Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01122/03
Data do Acordão:03/30/2004
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
COMPETÊNCIA DO JUIZ DO PROCESSO.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
Sumário:I - Os honorários atribuídos aos advogados, advogados estagiários e solicitadores são pagos pelo Cofre Geral dos Tribunais.
II - Se estes honorários são devidos por serviços prestados em processos judiciais, o seu montante é fixado pelo tribunal.
III - Se o litígio for superado extrajudicialmente, o montante dos honorários devidos está fixado na lei (Ponto 5º nºs 1 e 2 da Portaria nº 150/2002, de 19/2), não sendo o tribunal a fixá-lo, são pagos pelo Cofre Geral dos Tribunais, mediante requerimento dirigido ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça que colherá previamente parecer da Direcção-Geral da Administração Extrajudicial (nº3 do mesmo Ponto 5º).
Nº Convencional:JSTA00060961
Nº do Documento:SA1200403301122
Data de Entrada:06/12/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC COIMBRA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Legislação Nacional:DL 391/88 DE 1988/10/26 ART11 ART12 ART13 ART14 ART15 ART16.
L 30-E/2000 DE 2000/12/20 ART56.
PORT 150/2002 DE 2002/02/19 ART1 ART5 ART8.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
A..., patrono nomeado da Ré Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, com os demais sinais nos autos, interpôs o presente recurso jurisdicional do despacho do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra (fls. 321), que indeferiu o pedido de fixação de honorários, com fundamento no facto de ser “aplicável o disposto no (…) Ponto 5º nº3 da portaria 150/02, de 19/2”.
Nas suas alegações de recurso, o Recorrente termina enunciando as seguintes conclusões:
«A – O MM. Juiz “a quo” indeferiu o pedido de fixação de honorários, entendendo ser ali aplicável “…o disposto no …Ponto5º nº3 da Portaria nº150/02 de 19/2;
B – Entendemos que conforme resulta do n.º1, do mesmo art. 5º, da Portaria n.º 150/2002, de 19/02 apenas é de aplicar o mecanismo previsto no seu n.º3 se o patrono, ou defensor, nomeados, tiverem alcançado a resolução do litígio por meio de transacção (n.º1) ou outro meio alternativo (n.º2), o que não ocorreu no caso sub judice.
C – Pensamos que o pagamento de honorários deve ser atribuído, em processo cível, pelo tribunal, por força do disposto no n.º1, do art. 47º, da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, aplicado por analogia,
D – O apoio judiciário foi, no presente processo, concedido por decisão transitada em julgado, em 13/02/96, na vigência do DL.n.º387-B/87, de 29/12, cabendo ao juiz, respeitadas as tabelas de então, a atribuição de honorários, segundo os ditames do n.º2, do seu art. 49º.
E – Por força dos nºs 1 e 2, do art. 57º da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, as alterações introduzidas por esta lei apenas se aplicam aos processos formulados após 01 de Janeiro de 2001, aplicando-se aos processos de apoio judiciário iniciados até 31 de Janeiro de 2000 o regime legal anterior, isto é, o do DL.n.º387-B/87, de 29/12
F – Caberia assim ao MM Juiz “a quo” atribuir os honorários ao patrono, ferindo a decisão sob recurso o disposto no n.º2, do art. 49º, deste último diploma legal,
G – Pelo que deve ser revogada e, em seu lugar, outra ser proferida no sentido da pretensão, fazendo-se, assim, justiça».
Não houve contra-alegações.
Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público com o seguinte teor:
“Constitui objecto do presente recurso jurisdicional a questão de saber se, como entendeu o Mmo. Juiz a quo, fundando-se no disposto no artº5º nº3 da Portaria nº150/2002, de 19/2, não há lugar a fixação de honorários a favor do advogado, da recorrente, pelos serviços ora prestados nos autos no âmbito do apoio judiciário.
Para o recorrente impõe-se a revogação do decidido, porquanto o preceito invocado tem a sua aplicação limitada às situações enunciadas nos seus nºs 1 e 2, isto é, aos casos em que o litígio seja superado por transacção ou por meios alternativos, o que, manifestamente, não é o caso dos autos em apreço.
É esse também o nosso entendimento, uma vez que, exceptuadas as situações em referência, se nos afigura que é ao juiz do processo que cabe verificar a existência dos pressupostos para a fixação dos honorários, decidindo se estes são ou não devidos.
Nestes termos, e louvando-nos nas alegações do recorrente, somos de parecer que o recurso merece inteiro provimento”.
Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, pelo que cumpre decidir.
O problema que há que resolver nos presentes autos é quem deve fixar o montante dos honorários quando são devidos, se o Tribunal, tese do recorrente e, secundada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público ou se pelo Cofre Geral dos Tribunais, tese do tribunal a quo.
É o que se passa a indagar.
O Capítulo II do DL. nº391/88, de 26/10, regula o regime financeiro do apoio judiciário (arts.11 a 18º).
O artº 11º nº1 deste diploma legal refere que os honorários atribuídos aos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário…são pagas, independentemente de cobrança de custas, pelo Cofre Geral dos Tribunais, através das suas delegações junto dos tribunais.
O nº 2 deste mesmo artigo dispõe que “no caso do processo de contra-ordenações o pagamento referido no número anterior será efectuado pelo Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, nos termos do nº3 do artº 17º”.
Estes quantitativos referidos no artº11º serão fixadas pelo tribunal (artº 12º nº1). Mas que os mesmo são fixadas pelo tribunal, ressalta do artº13º ao referir que para efeito de pagamento dos honorários e do reembolso das despesas pelos serviços prestados, nos termos do artº44º do DL. nº387-B/87, o advogado ou advogado estagiário apresentará a nota de honorários e de despesas realizadas seguidamente ao acto ou diligência para que foi nomeado (nº1) e acrescentando-se no nº2 que “se não for apresentada atempadamente a nota de honorários e de despesas, o juiz decidirá de acordo com o estabelecido nas tabelas anexas ao presente diploma e fixará o reembolso das despesas que se mostrem comprovadas ou julgar adequadas” (sublinhado nosso).
Mas que a fixação de honorários é fixada pelo juiz resulta clara e inequivocamente do teor dos arts.14º nºs 1 e 2, 15º e 16º, todos do mesmo DL. nº391/88.
Na verdade, este diploma legal publica uma Tabela Anexa, nela constando um mínimo e um máximo para cada espécie de processo, sendo dentro desta margem que o juiz fixa os honorários, conforme o trabalho despendido.
Porém, este diploma legal foi alterado pela Lei nº30-E/2000, de 20/12. Só que a alteração abrangeu o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário (sua epígrafe), que todavia deixou inalterado o regime financeiro do apoio judiciário regulado pelo DL. nº391/88, de 26/10 (artº56º nº1 da citada Lei).
Assim, a fixação a quantia dos honorários ao patrono oficioso pertence ao tribunal «a quo», embora a responsabilidade pelo seu pagamento pertença ao Cofre geral dos Tribunais e na hipótese das Contra-ordenações ao Gabinete de Gestão Financeiro do Ministério da Justiça (artº11º do DL. nº 391/88).
A Portaria nº1200-C/2000, de 20/12 veio “recompor a tabela de honorários a atribuir aos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário”, aproveitando a aprovação do novo regime do apoio judiciário (Lei nº30-E/2000, de 20/12) e ao abrigo do seu artº 29º nº1.
Esta portaria foi revogada pela Portaria nº150/2002, de 19/2, que, segundo o seu preâmbulo, “visou actualizar os valores dos honorários a atribuir aos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário e eliminar distorções decorrentes da possibilidade de acumulação ilimitada de honorários por intervenções múltiplas num mesmo período”.
O Ponto 1º desta portaria aprova a nova tabela de honorários a atribuir aos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário a partir de 1/3/2002 (Ponto 8º), mas os restantes pontos visam eliminar distorções decorrentes da possibilidade de acumulação ilimitada de honorários por intervenções múltiplas num mesmo período.
O Ponto 5º nos seus números um e dois depois estabelecer um regime específico quanto ao montante dos honorários devidos no exercício do apoio judiciário quando o litígio seja superado por transacção (quatro unidades de referência) ou resolvido por meios alternativos, designadamente, a mediação e a arbitragem, (cinco unidades de referência), fixa o montante dos honorários que são devidos.
Nestas hipóteses é a própria lei que fixa o montante, pois estamos perante litígios que correm e são resolvidos fora do tribunal, por isso não é este chamado a fixar qualquer montante de honorários, pois o conflito foi resolvido extrajudicialmente.
Ora, é para estas hipóteses em que não houve processo, que rege o nº3 do Ponto 5 ao estatuir que “os honorários, a pagar pelo Cofre Geral dos Tribunais, devem ser solicitados em requerimento dirigido ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, que procede ao pagamento após parecer da Direcção-Geral da Administração Extrajudicial”.
É que, quando há processo, o montante dos honorários é fixado pelo tribunal e pago pelo Cofre Geral dos Tribunais, através das suas delegações junto dos tribunais. Já, ao invés, quando não há processo judicial, o montante dos honorários é o fixado nos nºs 1 e 2 do Ponto 5º e é pago na mesma pelo Cofre Geral dos Tribunais, mas o seu pagamento é solicitado ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, e tal pagamento é precedido de parecer da Direcção-Geral da Administração Extrajudicial.
Assim, nas previsões daqueles nºs 1 e 2, o montante dos honorários não é fixado pelo tribunal.
No caso dos autos, o ora recorrente foi nomeado patrono, ao abrigo do apoio judiciário, à ré Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, na acção que contra o Estado e esta havia sido proposta pela B....
Houve, pois, um processo, pelo a fixação dos honorários ao recorrente devem ser fixados pelo tribunal “a quo” (artº 12º nº1 do DL. nº391/88) e não nos termos do nº3 do Ponto 5º da Portaria nº150/2002.
Em concordância com tudo o exposto, procedendo as conclusões das alegações do recorrente, concede-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se o despacho de fls. 321, ordenando-se a baixa do processo para os fins tidos por convenientes.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Março de 2004
Pires Esteves – Relator – António Madureira – Fernanda Xavier –