Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01788/13
Data do Acordão:12/18/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
INCONSTITUCIONALIDADE
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica a admissão do recurso de revista excepcional quando uma das questões colocadas, perante as circunstâncias do caso, não tem relevância jurídica geral e a outra, além de ser de natureza tributária, respeita a uma estrita questão de constitucionalidade a que o Supremo Tribunal Administrativo não daria resposta definitiva por, verificados os pressupostos, ser susceptível de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P16789
Nº do Documento:SA12013121801788
Data de Entrada:11/21/2013
Recorrente:MUNICÍPIO DE MANTEIGAS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: (Formação de Apreciação Preliminar)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. O Município de Manteigas interpôs recurso, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de Junho de 2013, que negou provimento a recurso interposto de sentença que, em acção administrativa comum, o condenou a pagar a A…….. SA, concessionária do respectivo sistema multimunicipal, a quantia de €136.336,85 e juros, por fornecimento de água e recolha de efluentes.
Pretende ver apreciadas as seguintes questões que entende terem sido erradamente decididas pelas instâncias:
A) Interpretação do art.º 7.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro e demais preceitos que com ele devem ser conjugados, designadamente o art.º 98.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro), o art.º 1.º, n.º1, al. b) do Dec. Lei n.º 90/90, de 16 de Março e as disposições do Código Civil sobre a propriedade das águas, quanto a saber se as denominadas "águas de nascente" se integram no domínio público. Isto porque o recorrente sustentou na acção dever ser compensado o valor correspondente às águas da "Fonte ……….", incluída nas captações do concessionário, mas que o Município entende pertencer ao seu domínio privado.
B) Inconstitucionalidade orgânica da "taxa" de recursos hídricos prevista no art.º 78.º da Lei n.º 58/2005, cujo regime foi desenvolvido pelo Dec. Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, que não seria uma taxa mas uma contribuição especial de financiamento de um serviço público.
2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como se refere na exposição de motivos do CPTA "num novo quadro de distribuição de competências em que o TCA passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, de forma a permitir que esta via funcione como válvula de segurança do sistema".
O carácter excepcional da revista tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência da formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos.
Nos termos dessa jurisprudência, verifica-a hipótese normativa, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica – de direito substantivo ou adjectivo - de especial complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina. E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação. Note-se que a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito tem o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, a finalidade primária da admissão do recurso ao abrigo desta cláusula não é a mera correcção de erros judiciários (Cfr. Ac. de 4/4/2013, Proc. 376/13).
3. A primeira questão colocada no recurso versa sobre o âmbito do domínio público hídrico. Melhor dizendo, tem uma questão dessa natureza como pressuposta. Efectivamente, a questão da qualificação das águas em causa como dominiais é incidental, uma vez que o que imediatamente releva é a pretensão de descontar no valor facturado a fracção que corresponderia ao valor da água dessa proveniência, abatido do custo de tratamento.
Discute-se a questão da inclusão das "águas de nascente" no domínio público, mas em termos que não justificam, no caso, a admissão da revista.
Não se nega a genérica relevância comunitária das questões relativas quer ao aproveitamento e gestão das águas, quer ao domínio público, nem a complexidade do regime jurídico dos recursos hídricos e, em especial, do domínio público hídrico e da articulação dos diplomas que lhes respeitam. Todavia, no caso a questão surge a título incidental a propósito da facturação do fornecimento de água em determinado período e com efeitos limitados a esse período de facturação. E embora tenha sido decidida no acórdão recorrido mediante um discurso centrado na interpretação do regime jurídico de determinação do âmbito do domínio público hídrico das "restantes águas" (basicamente, o art.º 7.º da Lei da Água) - o que poderia inculcar aptidão para a intervenção do Supremo Tribunal - trata-se de problema colocado de modo inconsistente quanto à descrição da factualidade pertinente. Tanto assim que, noutro processo com a questão colocada nos mesmos termos e entre as mesmas partes relativamente a outro período de facturação (ac. do TCAS de 11/4/2013, Proc. n.º 08574/12) o TCA, embora adoptando qualificação diversa daquela por que optou o acórdão recorrido quanto à interpretação do regime jurídico e à natureza do bem, decidiu do mesmo modo a questão imediatamente relevante (desconto do valor correspondente à inclusão das águas da "Fonte ………" nas captações da concessionária) por falta de alegação da factualidade pertinente.
Não se justifica, pois, admitir a revista quanto a esta questão, uma vez que as circunstâncias do caso não permitem antever virtualidade para decidir uma questão de relevância jurídica geral.
4. E também se não justifica admitir o recurso para discutir exclusivamente a questão da constitucionalidade orgânica da "taxa de recursos hídricos".
Em primeiro lugar, porque o recurso assim configurado respeitaria a uma pura questão de constitucionalidade, em tais termos que, salvo o consequente poder de substituição do julgamento da causa em função de eventual juízo de inconstitucionalidade, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se resumiria a uma apreciação coincidente com aquela que compete ao Tribunal Constitucional em fiscalização concreta, designadamente, quando o recurso não abrange outras questões, nem está em causa a interpretação ou aplicabilidade do regime jurídico apodado de inconstitucional. A decisão do Supremo não resolveria definitivamente a questão porque, verificados os pressupostos específicos, sempre essa decisão seria susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que, de um modo geral, não se justifica a admissão da revista excepcional em situações com este restrito objecto. Só assim não seria se devesse interpretar-se o recurso excepcional de revista como compreendido na intenção do legislador ao impor a exaustão dos meios ordinários no n.º 2 do art.º 70.º da LTC.
Em segundo lugar, trata-se de uma questão de natureza tributária, que foi apreciada incidentalmente ou como meio de defesa num processo de contencioso administrativo, relativamente à qual o "órgão de cúpula" da jurisdição especialmente qualificado para cumprir os fins extra-processuais do recurso excepcional de revista não é a Secção do Contencioso Administrativo, que seria chamada a apreciá-lo, mas a Secção do Contencioso Tributário.

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se não admitir a revista e condenar o recorrente nas custas.
Lisboa, 18 de Dezembro de 2013. - Vítor Gomes (relator) - Rosendo José - Alberto Augusto Oliveira.