Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01262/13
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
AVALIAÇÃO INDIRECTA
CONTABILIDADE IRREGULAR
REGULARIZAÇÃO
EXIGÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:Embora a letra da alínea a) do artigo 88.º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita – “quando não supridas no prazo legal” – se aplica a todas as situações nela previstas, como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, a interpretação mais abrangente é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indirecta (artigo 87.º, n.º 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos “independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores” (cfr. os artigos 120.º n.º 2 e 121.º, n.º 2 do RGIT).
Nº Convencional:JSTA00069015
Nº do Documento:SA22014120301262
Data de Entrada:07/16/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART88 A ART87 N1.
RGIT ART120 N2 ART121 N2
Referência a Doutrina:ANTÓNIO LIMA GUERREIRO - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA REI DOS LIVROS 2000 PAG371-372
DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED 2012 PAG765
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27 de Março de 2013, na parte em que julgou procedente por vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos a impugnação judicial deduzida por A…………, com os sinais dos autos, contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, apresentando para tal as seguintes conclusões:
A. A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento, porquanto considerou existir vício de erro quanto aos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, quando aponta à Autoridade Tributária a obrigação de efectuar uma segunda notificação ao recorrido concedendo-lhe um novo prazo para regularizar a contabilidade.
B. Como bem ficou assente no probatório (alínea E) dos factos provados), o impugnante foi notificado para apresentar no dia 02/04/03 os “Livros de contabilidade e documentos comprovativos da sua escrituração relativos à actividade exercida no âmbito da categoria B (Outras actividades recreativas, N.E.) nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002”.
C. No dia marcado para a apresentação dos elementos de contabilidade foi elaborado um auto de Declarações (Alínea F) do acervo probatório) onde o impugnante declara desconhecer o paradeiro dos elementos de contabilidade.
D. Perante estes factos a Autoridade Tributária concluiu pela inexistência dos elementos de contabilidade, situação esta que foi dada como provada na sentença proferida pelo tribunal a quo.
E. Aqui chegados, mostra-se necessário cuidar de analisar se, verificada (demonstrada) a inexistência dos elementos de contabilidade de um contribuinte, após ter sido notificado para os exibir, existe a necessidade de proceder a uma segunda notificação, concedendo-lhe um novo prazo para a regularizar.
F. Uma leitura atenta à alínea a) do artigo 88.º da LGT não possibilita extrair tal entendimento ou seja, não existe a obrigação de proceder a uma segunda notificação a conceder um novo prazo para regularizar a contabilidade, quando o contribuinte após ter sido notificado para a exibir os elementos contabilísticos afirma perante a Autoridade Tributária desconhecer o seu paradeiro, o que só por si permite concluir pela sua inexistência.
G. Na norma encontram-se tipificadas as situações relativamente à inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração e, à falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução. (sublinhado nosso)
H. O escopo da norma está erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade (mediante notificação para o efeito) quando isso é manifestamente possível ou seja, quando existem esses mesmos elementos contabilísticos.
I. No caso “sub judice” o contribuinte foi notificado para exibir os elementos contabilísticos, não o fez e, para além disso, referiu que não sabia do seu paradeiro o que levou a Autoridade Tributária a concluir com segurança pela inexistência de tais elementos (conforme ficou assente no acervo probatório).
K. Subsumindo os factos à norma, bem se vê que não existe qualquer imposição legal (alínea a) do artigo 88.º da LGT) que obrigasse a Autoridade Tributária a notificar novamente o recorrido para regularizar uma situação que por si só seria impossível de se concretizar dada a inexistência dos elementos contabilísticos.
L. Relativamente à referência ao prescrito no artigo 120.º do RGIT, temos por entendimento que o regime jurídico e os pressupostos legais ínsitos na norma destinam-se única e exclusivamente para efeitos de verificação de infracções fiscais e sua correspondente punição (graduação e aplicação da coima).
M. Apesar do paralelismo (aparente) entre o disposto na alínea a) do artigo 88.º da LGT e o artigo 120.º do RGIT, temos que a primeira norma cuida dos pressupostos legais que têm que presidir à aplicação de métodos indirectos enquanto que, a segunda (norma) contende única e exclusivamente com o regime sancionatório para as situações relativas à inexistência dos elementos de contabilidade.
N. Pelo exposto, a sentença padece de erro de julgamento, pois à luz dos factos dados como provados fez uma errada interpretação da alínea a) do artigo 88.º da LGT, uma vez que, após aferida a inexistência dos elementos de contabilidade (mediante notificação para a sua exibição) a Autoridade Tributária não está obrigada a notificar o contribuinte concedendo-lhe um novo prazo para a sua regularização.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida,

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão de procedência parcial da impugnação judicial deduzida contra liquidações de IVA e de juros compensatórios constante de sentença proferida em 27 março 2013 (fls. 257)
FUNDAMENTAÇÃO
1. A discordância da recorrente restringe-se à decisão constante do dispositivo da sentença que ordenou a anulação das liquidações de IVA e dos respectivos juros compensatórios respeitantes aos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 1999, por erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos (cf. sentença 6. Conclusões; 7. Decisão)
2. A decisão anulatória dos actos tributários de liquidação fundou-se na circunstância de o sujeito passivo inspecionado não ter sido notificado, após verificação pelos serviços de inspecção tributária da inexistência de contabilidade respeitante ao ano de 1999, para a sua organização em prazo a designar, não superior a 30 dias (art. 120.º n.º 2 RGIT)
A aplicação da solução constante da norma invocada na decisão não pode ser prejudicada pelo facto de o sujeito passivo inspecionado ter sido notificado para apresentação, no prazo de 5 dias, dos livros de contabilidade e documentos comprovativos da sua escrituração relativos à actividade exercida no âmbito da categoria B, cuja análise se revelava necessária ao prosseguimento do procedimento de inspecção (probatório al. E); art. 42.º n.º 3 RCPIT)
A aplicação da norma constante do art. 120.º n.º 2 RGIT a qualquer modalidade de procedimento tributário onde se revele adequada (e não apenas no domínio do processo de contra-ordenação fiscal) está inequivocamente inculcada no inciso “independentemente do procedimento para aplicação da coima prevista nos números anteriores”; constituindo manifestação do princípio da colaboração recíproca entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes, designadamente traduzido na interpelação do contribuinte para proceder à regularização da sua situação tributária (art. 59.º nºs 1 e 3 al. n) LGT)
3. No caso concreto o cumprimento do dever de notificação estava longe de constituir ritual inócuo, insusceptível de influenciar a decisão de aplicação de métodos indirectos, na medida em que o sujeito passivo nem sequer afirmou perentoriamente a inexistência de contabilidade respeitante ao ano de 1999, limitando-se a declarar que desconhecia (na data da declaração) o local onde os documentos se encontravam, em virtude de o gabinete de contabilidade “B………… Lda”, onde era efectuada ter encerrado naquele ano (Auto de Declarações – probatório al. F)
Neste contexto foi preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos de contabilidade, causa da impossibilidade de comprovação e quantificação exacta da matéria colectável e da consequente aplicação de métodos indirectos para sua determinação (arts. 87.º nº 1 al. b) e 88.º a) LGT)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.

4. Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 282 a 284 dos autos), veio a recorrente responder nos termos de fls. 286/289, manifestando discordância com o teor de tal parecer e pugnando pelo provimento do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5. Questão a decidir
É a de saber se, como alegado, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativos ao 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 1999, por vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, em razão de a Administração Tributária não ter notificado o contribuinte para regularizar a sua situação tributária em prazo não superior a 30 dias.

6. Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
A) O Impugnante recebeu, em 02/04/2003, “Carta Aviso” da qual consta:
“Ordem de Serviço/Despacho n.º 45579
Nos termos da alínea I) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), fica V. Exa. notificado de que, a muito curto prazo, se deslocará (ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária.
A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de V. Exa. e terá por âmbito e a extensão a seguir indicados:
Âmbito da acção inspectiva: Parcial Outro: Consulta, recolha e cruzamento de elementos.
Ex.ºs completos: 1999, 2000, 2001, 2002.”
------ Fls. 191 do P.A.
B) Posteriormente, em 19/05/2003, “… em virtude de ser necessária a utilização de métodos indirectos para o apuramento do IVA em falta no exercício de 1999, foi emitida a Ordem de Serviço n.º 49282.” Relativa a IRS e IVA do exercício de 1999
------ Cfr. Informação a fls. 187 e 188 a 190.
C) Foi efectuada acção inspectiva ao Impugnante, constando o seguinte das “Notas de diligência”:
· “Nota de diligência” n.º 390106 – Ordem de serviço/Despacho n.º 45579: Âmbito da acção inspectiva: “Parcial (alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT)” “Outro”: Consulta, recolha e cruzamento de elementos” para os exercícios completos de 1999, 2000, 2001 e 2002.
· Nota de diligência” n.º 390105 – Ordem de serviço/Despacho n.º 49282: Âmbito da acção inspectiva: “Parcial (alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT)” “IRS” “IVA” para o exercício completo de 1999.
--------Fls. 33 e 34.
D) Em 09/06/2003, as notas de diligência foram assinadas pelo Impugnante.----Fls. 33 e 34.
E) No âmbito da acção inspectiva o Impugnante recebeu, em 27/03/2003, a seguinte notificação:
“Notifica-se o sujeito passivo …, para apresentar no dia 02/04/03, pelas 10.00 horas na C………… …os seguintes elementos:
´- Livros de contabilidade e documentos comprovativos da sua escrituração relativos à actividade exercida no âmbito da categoria B (Outras actividades recreativas, N.E.) nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002.
- (…)
-------Fls. 192 do P.A.
F) Em 02/04/2003 foi elaborado “Auto de declarações”, assinado pelo Impugnante, do qual consta:
“(…) Relativamente à contabilidade, A………… declarou que a mesma foi feita pelo gabinete de contabilidade B………… Lda até ao ano de 1999, e que a partir daí passou a ser feita pelo gabinete de contabilidade C………… devido ao facto de o anterior gabinete de contabilidade ter fechado devido ao seu sócio-gerente D…………, ter sido preso. Questionado acerca do facto de os documentos de suporte da sua contabilidade dos anos de 2000, 2001 e 2002 estavam no actual gabinete de contabilidade, C…………, mas não os documentos referentes a 1999 A………… declarou desconhecer onde os mesmos se encontram. Declara ainda que não conhece a assinatura constante dos autos de devolução de documentos de 1999, que a actual técnica de contas extraiu da pasta dos autos de entrega dos documentos da B…………, Lda que se encontra no gabinete C………….”
------ Fls. 200 e 201 do PA.
G) Em 30/06/2003 foi elaborado “Relatório de Inspecção Tributária” constante de fls. 37 a 49, com o seguinte teor: (reproduzido a fls. 238/240)
----- Fls. 37 a 49.
I) (sic) Do Relatório de Inspecção consta o despacho “Concordo”, datado de 02/07/2003, subscrito pela Chefe de Divisão. ----Fls. 37
J) O relatório da Inspecção foi notificado ao Impugnante pelo Ofício n.º 225316, de 03/07/2003, assinado pela Chefe de Divisão. ----Fls. 35 e 36.
K) O impugnante foi notificado, pelo Ofício 14318, de 17/07/2003, da “Nota de fixação” de 16/07/2003 do valor de IVA devido (€24.408,02), pelo recurso a métodos indirectos, encontrando-se essa Nota assinada por E…………, com referência à delegação de competências do Director de Finanças DR 38 II Série de 14/02/2003 Aviso 2167/2003.” ----Fls. 51 e 52.
L) Na sequência da acção de inspecção foram emitidas, pela Direcção-Geral dos Impostos / Imposto sobre o Valor acrescentado as seguintes liquidações adicionais: (quadro de fls. 243 dos autos) ----Fls. 21 a 32.
M) A liquidação n.º 03294630 foi notificada ao Impugnante em 24/10/2003. ----Por acordo das partes e fls. 195 do PA.
N) Das liquidações de juros compensatórios consta o seguinte:
“FUNDAMENTAÇÃO
Juros compensatórios liquidados nos termos dos artigos 89.º do Código do IVA e 35.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.
Imposto em falta sobre o qual incidem juros (…)
Período a que se aplica a taxa de juro (…)
Taxa de juros aplicável ao período – equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil
Valor dos juros (…)”
-----Fls. 22 a 25, 27 a 30 e 32.
O) Em 26/12/2003 foi intentada a presente acção.
----Cfr. carimbo do serviço de Finanças do Porto, a fls. 3.
P) Em 06/06/2006 foi emitido “Parecer” pela Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa, do qual consta:
“8. Na alegada caducidade do direito à liquidação, invoca o impugnante o disposto nos números 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, na sua redacção originária.
(…)
Nestes termos, somos de parecer que:
· O imposto respeitante ao 1.º trimestre de 1999 foi indevidamente liquidado …a liquidação adicional n.º 03242877 deverá ser anulada na parte …que de acordo com o apuramento efectuado pelos SIT ascende a 1.752,41€, sendo, também de anular a liquidação n.º 03242873, no valor de €497,01€, referente aos correspondentes juros compensatórios;
· O imposto respeitante ao 1.º trimestre de 1999, resultante da aplicação de métodos indirectos, foi indevidamente liquidado, …a liquidação adicional n.º 03294630 deverá ser anulada na parte … que de acordo com o apuramento efectuado pelos SIT ascende a 6.328,48€, sendo, também de anular a liquidação n.º 03294626, no valor de 1.794,86€, referente aos correspondentes juros compensatórios;”
-----Fls. 202 a 208 do PA.
Q) Em 21/06/2006 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Em consonância com os fundamentos do parecer infra, revogo parcialmente o acto tributário impugnado. Notifique-se nos termos e para os efeitos do disposto no art. 112.º n.º 3 do CPPT”
-----Fls. 202 do PA.
R) O Impugnante apresentou, junto com a petição inicial, diversos documentos, emitidos em 1999 (facturas, facturas-recibos, vendas a dinheiro) relativas a aquisições de bens e serviços, cujo IVA totaliza o valor de 5.587.099$00 (€27.868,33).
----Fls. 97 a 175.

7. Do mérito do recurso
A sentença recorrida, a fls. 204 a 257 dos autos, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrido contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios sindicadas, anulando as liquidações de imposto e juros relativas a 2000, pelo facto do exercício de 2000 não estar abrangido no âmbito da acção inspectiva em sede de IVA, bem como a liquidação de IVA n.º 03294630, relativamente ao IVA do 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 1999 (…) e respectivas liquidações de juros compensatórios (…) por procedência do vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, mantendo a liquidação adicional n.º 03242877 e respectivos juros e declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente às liquidações entretanto objecto de anulação pelos serviços.
A Fazenda Pública restringe a sua discordância com o decidido à julgada procedência de vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos (cfr. as conclusões das suas alegações de recurso supra transcritas), alegando que não existe a obrigação de proceder a uma segunda notificação a conceder um novo prazo para regularizar a contabilidade, quando o contribuinte após ter sido notificado para a exibir os elementos contabilísticos afirma perante a Autoridade Tributária desconhecer o seu paradeiro, o que só por si permite concluir pela sua inexistência, que não existe qualquer imposição legal (alínea a) do artigo 88.º da LGT) que obrigasse a Autoridade Tributária a notificar novamente o recorrido para regularizar uma situação que por si só seria impossível de se concretizar dada a inexistência dos elementos contabilísticos e que apesar do paralelismo (aparente) entre o disposto na alínea a) do artigo 88.º da LGT e o artigo 120.º do RGIT, temos que a primeira norma cuida dos pressupostos legais que têm que presidir à aplicação de métodos indirectos enquanto que, a segunda (norma) contende única e exclusivamente com o regime sancionatório para as situações relativas à inexistência dos elementos de contabilidade, razão pela qual entende que a sentença padece de erro de julgamento, pois à luz dos factos dados como provados fez uma errada interpretação da alínea a) do artigo 88.º da LGT, uma vez que, após aferida a inexistência dos elementos de contabilidade (mediante notificação para a sua exibição) a Autoridade Tributária não está obrigada a notificar o contribuinte concedendo-lhe um novo prazo para a sua regularização.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronuncia-se no sentido de que o recurso não merece provimento, porquanto foi preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos de contabilidade, causa da impossibilidade de comprovação e quantificação exacta da matéria colectável e da consequente aplicação de métodos indirectos para sua determinação (arts. 87.º nº 1 al. b) e 88.º a) LGT)
Vejamos.
A sentença recorrida fundamentou a procedência do vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos nos seguintes termos (cfr. sentença, a fls. 253/254 dos autos):
«Nos termos do artigo 87.º da LGT, a A.T. encontra-se legitimada a recorrer à avaliação indirecta nos casos de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, acrescentando a alínea a) do artigo 88.º que tal impossibilidade pode resultar da “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros ou registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo que essa ausência se deva a razões acidentais.”. (sublinhado nosso)
No caso em apreço, foi o próprio contribuinte que, em auto de declarações afirmou desconhecer onde se encontravam os elementos contabilísticos relativos ao exercício de 1999 (cfr. alínea F) do probatório), o que levou a AT a concluir pela inexistência de elementos de contabilidade para esse exercício.
Ora, no que concerne ao prazo de 5 dias concedido pela AT para a apresentação dos “livros de contabilidade e documentos comprovativos da sua escrituração relativos à actividade exercida…” (alínea E) do probatório), o mesmo não padece de ilegalidade, atento o n.º 3 do artigo 42.º do RCPIT quando dispõe que o prazo para entrega de elementos necessários à prática de actos de inspecção deve ser fixado entre 2 e 30 dias (normativo com natureza especial que, por isso, se sobrepõe à regra geral contida no artigo 23.º do CPPT).
Não obstante, a AT olvidou que o disposto no artigo 120.º do RGIT, que, sob a epígrafe “Inexistência de contabilidade ou de livros fiscalmente relevantes”, consagra que “Verificada a inexistência de escrita, independentemente do procedimento para aplicação da coima prevista nos números anteriores, é notificado o contribuinte para proceder à sua organização num prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias, com a cominação de que, se não o fizer, fica sujeito à coima do artigo 113.º (n.º 2) (sublinhado nosso).
Assim, tendo a AT concluído pela inexistência da contabilidade concernente ao exercício de 1999, estava obrigada a efectuar uma segunda notificação ao contribuinte, concedendo-lhe um novo prazo (não superior a 30 dias) para a organizar.
Destarte, impera concluir que, não tendo sido dado ao contribuinte a oportunidade legalmente prevista, para organizar a sua contabilidade, não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, pois, conforme expressamente decorre da alínea a) do artigo 88.º da LGT, a inexistência de contabilidade apenas legitima o recurso à avaliação indirecta quando essa inexistência não seja suprida no prazo legal.»
Julgamos que o decidido não merece a censura que a recorrente lhe dirige.
Embora a letra da alínea a) do artigo 88.º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita - “quando não supridas no prazo legal” – se aplica a todas as situações nela previstas (assim, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371/372 – nota 3 ao art. 88.º da LGT), como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88.º da LGT), a interpretação acolhida na sentença recorrida - a mais abrangente -, é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indirecta (artigo 87.º, n.º 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos “independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores” (cfr. os artigos 120.º n.º 2 e 121.º, n.º 2 do RGIT).
Ora, como bem diz o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto no seu parecer nos autos, a aplicação da norma constante do art. 120.º n.º 2 RGIT a qualquer modalidade de procedimento tributário onde se revele adequada (e não apenas no domínio do processo de contra-ordenação fiscal) está inequivocamente inculcada no inciso “independentemente do procedimento para aplicação da coima prevista nos números anteriores”; constituindo manifestação do princípio da colaboração recíproca entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes, designadamente traduzido na interpelação do contribuinte para proceder à regularização da sua situação tributária (art. 59.º nºs 1 e 3 al. n) LGT), sendo que, no caso concreto, o cumprimento do dever de notificação estava longe de constituir ritual inócuo, insusceptível de influenciar a decisão de aplicação de métodos indirectos, na medida em que o sujeito passivo nem sequer afirmou perentoriamente a inexistência de contabilidade respeitante ao ano de 1999, limitando-se a declarar que desconhecia (na data da declaração) o local onde os documentos se encontravam, em virtude de o gabinete de contabilidade “B………… Lda”, onde era efectuada ter encerrado naquele ano (Auto de Declarações – probatório al. F).
Nenhuma censura merece, pois, a sentença recorrida, que bem julgou ter sido preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, estando o recurso votado ao insucesso.
– Decisão –
8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro DelgadoCasimiro Gonçalves.



Segue acórdão de 12 de Fevereiro de 2015:


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, notificada do Acórdão proferido nos presentes autos em 3 de Dezembro de 2014, veio, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 616.º e n.º 1 do artigo 666.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do disposto na alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a sua reforma quanto a custas alegando para o efeito que a impugnação judicial que está na origem dos presentes autos foi instaurada antes de 1/1/2004, mais concretamente em 26 de Dezembro de 2003 (fls. 3 dos autos), razão pela qual beneficiará no processo da isenção subjectiva de custas prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, devendo o Acórdão, na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas, ser reformado em conformidade e bem assim que seja dada sem efeito a notificação para pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso (cfr. requerimento de fls. 318, frente e verso, dos autos).

Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que a reforma da sentença contemplada no artigo 616º do CPC, é aplicável aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por força do preceituado no art. 666º, aplicável ex vi do disposto no art. 685º do mesmo Código (aplicável ao contencioso tributário por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT).

Vejamos, pois.

É inteiramente fundada a pretensão de reforma do Acórdão proferido nos autos, já que essa pretensão pressupõe a constatação de um erro de julgamento na condenação em custas, erro que, manifestamente, se verifica, por não se ter atentado na data da apresentação da petição inicial de impugnação no Serviço de Finanças, ocorrida em 26 de Dezembro de 2003, conforme carimbo aposto na petição inicial de impugnação.

Com efeito, o presente processo tributário de impugnação judicial deve ter-se como instaurado nessa data, embora só tenha sido remetido pelo serviço de Finanças ao Tribunal em 7 de Janeiro de 2014 e aí dado entrada em 15 de Janeiro de 2014 (conforme carimbo de entrada de fls. 2 dos autos).
Ora, no regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, por expressa previsão dessa isenção no artigo 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), como, aliás, já antes constava do artigo 5º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do artigo 2º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo DL n.º 42.150, de 12/2/59. E embora as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários tivessem sido revogadas pelo artigo 4º, nºs. 4 e 5, do citado Decreto-Lei n.º 324/2003, deixando a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (art. 16º), este diploma só se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (art. 14º, n.º 1), produzindo apenas efeitos, no tocante às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (art. 15º, n.º 2), transferência que ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art. 18º).

Assim, tendo em conta os citados diplomas legais e a data da instauração da presente impugnação judicial, a Fazenda Pública não paga custas; e, assim sendo, há que reformar, neste segmento, o Acórdão proferido nos presentes autos, bem como dar sem efeito a notificação para pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual no recurso, também inaplicável ao caso dos autos.

- Decisão -

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em deferir o requerido e atendendo o pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas determinar que dele passe a constar “Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004”.

Sem custas.


Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves.