - O primeiro leilão que ficou deserto, identificado no n.º 5 supra do probatório, ocorreu em 22/03/2017 (cfr. documento junto a fls. 49 da cópia do processo executivo apenso);
11 - A proposta apresentada pela sociedade reclamante, “A……………….., Lda.”, e identificada no n.º 6 supra, foi aceite e adjudicada à proponente em 12/04/2017 (cfr. documento junto a fls. 51 da cópia do processo executivo apenso);
12 - Do despacho de indeferimento identificado no n.º 8 do probatório supra consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
Nenhum dos argumentos da sociedade proponente colhe, nem tem enquadramento legal, quer no artigo 257 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quer no artigo 838 e seguintes do código de Processo Civil (CPC).
Acresce que tendo a venda sido efectuada na modalidade de “Proposta em Carta Fechada”, nos termos do n.º 3 do artigo 248 do CPPT, e de conformidade e especificações definidos na portaria 219/2011, de 1 de Junho (referida no n.º 6 do citado artigo 248), as propostas/licitações são apresentadas no “portal das finanças” na opção “venda electrónica de bens” na funcionalidade “leilão electrónico”, o qual disponibiliza nos separadores “Ajuda” e “Legislação” toda a informação legal aplicável, pelo que não procedem os argumentos invocados.
Por último referir, que na referida funcionalidade constam diversos alertas que é necessário confirmar para que as licitações sejam validades - conforme transcrição/cópia de folha que se anexa.
Não se constatando nenhum fundamento para a anulação da venda, nem a situação referida no n.º 4 do artigo 820 do CPC, indefiro o pedido.
(...)
(cfr juntos a fls.53 e 54 da cópia do processo executivo apenso).».
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3.1. O acórdão recorrido identificou como questão a apreciar a alegação da recorrente de que tendo a proposta de aquisição de imóvel apresentada padecido de um erro na identificação do processo em causa, a sentença recorrida estaria ferida de erro sobre o objeto, caindo na previsão dos artigos 257, n.º 1, al. a), do C.P.P.T., 838, n.º 1, do C.P.C., e 247 e 251, do C. Civil, todos determinantes da anulação da venda.
Acrescentou ainda o acórdão recorrido que segundo alegação da recorrente o regime em causa se basta com a verificação de erro incidental pelo que a sentença proferida em 1ª instância violaria os comandos legais assinalados pelo que ocorreria erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
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3.2. O acórdão recorrido negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, embora com diferente fundamentação, afirmando o seguinte:
“Voltando ao regime de anulação de venda previsto no examinado art.º 257, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. (norma especial a que não se aplica directamente o regime do erro-vício acabado de resumir e constante do C. Civil) para efeitos de anulação de venda o erro relevante sobre o objecto transmitido há-de ser determinado por falta de conformidade entre a identidade/qualidades do objecto e aquilo que tiver sido anunciado pela A. Fiscal em sede de publicitação da venda (cfr. art.º 249, n.º 5, do C.P.P.T.), mais irrelevando, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador incidente sobre o objecto adquirido ou as suas qualidades. Por outras palavras, só releva o erro que deriva de uma situação em que o comprador terá sido enganado pelo conteúdo dos meios de publicitação da venda, já não relevando situações em que o comprador diz que se enganou, equívoco este sem qualquer ligação ao conteúdo dos editais ou anúncios que apregoam a mesma … .
“In casu”, é inequívoco, como patenteia o probatório, que não se comprova nos autos qualquer desconformidade da coisa transmitida com o que foi anunciado, imputável à A. Fiscal. De resto, nem o recorrente o alega, sequer. Este apenas se limita a defender que a proposta de aquisição de imóvel por si apresentada e que foi objecto de adjudicação, padece de um erro na identificação do respectivo processo.
A pretensão anulatória da venda está, pois, votada ao insucesso, por falta de prova dos elementos constitutivos do invocado erro relevante sobre o imóvel adquirido, erro esse que não é, sequer, fácil de se verificar em sede de leilão electrónico, como foi o caso, e ao abrigo do regime previsto na Portaria 219/2011, de 1/6 (cfr. n.º 12 do probatório).
Por último, sempre se dirá que a decisão recorrida não violou qualquer dos preceitos alegados pelo recorrente, quais sejam, os art.ºs 257, n°.1, al. a), do C.P.P.T., 838, n.º1, do C.P.Civil, e 247 e 251, do C. Civil.”.
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3.3. Segundo a recorrente a questão a apreciar consiste em «determinar a interpretação que deve ser dada ao tipo de erro a considerar relevante para a anulação da venda, na redação da alínea a), nº 1, do artigo 257º do CPPT. Ou seja, se deve o regime do erro vício ser extensível e enquadrável no âmbito deste artigo».
Sustenta a recorrente que estamos perante uma questão jurídica controversa, de relevância fundamental e que justifica uma reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, de forma a assegurar a melhor aplicação do direito a todos os casos semelhantes e que possam vir a surgir.
Acrescenta que «esta questão se afigura de importância fundamental em termos de relevância social, estando-se perante uma violação dos ditames da boa-fé contratual ao ignorar o regime dos vários vícios previstos para a declaração negocial, bem como de uma violação da tutela da confiança da parte mais fraca ao contratar com a Administração Tributária e da segurança jurídica».
Conclui que se trata de uma questão de fundamental relevância jurídica e social ainda não decidida em momento anterior pelo Supremo Tribunal Administrativo.
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3.4. A sentença proferida em 1ª instância, TAF de Almada, deu como assente que “a reclamante pretendia apresentar a sua proposta noutro bem diferente do adquirido” (ponto 9).
Com base neste ponto 9 entendeu a mesma sentença que se mostrava reunido um dos requisitos legais desse erro, erro sobre o objeto do negócio, mas não um segundo requisito, que contende com o conhecimento por parte do declaratário da essencialidade desse erro e nessa medida julgou improcedente a ação.
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3.5. O acórdão recorrido entendeu que para efeitos de anulação de venda judicial em sede de execução fiscal «…só releva o erro que deriva de uma situação em que o comprador terá sido enganado pelo conteúdo dos meios de publicitação da venda, já não relevando situações em que o comprador diz que se enganou, equívoco este sem qualquer ligação ao conteúdo dos editais ou anúncios que apregoam a mesma venda».
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3.6. O presente recurso foi interposto para o STA, como revista e admitido, fls. 172, nos termos do artigo 150º do CPTA.
Torna-se, por isso, necessário proceder à apreciação preliminar sumária da verificação dos pressupostos da sua admissibilidade, nos termos do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Estabelece este artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista” o seguinte:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.
Resulta do n.º 1 do artigo transcrito a excecionalidade do recurso de revista, estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
Deve este recurso de revista excecional funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como mais uma instância generalizada de recurso.
Como se escreveu no acórdão deste STA 2, de abril de 2014, rec. N.º 1853/13, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso,
«(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Tem igualmente afirmado o STA, sobre esta questão, que os requisitos de admissão do recurso de revista para “uma melhor aplicação do direito” implicam «a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito» a qual resultará «da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se ver a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.» (STA 17/02/2016, proc. 0945/15).
No mesmo sentido podem consultar-se, entre muitos outros os acórdãos do STA de 30/05/2012, processos n.º 304/12 e 415/12, e a jurisprudência nestes referida o que constitui jurisprudência uniforme.
A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
Tem, ainda, entendido a referida jurisprudência que o recorrente deve demonstrar essa excecionalidade e que deve demostrar que a questão que coloca ao STA assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Não se satisfaz a lei com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido pelo que deve o recorrente alegar e demonstrar que se verificam aqueles requisitos de admissibilidade da revista.
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3.7. Conforme refere o MP pese embora na sentença de 1ª instância se tenha citado doutrina dando conta de que entre «as condições gerais de relevância do erro-vício como motivo de anulabilidade encontra-se a sua “essencialidade”, no sentido de que só é relevante o erro essencial (determinante), isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído» (citando neste sentido Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, pág. 508 e segs), certo é que se considerou reunido o requisito dessa essencialidade.
De todo o modo deu-se como não verificado o outro requisito da verificação de tal vício da declaração, ou seja, que essa “essencialidade” fosse conhecida do declaratário.
Já o acórdão recorrido entendeu que para efeitos de anulação de venda judicial em sede de execução fiscal «…só releva o erro que deriva de uma situação em que o comprador terá sido enganado pelo conteúdo dos meios de publicitação da venda, já não relevando situações em que o comprador diz que se enganou, equívoco este sem qualquer ligação ao conteúdo dos editais ou anúncios que apregoam a mesma venda».
Estabelece o referido artigo 257.° 1 a) do CPPT o seguinte:
“1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes: a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado”.
Este artigo parece abarcar, na perspetiva da recorrente, três hipóteses alternativas de anulação da venda ocorrendo a primeira face à existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado.
A segunda ocorreria em face da existência de erro sobre o objeto transmitido e a terceira perante a ocorrência de erro sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado.
Para o acórdão recorrido, contudo, a segunda e terceira alternativa seriam apenas uma pois que quer o erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades apenas conduziria à anulação caso ocorresse falta de conformidade com o que foi anunciado.
Nesta perspetiva a referida falta de conformidade respeitaria não apenas às qualidades mas também ao objeto transmitido.
Quer 1ª instância quer o TCA julgaram improcedente a requerida anulação da venda com entendimentos divergentes, como se referiu, sobre a relevância do erro invocado pela ora recorrente.
Conforme refere o MP, pese embora em ambas as instâncias tenha sido citada e invocada doutrina e jurisprudência, sobre a matéria do erro e seus efeitos, “as soluções adotadas revelam uma incorreta perceção e aplicação dessa doutrina e jurisprudência, o que … demanda a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em ordem a uma melhor aplicação do direito” pois que é entendimento majoritário na doutrina que «ao contrário do que sucede no erro sobre o objecto em geral (cfr. arts. 251º e 247° do CC) e mesmo na venda de coisas oneradas (cfr. artº 905º CC), o erro sobre o objecto da venda executiva não requer que o declaratário – isto é, o tribunal ou o encarregado de venda – conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidiu o erro» (Miguel Teixeira de Sousa, in “Ação Executiva Singular, pág. 396 que Autor que indica neste sentido Lebre de Freitas e Remédio Marques e em sentido contrário Anselmo de Castro).
Afirma, ainda, o mesmo autor (Miguel Teixeira de Sousa, in “Ação Executiva Singular, pág. 396) que “a venda é anulável, mesmo que o destinatário da declaração desconhecesse que as características do bem constituíram um elemento essencial da formação da vontade do comprador. A especialidade do regime previsto no artigo 908º perante os vários regimes e a necessidade de proteger o adquirente justificam esta solução”.
São realidades diversas o erro sobre o objeto em geral a que se referem os arts. 251º e 247° do CC, o erro na venda de coisas oneradas a que se refere o artº 905º CC e o erro sobre o objeto da venda executiva pelo que importa, como refere o MP, apurar e apreciar, em sede de venda judicial e designadamente do regime consignado nos artigos 257º, nº 1, alínea a), do CPPT, e 908º do CPC, antigo, (atual 838º), qual a amplidão (ou amplitude) do erro sobre o objeto de venda e os seus efeitos sobre a venda executiva, atendendo a que o erro pode incidir sobre o objeto transmitido e sobre as qualidades do mesmo (questão que a este propósito o acórdão do STJ de 17/06/2014, proc. 388-E/2001.L1.S1 tratou).
Com efeito escreveu-se neste acórdão o seguinte:
“Este erro, sobre o objecto mediato do negócio, pode recair sobre a própria identidade do objecto (error in corpore) ou apenas sobre as suas qualidades (error qualitatis) e, como é também entendimento unânime na doutrina mais recente, goza de regime especial, na medida em que para a respectiva invocabilidade não se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante nem o da cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário, entendimento e solução que encontram justificação na necessidade de proteger o adquirente “induzido em erro pela descrição do objecto da venda que é feita no próprio processo e assim garantida pelo tribunal” (vd. MOTA PINTO, “Teoria Geraldo Direito Civil”, 4ª ed., 507; M. TEIXEIRA DE SOUSA, “Acção executiva Singular”, 396; F. AMÂNCIO FERREIRA, “Curso de Processo de Execução”, 2ª ed., 285; J. LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, “CPC, Anotado”, vol. 3º, 609; REMÉDIO MARQUES, ob. cit.372).”.
Estamos perante questão jurídica controversa, de relevância fundamental a justificar uma reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, de forma a assegurar a melhor aplicação do direito a todos os casos semelhantes e que possam vir a surgir ao que acresce que tal questão ainda não foi decidida, em momento anterior, pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Justifica-se, por isso, a admissão do recurso de revista tendo em conta uma melhor interpretação e aplicação do direito.
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É de admitir a revista, nos termos do artigo 150º do CPPT, dada a necessidade de determinar se a expressão “por falta de conformidade com o que foi anunciado” respeita apenas ao “erro sobre o objeto transmitido” ou a este erro e também ao erro “sobre as qualidades” do mesmo e, ainda, se para a respetiva invocabilidade se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante e a cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em admitir a revista.

Lisboa, 3 de maio de 2018. – António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.