Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0327/11
Data do Acordão:06/09/2011
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:MAGISTRADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
SUBSÍDIO DE COMPENSAÇÃO
CASA DE FUNÇÃO
CASAS DE MAGISTRADOS
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Para além do fim legal subjacente ao art. 102º, n.º 2, da Lei n.º 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 60/98, de 27.8, quer no conteúdo do direito a habitação mobilada, quer no momento de a Administração pôr em prática tal direito, quer no modo de atribuição ou distribuição dos fogos pelos magistrados do Ministério Público, mas também judiciais, nos termos do respectivo estatuto a Administração está livre e desembaraçada de pressupostos vinculantes para satisfazer cada um. Age, assim, no uso de poderes meramente discricionários quando exercita aquele interesse público.
II - Está devidamente fundamentado o acto administrativo que ordena a uma magistrada do Ministério Público a reposição do subsídio de compensação se lhe é explicado que a casa de função lhe estava atribuída “de acordo com os critérios fixados pelo Conselho Superior do Ministério Público” e se ela apenas contrapõe que não tem necessidade da casa e que, havendo mais do que um candidato, era titular de um direito de preferência que poderia exercitar ou não.
Nº Convencional:JSTA00067032
Nº do Documento:SA1201106090327
Data de Entrada:04/04/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO DIRECTIVO DO INST DE GESTÃO FINANCEIRA E PATRIMONIAL DA JUSTIÇA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2010/06/30.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO. / DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2:DIR MAG - EST MAG.
Legislação Nacional:EMP98 ART28 N5 ART64 N2 ART80 ART81 ART85 N2 ART102 N2 ART103 ART104.
CPA91 ART124 ART125.
LOMP78 ART93 ART94 ART95.
LOMP86 ART80 ART81 ART82.
EMJ77 ART21 ART22 ART23.
EMJ85 ART29 N1 ART30.
DL 13809 DE 1927/06/22 ART165 - ART167.
DL 15344 DE 1928/04/12 ART165 - ART167.
DL 33647 DE 1944/02/23 ART87 - ART90.
DL 44278 DE 1962/04/14 ART167 ART168 ART169 ART192.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC30137 DE 1997/06/04.; AC STA DE 1989/01/17 IN BMJ N383 PAG322.; AC STA PROC48071 DE 2002/02/28.; AC STA PROC44051 DE 1999/10/28.; AC STA PROC36197 DE 1997/02/27.; AC STAPLENO PROC30218 DE 1996/11/27.; AC STAPLENO PROC27387 DE 1993/05/25.; AC STA PROC20901 DE 1998/02/18.; AC STA PROC32184 DE 1994/03/08.
Referência a Pareceres:P PGR 68/83 DE 1983/06/09.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG244.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
A…, com melhor identificação nos autos, veio recorrer da sentença do TAC do Porto, de 30.6.10, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs da deliberação de 8.11.2001 do CONSELHO DIRECTIVO DO INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E PATRIMONIAL DA JUSTIÇA, que lhe determinou o cancelamento do subsídio de compensação auferido, com efeitos a partir de 16.06.2001, a reposição da quantia 353.333,00 Escudos, a que correspondem 1.176,42 Euros, no prazo de 30 dias e o pagamento, a título de contraprestação, da quantia de 7.774,00 Escudos, a que correspondem 38,77 Euros, a partir de 15.06.2001.
Para tanto alegou, vindo a concluir como segue:
A) Decorre do ponto 6. da matéria de facto assente que nunca foi proferido qualquer acto administrativo de atribuição à ora recorrente de casa de função, na sequência da colocação a que alude o ponto 1. da mesma matéria de facto;
B) Do ponto 2. da matéria de facto assente decorre terem sido dois os Magistrados do Ministério Público colocados na comarca de …, no mesmo movimento;
C) A nenhum dos Magistrados nesses termos colocados foi concedida a possibilidade de se pronunciarem acerca da questão da atribuição da casa de função;
D) Decorre dos autos que não se verificam os requisitos de validade ou sequer de existência de um qualquer acto administrativo de atribuição à ora recorrente da casa de função existente na comarca de …
E) Exige-se que um qualquer acto administrativo verse sobre uma situação individual e concreta, para ser válido e eficaz, designadamente em relação ao respectivo destinatário;
F) A própria entidade recorrida admitiu nos autos a inexistência de acto administrativo de atribuição à ora recorrente da casa de função;
G) Pelo que, o acto recorrido elimina o direito de a ora recorrente continuar a perceber o subsídio de compensação e determina a reposição de quantias, com evidente prejuízo para a mesma, com base num acto administrativo juridicamente inexistente;
H) Outrossim, o acto recorrido é perfeitamente omisso no que respeita à indicação das razões CONCRETAS ou fundamentos da atribuição à ora recorrente da referida casa de função, em detrimento do outro Magistrado colocado no mesmo movimento, atentas as respectivas consequências legais;
I) Aliás, o acto recorrido é perfeitamente OMISSO em relação ao facto de terem sido DOIS os Magistrados colocadas nessa comarca, na mesma altura;
J) Nessa medida, o acto recorrido é imperceptível para qualquer destinatário, em geral, e para a ora recorrente, em particular, em termos de fundamentação;
K) A obrigação de fundamentação dos actos administrativos decorre dos arts. 1.°, n° 1, al. a) e n° 2 do DL n° 256-A/77, de 17 de Junho (em vigor à data dos factos) e dos artigos 124.°, n° 1, al. a) e 125.°, n° 1 e n° 2, do Código de Procedimento Administrativo - pelo que a decisão recorrida padece de um vício de forma, traduzido na respectiva falta de fundamentação;
L) Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que não esclareçam concretamente a motivação de facto do acto administrativo;
M) A decisão recorrida incorre ainda em violação do artº 268°, n° 3, da Constituição, na medida em que a obrigação de fundamentação tem subjacente um imperativo de defesa do interesse público, além de permitir o controlo da legalidade do próprio acto;
Sem prescindir,
N) A jurisprudência proveniente do Conselho Superior do Ministério Público vai no sentido de que o art. 102.°, n° 2, do Estatuto do Ministério Público configura um direito de preferência do Magistrado mais antigo, nos casos em que exista mais do que um interessado na chamada casa de função;
O) Tal direito configura-se como a possibilidade de “escolher em primeiro lugar” a atribuição da casa de função, com as consequências decorrentes;
P) Todavia, no caso em apreço a NENHUM dos Magistrados colocados na comarca de … foi dada sequer a possibilidade de se pronunciarem acerca da questão de atribuição da casa de função, não tendo os mesmos sido previamente auscultados;
Q) Aliás, nem sequer existiu qualquer acto ou deliberação da entidade recorrida identificando qualquer um desses Magistrados como o beneficiário da casa de função;
R) Padece, por isso, a decisão recorrida do vício de violação da lei, decorrente da violação do disposto no art. 102.°, n° 2, do Estatuto do Ministério Público.
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento omitido, vem requerer:
a) A revogação da decisão recorrida, devendo por via disso ser o presente recurso julgado procedente e por via disso ser declarada a anulação do acto recorrido, melhor identificado no ponto 6. da matéria de facto considerada assente, com todos os efeitos legais decorrentes;
b) A condenação da entidade recorrida a deferir à ora recorrente o pagamento de todas as quantias devidas a título de subsídio de compensação, por todo o respectivo período de permanência na comarca de …, de conformidade com o disposto no art. 102.°, n. 2, do Estatuto do Ministério Público.”
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
“1. Entendemos, pelas razões que constam da sentença, que o acto recorrido não enferma de vício de forma por falta de fundamentação.
2. Como bem refere a sentença recorrida, ao analisar o disposto no artº 102º, nº 2, da Lei nº 47/86, de 15.10, “considerando que a norma em apreço define as situações efectivamente a considerar, não havendo qualquer fundamento para que se veja o afloramento, na legislação vigente, de um qualquer “tertium género”, que permita enquadrar a situação da recorrente, não estando em causa a existência de um qualquer direito de preferência, mas sim uma definição da matéria em apreço entre magistrados do Ministério Público que permita também à Administração uma resposta pronta e clara no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações neste domínio, não procede a alegação da recorrente em relação ao invocado vício de violação de lei por desrespeito do artº 102º, nº 2 da Lei nº 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, pois que a norma em apreço não contempla a situação descrita pela recorrente”.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.”
Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.
II Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Na sequência de despacho publicado no Diário da República, datado de 15-06-2001, 2ª Série, a ora recorrente (Magistrada do Ministério Público) foi colocada no Tribunal Judicial de … na sequência de precedente movimento de magistrados do Ministério Público, realizado em 4 de Abril de 2001.
2. Com referência ao movimento e despacho referidos em 1., foi colocado no Tribunal Judicial de … um outro Magistrado do Ministério Público, com antiguidade no exercício da profissão inferior à da ora recorrente.
3. A ora recorrente remeteu em 09-07-2001 a comunicação que consta de fls. 47 do PA apenso dirigida ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça na qual informa que não pretende ocupar a casa de função existente na Comarca de …, adstrita a um Magistrado do Ministério Público, referindo, além do mais, que “... A justificação para a presente opção deve-se à circunstância de ter a minha vida pessoal e familiar organizada na referida comarca desde há alguns anos. Todavia, venho declarar que pretendo continuar a receber o subsídio de compensação, sendo que a opção contrária me traria inconvenientes, com os quais não me poderia conformar. ...“ (fls. 47 do PA apenso cujo teor aqui se dá por
4. Nesta sequência, foi elaborada a Informação N° 28/2001 que consta de fls. 39 a 44 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se aponta, além do mais, que:
“(…)
6. Verifica-se, agora, que a Procuradora-Adjunta Dra. A…, foi colocada no Tribunal de … por despacho publicado no DR, 2, de ….
Nessa data, foi-lhe atribuída casa de função, de acordo com os critérios fixados pelo Conselho Superior do Ministério Público, a que alude o precedente ponto 4.
Não obstante a identificada Procuradora-Adjunta se ter dirigido ao IGFPJ, por carta de 9/7/2001, informando que não pretende ocupar tal casa (por ter a sua vida pessoal e familiar organizada na comarca desde há alguns anos) mas que pretende continuar a receber o subsídio de compensação pois a opção contrária lhe traria inconvenientes, não constituem tais razões fundamento legal para se continuar a atribuir subsídio a partir de 15/6/2001.
Pelos motivos expostos nos pontos precedentes, o subsídio de compensação só é devido a quem esteja autorizado a residir noutro local ou a quem não tenha casa de função atribuída, para o que é juridicamente irrelevante que a não pretenda habitar, tudo nos termos do art° 102°, n° 2 do Estatuto do Ministério Público.
Não se encontrando a referida Procuradora-Adjunta em nenhuma dessas situações (a casa de função foi-lhe atribuída a partir de 15/6/2001) e tendo-lhe sido abonado indevidamente o subsídio de compensação, deve ser determinado à mesma que proceda à reposição das quantias indevidamente recebidas desde então, no valor total de 353 333$00, conforme nota discriminativa (anexo 1)
Deve, igualmente, ser notificada para proceder ao pagamento das contraprestações devidas pela casa atribuída, desde 15/6/2001 até à data e que totalizam 7.774$00, assim discriminados:
7. Assim, propõe-se que o Conselho Directivo do IGFPJ, tendo por base os fundamentos expostos na presente informação e respectivo anexo, delibere o seguinte:
a) Há lugar há reposição, pela Procuradora-Adjunta A…, do montante de 353 333$00, relativo a subsídio de compensação recebido indevidamente a partir de 15/6/2001;
b) A reposição mencionada na alínea anterior deve ser efectuada por depósito, no prazo de 30 dias, na conta n° 0697/800101/9.26, da Caixa Geral de Depósitos, a favor do Cofre Geral dos Tribunais;
c) E devido, pela mesma Procuradora-Adjunta, o pagamento da contraprestação pela casa de função atribuída desde 15/6/2001, montante de 7.774$00, conforme discriminação no precedente ponto 6.”
5. Sob a Informação que antecede, a entidade recorrida deliberou em 08-11-2001 nos seguintes termos: “Com os fundamentos constantes da presente informação, concorda o Conselho Directivo com as propostas constantes do ponto n° 7, deliberando em conformidade (Acto Recorrido) (fls. 39 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido);
6. Não houve qualquer deliberação de qualquer órgão do recorrido a atribuir a casa de função em questão à recorrente (fls. 83 a 85 destes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido);
7. A recorrente intentou o presente recurso em 05-02-2002 (fls. 3 dos presentes autos).”
III Direito
1. A sentença recorrida apreciou dois vícios, os únicos que foram suscitados, vício de forma por falta de fundamentação e vício de violação de lei por infracção ao preceituado no art. 102º do EMP (Lei nº 47/86, de 15.10, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 60/98, de 27.8). Todavia, a recorrente quer na petição inicial (fls. 3/7) quer nas respectivas alegações (fls. 60/65) só invocou este último. O vício de forma apenas foi alegado pelo magistrado do MP no seu parecer (fls. 97/98). A recorrente, aproveitando essa alegação e a circunstância de o referido vício ter sido apreciado na sentença acabou por incluí-lo na sua alegação de recurso.
2. A sentença abordou, assim, a primeira daquelas ilegalidades: “O objecto do presente recurso é a decisão do ente recorrido que determinou o cancelamento do subsídio de compensação auferido pela ora recorrente com efeitos a partir de 15-06-2001, a reposição da quantia de Esc. 353.333$00, a que corresponde €1.176,42 no prazo de 30 dias e o pagamento, a título de contraprestação, da quantia de Esc. 7.774$00, a que correspondem € 38,77 a partir igualmente de 15-06-2001. A recorrente sustenta que o acto administrativo em apreciação enferma do vício de forma por falta de fundamentação e de vício de violação de lei por desrespeito ao art. 102° n° 2 da Lei n° 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 60/98, de 27 de Agosto. A recorrente defende, desde logo, que o acto impugnado padece do vício de falta de fundamentação.
Nos termos do disposto no art. 124° do C.P.A., sob a epígrafe de “Dever de fundamentação”, temos que: “( …) 1- Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. 2- Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal”. Estatui o art. 125° do C.P.A. que: “1- A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto. 2 - Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. 3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados”. Os normativos agora apontados correspondem ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268°, n.° 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade (Acs. Do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.° 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 Proc. n.° 30.137). Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão. A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu (Prof. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. III, pag. 244). Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro. Com tal dever de fundamentação visa-se “captar com transparência a actividade administrativa”, sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo. Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual. Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo valorativo da decisão. É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea. A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Com interesse para o enquadramento desta questão, cabe notar que se apurou que: “3. A ora recorrente remeteu em 09-07-2001 a comunicação que consta de fls. 47 do PA apenso dirigida ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça na qual informa que não pretende ocupar a casa de função existente na Comarca de …, adstrita a um Magistrado do Ministério Público, referindo, além do mais, que “.. A justificação para a presente opção deve-se à circunstância de ter a minha vida pessoal e familiar organizada na referida comarca desde há alguns anos. Todavia, venho declarar que pretendo continuar a receber o subsídio de compensação, sendo que a opção contrária me traria inconvenientes, com os quais não me poderia conformar. ...“ (fls. 47 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido); 4. Nesta sequência, foi elaborada a Informação N° 28/2001 que consta de fls. 39 a 44 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se aponta, além do mais, que: 6. Verifica-se, agora, que a Procuradora-Adjunta Dra. A…, foi colocada no Tribunal de … por despacho publicado no DR, 2, de … . Nessa data, foi-lhe atribuída casa de função, de acordo com os critérios fixados pelo Conselho Superior do Ministério Público, a que alude o precedente ponto 4. Não obstante a identificada Procuradora-Adjunta se ter dirigido ao IGFPJ, por carta de 9/7/2001, informando que não pretende ocupar tal casa (por ter a sua vida pessoal e familiar organizada na comarca desde há alguns anos) mas que pretende continuar a receber o subsídio de compensação pois a opção contrária lhe traria inconvenientes, não constituem tais razões fundamento legal para se continuar a atribuir subsídio a partir de 15/6/2001. Pelos motivos expostos nos pontos precedentes, o subsídio de compensação só é devido a quem esteja autorizado a residir noutro local ou a quem não tenha casa de função atribuída, para o que é juridicamente irrelevante que a não pretenda habitar, tudo nos termos do art° 102°, n° 2 do Estatuto do Ministério Público. Não se encontrando a referida Procuradora-Adjunta em nenhuma dessas situações (a casa de função foi-lhe atribuída a partir de 15/6/2001) e tendo-lhe sido abonado indevidamente o subsídio de compensação, deve ser determinado à mesma que proceda à reposição das quantias indevidamente recebidas desde então, no valor total de 353 333$00, conforme nota discriminativa (anexo 1). Deve, igualmente, ser notificada para proceder ao pagamento das contraprestações devidas pela casa atribuída, desde 15/6/2001 até à data e que totalizam 7.774$00, assim discriminados: 7. Assim, propõe-se que o Conselho Directivo do IGFPJ, tendo por base os fundamentos expostos na presente informação e respectivo anexo, delibere o seguinte: b) Há lugar há reposição, pela Procuradora-Adjunta A…, do montante de 353 333$00, relativo a subsídio de compensação recebido indevidamente a partir de 15/6/2001; c) A reposição mencionada na alínea anterior deve ser efectuada por depósito, no prazo de 30 dias, na conta n° 0697/80010 1/9.26, da Caixa Geral de Depósitos, a favor do Cofre Geral dos Tribunais; d) E devido, pela mesma Procuradora-Adjunta, o pagamento da contraprestação pela casa de função atribuída desde 15/6/2001, no montante de 7.774$00, conforme discriminação no precedente ponto 6. 5. Sob a Informação que antecede, a entidade recorrida deliberou em 08-11-2001 nos seguintes termos: “Com os fundamentos constantes da presente informação, concorda o Conselho Directivo com as propostas constantes do ponto n° 7, deliberando em conformidade (Acto Recorrido) (fls. 39 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido);””
Neste domínio, considerando o teor da Informação N° 28/2001 que consta de fls. 39 a 44 do PA apenso, tem de entender-se que a deliberação em apreço integra os fundamentos de anterior Informação onde se expõem por forma clara, congruente e suficiente as razões de facto e de direito conducentes à decisão. Quanto a este último elemento, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado (neste sentido, os Acs. do STA de 28-02-02, Rec. n° 48071, de 28-10-99, Rec. n° 44051, de 08-06-98, Rec. n° 4221 07-05-98, Rec. 11032694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. n° 30218). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. (Pleno) de 25-05-93, Rec. 11° 27387, de 27-02-97, Rec. n° 36197. Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta. (…). O que manifestamente ocorre na situação dos autos, até porque a fundamentação dos actos administrativos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do administrado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la. Assim, é de concluir que o acto impugnado, complementado pela aludida Informação acima descrito, permite concluir a um destinatário normal, como permitiu à recorrente, conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder apresentar adequadamente impugnação contenciosa quanto ao decidido. A recorrente aponta, no que é acompanhada pelo Ministério Público, que havendo apenas uma casa de função disponível, e tendo sido colocados no mesmo movimento na dita comarca dois Magistrados do Ministério Público da mesma categoria, a afectação de tal casa à recorrente é claramente infundamentada inquinando do mesmo vício a deliberação impugnada, pois em tal acto é imperceptível a qualquer destinatário o porquê da afectação de tal casa de função à recorrente e não ao colega supra referido. Ora, o que está em causa nos autos é a deliberação de 08-11-2001 e não a situação em abstracto, de modo que, analisando a Informação que suporta o acto impugnado, entende-se que o recorrido, ao assumir a decisão que consta dos autos, fez uma opção que se mostra devidamente enquadrada, de modo que, tendo em conta o conteúdo e alcance do acto recorrido, em função da factualidade apurada nos autos em conjugação com o que fica exposto, temos que a decisão final objecto do presente recurso contencioso está fundamentada nos termos descritos de forma suficiente de modo a que um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa fique em condições de saber toda a motivação que esteve na base se decidiu daquela forma, o que significa que a decisão da autoridade recorrida cumpriu o que se impõe nos arts. 124° e 125° ambos do C.P.A., além de que este elemento encontra melhor enquadramento no vício que se apreciará em seguida”.
Confirma-se inteiramente o decidido. Sublinha-se, ainda, que a própria recorrente não sentiu qualquer dificuldade em compreender o conteúdo exacto do acto impugnado, percebendo todas as razões que o suportavam – nos planos fáctico e jurídico - tanto que não suscitou o vício, que veio a ser arguido exclusivamente pelo Ministério Público, sendo certo que se trata de uma ilegalidade essencialmente instrumental visando o destinatário do acto. A recorrente não só não o invocou como o pôde atacar com fundamento na sua ilegalidade material, ilegalidade de que se irá tratar de seguida. Por outro lado, isso está explicado na informação que serviu de suporte ao acto impugnado que não mereceu nenhuma objecção de sua parte, a recorrente sabia que a casa de função lhe estava destinada e as razões da sua afectação a si. Por isso, só por saber que a casa lhe tinha sido atribuída é que logo apresentou o requerimento identificado no ponto 3. dos factos provados referindo que a não queria e as razões que suportavam a sua pretensão. Não tem, pois, cabimento o que se diz nas conclusões A/G da sua alegação. Quando impugnou o acto lesivo a interessada não sentiu qualquer necessidade de obter um acto anterior atributivo da casa, não estando prevista sequer na lei uma tal necessidade. Os direitos estatutários não são atribuídos por acto administrativo, exercem-se.
Improcede, pois, o alegado a este propósito.
3. Vejamos, agora, o que ali se disse sobre a segunda: “Como ficou dito, a recorrente defende também que o administrativo em apreciação enferma do vício de violação de lei por desrespeito ao art. 102° n° 2 da Lei n° 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 60/98, de 27 de Agosto. Que dizer? O normativo a que a recorrente alude aponta no seu n° 1 que “nas localidades em que se mostre necessário, o Ministério da Justiça põe à disposição dos magistrados do Ministério Público, durante o exercício da sua função, casa de habitação mobilada, mediante o pagamento de uma contraprestação mensal, a fixar pelo Ministro da Justiça, de montante não superior a um décimo do total das respectivas remunerações”, dispondo o n° 2 que “os magistrados que não disponham de casa de habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem conforme o disposto na parte final do n.° 2 do artigo 85.° têm direito a um subsídio de compensação fixado pelo Ministro da Justiça, ouvidos o Conselho Superior do Ministério Público e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes do mercado local de habitação”.
Na sua alegação, a recorrente alude ainda aos Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público datados de 7-11-1978, 26-06-1979 e 31-03-1981, defendendo que está em causa a caracterização do direito de preferência atribuído aos Magistrados do Ministério Público com maior antiguidade no exercício da profissão, em caso de renúncia à ocupação da chamada “casa de função” para efeitos de manutenção do direito a auferir o subsídio de compensação previsto no art. 102° do Estatuto do Ministério Público, quando tenha sido colocado na mesma comarca e na mesma data outro Magistrado com antiguidade no exercício da profissão inferior. Nesta sequência, a recorrente aponta que a figura que mais se aproxima do referido direito de preferência é o direito legal de preferência, cujo regime legal deverá ser aplicado por analogia. Nesta matéria, o Ministério Público aponta que o direito de preferência é direito de escolher em primeiro lugar e “in casu” escolher habitar ou não tal casa com as legais consequências em termos de subsídios e dos correspondentes pagamentos, e, sendo a recorrente a mais antiga dos dois magistrados então movimentados, entende que a recorrente deveria ter sido auscultada para exercer, querendo, tal direito e não o foi, considerando desta maneira que existe a invocada violação de lei. Para enquadrar esta matéria, importa notar o exposto no Parecer da PGR P000421998 de 27-01-2000, onde se aponta, além do mais, que: 2.1. Relativamente aos magistrados do Ministério Público, dispunha o artigo 93° da sua primeira Lei Orgânica - Lei n° 39/78, já citada: “Artigo 93° (Direito a casa mobilada)
1. Os magistrados do Ministério Público têm direito a casa mobilada para sua habitação, na sede do tribunal ou serviço, fornecida pelo Estado, mediante o pagamento de renda que não deve exceder um oitavo dos vencimentos orçamentados.
2. Os encargos com casas fornecidas pelos municípios serão suportados pelo Estado logo que tenha lugar a transferência para este da respectiva propriedade.
3. Quando não haja casas destinadas a habitação dos magistrados do Ministério Público, ser-lhes-á atribuído um subsídio de compensação de montante que, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, o Ministro da Justiça fixará, tendo em conta os preços correntes do mercado local de habitação.
4. O subsídio referido no número anterior constitui encargo do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça.”
Pela Lei n° 47/86, de 15 de Outubro..., é aprovada nova Lei Orgânica do Ministério Público, cujo artigo 80° não altera substancialmente o anteriormente previsto no que concerne ao direito a casa mobilada ou, sucedaneamente, ao subsídio de compensação: “Artigo 80° (Casa de habitação)
1. Nas localidades em que se mostre necessário, o Ministério da Justiça, põe à disposição dos magistrados do Ministério Público, durante o exercício da sua função, casa de habitação mobilada, mediante o pagamento de uma contraprestação mensal, não superior a um décimo do total das respectivas remunerações,
2. Os magistrados que não disponham de casa de habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem conforme o disposto no n° 2 do artigo 64°, têm direito a um subsídio de compensação fixado pelo Ministro da Justiça, ouvidos o Conselho Superior do Ministério Público e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes do mercado local de habitação.”
A Lei n° 47/86 foi recentemente alterada pela Lei n° 60/98, de 27 Agosto, mas sem reflexos de relevo na questão que ora nos ocupa. Agora o artigo 102° que trata da casa de habitação, sendo que a única alteração relativamente ao anterior artigo 80º se traduz na actualização do número do artigo que trata do domicílio necessário e da autorização para residir em local diferente (antes era o artigo 64°, n° 2, e agora é o artigo 85°, n° 2, parte final): “Artigo 102° (Casa de habitação)
1.
2. Os magistrados que não disponham de casa de habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem conforme o disposto na parte final do n° 2 do artigo 85° têm direito a um subsídio de compensação fixado pelo Ministro da Justiça, ouvidos o Conselho Superior do Ministério Público e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes do mercado local de habitação.”
3. Concomitantemente e em contrapartida a este direito a casa mobilada ou, mais tarde e na falta daquela, a um subsídio de compensação, o legislador teve sempre a preocupação de fixar obrigações aos magistrados, nomeadamente a de permanência na comarca onde prestam serviço, como forma de garantir uma sua total e absoluta disponibilidade para o serviço, e de contribuir para o prestígio do órgão de soberania Tribunais, de que fazem parte, pela dignidade do exercício da função e exemplo de conduta cívica.
3.1. Ao mesmo tempo que se reconhece na lei o direito a casa mobilada, impõe-se ao magistrado o pagamento de uma renda, ainda que não a habite, sendo responsável pelos artigos de mobília que se inutilizem ou danifiquem em uso diverso daquele a que são destinados, ou por sua culpa ou negligência - artigos 165° a 167° do Decreto-Lei n° 13809, de 22 de Junho de 1927; artigos 165° a 167° do Decreto-Lei n° 15344, de 12 de Abril de 1928; artigos 87° a 90° do Decreto-Lei n° 33547, de 23 de Fevereiro de 1944; artigos 167°, 168°, 169° e 192° do Decreto-Lei n° 44278, de 14 de Abril de 1962; artigos 21°, 22°, e 23° da Lei n° 85/77, de 13 de Dezembro; artigos 29°, 30° e 31° da Lei n° 21/85, de 30 de Julho; artigos 93°, 94° e 95° da Lei n°39/78, de 5 de Julho; artigos 80°, 81° e 82° da Lei n° 47/86, de 15 de Outubro, e artigos 103° e 104° da Lei n° 60/98, de 27 Agosto.
3.2. Mas o legislador exigiu ainda que os magistrados tivessem residência obrigatória na sede do tribunal onde prestam funções, primeiro, na área da circunscrição judicial depois, ou, mais tarde, em outros locais do País, da sua opção, mas sempre mediante autorização dos respectivos Conselhos Superiores e sem prejuízo para o serviço.
3.2.3. Por sua vez, a primeira Lei Orgânica dos magistrados do Ministério Público - Lei n° 39/78 - impõe também um domicílio necessário, uma proibição de ausência da respectiva circunscrição, bem como uma autorização para fixação de residência fora da circunscrição, caso ocorra motivo justificado: “Artigo 80° (Domicílio necessário): 1. Os magistrados do Ministério Público têm domicílio necessário na sede do tribunal ou serviço onde exerçam funções, podendo, todavia, residir em qualquer ponto da circunscrição desde que eficazmente servido de transporte público regular. 2. Ouvidos os interessados, o Conselho Superior do Ministério Público indicará o local onde devem residir os magistrados que servem num grupo de comarcas. 3. Por motivo justificado, o Conselho Superior do Ministério Público pode autorizar a residência fora da circunscrição.” “Artigo 81° (Ausência): 1. É proibido aos magistrados do Ministério Público ausentarem-se da respectiva circunscrição, a não ser em virtude de licença de férias ou nas férias judiciais, domingos e feriados. 2. A ausência ilegítima implica, além da responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado.”. Anote-se que, mesmo no caso de ausência justificada, sempre os magistrados do Ministério Público devem informar previamente o local em que podem ser encontrados - artigo 28°, n° 5. A Lei Orgânica do Ministério Público aprovada pela Lei n° 47/86, de 15 de Outubro, manteve inalterável, nos artigos 64°, 65° e 66°, o regime estabelecido nos diplomas que vimos de citar (pelo artigo 3° da Lei n° 10/94, de 5 de Maio, foi tomado extensível ao Ministério Público o teor do artigo 8° da Lei n° 21/85, que acabámos de transcrever). A Lei n° 60/98, de 27 de Agosto, já citada, e que introduziu alterações àquela Lei Orgânica do Ministério Público, não se arredou, na matéria que vimos tratando, dos princípios e parâmetros antes estabelecidos, agora tratados nos artigos 85° a 87°. De registar que, relativamente aos magistrados do Ministério Público, não é contemplada a dispensa - mitigada - da obrigação de domicilio necessário, prevista no artigo 8° do Estatuto dos magistrados judiciais para os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações.
4. Não são abundantes nem muito impressivos os textos que nos permitiriam reconstituir o elemento teleológico que presidiu à consagração normativa do direito a casa de habitação e do dever de domicílio necessário dos magistrados no exercício das suas funções. Mas, as notas e referências disponíveis indicam que a preocupação do legislador foi sempre a de proporcionar ao magistrado uma habitação condigna e adequada às funções que desempenha, em área próxima da comarca onde foi colocado, tendo sempre em devida conta o prestígio e a essencialidade da função que prestam. A primeira referência encontrada remonta a 1926, e consta do preâmbulo do já citado Decreto n° 11871, onde se pode ler: “Ao lado das deficiências intrínsecas de que até hoje tem sofrido o organismo judicial, um outro motivo tem contribuído para o seu defeituoso funcionamento: a falta de casas para residências dos magistrados, que, por lei e pela natureza especial das suas funções, são obrigados a residir nas sedes das suas comarcas. E se alguns sofismam esta obrigação legal, outros se desculpam, e com razão, com a falta absoluta de casas para habitar (...). “Vêem-se assim os magistrados coagidos a não residir nas comarcas, em que por vezes não há sequer uma modesta hospedaria que os albergue, e onde, quando haja, é absolutamente inconveniente a sua permanência pelo contacto forçado a que esta os obriga com as próprias partes, advogados e testemunhas. “Pretender que os magistrados residam nas suas comarcas e não se lhes dar meios para isso é uma utopia que se não pode realizar.” O Estatuto dos Magistrados Judiciais vertido na Lei n° 21/85, de 30 de Julho, teve por base a proposta de Lei n° 76/111, antecedida de um projecto de estatuto ... que se destinava a converter-se em proposta de lei, o que não chegou a acontecer. Embora na exposição de motivos desse projecto nenhuma alusão explicativa seja feita à razão de ser de atribuir de casa aos magistrados, ou na sua falta, de um subsídio de compensação, nela se mencionam os “benefícios de residência e de habitação” assegurados pelo Estado, bem como a “obrigação de domicílio” com reflexos na rentabilidade de alguns tribunais. Pode ler-se no ponto 7 dessa exposição de motivos...: “o reforço da garantia de estabilidade é acompanhado de um regime mais estrito que o actual quanto à obrigação de domicílio. Facultada ao magistrado a possibilidade de se fixar numa circunscrição e assegurados pelo Estado benefícios de residência e de habitação, deixou de ter justificação o sistema vigente de domicílio optativo que a experiência demonstrou pesar substancialmente na rentabilidade de alguns tribunais. “Pretende-se, ao mesmo tempo, que os magistrados possam cada vez mais desempenhar no meio em que exercem funções, pelo seu comportamento cívico, uma acção de pedagogia do direito.” Nenhuma alusão específica se detecta também, relativamente a esta matéria, nas notas justificativas que introduziram o articulado da respectiva Proposta de Lei, e o sentido de algumas propostas de alteração não permitem entender as diferenças de regime que vieram a ser consagradas relativamente ao contemplado no anterior estatuto dos magistrados judiciais – Lei n° 85/77. As poucas alusões à matéria no processo legislativo que terminou na Lei n° 21/85, aqui em análise, nenhuma utilidade interpretativa revelam. Na discussão na generalidade no plenário da Assembleia da República apenas se registam duas intervenções respeitantes à questão de habitação dos magistrados judiciais, afirmando-se: “Reformular o Estatuto dos Magistrados sem uma devida ponderação dos direitos de natureza social que lhes devem ser especialmente reconhecidos, como o de habitação, e os de natureza económica, como o da justa remuneração profissional, constituiria gravíssima desatenção por parte desta Assembleia.” Entendeu-se que representava um reforço da independência dos magistrados a “atribuição de casa mobilada” ... . No preâmbulo do Decreto-Lei n° 281/71, de 24 de Junho, que, como já dissemos, veio introduzir, ainda que em termos limitados, o subsídio de compensação pela não atribuição aos magistrados de casa de função, diz-se: Aproveita-se, todavia, a oportunidade para alterar alguns preceitos relativos aos magistrados, cuja revisão urgia. Designadamente atentas as frequentes mudanças de comarca que a carreira impõe, procura-se colocá-los a todos o mais possível em condição de igualdade quanto a habitação
5. Sendo certo que estas notas foram as únicas encontradas a justificar ou a tocar a problemática e razão de ser da atribuição de casa aos magistrados, ou, na sua falta, de subsídio de compensação, certo é que sempre, com alterações de pormenor, o legislador manteve nos diversos e sucessivos diplomas legislativos sobre o estatuto dos magistrados, que atravessaram as várias vicissitudes políticas do País, o direito a casa mobilada e, mais tarde, a um subsídio compensatório no caso de lhes não ser fornecida habitação, pelo que se pode concluir que aquelas preocupações e razão de ser da opção legislativa se mantêm, ou seja, a casa de habitação ou, na sua falta, o subsídio de compensação são atribuídos aos magistrados por causa da função que exercem.
6. Face ao teor dos normativos citados, à sua inserção sistemática nos respectivos diplomas, e à interpretação conjugada dos mesmos, há que concluir que o legislador, dadas as específicas e fundamentais funções dos magistrados, competindo-lhes a realização do direito, promover e fazer a justiça para e em nome do Povo, sempre procurou, independentemente dos regimes políticos prosseguidos, fixar os magistrados nas comarcas onde exerciam funções. Funções que não se compadecem com a existência e cumprimento de horários ou ausências que prejudiquem o serviço público que prestam. O magistrado tem de permanecer disponível para o serviço, nomeadamente o urgente. Exigências estas de interesse e ordem pública a imporem ao Estado, como condição do exercício das funções, a atribuição de casa ou, na sua falta, de um subsídio compensatório aos magistrados, que, em contrapartida são obrigados a ter um domicílio necessário, vendo comprimidos direitos fundamentais, como sejam a liberdade de circulação e de escolha livre da localidade domiciliária. Devem comunicar aos respectivos Conselhos Superiores as ausências da comarca e, para não habitarem na sede desta ou na área da circunscrição judicial, têm de solicitar autorização àqueles órgãos superiores de gestão e fiscalização disciplinar, que só anuirão ao pedido demonstrado que seja o não prejuízo para o serviço. A estas razões, acresce a frequente mobilidade a que estão sujeitos os magistrados na sua colocação nas várias comarcas do País e por causa das promoções nas respectivas carreiras, que igualmente não se compadece com as contingências do mercado de habitação, conhecidas que são as assimetrias entre as diversas regiões do País, com reflexos na oferta de habitação condigna e a preços acessíveis. Se a disponibilidade permanente dos magistrados para o serviço, sobretudo para o urgente, e a mobilidade a que estão sujeitos por força dos frequentes movimentos se mostram mais evidentes e incisivas nos tribunais de primeira instância, o prestígio da função, no qual se reflecte a dignidade da habitação, já contende, por igual, com todas as categorias profissionais, desde os magistrados da primeira instância aos do Supremo Tribunal de Justiça. Importa ainda reter que, como já se assinalou, mesmo relativamente aos juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, se pode verificar um condicionalismo à livre escolha do domicílio, por decisão do Conselho Superior da Magistratura, determinada por motivos de serviço. A circunstância de o legislador dispensar, em princípio, os juízes dos tribunais superiores da obrigação de domicílio - o que se compreende, atenta a amplitude da circunscrição territorial em que exercem funções e a menor intensidade e frequência do trabalho urgente - não põe em causa a incindibilidade entre a atribuição de casa ou, na sua falta, de um subsídio de compensação, e o exercício das funções de magistrado. Simultaneamente, a consagração legal do princípio da dispensa de obrigação de domicílio para aqueles magistrados e a permanência do direito a casa de habitação ou de subsídio de compensação podem traduzir a permanente preocupação do legislador com a projecção de uma imagem de dignidade da função. Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 1998, no processo n° 20901, “(…) deverá continuar a entender-se que a disposição de uma habitação condigna pelos magistrados, como membros de um órgão de soberania, constitui uma necessidade complementar da própria instalação dos tribunais, sendo exigida ao magistrado a sua manutenção como um dos aspectos exteriores à função, mas necessárias ao seu prestígio. “A razão da atribuição de tais casas condignas, assim, é uma necessidade imposta pelo prestígio da própria função, idêntica à que, a outro nível, impõe ao Presidente da República e aos Chefes do Governo a residência em palácios a esse fim destinados. “Tal atribuição de casa visa “dignificar a função de titulares de órgãos de soberania e, reflexivamente, a própria imagem do Estado face aos cidadãos ... Para os magistrados poderem exercer condignamente a sua função, a lei disponibiliza-lhes uma casa de habitação ou, na sua falta, um subsídio de compensação. Assim, a atribuição de subsídio de compensação pressupõe a prévia inexistência de casa mobilada, da inteira responsabilidade do Estado. Disse-se no parecer n° 68/83, de 9 de Junho de 1983, já citado, que o subsídio de compensação continua a funcionar como sucedâneo do fornecimento de casa: “só há direito a subsídio se houver direito a casa e se este direito não for satisfeito pelo Estado”. Retomando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Fevereiro de 1998, que vimos acompanhando, nele se afirma a certo passo: “E certo, que a atribuição de casa nos termos referidos tem também vantagem para os magistrados que a habitam. Porém, é por essa razão que a atribuição de casa não é gratuita, sendo paga uma “contraprestação mensal” pelo magistrado a quem é atribuída (artigo 29°, n° 1, da Lei 21/85), que visa precisamente restituir à atribuição de casa a neutralidade a nível do estatuto remuneratório dos magistrados, retirando-lhe o carácter de remuneração em espécie. Por ser uma necessidade imposta pela função, é que a lei impõe aos magistrados a manutenção da casa atribuída, com o correspectivo pagamento da renda, mesmo que o magistrado não a habite (artigo 30° da Lei n° 21/85, citado), situação em que, como é evidente, a atribuição de casa constitui, manifestamente, um encargo. Sendo a manutenção de uma casa condigna uma exigência da própria função de magistrado, a exigência de possuir uma habitação que obedeça a esse requisito é imposta também aos magistrados a quem ela não é atribuída que, por isso, terão de pelos seus próprios meios, dar satisfação àquela necessidade imposta pela função. E por essa razão que a estes magistrados, a quem é imposta tal obrigação sem o fornecimento em espécie dos meios para o seu cumprimento, é atribuído o referido “subsídio de compensação”, que tem esta denominação precisamente por visar compensar os magistrados dos encargos que têm de suportar para cumprirem a referida obrigação de manterem a casa condigna com a sua posição social que o prestígio das suas funções reclama. (...).““
Neste domínio, em função do que fica exposto em relação ao enquadramento da matéria em apreço e ao alcance da norma posta em destaque nos autos, entende-se que a posição defendida pela recorrente não pode obter vencimento nesta sede. Com efeito, a realidade em apreço inculca a ideia que o normativo em causa pretendeu responder à situação acima descrita, aos interesses aí apontados, não tendo qualquer relevância neste âmbito as necessidades sentidas por cada magistrado em particular. Isto significa que o normativo descrito tem uma aplicação bem definida, não permitindo contemplar outras situações que não as expressamente enunciadas no preceito acima apontado. Aliás, não é por acaso que, nesta linha de análise, o art. 103° do Estatuto do Ministério Público alude ao facto de ser exigido o pagamento da renda relativamente à casa atribuída ao Magistrado, ainda que o mesmo não a queira habitar. Por outro lado, não existe qualquer elemento que possa servir de apoio à alegação da recorrente quanto à natureza do invocado direito de preferência, sendo que nem sequer se afigura que exista tal direito, na medida em que as orientações do Conselho Superior do Ministério Público não podem ser usadas para, por qualquer forma, interpretar a norma em apreço, servindo antes, como ficou dito, para como que resolver a questão entre os Magistrados do Ministério Público, matéria que serve também para orientar a Administração no cumprimento da sua tarefa acima apontada, de forma clara e expedita, ou seja, mais uma vez, está em causa a definição geral da situação, em lugar da consideração, caso a caso, dos interesses, das necessidades dos Magistrados concretamente envolvidos na situação em apreço. Deste modo, considerando que a norma em apreço define de forma clara as situações efectivamente, a considerar, não havendo qualquer fundamento para que se veja o aforamento, na legislação vigente, de um qualquer “tertium genus”, que permita enquadrar a situação da recorrente, não estando em causa a existência de um qualquer direito de preferência, mas sim, uma definição da matéria em apreço entre os Magistrados do Ministério Público, que permite também à Administração uma resposta pronta e clara no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações neste domínio, não procede a alegação da recorrente em relação ao invocado vício de violação de lei por desrespeito ao art. 102° n° 2 da Lei n° 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 60/98, de 27 de Agosto, pois que a norma em apreço não contempla a situação descrita pela recorrente. Nesta sequência, e seguindo o que fica exposto, perante a factualidade descrita nos autos, entende-se que a actuação da autoridade recorrida não é susceptível de um juízo de censura nos termos propostos pelo recorrente que contenda com a validade da decisão em crise, o que significa que tal acto terá de manter-se, improcedendo o presente recurso.
A posição acabada de transcrever, onde se procede a uma extensa e exaustiva descrição dos antecedentes normativos dos preceitos em apreço e dos antecedentes doutrinais e jurisprudenciais dos assuntos que os envolvem, merece ser confirmada. Sublinha-se, ainda, para além da circunstância já ali afirmada da inexistência, na lei, de qualquer direito de preferência na opção entre a casa de função e o subsídio de compensação, e, como se afirmou no acórdão deste STA de 8.3.94 proferido no recurso 32184, para além do fim legal subjacente ao art. 80º da Lei n.º 47/86 (na altura do acto recorrido o art. 102º, n.º 2, do mesmo diploma, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 60/98, de 27.8) “quer no conteúdo do direito a habitação mobilada, quer no momento de a Administração pôr em prática tal direito, quer no modo de atribuição ou distribuição dos fogos pelos magistrados do Ministério Público, mas também judiciais, nos termos do artigo 29º do respectivo estatuto, a Administração está livre e desembaraçada de pressupostos vinculantes para satisfazer cada um. Age, assim, no uso de poderes meramente discricionários quando exercita aquele interesse público.” Acresce, para finalizar, que nos encontramos no domínio dos direitos, dos direitos estatutários dos magistrados do MP (o subsídio de compensação é que é um mero sucedâneo), de forma que inexistindo o apontado direito de preferência, na hipótese de existirem mais candidatos do que os direitos disponíveis, se alguma regra houvesse de respeitar seria, normalmente, a sua distribuição começar pelos mais antigos na função e nunca o contrário.
Improcede, assim, também, tudo quanto se alegou a este respeito.
IV Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, assim se confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça e a Procuradoria em, respectivamente, 450 e 225 euros.
Lisboa, 9 de Junho de 2011. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.