Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0691/15
Data do Acordão:10/21/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
LEI
TAXA DE OCUPAÇÃO DE VIA PUBLICA
Sumário:A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Nº Convencional:JSTA000P19560
Nº do Documento:SA2201510210691
Data de Entrada:05/29/2015
Recorrente:MUNICÍPIO DE ALMADA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1-Relatório:
A ora recorrida deduziu oposição à execução fiscal nº 7270/2012 e apensos instaurada para cobrança da quantia de 119.835,95 Euros liquidada pelo Município de Almada a título de taxa de ocupação da via pública (T.O.V.P.) referente ao ano de 2005.

Por sentença do TAF de Almada de 22/09/2014 foi julgada procedente a oposição e determinada a extinção da execução fiscal.

Desta decisão recorreu o Município de Almada para o TCA- Sul que por acórdão de 23/04/2015 se julgou incompetente em razão da hierarquia e indicou como competente este STA por apenas estar em causa matéria de direito.

O Município recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
«A taxa de ocupação do Domínio público não foi substituída pela TMDP, ambas as taxas são devidas e compatíveis, porque assentam em prestações distintas, sendo diferentes os fatores geradores de uma e de outra;
-II. A TMDP não substituiu a taxa de ocupação do domínio público prevista no Regulamento Municipal de Taxas e Licenças do Município de Almada;
III. As TOVP, respeitantes a ocupação do espaço público com as obras necessárias para a implantação das redes (abertura de valas, caixas de visita e colocação de cabos) não se encontram englobadas na taxa de direitos de passagem prevista no artigo 106° da Lei das Comunicações eletrónicas
IV. Os sujeitos passivos nas duas taxas são bem distintos, sendo que na TMDP, o sujeito passivo é o cliente final, na TOVP o sujeito passivo é a empresa prestadora de serviços.
V. A cobrança da TOVP não coincide com a cobrança da TMDP, porquanto esta última ocorre apenas quando se mostra concluída a intervenção na via pública e o serviço em condições de ser prestado;
VI. Os Municípios têm património e finanças próprios, sendo que o regime da autonomia financeira das autarquias locais assenta, designadamente nos poderes de elaborar, aprovar e alterar planos de atividades e orçamentos, de dispor de receitas próprias, que por lei se lhe encontrem destinadas e constituem receitas dos municípios entre outras o produto da cobrança de taxas;
VII. A pretensa impossibilidade de cobrança da taxa de Ocupação do Domínio Publico pelos Municípios, por via da aplicação da Lei 5/2004, de 10 de fevereiro, viola a Lei das Autarquias Locais, assim como a Lei das Finanças Locais;
VIII. A ocupação do solo municipal para a implantação de infraestruturas, durante um determinado período de tempo, implica o pagamento de Taxas por essa ocupação, até porque essa intervenção impossibilita a utilização desse espaço para outros fins e satisfaz a necessidade individual das operadoras de obter lucro (neste sentido o AC. Do TCA Sul de 29/06/2010);
IX. A tese defendida na douta sentença recorrida, faz com que as operadoras fiquem isentas de todo e qualquer encargo adveniente da ocupação do espaço público, uma vez que a TMDP é suportada pelo cliente final;
X. De todo modo a admitir-se que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, veio afastar qualquer outra taxa, que não a TMDP em contrapartida da concessão dos direitos previstos no artigo 24° da LCE. Este regime só seria aplicável após a entrada em vigor do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, alterado pelo DL n.º 258/2009, de 25 de Setembro, e nunca antes.
XI. Pelo que sempre as taxas cobradas no caso vertente teriam que ser consideradas legais.
XII. A douta sentença recorrida, faz assim uma errada interpretação e aplicação das disposições contidas na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, violando em consequência a Lei das autarquias locais, assim como a Lei das Finanças Locais.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com a consequente revogação da douta sentença recorrida.»

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões.
«1. O presente recurso foi interposto pelo MUNICÍPIO DE ALMADA da Sentença proferida no âmbito do processo de Oposição à Execução n.º 864/12.5BEALM do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em que a RECORRIDA deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 7270/2012 e Apensos, instaurados pelo Município de Almada para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a Taxas de Ocupação da Via Pública, referentes ao ano de 2005, no valor global de € 119.835,95, alegando assim, a inexigibilidade da dívida exequenda.
2. Estando em causa, apenas, a discussão de matéria de direito, a competência em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso é conferido ao Supremo Tribunal Administrativo.
3. A douta Sentença recorrida considerou totalmente procedente a oposição à execução deduzida pela ora RECORRIDA, com fundamento no facto de existir entre a Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) e a Taxa de Ocupação do Espaço Público uma sobreposição de normas de incidência que visam a tributação da mesma realidade e com idêntica finalidade, estando assim verificado o fundamento previsto no artigo 204.°, n.º 1, alínea a) do CPPT, uma vez que a impossibilidade de subsistência das taxas previstas no Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município de Almada, com as taxas previstas na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, gera a ilegalidade em abstracto das mesmas.
4. Sustenta, a RECORRENTE não existir qualquer dupla tributação, dado entender que a TMDP e a Taxa Municipal de Ocupação do Espaço Público têm naturezas diferentes, e incidem, por sua vez, em situações diversas (cf. página 8 das alegações de recurso da Recorrente).
5. Neste contexto, perfilha ainda a RECORRENTE, nas suas alegações de recurso, o entendimento segundo qual a TMDP é uma taxa que tem por fundamento legal a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações, enquanto a Taxa de Ocupação do Espaço Público tem por fundamento o Regulamento e Tabela das Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais, que por sua vez se legitima na Lei das Finanças Locais.
6. Sucede, porém, que o âmbito de aplicação subjectivo da Lei das Finanças Locais é mais amplo do que da Lei das Comunicações Electrónicas, pois, enquanto esta apenas se aplica às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações, a Lei das Finanças Locais é aplicável a um conjunto mais amplo de empresas.
7. As taxas de Ocupação da Via Pública são ilegais (em abstracto) por violação do direito comunitário e do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro - Lei das Comunicações Electrónicas, uma vez que para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) mais nenhuma taxa municipal pode ser liquidada às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pelo direito de instalação dos seus recursos e equipamentos no domínio público e privado municipal.
8. A dívida em cobrança coerciva é, consequentemente, inexigível, uma vez que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas que aprovou a Taxa Municipal de Direitos de Passagem - não se consente aos Municípios taxar, às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às respectivas redes de comunicações, através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (como é o caso da RECORRIDA).
9. Ora, a ilegalidade abstracta da liquidação é precisamente o primeiro dos fundamentos de oposição à execução fiscal. Dispõe o artigo 204.°, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que constitui fundamento de Oposição Judicial, a Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação”.
10. Prevê-se, assim, como fundamento de oposição a ilegalidade abstracta do próprio tributo, ou seja na ilegalidade abstracta a ilegalidade reside directamente na própria lei cuja aplicação é feita, como se verifica no caso vertente.
11. Com efeito, cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos qua aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.
12. A regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo, e, bem assim, a regulamentação dos denominados direitos de passagem”, encontra-se enquadrada, entre mais, na directiva autorização - a Directiva n.º 2002/20/CE e, na directiva-quadro a Directiva n.º 2002/21/CE, que visam garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de grande qualidade, com uma vasta gama de serviços, a baixo custo, mediante a harmonização e simplificação da legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicações electrónicas (cf. Considerando 3 e 4 da Directiva 2002/21/CE e Considerando 1 e artigo 1.º da Directiva 2002/20/CE).
13. De acordo com o disposto no artigo 11.º da directiva-quadro, os direitos de passagem” correspondem aos direitos atribuídos às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, sendo conferido aos Estados- Membros a possibilidade de imporem taxas sobre estes “direitos de passagem” às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que procedam à instalação de tais recursos (e não aos clientes destas ou a quaisquer outras entidades).
14. Ora, estas taxas, previstas especificamente no artigo 13.º da directiva autorização são as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme, aliás, se depreende do objectivo expresso no Considerando (3) da directiva autorização, de criação “de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do Tratado (...)”
15. Em face deste enquadramento jurídico comunitário, resulta manifesto que para além das taxas a que alude o artigo 13.º da directiva autorização, mais nenhum encargo ou condição pode ser imposto às entidades autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pela atribuição de direitos de passagem.
16. Em concretização destes preceitos comunitários, foi aprovada a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro — Lei das Comunicações Electrónicas, diploma em cujo artigo 24.º sob a epígrafe “Direitos de Passagem” se reconhece às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, o direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação dos respectivos sistemas e equipamentos.
17. Com efeito, dispõe o artigo 24.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, sob a epígrafe “Direitos de Passagem” que às “empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é garantido”: o “direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos” (cf. artigo 24°, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2004).
18. Mas mais: dispõe o artigo 106.°, n.º 2, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro que, a TMDP em contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal.”.
19. Deverá, pois, concluir-se que os sujeitos passivos da TMDP são as empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que instalem ou tenham instalados em, sobre ou sob, propriedade pública ou privada, recursos que permitam ou suportem a prestação de serviços de comunicações electrónicas e, não os clientes finais.
20. No sentido propugnado pela OPONENTE foi, aliás, aprovado o Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, de cujo Preâmbulo e artigo 12.º resulta, expressamente, que é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando -se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”.
21. Sendo jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que pese embora este Diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações através da TMDP prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0864/11, de 06-06-2012).
22. Em suma, com a entrada em vigor da TMDP, foram tacitamente revogadas as disposições dos regulamentos camarários que, em conformidade com o estabelecido na Lei das Finanças Locais prevêem a cobrança de outras taxas que tributem a mesma realidade visadas pela TMDP às empresas que prestem serviços de comunicações electrónicas.
23. Com efeito, se a TMDP não excluísse a aplicação da Taxa de Ocupação da Via Pública quando a mesma tributa a ocupação do domínio público decorrente da implantação, passagem e atravessamento de sistemas, e equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas” frustrar-se-iam os objectivos prosseguidos pelo legislador, comunitário e nacional, quando se determinou que a TMDP deve reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos, ser objectivamente justificada, transparente, não discriminatória e proporcional relativamente ao fim a que se destina e, que a mesma não pode exceder 0,25% do valor de cada factura (cf. artigo 106°, n.º 1 e 2, alínea b) da Lei n.º 5/2004).
24. Assim, tendo o legislador português optado por criar a TMDP para comutar os benefícios decorrentes dos “direitos de passagem”, é porque, forçosamente, abdicou, no que se refere especificamente à ocupação do espaço do domínio municipal por empresas autorizadas a oferecer redes de comunicações electrónicas acessíveis ao público, da tributação desses benefícios através de outras taxas municipais, nomeadamente das Taxas de Ocupação da Via Pública.
25. Em face do exposto, deve necessariamente, como já o fez o Tribunal a quo, concluir-se pela ilegalidade abstracta da taxa de ocupação em apreço, devendo, em consequência a douta Sentença proferida ser mantida nos seus exactos termos.»

O Ministério Público neste STA emitiu parecer do seguinte teor:
«Recurso interposto pelo Município de Almada em processo de oposição sendo recorrida B………….., S.A.:
Está em causa a exigibilidade de dívidas exequendas, taxas, respetivos juros e custas.
Todas as taxas são referentes ao ano de 2005.
Invoca o recorrente serem as mesmas devidas ao Município de Almada, pela ocupação do espaço público do subsolo para o que a oponente está licenciada, e só terem deixado de ser devidas após a entrada em vigor do DL 123/09, de 21/5, alterado pelo DL n. 258/09, de 25/9.
Contudo, segundo jurisprudência reiterada do S.T.A., a respeito da licitude da taxa de ocupação de espaço público, “a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n. 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização da domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza”- cfr., para além dos acórdãos do S.T.A. já citados a fls. 440, o proferido a 22-4-15, no proc. 0192/15, acessível em www.dgsi.pt.
Tal entendimento radica no respeito devido não só às normas comunitárias contidas nas referidas Directivas Quadro e de Autorização, respetivamente n.ºs 2002/20/CE e 2001/20/CE, de transparência e de não discriminação sem demora, como à que veio a ser fixada no art. 106.º da referida Lei, segundo a qual o seu montante é “percentual sobre cada factura”.
Tratando-se de taxas referentes a 2005, ou seja, posteriores a 10/5/2004, data em que a referida Lei n.º. 5/2004 entrou em vigor, é ao previsto nesta Lei que há que dar prevalência, como lei especial que é, relativamente à Lei em que colhe suporte o previsto no Regulamento Municipal de Taxas e Licenças do dito Município.
Ocorre ainda a ilegalidade abstrata das taxas objeto de oposição, conforme já anteriormente defendido também a fls. 440, pois, a entender-se de outro modo, resultaria a violação do previsto nas ditas Diretivas que, como direito comunitário, são também aplicáveis na ordem interna, nos termos do art. 8.º n.º 4 da C.R.P..
Concluindo:
Parece que o recurso é de improceder.»

2- FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto:

A) A Oponente dedica-se, designadamente, à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma (facto alegado no artigo 7.° da petição inicial e não contestado);
B) A prossecução da sua actividade implica que possua equipamentos e redes de distribuição por cabo, designadamente, na área geográfica do Município de Almada (facto alegado no artigo 8.º da p.i e não contestado);
C) A Oponente é titular de licenças para a ocupação do espaço público subsolo com construções ou instalações no solo em diversos pontos da cidade de Almada, emitidas pela respectiva Câmara Municipal (facto alegado no artigo 9.º da pi e não contestado);
D) Contra a Oponente, foram instaurados pelo Gabinete de Execuções Fiscais do Município de Almada os processos de execução fiscal que infra se descrevem e respeitantes a dívidas de taxas de ocupação do espaço público de subsolo, referentes ao ano de 2005, no montante total de €119.835,95, e que infra se enumeram:








sendo que doc. 1 junto com a p.i. a fls. 39 a 250 dos autos)

E) Os processos de execução fiscal descritos na alínea antecedente, foram apensos ao processo de execução fiscal n° 7270/12, eleito processo principal (cfr. ofício de deferimento da apensação a fls. 251 dos autos);
F) A Oponente foi citada para os processos de execução fiscal n°7270/12 e respectivos apensos em Agosto de 2012 (facto não controvertido-facto alegado no artigo 1º da pi e não contestado);

3- DO DIREITO:
A decisão de 1ª Instância para julgar procedente a oposição considerou a seguinte fundamentação de direito:
A Oponente vem sindicar a inexigibilidade da dívida exequenda atenta a impossibilidade de subsistência da taxa prevista no Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município de Almada com a prevista na Lei das Comunicações Electrónicas, subsumindo a que estão no artigo 204.°, n°1, alínea a), do CPPT.
A oposição à execução fiscal funciona como contestação ‘a pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no processo executivo.
Os fundamentos da execução fiscal são os taxativamente indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.° do CPPT.
A alínea a) do mencionado artigo 204.°, n.º 1, prevê como fundamento de oposição a “do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação”.
Está neste fundamento em causa a legalidade abstracta da dívida, por oposição à legalidade concreta, que se discute por meio da impugnação judicial ou, não se tratando de acto de liquidação de tributo, através da competente acção administrativa especial.
Como aponta Jorge Lopes de Sousa, em anotação à alínea a), do artigo 204.º do CPPT.:
“Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da “ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado
No caso vertente discute-se se o Município de Almada aprovou taxas de ocupação do domínio público que não podem subsistir legalmente, por não serem permitidas outras taxas para além das previstas na Lei das Comunicações Electrónicas, o que integra, desde logo, o fundamento de oposição da al. a) do n° 1 do art° 204.º do CPPT (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no recurso n°0864/11, de 6 de Junho de 2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Importa, assim, aferir da inexigibilidade da dívida exequenda.
A Oponente sustenta que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, criou a T.M.D.P, o que obsta à tributação da mesma realidade através das T.O.V.P, devendo considerar-se tacitamente revogados os regulamentos camarários que possibilitavam tal tributação, em conformidade com a Lei das Finanças Locais.
Por sua vez a Entidade Exequente defende que o regime invocado pela Oponente só será passível de aplicação após a entrada em vigor do D.L. n°123/2009, de 21 de Maio, alterado pelo DL n°258/2009, de 25 de Setembro.
Mais alegando que, a T.M.D.P não afasta o pagamento das taxas devidas pela realização de operações urbanísticas e ocupação do domínio público municipal, em solo e subsolo.
Vejamos, então, a quem assiste a razão.
Referindo, desde já, que o Tribunal entende que a razão está do lado da Oponente.
De harmonia com o disposto no artigo 238.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), as autarquias locais têm património e finanças próprios (n.º 1), podendo dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei (n.º 4).
Reforçando, por sua vez, o artigo 254.°, n.º 2, da CRP que os municípios dispõem de receitas tributárias próprias, nos termos da lei.
De facto, antes da entrada em vigor da Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, dúvidas não haviam de que as empresas como a Oponente, que se dedicam à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma, implicando que possua equipamentos e redes de distribuição por cabo, estavam sujeitas à referida taxa de ocupação da via pública.
E tal conclusão advinha, desde logo, da letra do artigo 19.°, al. c), da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), segundo o qual “municípios podem cobrar taxas por (...) (o)cupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública”.
Porém, com a entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, foi aprovado o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos, transpondo para o direito nacional as Directivas comunitárias com os números 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE, 2002/22/CE e 2002/77/CE.
De sublinhar, desde já, que contrariamente ao defendido pela Entidade Exequente, o aludido regime jurídico é aplicável às dívidas exequendas que remontam a 2005, uma vez que entrou em vigor em i de Fevereiro de 2004.
Acresce que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo, conforme se demonstrará de seguida, que não obstante o Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio - que de forma expressa e inequívoca sanciona o entendimento que no domínio das comunicações electrónicas acessíveis ao público a utilização do domínio público municipal para instalação e funcionamento de infra-estruturas necessárias ao funcionamento de tais serviços apenas pode ser taxada através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, com exclusão de quaisquer outras (cfr. os seus artigos i números 1 e 2, 13.° n.º 4 e 34.°) -, apenas ter entrado em vigor no dia 22 de Maio de 2009 (cfr. o seu artigo 110.°), o intérprete deve entender, desde logo porque o legislador assim o evidencia, que tais normas, nesta matéria, apenas vêm clarificar (nas palavras do legislador), o entendimento que o n.º 2 do artigo 106.° da Lei das Comunicações Electrónicas já comportava e que melhor se adequava, aliás, à sua ratio legis.
Dispõe, neste particular, o artigo 24.°, n.°1, da Lei n°5/2004 que: “empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é garantido (...) b) (o) direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos.”
Preceituando o artigo 106.° do citado diploma legal que:
“1 - As taxas pelos direitos de passagem devem refletir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º.
2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (T.M.D.P), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A T.M.D.P é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os O,
3 - Nos municípios em que seja cobrada a T.M.D.P, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 - O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.”
Visto o direito, importa, então, aplica-lo à factualidade dos autos.
Dúvidas não se suscitam que a actividade da Oponente se enquadra no citado artigo 24.º da Lei n.º 5/2004.
E igualmente se afigura não suscitar dúvidas que a passagem de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas no domínio público municipal configura o facto constitutivo da relação jurídica da T.M.D.P.
Sendo que as taxas de ocupação da via pública e a taxa municipal de direito de passagem, tomam por referência as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
Tributando inequivocamente a mesma realidade, pois está em causa um aproveitamento especial do domínio público municipal, a que corresponde o pagamento de determinado montante por parte da empresa utilizadora.
Logo, há uma sobreposição de normas de incidência que visam a tributação da mesma realidade e com idênticos fins.
Sendo que: “ (A)dupla tributação é, em geral, admitida, em matéria de impostos, quando o mesmo facto tributário se insere em mais que uma norma de incidência objectiva, mas não o é em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.” (sublinhado nosso).
Acrescenta-se que a questão da (i)legalidade desta taxa por violação do artigo 106° da Lei 5/2004, encontra-se hoje resolvida pela doutrina e por abundante jurisprudência, aqui se citando, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.º 0363/10, de 6 de Outubro de 2010 e n.º 0179/11, em 1 de Junho de 2011 (que cita outros no mesmo sentido), e mais recentemente os Acórdãos proferidos nos processos 0864/11, de 6 de Junho de 2012, 01397/12, de 3 de Abril de 2013 e 01321/12, de 30 de Abril de 2013, todos disponíveis para consulta em que defendem que:
“I - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza;
II - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à ampliação de redes de televisão por cabo”.
Atenta a fundamentação expendida nos doutos acórdãos e demais jurisprudência citada, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade como preceituado no artigo 8°, n° 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no Aresto de 6 de Outubro de 2010 segundo o qual:
“nos termos do n.° 2 do artigo 106.° da Lei das Comunicações Electrónicas, na origem da possibilidade do estabelecimento da taxa municipal de direitos de passagem (T.M.D. estão os direitos e encargos relativos à implementação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, dos domínios público e privado municipal, ou seja, a contraprestação correspondente ao direito de utilização do domínio público (...) para a implementação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.° da Lei Das Comunicações Electrónicas) necessários ao fornecimento ao público de serviços de comunicações electrónicas.
O facto gerador da Taxa Municipal de Direitos de Passagem está, pois, legislativamente definido (aliás, em transposição das normas comunitárias sobre a matéria - cfr. o artigo 1.0 da Lei das Comunicações Electrónicas e, em especial, o artigo 11.º da Directiva 2002 e o artigo 13.° da Directiva 2002/20/CE), consistindo precisamente na utilização do domínio público para a implementação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos necessários ao fornecimento ao público de serviços de comunicações electrónicas.
Ora, a Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada à ora recorrida e sindicada nos presentes autos respeita precisamente à ocupação de parcelas do Domínio Público Municipal com a instalação de equipamentos necessários à ampliação da rede de distribuição de televisão por cabo, justificando-se a sua cobrança, no caso concreto, como contrapartida do aproveitamento especial de bens do domínio público municipal através da respectiva ocupação com infra-estruturas de rede (cfr. SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, Coimbra, 2008, p. 35).
Assim, o respectivo facto tributário não pode deixar de considerar-se como subsumível no conceito de “direitos de passagem”, cuja contrapartida municipal - pois que da nacional e regional houve renúncia legal expressa, como decorre do n.° 4 do artigo 106º da Lei das Comunicações Electrónicas — é assegurada pela cobrança da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, nos municípios que, em obediência aos princípios fixados na lei, a decidam criar e cobrar (pois que a sua criação ou cobrança constituí uma faculdade dos Municípios, e não um dever jurídico (cfr. o teor do n.º 2 e 3 do artigo 106.° da Lei das Comunicações Electrónicas).
Conclui-se, pois, que bem decidiu a sentença recorrida ao considerar “haver sobreposição de normas de incidência” entre a taxa liquidada e a Taxa Municipal de Direitos de Passagem, não merecendo igualmente censura a decisão tomada no sentido da ilegalidade da liquidação à recorrida da Taxa de Ocupação da Via Pública pela instalação de infra-estruturas necessárias ao fornecimento de serviços de televisão por cabo.”
‘Na verdade, embora a dupla incidência/dupla tributação não seja, em geral, constitucional e legalmente proibida quando estão em causa tributos com natureza de impostos, há que reconhecer que conflitua com a natureza bilateral ou sinalagmática da taxa que a mesma utilidade possa constituir facto gerador de mais do que um tributo dessa natureza, pois que pelo menos a um deles faltará a contraprestação específica que o legitimará materialmente (cfr. SÉRGIO VASQUES, «Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 652/2005 e n.º 52/2006 (Dupla Tributação por Taxas Locais CTF, n.º 418, 2006, pp. 449/454).
Daí que, como diz SÉRGIO VASQUES (op. cit., p. 453) ocorre muitas vezes ser o próprio legislador a tomar as precauções necessárias a evitar a dupla tributação.
Ora, a Lei das Comunicações Electrónicas, relativamente à Taxa Municipal de Direitos de Passagem, o legislador tomou tal precaução, pois que dispõe o n.° 2 do artigo 106.° da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro, que os direitos e encargos relativos à implantação passagem e atravessamento de sistemas equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (T.M.D.P), a qual obedece aos seguintes princípios : (sublinhados nossos).
A letra da lei permite, desde logo, que se interprete a transcrita disposição legal como disposição permissiva do estabelecimento de uma única taxa municipal remuneratória dos direitos de passagem, excluindo outras, taxa esta que obedecerá necessariamente ao figurino legal.
Esta interpretação, que a letra da lei permite ou mesmo postula, sai reforçada atendendo a que a Lei das Comunicações Electrónicas procede à transposição de directivas comunitárias (cfr. o seu artigo 1.0) que procuram a “criação de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e rede de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente Directiva e a restrições de acordo com o nº 1 do artigo 46.° do Tratado (..)“ - cfr. o considerando (3) da Directiva 2002/20/CE.
Ora, que a interpretação que propugnamos do nº 2 do artigo 104.° da Lei das Comunicações Electrónicas foi a que o legislador teve em vista, confirma-o o próprio legislador através do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, em cujo preâmbulo se lê:
«No que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direitos de passagem (T.M.D.P). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passarem evitando-se, assim, a duplicação das taxas relativas ao mesmo facto» (sublinhados nossos).
Assim, embora o disposto no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio - que expressa e inequivocamente sanciona o entendimento segundo o qual no domínio das comunicações electrónicas acessíveis ao público a utilização do domínio público municipal para instalação e funcionamento de infra- estruturas necessárias ao funcionamento de tais serviços apenas pode ser taxada através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, com exclusão de quaisquer outras (cfr. os seus artigos 12.° números 1 e 2, 13.º n.º 4 e 34°) -, apenas tenha entrado em vigor no dia 22 de Maio de 2009 (cfr. o seu artigo 110°), há-de entender-se, pois que o legislador assim o determina, que tais normas, nesta matéria, vêm clarificar (nas palavras do legislador), tornando inequívoco, o entendimento que o n.º 2 do artigo 106.° da Lei das Comunicações Electrónicas já comportava e que melhor se adequava, aliás, ao seu espírito (de promoção e incentivo ao desenvolvimento de redes de comunicações desta natureza).
Resulta do exposto que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, deixando de lhes ser lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, cuja cobrança se deve, pois, ter por ilegal como bem decidiu a sentença recorrida.” (sublinhados e destaques nossos).
Em face da fundamentação jurídica doutrinada pelo STA, à qual se adere, não subsistem dúvidas que, no âmbito da actividade de telecomunicações, e quanto à taxa que, a propósito podia ser aplicada no ano de 2005 pelo Município de Almada, era a Taxa Municipal de Direitos de Passagem a única que podia ser exigida a partir de 11 de Fevereiro de 2004, data em que, como visto, entrou em vigor a Lei n°5/2004.
Tudo visto e ponderado, acolhendo-se na íntegra a doutrina emanada do Aresto citado e demais jurisprudência nele citada, cuja fundamentação é válida para o presente caso, uma vez que não obstante estarmos em sede de oposição os fundamentos invocados integram-se na citada alínea a) do n°1 do art° 204° do CPPT conclui-se que assiste razão à Oponente quando sindica a inexigibilidade da cobrança da T.O.V.P., visto que sendo devida T.M.D.P nos termos acima referidos e citados, não podem, para além dessas taxas, ser impostos e cobrados outros tributos ou encargos às entidades autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações.
A impossibilidade de subsistência das taxas previstas no dito Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município de Almada, com as taxas previstas na Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, gera a ilegalidade em abstracto das mesmas o que leva a que se considere estar verificado o fundamento da al. a) do nº1 do art° 204 do CPPT e determina a inexigibilidade da divida exequenda.
IV - DISPOSITIVO
Nestes termos e no das disposições legais citadas:
Julgo procedente a presente oposição à execução fiscal e em consequência determino a extinção do processo de execução fiscal n° 7270/12 e respectivos apensos, do Gabinete de Execuções Fiscais do Município de Almada, no valor global de €119.835,95, instaurado contra A…………., SA.


DECIDINDO NESTE STA:

Suscitam-se nos presentes autos duas questões. Uma a de saber se a designada Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) substituiu ou não a taxa de ocupação da via pública (TOVP).
Outra, Se, ainda que a lei das comunicações electrónicas (lei 5/2004 de 10/02) tenha afastado qualquer outra taxa que não a TMDP, tal regime só seria de aplicar após a entrada em vigor do D.L. nº 123/2009 de 21 de Maio alterado pelo D.L. 258/2009 de 25/09 e nunca antes, designadamente ao caso dos autos que é de 2005.

Desde já se adianta que não assiste razão ao recorrente.
Concordamos com o parecer do Sr. Procurador – Geral - Adjunto neste STA para o qual com a devida vénia se remete.
Acresce referir que este STA de forma reiterada vem respondendo a estas questões no sentido apontado pela decisão recorrida que por ter seguido jurisprudência consolidada não merece reparo.
Com efeito sobre a primeira questão pronunciou-se já por diversas vezes esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos proferidos em 6/10/2010, em 30/11/2010, em 12/01/2012, em 29/06/2011, em 1/06/2011, em 2/05/2012, e em 14/07/2012 nos recursos nºs 363/10, 513/10, 751/10, 450/11, 179/11, 693/11 e 0281/12, respectivamente, sustentando, em todos eles, idêntica posição doutrinária e que igualmente sufragamos face à sua proficiente fundamentação e à qual nada se nos oferece acrescentar.
Razão por que nos limitaremos a transcrever o que ali foi dito, tendo, aliás, em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
Nos dois últimos arestos, proferidos no recurso nº 693/11 e 0281/12 (neste o ora relator interveio como 1º Juiz Adjunto), decidiu-se que não merecia censura a decisão que julgara ilegal e anulara a liquidação da TOVP por sobreposição de normas de incidência, com a seguinte motivação:
«(...) dispõe o art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro) o seguinte:
«1 - As taxas pelos direitos de passagem devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º.
2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25%;
3 - Nos municípios em que seja cobrada a TMDP, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 - O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.
Como se constata do nº 2 do normativo atrás referido, e também do estatuído no artº 24º da Lei 5/2004, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com a instalação de a instalação de postos de transferência /cabines eléctricas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo (Vide, com referência ao facto gerador da taxa devida pela ocupação da via pública, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2009, recurso 670/09), equipamentos esses que se incluem no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido nº 2 do artº 106º da Lei 5/2004.
Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação.
É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário.
Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 396).
Como sublinha o Prof. JOSÉ CASALTA NABAIS, DIREITO FISCAL, 2ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”.
Porém, no caso subjudice estão em causa taxas.
Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício - cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo artº 12º do refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13º, nº 4 e 34º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto».
Pese embora o referido diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, será pertinente invocá-lo na apreciação do caso subjudice pois que na análise dos preceitos legais aplicáveis forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elementos sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Acresce dizer que esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada deste secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (...)».

Em suma, para além da TMDP não podem ser cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público quaisquer outras taxas pela instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos em terrenos do domínio público municipal e que tenham como contrapartida a utilização desses terrenos, sob pena de se estar a tributar duplamente a mesma realidade. Dupla tributação que é inadmissível em matéria de taxas, na medida em que elas constituem, por natureza, a contrapartida pela obtenção de um determinado benefício (relação de bilateralidade ou de sinalagmaticidade que caracteriza as taxas) e não se poder justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.
Uma última nota para esclarecer que o regime actualmente vigente se deverá ter como tendo entrado em vigor e, portanto, plenamente eficaz a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas e em consequência aplicável ao caso dos autos em que estão em causa taxas liquidadas em 2005, porquanto, o DL nº 123/2009, de 21/5 apenas, clarificou o regime plasmado na Lei nº 5/2004, de 10/2, e mais propriamente o seu artigo 106º nº 2 que passou a proibir a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem ali prevista, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2º al. a) e 12º nº 1). Neste sentido o acórdão deste STA de 22/04/2015 tirado no recurso nº 0192/15.

4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Município recorrente.

Lisboa, 21 de Outubro de 2015. - Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – Dulce Neto.