Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026769
Data do Acordão:02/19/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO.
INCONSTITUCIONALIDADE.
RECURSO FINDO.
Sumário:I- Nos termos das disposições combinadas dos artºs 284º e 286º do CPPT, o processamento do recurso por oposição de acórdãos tem lugar no tribunal a quo, incluindo a apreciação da existência, ou não, de oposição, apenas competindo ao tribunal ad quem o julgamento final do recurso.
II- As referidas normas, embora revogatórias do disposto nas alíneas b) do artº 22º e c) dos artºs 24º e 30º do ETAF, não padecem de inconstitucionalidade orgânica, por atinentes a matéria processual, da competência do Governo, ainda que interferindo, mas apenas indirectamente, com a competência respectiva.
Nº Convencional:JSTA00058899
Nº do Documento:SA220030219026769
Data de Entrada:12/05/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA - AC STA PROC23079 DE 1999/01/13.
Decisão:FINDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART282 ART284 ART286.
CPC67 ART763 ART765 ART766.
ETAF96 ART22 ART24 ART30.
CPTRIB91 ART171.
RSTA57 ART87 PARÚNICO.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART51.
CONST97 ART165 N1 P.
Jurisprudência Nacional:AC TC 400/87 IN DR IIS DE 1987/12/21.; AC TC 329/89 IN DR IIS DE 1989/06/22.; AC TC 114/00 IN ACTC PAG415.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – Por acórdão desta Secção de 20-2-2002, foi negado provimento ao recurso jurisdicional que a Recorrente A..., interpôs do despacho do Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Setúbal que julgou deserto o recurso jurisdicional que aquela empresa interpusera para este Supremo Tribunal Administrativo, com o fundamento de as alegações não terem sido apresentadas na 1.ª instância, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho de admissão, nos termos do art. 282.º, n.ºs 3 e 4, do C.P.P.T..
Inconformada, a Recorrente interpôs recurso do acórdão referido para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário, com fundamento em oposição entre o acórdão recorrido e vários acórdãos da mesma Secção, tendo vindo a optar, na sequência de despacho do Relator, pelo acórdão de 13-1-99, proferido no recurso n.º 23079, como fundamento do recurso.
Admitido o recurso, subiram ao autos ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário, onde, na sequência de douta promoção do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, foi ordenada a remessa do processo a esta Secção para apreciação da questão da existência de oposição entre o acórdão recorrido e o invocado como fundamento, decisão esta que se baseou na revogação do regime dos arts. 763.º e seguintes do C.P.C. pelos arts. 284.º, n.º 5, e 286.º do C.P.P.T..
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Sendo a competência, em qualquer das suas espécies, de ordem pública e de conhecimento prioritário (art. 3.º da L.P.T.A.), a questão que se coloca, antes de mais, é a de saber se esta Secção é hierarquicamente competente para apreciar a questão preliminar do recurso com fundamento em oposição de julgados.
Artigo 284.º
Oposição de acórdãos
1 – Caso o fundamento for a oposição de acórdãos, o requerimento da interposição do recurso deve indicar com a necessária individualização os acórdãos anteriores que estejam em oposição com o acórdão recorrido, bem como o lugar em que tenham sido publicados ou estejam registados, sob pena de não ser admitido o recurso.
2 – O relator pode determinar que o recorrente seja notificado para apresentar certidão do ou dos acórdãos anteriores para efeitos de seguimento do recurso.
3 – Dentro dos 8 dias seguintes ao despacho de admissão do recurso o recorrente apresentará uma alegação tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida.
4 – Caso a alegação não seja feita, o recurso será julgado deserto, podendo, em caso contrário, o recorrido responder, contando-se o prazo de resposta do recorrido a partir do termo do prazo da alegação do recorrente.
5 – Caso o relator entenda não haver oposição, considera o recurso findo, devendo, em caso contrário, notificar o recorrente e recorrido para alegar nos termos e no prazo referido no n.º 3 do artigo 282.º.
Artigo 286.º
Subida do recurso
1 – Seguidamente, o processo subirá ao tribunal superior, mediante simples despacho do juiz ou, em caso de o fundamento assentar em oposição de julgados, do relator.
2 – Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.
A questão dos autos é a do processamento dos recursos por oposição de acórdãos.
Nos termos das disposições combinadas do artº 284º e 286º do CPPT, o recurso é interposto e alegado no tribunal ou formação a quo, aí sendo julgado deserto pelo relator, logo na falta de alegação tendente a demonstrar a referida oposição.
Caso o mesmo relator entenda não haver oposição, o recurso considera-se findo, devendo as partes alegar de meritis, se o recurso dever prosseguir.
E preparado completamente o recurso, o processo sobe ao tribunal superior mediante simples despacho do relator - artº 246º.
Assim, as referências feitas no artº 284º ao "relator" - nº 2 e 5 - referem-se ao relator do processo, no tribunal recorrido; caso contrário, resultaria incompreensível aquele artº 246º, dispondo dever o relator ordenar a subida dos autos, mediante simples despacho.
O processo só sobe ao tribunal (ou formação) ad quem, uma vez e só quando completamente pronto para julgamento final que aquele efectuará.
Assim, a decisão sobre se se verifica, ou não, a alegada oposição de acórdãos compete ao relator do processo, no tribunal recorrido, sem que contudo vincule o tribunal superior como pressuposto que é, da admissibilidade do recurso que, como se disse, se considera findo, caso não haja oposição - artº 284º nº 5.
Pelo que, remetido o processo ao tribunal superior, este decidirá da oposição e de meritis, se a tal nada obstar.
Tal modo de processamento veio preencher a lacuna resultante da revogação dos artºs 763º e seg.ts do C.P.Civil, que, não obstante, se continuaram a entender vigorar, no contencioso tributário, antes da vigência do CPPT.
Mas, assim sendo, deve concluir-se pela revogação das alíneas b) do artº 22º e c) dos artºs 24º e 30º do ETAF, atinentes ao processamento ou "seguimento" dos recursos com fundamento em oposição de julgados.
Tais disposições legais referem-se à competência do Plenário e do Pleno do STA, para o efeito.
Não obstante, não padecem de inconstitucionalidade orgânica aqueles artºs 245º e 246º
É que, como é entendimento do Tribunal Constitucional, importa distinguir entre as intervenções legislativas directamente votadas à definição da competência e as que, inscrevendo-se no domínio da regulamentação processual, todavia acabam por interferir apenas indirecta, acessória e necessariamente com aquela competência; as primeiras são normas de competência e as segundas, puras normas de processo.
"A Constituição distingue com nitidez entre a matéria da competência e a matéria do processo; qualquer que seja o nível ou grau de definição da competência dos tribunais, reservado à Assembleia da República seguramente que nele não entram as modificações da competência judiciária a que deva atribuir-se simples carácter processual".
Cfr. os Acd´s do TC nº 400/87 in D. Rep., 2ª série de 21/Dez/87 e nº 329/89, ibidem, de 22/Jun/89.
Por outro lado, tem o mesmo tribunal entendido não haver invasão da reserva de competência da Assembleia da República quando se não altera a prévia distribuição de competência entre as várias ordens de tribunais (tributários e judiciais).
"A necessidade de autorização legislativa apenas é exigível se ocorre modificação das regras de competência judiciária material, com natural reflexo na distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais" - cfr. Acd. nº 114/00 in Acd´do TC, pág. 415.
Cfr. ainda abundante jurisprudência sobre o ponto no Ac. do mesmo tribunal, de 28/Nov/00, in D. Rep., 2ª , de 5/Jan/01.
Há, pois, que apreciar se se verifica a invocada oposição.
3 – Como resulta do texto do n.º 1 do art. 284.º do C.P.P.T. e do preceituado no art. 30.º, alínea b), do E.T.A.F., a viabilidade dos recursos com fundamento em oposição de julgados depende da invocação de um acórdão em oposição com o recorrido, isto é, um acórdão em que, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica, tenha sido perfilhada solução oposta à do acórdão recorrido.
O acórdão recorrido, sobre a questão da possibilidade de apresentação de alegações no tribunal de recurso, em processo de recurso de acto da administração fiscal praticado em processo de execução fiscal, foi proferido ao abrigo do regime de recursos jurisdicionais previsto no C.P.P.T..
O acórdão invocado como fundamento do recurso foi proferido em 13-1-99, antes da entrada em vigor do C.P.P.T. (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro), pelo que, obviamente, este diploma não pode ter tido qualquer relevância na decisão nele proferida.
Por outro lado, o regime de apresentação de alegações previsto no art. 282.º do C.P.P.T., é distinto do anteriormente previsto no art. 171.º do C.P.T., tendo designadamente, sido omitidas a possibilidade de alegar no tribunal superior que era admitida pelo n.º 1 do art. 171.º do C.P.T. e, por remissão para o art. 87.º, § único do R.S.T.A., no n.º 5 do mesmo art. 171º.
Nestas condições, é de concluir que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento foram proferidos perante regimes jurídicos distintos, pelo que o facto de neles terem sido adoptadas soluções diferentes quanto à possibilidade de apresentação de alegações no tribunal de recurso não implica a existência de oposição de julgados, à face dos referidos arts. 284.º, n.º 1, do C.P.P.T. e 30.º, alínea b), do E.T.A.F.
Termos em que acordam em julgar findo o recurso.
Custas pela Recorrente, com procuradoria de 50%.
Lisboa, 19 Fevereiro de 2003.
Jorge de Sousa – Relator – (vencido quanto à questão prévia da competência da Secção para o julgamento da questão do seguimento do recurso conforme declaração junta.) – Brandão de Pinho – Vítor Meira
Voto de vencido
Embora este n.º 5 do art. 284.º não o explicite, o «relator» a que se refere o n.º 5 é sempre aquele a quem é distribuído o processo no S.T.A., mesmo nos recursos que são interpostos no T.C.A., ao abrigo das alíneas a") do art. 22.º e b') do art. 30.º do E.T.A.F.. Na verdade, por força do preceituado nos arts. 22.º, alínea b), e 30.º, alínea c), do mesmo diploma, «o seguimento» dos recursos com fundamento em oposição de julgados é sempre da competência do Supremo e aquela expressão abrange a decisão sobre o prosseguimento do recurso.
Esta conclusão sobre o alcance daquela expressão comprova-se examinando a tramitação dos recursos com fundamento em oposição de julgados, que estava prevista nos arts. 763.º e seguintes do C.P.C., aplicável ao contencioso tributário antes da vigência do C.P.P.T..
Com efeito, sendo esta tramitação do C.P.C. a aplicável, era a ela que, necessariamente, se reportava a expressão «seguimento» do recurso utilizada naquelas alíneas b) do art. 22.º e c) do art. 30.º do E.T.A.F. e tramitação essa que consistia em o Tribunal que tinha proferido a decisão recorrida (quer fosse a Relação quer fosse a Secção do Supremo) ser competente para proferir o despacho de admissão do recurso e processamento relativo à apresentação de alegações, incluindo a deserção pela sua falta (art. 765.º, n.ºs 2 a 4, do C.P.C.), mas já não a decisão sobre o prosseguimento do recurso, que era decidida pelo Pleno, nos termos do art. 766.º do mesmo Código, na sequência da distribuição ordenada no n.º 5 daquele art. 765.º.
Por isso, ao atribuírem ao Plenário ou ao Pleno do S.T.A. competência para o «seguimento» dos recursos com fundamento em oposição de julgados, aquelas alíneas b) do art. 22.º e c) do art. 30.º do E.T.A.F. estavam a reportar-se à competência para decidir o prosseguimento do recurso, nos termos daquele art. 766.º.
Esta competência do S.T.A. não foi modificada pelo C.P.P.T., que, aliás, foi aprovado ao abrigo de uma autorização legislativa, contida no art. 51º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que não abrangia a possibilidade de alteração da competência dos tribunais, que é matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [art. 165º n.º 1, alínea p), da C.R.P.]. No caso de intervenção do relator na Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. ou no respectivo Pleno (neste caso, nos recursos interpostos para o Plenário), em vez do Pleno ou Plenário do S.T.A., embora seja sempre o mesmo Tribunal, o S.T.A., a decidir, estar-se-ia perante uma alteração de competências equiparável a alteração de competências entre tribunais, pois a atribuição de competências próprias a cada uma daquelas formações, o facto de terem composições diferentes e o de ser atribuído a umas o poder de revogar decisões de outras permitem qualificar como relações de hierarquia entre elas e esta é uma das vertentes da repartição de competências entre tribunais.
De qualquer forma, relativamente à decisão do seguimento do Recurso pelo relator do T.C.A. , unicamente impugnável através de reclamação para a respectiva conferência, se ela estivesse prevista no n.º 5 do art. 284.º, seria indiscutível que se estaria perante a atribuição
a este Tribunal uma competência anteriormente atribuída ao S.T.A. ,
pelo que não poderia deixar de ver-se naquela disposição uma alteração da competência de tribunais.
Por isso, a interpretação daquele art. 284.º n.º 5, nos termos da qual fosse atribuída competência pelo C.P.P.T. ao relator no Tribunal Central Administrativo ou na Secção do Supremo Tribunal Administrativo para o
julgamento da questão preliminar do seguimento do recurso, retirando-a ao Plenário e aos Plenos das Secções, seria organicamente inconstitucional.
Assim, embora a inclusão no C.P.P.T., num único artigo, de toda a tramitação relativa aos recursos com fundamento em oposição de julgados retire nitidez, à repartição de competências entre o relator no tribunal recorrido (T.C.A. ou secção do S.T.A.) e o relator no Plenário ou Pleno, deverá entender-se que o relator a que se refere o n.º 2 deste art. 284.º tem competência para o processamento do recurso até às alegações, incluindo a eventual decisão de deserção do recurso pela sua falta, enquanto o relator a que se refere o n.º 5 será sempre o que deve intervir no Plenário ou Pleno do S.T.A. .
Pelo exposto, entendo que se deveria declarar a Secção do Contencioso Tributário hierarquicamente incompetente para a apreciação da questão do seguimento do recurso.
Jorge de Sousa