Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01158/11
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
IVA
INDEMNIZAÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
II - Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços
III - No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA.
IV - As indemnizações pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respectivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA.
V - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir o recurso jurisdicional- uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não foi pré-estabelecida e que este Tribunal também não pode estabelecer por virtude de o STA, como Tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto, - torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA00067897
Nº do Documento:SA22012103101158
Data de Entrada:12/21/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:BANCO A'...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:CIVA08 ART1 N1 A ART4 N1 ART16 N6 A.
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1 ART722 N3 ART729 N2.
CCIV66 ART483 ART562.
DL 149/95 DE 1995/06/24 ART10 N1 J.
CPPTRIB99 ART288 N1.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART2 ART4.
PAR COM CEE DE 1998/10/05.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01144/06 DE 2008/06/18; AC TCAS PROC3385/09 DE 2012/03/27
Jurisprudência Estrangeira:AC TRIJ PROCC-277/05 DE 2007/07/18
AC CONSEIL ÉTAT PROC146333 DE 1998/07/29
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO - A TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO E A SUA COORDENAÇÃO INTERNACIONAL CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL 262 PAG48.
AFONSO ARNALDO E VASCONCELLOS SILVA - O IVA E AS INDEMNIZAÇÕES FISCO N107/08 PAG88.
CLOTILDE PALMA - INTRODUÇÃO AO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO CADERNOS IDEFF N1 5ED PAG197.
MENEZES CORDEIRO - MANUAL DE DIREITO BANCÁRIO 4ED PAG671.
ANA RITA MACHADO - IVA NAS INDEMNIZAÇÕES FACULDADE DE DIREITO UNIVERSIDADE DO PORTO PUBLICAÇÕES 2011 PAG XIX.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……., S.A., com os sinais dos autos, impugnou, no Tribunal Tributário de Lisboa, as liquidações adicionais de IVA, relativas ao ano de 2003, e, invocando a ilegalidade de tais liquidações, solicitou a sua anulação e os juros compensatórios.

1.1. A M.mª Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação procedente, condenando a Fazenda Pública no pedido de anulação das liquidações adicionais e na restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

2. Não se conformando com tal decisão, a Fazenda Pública interpôs recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as respectivas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1) Sustenta-se na decisão recorrida que a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se incide IVA, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 1°, e n° 1 do art 4° (ambos do CIVA), sobre a indemnização paga à impugnante pela seguradora nas situações em que se verifica a perda total, em virtude de sinistro, dos veículos objecto de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração (ALD). (sublinhado nosso)
2) Contudo, tendo em vista o referido em “D” da fundamentação de facto, bem como os termos do “contrato-tipo” celebrado pela Impugnante com os seus clientes, no âmbito da actividade de locação financeira, parcialmente reproduzido em “E,”, e, ainda, o teor da cláusula 2.3.2. aplicável aos contratos de aluguer de longa duração, na qual se estabelece que "Deve o cliente pagar à “A……., S.A., no acto de denúncia e entrega do veículo, uma indemnização (…)”, pode concluir-se que, ao invés de entendido na decisão recorrida, a questão a decidir não respeita, obviamente, à indemnização paga à Impugnante pela companhia seguradora, mas antes aos valores pagos pelos clientes, a título de indemnização, em cumprimento do clausulado quer nos contratos de locação financeira quer nos contratos de aluguer de longa duração.
3) Diversamente do que sucede relativamente à indemnização recebida da seguradora, a qual se destina meramente a reparar uma perda suportada pela Impugnante, o valor respeitante ao capital em divida recebido dos clientes, no contrato de locação financeira, que é considerado como prestação de serviços, está sujeito a tributação nos termos dos arts. 1º, n° 1, al. a), e 4°, n°1 do CIVA, sendo que a indemnização paga pelos clientes, no contrato de aluguer de longa duração, porque decorrente da responsabilidade contratualmente assumida pelos mesmos, tem indiscutivelmente carácter remuneratório, tratando-se de uma contraprestação de uma operação tributável em IVA, estando sujeita a tributação e devendo ser incluída na respectiva base tributável.
4) Com efeito, para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a titulo de indemnização, deverá considerar-se que, porque se trata de um imposto sobre o consumo, o mesmo visa tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenha carácter remuneratório, razão pela qual são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, as quais, como sucede no caso em apreço, configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.
5) Por sua vez, a questão objecto de apreciação no Acórdão do STA de 18/6/2008, proferido no proc. 01144/06, não se revela apenas “um pouco distinta”, tal como referido na decisão recorrida, mas, pelo contrário, completamente diversa da que aqui se discute, na medida em que a propósito daquela foi entendido que, tratando-se de uma compensação por prejuízos, se a indemnização sanciona a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, não pode ser tributada em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
6) Ora, ao invés do concluído relativamente à indemnização em causa no questionado acórdão, constata-se que, no caso vertente, as quantias pagas complementarmente à Impugnante, pelos respectivos clientes, a título de indemnização, quer nos contratos de locação financeira quer nos contratos de aluguer de longa duração, não revestem claramente a natureza de ressarcimento de perdas e danos, resultando a respectiva obrigação, tão só, de responsabilidades contratualmente assumidas em cada um dos contratos em causa, razão pela qual deverão tais quantias ser sujeitas a IVA, nos termos dos arts. 1°, n° 1, al. a), e 4º, n° 1 do CIVA, preceitos legais que resultam violados em consequência do entendimento que fundamenta a decisão recorrida, a qual deverá ser revogada, com as legais consequências”

3. O BANCO A’……., S.A. (entidade que incorporou por processo de fusão a A…….), deduziu Contra-alegações, com as Conclusões seguintes:
“1.ª A A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativas ao ano de 2003, por considerar que não incide IVA, nos termos dos artigo 1.º e 4.° do Código do IVA, sobre os montantes pagos pela companhia seguradora à Recorrida nas situações de perda total, em virtude de sinistro, de veículos objecto de locação financeira ou aluguer de longa duração, porquanto tais indemnizações serviam para ressarcir os prejuízos sofridos correspondentes ao capital afecto às operações;
2.ª A Recorrente imputa um erro de julgamento à decisão recorrida quanto ao objecto do litígio, afirmando que o que estava em causa eram as quantias pagas complementarmente à Impugnante, pelos respectivos clientes, a título de indemnização, quer nos contratos de locação financeira quer nos contratos de aluguer de longa duração, e não as indemnizações pagas à Impugnante pela companhia seguradora;
3.ª Sucede, porém, que quem incorre em erro é o Ilustre Representante da Fazenda Pública porquanto não foi sobre os valores pagos complementarmente pelos locatários que incidiu o IVA impugnado mas sim sobre os valores de indemnização pagos pela Seguradora, sendo que sobre as quantias pagas pelos locatários a própria Recorrida liquidou o IVA, não incidindo nesse âmbito qualquer correcção por parte da administração tributária;
4.ª Os serviços de inspecção tributária consideraram que deveria incidir IVA não apenas sobre o diferencial não coberto pela indemnização paga pela seguradora, exigido aos clientes, mas também sobre o próprio montante recebido pela Impugnante correspondente à indemnização paga pela seguradora e foi sobre esse montante que liquidaram o IVA impugnado;
5.ª Uma vez que o próprio Ilustre Representante da Fazenda Pública reconhece que a indemnização recebida da seguradora se destina meramente a reparar uma perda e sendo inequívoco que é sobre tal indemnização que se discute a incidência de IVA nos presentes autos, reconhece-se, pois, a ilegalidade das liquidações adicionais de imposto, pelo que de imediato se impõe declarar a improcedência do presente recurso;
6. Sem prejuízo de inexistir qualquer erro na sentença recorrida sobre a questão a apreciar e decidir, cumpre ainda realçar que bem andou o Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, que sobre as indemnizações em causa não incide IVA porquanto não visam compensar proveitos deixados de obter mas sim ressarcir prejuízos incorridos;
7.ª Resulta da factualidade provada nos autos que a natureza da indemnização em questão, atribuída em virtude da perda total de veículo automóvel, é a de verdadeira indemnização, sendo assente que o prejuízo da Impugnante correspondia ao valor dispendido na aquisição dos bens e que não tinha sido amortizado, seja o capital em dívida à data do sinistro, no caso do contrato de locação financeira, seja o valor que o veículo tinha na sua contabilidade à data do sinistro, no caso do ALD;
8.ª Irreleva saber se a locadora transfere o risco da perda do bem directamente para a seguradora ou contrata com o locatário que seja este formalmente a transferir esse risco para a seguradora, sendo este o tomador do seguro, porquanto a lesão ocorre no património da locadora e a indemnização recebida serve em todo o caso o propósito de ressarcir a perda do bem, sendo indiscutível a natureza ressarcitória da indemnização paga;
9.ª O encontro de contas que é efectuado, a final, com o locatário visa, tão- só, evitar um enriquecimento injustificado da Recorrida permitindo que esta receba um quantitativo pecuniário equivalente ao seu efectivo prejuízo, calculado pela dedução ao valor comercial do bem — correspondente à cobertura do seguro — do montante financeiramente já amortizado através do pagamento de rendas;
10.ª De acordo com o entendimento da Comissão Europeia, transcrito na sentença recorrida, nem sequer sobre os montantes pagos pelos locatários (remanescente não coberto pela indemnização da seguradora) deveria ter incidido IVA, menos ainda sobre as indemnizações pagas pela seguradora, pelo que se conclui que o recurso da Fazenda Pública está inexoravelmente votado ao insucesso;
11.ª Com efeito, mesmo que estivessem em causa indemnizações pagas pelos locatários à locadora, visando ressarcir tão-só o valor líquido do veículo, o certo é que se manteria o julgamento de Direito de que tais indemnizações não revestiriam natureza remuneratória, não sendo por isso abrangidas pelo campo de aplicação do IVA, mantendo-se a sentença recorrida;
12.ª Ficando provada nos autos, sem réstia de dúvidas, a natureza de pura indemnização dos montantes recebidos nas presentes situações de perda total do veículo e sendo pacífico o entendimento de que tais indemnizações não configuram a contraprestação de qualquer operação sujeita ao IVA (cf. neste sentido, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2008, proferido no recurso n.° 1144/06, e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.03.2009, proferido no recurso n.° 2507/08), não poderia deixar de anular-se as liquidações impugnadas, razão pela qual deve a sentença recorrida ser mantida, julgando-se improcedente o recurso da Fazenda Pública, com as demais consequências legais.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu o seguinte Parecer:
“1:Questão decidenda: incidência de IVA sobre as indemnizações pagas à impugnante pelas companhias seguradoras, em caso de perda total em virtude de sinistro, de veículos objecto de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração (ALD).
Contrariamente ao entendimento da recorrente Fazenda Pública a questão decidenda foi correctamente equacionada porque os montantes sobre os quais incidiram as liquidações adicionais correspondem aos valores das indemnizações pagas pelas companhias seguradoras à locadora e não às quantias complementares pagas pelos locatários à locadora, no âmbito de contratos de locação financeira e de ALD (cfr. 2ª conclusão fls 205; informação fls.252; doc.fls 325).
2. No âmbito dos citados contratos o locatário é obrigado a segurar o veículo locado contra o risco da sua perda ou deterioração. O contrato de seguro é celebrado com o locatário (tomador do seguro), o qual paga os prémios respectivos, sendo beneficiária a locadora (art. 10º nº1 al.j) DL n.º 149/95, 24 junho).
3. Em caso de perda total do veículo, configurando condição resolutiva do contrato, a companhia seguradora paga à locadora beneficiária as quantias correspondentes às indemnizações, de acordo com o capital constante das apólices.
4. A natureza ressarcitória da indemnização destinada à compensação do dano causado pela perda do bem, conduz à sua exclusão da incidência objectiva de IVA, na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º n.º 1, 4º n.º 1 e 16 n.º 1 CIVA); na doutrina José Xavier de Basto A tributação do consumo e a sua coordenação intencional CTF n.º164 p.173, Patricia Noiret da Cunha CIVA anotado ISG p.269; na jurisprudência acórdão STA-SCT 18.6.2008 processo n.º1144/06).
5. Por sua vez o locatário paga à locadora o montante das rendas vencidas e não pagas, respectivos juros, o capital em dívida à data e as despesas efectuadas pelo locador por conta do locatário, após dedução do valor da indemnização paga pela companhia seguradora (contratos de locação financeira); ou o valor contabilístico do veículo não reembolsado pela Companhia seguradora (contratos de aluguer de longa duração) (probatório als. E), F), G), H), K), L), M) e P)).
6. Assim sendo, as quantias pagas complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa).
Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA.
7. Aplicando estas considerações ao caso concreto:
a) as liquidações adicionais de IVA incidiram sobre os montantes pagos à locadora pelas companhias seguradoras, no montante global de € 246.957,01, como se confirma no próprio esclarecimento prestado pela Administração Tributária (informação fls.252); e não sobre os montantes das notas de crédito correspondentes às quantias pagas complementarmente à locadora pelos locatários no montante global de €129.658,91 (doc. Fls 325);
b) aquelas quantias não estão sujeitas à incidência de IVA, em consequência da sua natureza ressarcitória de perdas e danos, e não remuneratória de transmissão de bens ou prestações de serviços;
c) a anulação parcial das liquidações adicionais controvertidas (por forma a reduzir a incidência de IVA à base tributável de € 129.658,91) não teria fundamento legal na medida em que são distintas as operações económicas subjacentes.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.”

5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença, sob recurso, alicerçou-se na seguinte matéria de facto:
“A. A Impugnante é uma instituição de crédito, que se dedica à actividade de locação financeira e aluguer de longa duração de veículos (cfr. fls. 86 do Processo Administrativo (PA)).
B. A Impugnante encontra-se sujeita a IVA, encontrando-se enquadrada no regime normal mensal, com direito de dedução parcial do IVA suportado - regime pró-rata (cfr. fls. 87 do PA).
C. Em cumprimento das ordens de serviço OI200500137 e OI200500138, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção-Geral dos Impostos, a Administração Fiscal apurou IVA em falta, com referência ao ano de 2003, no montante de €46.921,83 «relativamente a viaturas em que houve perdas totais, de harmonia com o n.°1 do art. 4° do CIVA e a alínea h) do n. 2 e alínea a) do n.° 6, ambas do art. 16.° do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade.» (cfr.fls. 83 e 85 do PA).
D. Em 29/09/2005, foi elaborado o relatório de fiscalização de que se junta cópia de fls. 80 a fls. 106 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e onde constam, além do mais, as seguintes conclusões:
“No âmbito do exercício normal da actividade da empresa, verificámos existirem veículos com perda total de bens, tanto em contratos de locação financeira, como em contratos em aluguer de longa duração (ALD). Nos veículos objecto de locação financeira está previsto contratualmente que, em caso de ocorrência de perda total do bem, o contrato é resolvido, sendo o locatário obrigado a pagar, para além de outros montantes, o capital em dívida nessa data; em ALD também está prevista contratualmente a resolução do contrato, em que o cliente se obriga a pagar uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico.
Em ambos os casos, o objecto do contrato é segurado a favor do locatário, mas autorizando este a locadora a receber a indemnização atribuída pela seguradora, ou então como credora hipotecária a locadora exige que lhe seja enviado o respectivo meio de pagamento, em caso de perda total do bem. Após o recebimento da indemnização paga pela companhia de seguros, a locadora faz o encontro de contas com o locatário, restituindo ou exigindo a diferença, caso o valor da indemnização recebida seja respectivamente superior ou inferior ao valor obtido conforme acima mencionado. O IVA somente é liquidado neste último caso, consistindo essa diferença a sua base tributável. Fica, desse modo, diminuída a base tributável, exactamente no montante correspondente ao valor da indemnização paga pela seguradora.
O valor da indemnização pago pela seguradora não é o que a locadora exige ao locatário. Assim sendo, o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia, em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, sendo uma o pagamento à locadora, por parte do locatário, do capital em dívida nessa data (o somatório das rendas vincendas e o valor residual actualizados) ou de uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico, e a outra a restituição pela locadora ao locatário do valor da indemnização recebida da seguradora.
Na locação financeira, o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativo ao capital em dívida nessa data, actualizado ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA, uma vez que configura uma prestação de serviços, de acordo com o n.° 1 do art.° 4.° do CIVA; no aluguer de longa duração, a indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do veículo e o seu valor contabilístico, devido à perda total do bem, configura a compensação de proveitos que deixaram de ser obtidos, pelo que o seu pagamento deverá entender-se como contra prestação de operação sujeita a imposto.
De acordo com a alínea a) do n.° 6 do art.° 16.º do CIVA são excluídas do valor tributável as quantia recebidas a título de indemnização declarada judicialmente por incumprimento total ou parcial de obrigações”, permitindo concluir “a contrário sensu” que as indemnizações desta natureza, quando não declaradas judicialmente, se encontram sujeitas a IVA.
Quanto ao valor relativo à indemnização recebida da seguradora, por parte da locadora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA.
O imposto em falta, de harmonia com o n.° 1 do art.°4.° do CIVA e a alínea h) do n.° 2 e, alínea a) do n.° 6, ambas do art.° 16.° do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade, é de 46.921,83 euros, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr. Anexo 1).”
E. A Impugnante, no âmbito da sua actividade de locação financeira, celebrava um “contrato-tipo” com os locatários, de que se junta cópia a fls. 103 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e onde consta, nas Condições Gerais, além do mais, a seguinte cláusula:
(…)
Art.8° - Procedimento em caso de sinistro
(...)
4 — Se, de acordo com a peritagem da companhia de seguros, se tratar de sinistro com perda total de bem, o Contrato considerar-se-á automaticamente resolvido para todos os efeitos, devendo o Locatário pagar na mesma data ao Locador o montante quer das rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, quer o capital em dívida nessa data, bem como as despesas efectuadas pelo Locador por conta do Locatário, recebendo, em consequência, directamente da companhia de seguros, após prévio consentimento escrito do Locador, a indemnização que aquela venha a pagar (…)».
F. A Impugnante, no âmbito da sua actividade de aluguer de longa duração de veículos, celebrava um “contrato-tipo” com os clientes, de que se junta cópia a fls. 104 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e onde constam, nas Condições Gerais, além do mais, as seguintes cláusulas:
«(…)
2. Vigência
(…)
Cláusula 2.3.2
Deve o cliente pagar à A……., S.A., no acto de denúncia e entrega do veículo, uma indemnização de valor igual à diferença entre o valor comercial do Veiculo, líquido de IVA, e o valor contabilístico no início do trimestre civil em que ocorra a rescisão, calculado de acordo com o método de quotas constantes.
(…)
5. SEGUROS
(..)
Cláusula 5.5
Cliente obriga-se a pagar à A……., S.A., todas as quantias não reembolsadas pela Companhia de Seguros nos termos da Apólice contratada, nomeadamente no caso de roubo ou perda total, até ao valor calculado nos termos da Cláusula 2.3.2(...)»
G. Entre a Impugnante e os clientes do ALD, eram celebrados contratos de aluguer, de que se junta cópia de fls.105 do PA apenso, cujas condições particulares estipulavam o seguinte:
«(…)
9. SEGURO: Não incluído. O Cliente declara expressamente assumir todos os encargos e responsabilidade do o Seguro do Veiculo automóvel objecto do presente contrato.(...)»
H. Entre a Impugnante e os locatários, eram celebrados contratos de locação financeira, de que se junta cópia de fls.106 do PA apenso, cujas condições particulares estipulavam o seguinte:
(…)
11° Seguros: O Locatário compromete-se a efectuar e a manter em vigor os seguros abaixo referidos, nos quais a B…… SA figurará como Proprietário e Credor Privilegiado (...)»
1. Da acção inspectiva à Impugnante resultou as liquidações adicionais de IVA com os n.° 05298276; 05298278; 05298280; 05298282; 05298284;
05298286 e de juros compensatórios n° 05298277; 05298279; 05298281; 05298283; 05298285, 05298287 (cf. demonstração de liquidações a fls. 52 a fls. 63 dos autos).
J. Em 27/12/2005, a Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações adicionais referidas em I), (cfr. fls. 64 a 75 do PA).
K. Os contratos de locação financeira, ocorrendo a perda total do veículo em virtude de sinistro, eram automaticamente resolvidos (cfr. fls. 103 do PA e depoimento da testemunha).
L. Nos contratos de locação financeira, ocorrendo a perda total do veículo objecto dos contratos, a recuperação por parte da Impugnante do capital que Afectou a cada operação, ocorria, em primeiro lugar através da indemnização paga pela respectiva companhia seguradora, e em caso de insuficiência da mesma, pelo próprio locatário, (depoimento da testemunha).
M. Nos contratos de ALD, ocorrendo a perda total do veículo objecto dos contratos, a Impugnante apenas exigia dos clientes, o valor contabilístico do bem não objecto de reembolso por parte da companhia de seguros, (depoimento da testemunha).
N. Em caso de perda total do veículo, a Impugnante não exigia aos locatários nos contratos de locação financeira, o pagamento de quaisquer juros vincendos devidos até ao final do contrato e que seriam liquidados por aquele no caso de não se ter verificado a perda total do bem locado, (depoimento da testemunha).
O. Nos contratos de ALD, ocorrendo a perda total do veículo, a Impugnante não exigia aos clientes o pagamento de quaisquer rendas vincendas até ao final do contrato e que seriam devidas por aquele no caso de não se ter verificado a perda total do bem locado e de o contrato ser normalmente cumprido, (depoimento da testemunha).
P. Após o recebimento da indemnização, a Impugnante efectuava, um encontro de contas com o locatário, exigindo-lhe ou restituindo-lhe a diferença, nos casos em que o valor da indemnização paga pela seguradora era inferior ou superior ao capital afecto, respectivamente, (depoimento da testemunha).
Q. O prejuízo da Impugnante correspondia ao valor dispendido na aquisição dos bens e que não tinha sido amortizado, seja o capital em dívida à data do sinistro, no caso do contrato de locação financeira, seja o valor que o veículo tinha na sua contabilidade à data do sinistro, no caso do ALD, (depoimento da testemunha).
R. A P1 deu entrada neste tribunal por carta registada de 30/03/2006 (cfr. fls. 2 e 65 dos autos).”


2.2. Das questões a apreciar e decidir

A recorrida é uma instituição de crédito, que se dedica à actividade de locação financeira e aluguer de longa duração de veículos, encontrando-se sujeita a IVA, e enquadrada no regime normal mensal, com direito de dedução parcial do IVA suportado - regime pró-rata.
A Administração Fiscal, no âmbito de uma inspecção, apurou IVA em falta, com referência ao ano de 2003, no montante de €46.921,83 «relativamente a viaturas em que houve perdas totais, de harmonia com o n.°1 do art. 4° do CIVA e a alínea h) do n. 2 e alínea a) do n.° 6, ambas do art. 16º do IVA».
A recorrida deduziu impugnação judicial pedindo a anulação das liquidações adicionais de IVA com os nºs. 05298276; 05298278; 05298280; 05298282; 05298284; 05298286 e de juros compensatórios n° 05298277; 05298279; 05298281; 05298283; 05298285, 05298287, emitidas em 8 de Novembro de 2005.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 20 de Setembro de 2011, foi julgada procedente a referida impugnação e consequente anulação das liquidações em causa.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo”, entre o mais, que:
“(…)
O artigo 16° do CIVA, com a epígrafe “Valor tributável nas Operações Internas” dispõe que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Para além disso, o n.° 6 deste artigo dispõe que do valor tributável referido no número anterior são excluídos os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações.
Quis o legislador do CIVA com este artigo, e no seguimento dos princípios da 6.° Directiva, excluir do valor tributável as quantias recebidas a título de indemnização.
Na verdade, a obtenção da indemnização caracteriza-se pela inexistência do facto tributário. Ou seja, a transferência patrimonial efectuada pela indemnização não está abrangida pelas normas de incidência do IVA, quer a indemnização seja paga pelo autor da lesão, quer seja pela companhia seguradora que eventualmente esteja obrigada mediante um contrato de transferência da responsabilidade civil (…)
Sublinhe-se que também é essa a tese defendida pela Comissão Europeia,
a qual foi expressa na resposta à Pergunta Escrita E-2431/98 apresentada à
Comissão, a 30 de Julho de 1998, e publicada no JOCE C 96/95, de 8/4/1999, a qual, pela sua importância para o caso dos autos se transcreve:
«Pergunta Escrita E-2431/98
Apresentada por Françoise Grossetête (PPE) à Comissão
(30 de Julho de 1998)
Objecto: Interpretação do artigo 4° da Sexta Directiva IVA
Considerando que algumas empresas procedem a alugueres de veículos de longa duração através dos chamados contratos «abertos» cujo objectivo é fazer participar o locatário no resultado financeiro do aluguer, calculado em função dos custos reais de funcionamento dos veículos, da duração da utilização e do produto da sua realização;
Considerando que, em caso de roubo ou de destruição do veículo alugado, o contrato prevê que o veículo sinistrado é avaliado por um perito, sendo especificado que será unicamente com base no valor assim determinado que a companhia de seguros indemnizará a empresa de aluguer, e que a última facturará ao locatário a diferença entre o valor da indemnização determinado pelo perito e o valor líquido do veículo, tal como consta da contabilidade;
Considerando que, pelo contrário, em caso de sinistro, a empresa de aluguer não recebe qualquer indemnização de rescisão correspondente ao valor actualizado dos alugueres não vencidos que teria recebido se o contrato tivesse chegado ao seu termo;
Pode a Comissão indicar se a indemnização assim paga à empresa de aluguer, correspondente ao valor do veículo sinistrado ou roubado determinado pelo perito, se enquadra no campo de aplicação do IVA, tal como definido no artigo 4º da Sexta Directiva?
Pode igualmente a Comissão indicar se, à luz da alínea A), ponto 1, do artigo 11º, da mesma directiva, as indemnizações recebidas nestas circunstâncias têm algum vínculo directo ao contrato de aluguer concluído e se podem ser consideradas como um complemento de preço que tenha por objecto garantir o equilíbrio financeiro das prestações comuns entre as partes e se, em consequência, as referidas indemnizações devem ser submetidas a IVA?
Resposta dada pelo Comissário Monti em nome da Comissão
(5 de Outubro de 1998)
A Comissão confirma que as indemnizações pagas pelas seguradoras na sequência da realização do risco sobre o qual incide o seguro não podem ser consideradas remuneração de uma prestação de serviços, pelo que não são abrangidas pelo campo de aplicação do IVA.
No que se refere ao tratamento do montante facturado ao locatário se a indemnização paga pela seguradora à sociedade de locação for inferior ao valor contabilístico líquido do veículo indicado na contabilidade da sociedade de locação, é indubitável que o montante em causa não é pago a título de remuneração de uma prestação de serviços pela sociedade de locação. O pagamento efectuado pelo locatário é motivado por um facto exógeno (roubo do veículo, danos, perda ou acidente do mesmo) que não está de modo algum relacionado com a operação tributável que constitui a locação do veículo. Em consequência, o pagamento de uma indemnização pelo locatário à sociedade de locação nunca poderá ser considerado remuneração de uma prestação de serviços, não sendo, por conseguinte, abrangido pelo campo de aplicação do IVA.». [sublinhado nosso].
(…)Resulta da factualidade assente que ocorrendo a perda total do veículo, os contratos eram automaticamente resolvidos. (…).
“(…)
Ora, consta da factualidade dada como provada, atendendo sobretudo ao depoimento da testemunha, que o montante pago pela companhia seguradora servia para ressarcir os prejuízos sofridos pela lmpugnante. E o prejuízo da Impugnante correspondia ao capital afecto às operações, ou seja, o valor dispendido na aquisição dos bens e que não tinha sido ainda amortizado, seja o capital em dívida à data do sinistro, no caso do contrato de locação financeira, seja o valor que o veículo tinha na sua contabilidade à data do sinistro, no caso do ALD.
Por conseguinte, a indemnização da seguradora não assume, assim, uma natureza de contraprestação pela entrega de um bem ou prestação de serviço nem visa suportar os lucros cessantes da recorrente, tratando-se, antes; de uma compensação à Impugnante, lesada pelos prejuízos resultantes no seu património, uma vez que o bem destruído é da sua propriedade. Deste modo, não se pode subsumir esta situação a uma prestação de serviços sujeita a IVA prevista no artigo 4.° do CIVA.
Apesar de tratar de uma questão um pouco distinta, vejam-se as conclusões do Acórdão do STA, de 18/06/2008, Rec. 01144/06, onde consta que “Tal indemnização não assume, assim, uma natureza de contraprestação pela entrega de um bem ou prestação de serviço nem visa suportar os lucros cessantes da recorrida, tratando-se, antes, de uma compensação aos particulares lesados pelos prejuízos resultantes do interesse público.
III - E, assim sendo, se a indemnização sanciona a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, não pode ser tributada em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.”
Por conseguinte, a prestação efectuada pela companhia seguradora não pode ser objecto de incidência de IVA.”

Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, argumentando, em síntese, desde logo, que a questão a decidir não diz respeito “(…) à indemnização paga à Impugnante pela companhia seguradora, mas antes aos valores pagos pelos clientes, a título de indemnização, em cumprimento do clausulado quer nos contratos de locação financeira quer nos contratos de aluguer de longa duração”.
Para a Fazenda Pública, “Diversamente do que sucede relativamente à indemnização recebida da seguradora, a qual se destina meramente a reparar uma perda suportada pela Impugnante, o valor respeitante ao capital em divida recebido dos clientes, no contrato de locação financeira, que é considerado como prestação de serviços, está sujeito a tributação nos termos dos arts. 1º, nº1, al. a), e 4°, n°1 do CIVA, sendo que a indemnização paga pelos clientes, no contrato de aluguer de longa duração, porque decorrente da responsabilidade contratualmente assumida pelos mesmos, tem indiscutivelmente carácter remuneratório, tratando-se de uma contraprestação de uma operação tributável em IVA, estando sujeita a tributação e devendo ser incluída na respectiva base tributável”.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos das disposições constantes dos arts. 684º/3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao concluir pela anulação das liquidações adicionais, porquanto as indemnizações pagas à impugnante pela companhia de seguros visam ressarcir os prejuízos causados no seu património, encontrando-se, por isso, excluídas do objecto de incidência de IVA.
A resposta à questão que vem posta passa pela determinação do sentido e alcance dos arts. 16º, nº 6, alínea a), 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do CIVA.

3. Do alegado erro de julgamento

3.1. Sentido e alcance dos arts. 16º, nº 6, alínea a), 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do CIVA.

1. O art. 16º do CIVA, sob a epígrafe, “Valor tributável nas operações internas”, dispõe que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
Para além disso, o nº 6, alínea a), do mesmo preceito, estabelece que do valor tributável referido no número anterior são excluídos “[o]s juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”.
A adopção de uma interpretação estritamente literal levaria a restringir a aplicação do preceito apenas às indemnizações declaradas por decisão jurisdicional, o que afastaria, por exemplo, uma indemnização por falta de cumprimento da prestação no âmbito de um contrato só porque a mesma não foi declarada judicialmente.
Alguma doutrina propõe uma interpretação que atenda de forma equilibrada aos objectivos da legislação comunitária sobre o IVA, e às característica do imposto, tendo em conta, por um lado, o conceito civilístico de indemnização, e, por outro, as demais regras e princípios que regem o IVA consagrados na Directiva IVA e no próprio Código.
No que respeita à obrigação de indemnização, genericamente prevista no art. 483º, do Código Civil, a mesma traduz-se numa obrigação de indemnização do lesado pelos danos resultantes da violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios desde que haja dolo ou mera culpa. Esta obrigação de indemnização encontra concretização no art. 562º e seguintes do Código Civil que, por sua vez, prevê o seguinte: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
O princípio fundamental assenta na obrigação da reconstituição natural da situação e, quando esta não seja possível, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria nessa data se não existissem danos – indemnização por equivalente (correspondente ao valor pecuniário dos danos causados).
Por seu turno, no que diz respeito às normas e princípios que informam o IVA, importa ter presente, desde logo, que, segundo o art. 1º do CIVA, encontram-se sujeitas a este imposto, entre outras operações, as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
Os autores convergem que o conceito de onerosidade, sublinhado neste preceito e, entre outros, nos arts. 2º e 4º da Directiva do IVA, é fulcral para a definição do âmbito de incidência do imposto, uma vez que, enquanto imposto geral sobre o consumo, o mesmo incide unicamente sobre a actividade económica, entendida como “qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”.
É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência (cfr. o art. 4º, nº 2, da Directiva do IVA) (Para maiores desenvolvimentos sobre o conceito de actividade económica retido pelo art. 4º da 6ª directiva, cfr. JOSÉ G. XAVIER DE BASTO, “A tributação do consumo e a sua coordenação internacional”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 262, 1991, pp.48 ss.) .
Assim sendo, a tributação de uma dada operação, em sede de IVA, é feita com base na existência de um contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da actividade económica de cada agente.
No contexto apontado, a doutrina converge que “o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, ou seja, não há qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação que caiba ao lesado efectuar. Assim, existe apenas uma prestação a fazer, não podendo ser reclamado do lesado o cumprimento de uma eventual obrigação a que este se encontrasse adstrito”.
Conclui-se, desta forma, que “a entrega de uma indemnização pressupõe, por si só, a ausência de um nexo sinalagmático e, em consequência, a inexistência de qualquer natureza onerosa” (Cfr. Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, “O IVA e as indemnizações”, Fisco, nº 107/108, p. 88.).
Neste sentido, AFONSO ARNALDO E PEDRO VASCONCELLOS E SILVA (Ibidem.) ponderam que “(…) atentas as especificidades do sistema de IVA vigente na União Europeia, o qual tem a sua base estruturante na denominada Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, há que considerar que o desiderato tributário reside apenas em abranger as operações que são remuneradas através de uma contrapartida e não as meras compensações ressarcitórias. Assim, pode concluir-se com segurança que as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA”.
No mesmo sentido, pondera CLOTILDE PALMA (Cfr. “Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p 197.) que no caso de as indemnizações sancionarem “(…) a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços (cfr. Informação 2367, de 20.9.93, da DSCA do SIVA)”.
Ficou também consignado no Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Julho de 2007, “Société thermale d’Eugénie-les-Bains contra Ministère de l’Économie, des Finances et de l’Industrie, Processo C-277/05, em que se questionava se integrava o conceito de indemnização para efeitos de não sujeição a IVA os sinais pagos em contratos relativos a prestações de serviços sujeitas a IVA e conservados pelo prestador em caso de incumprimento, o Tribunal concluiu que “(…) devem ser considerados, quando o cliente exerce a faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, como indemnizações fixas de rescisão pagas para reparar o prejuízo sofrido na sequência da desistência do cliente, sem nexo directo com qualquer serviço prestado a título oneroso e, enquanto tais, não sujeitas a esse imposto”.
Em face do exposto, atendendo a uma interpretação teleológica e sistemática do art. 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente conceito de indemnização, estariam, desta forma, excluídas do âmbito de incidência do IVA, para além das indemnizações que tenham sido declaradas judicialmente, as que tenham carácter meramente ressarcitório.
Com efeito, a doutrina converge numa interpretação extensiva do preceito de forma a abarcar as puras indemnizações, como meras compensações ressarcitórias de um prejuízo/dano, que não devem suscitar quaisquer implicações ao nível de liquidação do IVA, por se considerarem fora do seu âmbito de incidência.
Não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontre adstrito, uma vez que a obrigação nasce ex novo no momento em que é causado o dano, a entrega de uma indemnização, por não pressupor qualquer nexo sinalagmático com uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem carácter oneroso.
Segundo este modo de ver as coisas, serão tributadas em IVA as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
Apesar desta conclusão, a questão de saber se em concreto estamos ou não perante uma indemnização ressarcitória nem sempre se afigura tarefa fácil exigindo delicada tarefa de ponderação e análise da situação.

3.2. Atentemos no caso em apreço.

Segundo ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (Cfr. Manual de Direito Bancário, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pp. 671 ss.), a “Locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.”
A locação financeira caracteriza-se, assim, como uma fórmula destinada a proporcionar crédito bancário. Com efeito, pretendendo adquirir um bem para o qual não tenha disponibilidade financeira imediata, “o interessado dirige-se a um banqueiro” que vai adquirir o bem em causa e dá-lo ao interessado em locação. Por sua vez, o locatário irá pagar uma “retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá , ainda, nada fazer” (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob cit., p. 671.).
No caso sub judice, do probatório resulta que a recorrida celebra “contratos-tipo” com os clientes para as situações de perda total dos veículos, que se caracterizam pelo regime jurídico que se segue.
Quanto aos contratos de locação financeira, no ponto E do probatório pode ler-se que de entre as condições gerais desses contratos, o art. 8º, sob a epígrafe “Procedimento em caso de sinistro, estabelece, no seu nº 4, que se de acordo com a peritagem da companhia de seguros, se tratar de sinistro com perda total de bem, o Contrato considera-se automaticamente resolvido para todos os efeitos, “devendo o Locatário pagar na mesma data ao Locador o montante quer das rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, quer o capital em dívida nessa data, bem como as despesas efectuadas pelo Locador por conta do Locatário, recebendo, em consequência, directamente da companhia de seguros, após prévio consentimento escrito do Locador, a indemnização que aquela venha a pagar (…)”.
No que se refere ao aluguer de longa duração (ALD), no ponto F do probatório, pode ler-se que da cláusula 2.3.2 dos referidos contratos resulta que em caso de perda total do veículo o cliente se obriga a pagar todas as quantias não reembolsadas pela Companhia de Seguros “nos termos da Apólice contratada, nomeadamente no caso de roubo ou perda total, até ao valor calculado nos termos da Cláusula 2.3.2, que consiste numa “indemnizado de valor igual à diferença entre o valor comercial do Veiculo, líquido de IVA, e o valor contabilístico no início do trimestre civil em que ocorra a rescisão, calculado de acordo com o método de quotas constantes”.
No âmbito dos citados contratos o locatário é obrigado a segurar o veículo locado contra o risco da sua perda ou deterioração, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 10º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho. O contrato de seguro é celebrado com o locatário (tomador do seguro), o qual paga os prémios respectivos, sendo beneficiária a locadora (art. 10º nº1, al.j), Decreto-Lei nº 149/95, 24 Junho).
Em caso de perda total do veículo, verificando-se a condição resolutiva do contrato, a companhia seguradora paga à locadora beneficiária as quantias correspondentes às indemnizações, de acordo com o capital constante das apólices.
Por conseguinte, em ambas as situações a responsabilidade pelo seguro pertence ao cliente, mas contratualmente a indemnização é paga directamente pelas seguradoras à locadora que, posteriormente, procede ao encontro de contas com o locatário, restituindo ou exigindo a diferença, caso o valor da indemnização recebida seja respectivamente superior ou inferior ao capital afecto.
Do quadro jurídico exposto, verifica-se que a locadora obriga-se a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do veículo ao locatário recebendo como contrapartida uma prestação. Em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, a interrupção da relação sinalagmática existente entre locadora e locatário.
Neste caso, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora.
Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respectivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA.
Na verdade, aplicando ao caso o que ficou dito sobre o critério identificador do conceito de indemnização remuneratória, vemos que nas relações entre locador e locatário havia uma relação sinalagmática e onerosa enquanto a locadora propiciava ao locador, no âmbito do contrato de locação, o uso do veículo.
Já no que respeita à segunda situação as coisas são diferentes.
Com o acidente dá-se a intervenção de um evento externo que interrompe essa relação e constitui a causa da indemnização a pagar pela seguradora à locadora. Aplicando a doutrina do Parecer da Comissão Europeia, o pagamento a efectuar pela seguradora é motivado por um evento exógeno que não está de modo algum relacionado com a operação tributável que constitui a locação do veículo.
Por outro lado, a indemnização não cobre o ganho que a recorrida teria se o contrato chegasse ao fim, uma vez que, como resulta do probatório (ponto N), a recorrida não exigia o pagamento de quaisquer juros vincendos devidos até ao final do contrato e que seriam liquidados se o contrato fosse cumprido.
Pelo contrário, o valor pago pela seguradora visa apenas indemnizar a recorrida do capital afecto às operações, compensando-se da saída do seu activo dos bens que se perderam. Dito por outras palavras, o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing ou de aluguer de longa duração, mas os veículos, que constituem o objecto da actividade da recorrida, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários.
Não assiste razão à recorrente quando alega que “a indemnização paga pela seguradora deveria ser entregue ao locatário que, por sua vez, acertaria as contas com a locadora. Ora, assim sendo, apenas na óptica da esfera jurídica do locatário os montantes entregues pela seguradora podem ser qualificados com a natureza de indemnização”.
Ao contrário do alegado pela recorrente, afigura-se que a natureza da indemnização não depende dos sujeitos intervenientes, mas sim da causa e do objecto que a mesma visa reparar. Isto é, o facto de o risco referente à perda total dos veículos ter sido transferido para um terceiro não altera a natureza da indemnização, seja esta paga pela seguradora ou directamente pelo particular, o que releva é que a mesma é devida pelos clientes da entidade que loca/aluga automóveis e tem como propósito reparar o prejuízo sofrido por aquela em caso de sinistro com perda total dos veículos.
Na verdade, a perda do veículo não pode deixar de ser considerado um prejuízo sofrido pela locadora, derivado do acidente, e que terá impacto na sua actividade como um todo, visando a indemnização reparar esse dano.
Assim sendo, por força da sua natureza é evidente que os montantes recebidos a título de indemnizações de risco coberto por contrato de seguro, na parte em que se destinem a reparar o dano consubstanciado na perda do veículo (ou do capital utilizado para a sua aquisição) não podem estar sujeitos a IVA (No sentido de que a indemnização a pagar pela seguradora ao lesado e, em princípio, não sujeita a IVA, uma vez que visa reparar um dano causado pelo tomador de seguro, que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, cfr. ANA RITA COSTA MACHADO, IVA nas indemnizações, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Publicações on line, 2011, p. XIX. ), uma vez que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços (relação sinalagmática), mas tão só carácter ressarcitório (No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/3/2012, proc nº 3385/09, decidiu-se, que o valor entregue pela seguradora ao locador não tem a natureza de indemnização paga para reparar o prejuízo sofrido na sequência da perda do bem, porque sobre o locatário recaía «o pagamento antecipado das rendas ou ao vencimento antecipado da dívida de capital actualizado (incluindo rendas vincendas e juros)».) .
Em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão do STA de 18/6/2008, proferido no proc. 01144/06, tratando-se de uma compensação por prejuízos, se a indemnização sanciona a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, não pode ser tributada em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.”
No mesmo sentido, para além da doutrina da Comissão Europeia, seguida na sentença recorrida, se pronunciou o Conseil d’Etat, num caso em que estava em causa uma empresa que tinha como actividade o aluguer de longa duração de veículos automóveis de turismo e que no âmbito dos contratos celebrados os clientes transferiam igualmente para companhias de seguro o risco da perda dos referidos veículos.
O tribunal recorrido considerou que a referida indemnização visava compensar os prejuízos comerciais correntes e correspondentes à álea normal inerente à actividade exercida por este tipo de empresas, devendo tais indemnizações ser entendidas e ratadas como «elementos do preço pago pelos locatários como contrapartida das prestações de serviços que lhe eram fornecidos».
Pelo contrário, o Conseil d’ État (Acórdão de 29 de Julho de 1998 (Conseil d’État statuant au contentieux, nº 146333).) considerou que as indemnizações pagas à locadora, no seguimento dos contratos de seguro que os clientes estavam contratualmente obrigados a fazer para cobrir o rico da perda dos veículos, representando o valor venal dos mesmos antes da perda, não tinham como efeito remunerar a empresa locadora na sequência da prestação inerente ao contrato de locação nem em resultado da interrupção prematura do mesmo. Pelo contrário, entendeu aquela instância que, no caso, tratava-se de indemnizar o incumprimento por parte dos locatários da obrigação de restituir o bem locado no fim do contrato, pelo que tais indemnizações haviam sido indevidamente qualificadas pelo tribunal recorrido como contrapartida de prestações de serviços efectuadas a título oneroso.
Em face de tudo o que vai exposto, somos de concluir, em conformidade com o consignado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual é preciso distinguir:
a) A indemnização paga pela seguradora, “(…) destinada à compensação do dano causado pela perda do bem”, a mesma deve considerar-se excluída da incidência objectiva de IVA, “na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º n.º 1, 4º n.º 1 e 16 n.º 1 CIVA)”;
b) As quantias pagas pelo locatário à locadora, sendo pagas “complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa). Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA”.
Assim sendo, a adoptar-se a perspectiva mencionada, é importante para a resolução da questão que vem posta saber se as indemnizações em causa dizem respeito às quantias pagas pelas seguradoras em cumprimento dos contratos de seguros ou às quantias que complementarmente incidem sobre os locatários e derivadas dos contratos de locação, quanto ao pagamento de eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora.
A Mmª Juíza “a quo” concluiu, como vimos, entre o mais, que “(…)consta da factualidade dada como provada, atendendo sobretudo ao depoimento da testemunha, que o montante pago pela companhia seguradora servia para ressarcir os prejuízos sofridos pela lmpugnante. E o prejuízo da Impugnante correspondia ao capita1 afecto às operações, ou seja, o valor dispendido na aquisição dos bens e que não tinha sido ainda amortizado, seja o capital em dívida à data do sinistro, no caso do contrato de locação financeira, seja o valor que o veículo tinha na sua contabilidade à data do sinistro, no caso do ALD.
Por conseguinte, a indemnização da seguradora não assume, assim, uma natureza de contraprestação pela entrega de um bem ou prestação de serviço nem visa suportar os lucros cessantes da recorrente, tratando-se, antes; de uma compensação à Impugnante, lesada pelos prejuízos resultantes no seu património, uma vez que o bem destruído é da sua propriedade. Deste modo, não se pode subsumir esta situação a uma prestação de serviços sujeita a IVA prevista no artigo 4.° do CIVA”.
Acontece que apesar do assim decidido, alega a Fazenda Pública que a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento porquanto a questão a decidir não respeita à indemnização paga à impugnante pela companhia seguradora, mas antes aos valores pagos pelos clientes.
Para esclarecimento sobre a natureza e proveniência do valor tributável de onde emergiram as liquidações adicionais de IVA foram requeridas diligências complementares de prova ao abrigo do disposto no art. 288º, nº1, do CPPT, por sugestão do Exmo Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, (cfr. parecer de fls. 246), com vista a obter para o processo informação sobre a natureza e proveniência dos montantes tributados e de cópias de todas as facturas identificadas no Anexo 1 ao relatório de inspecção.
A recorrente prestou a informação de fls. 252 onde parece esclarecer que os montantes sobre que incidiram as liquidações adicionais correspondem, de facto, aos valores das indemnizações pagas pelas companhias seguradoras à locadora e não às quantias complementarmente pagas pelos locatários à locadora (ponto 2 das Conclusões).
Por outro lado, veio o recorrido (a fls. 265), ao abrigo do princípio do inquisitório e da colaboração dos particulares, juntar cópia das facturas identificadas no Anexo I ao Relatório de Inspecção, bem como um documento nº 2 com um quadro resumo dos aludidos documentos, donde parece poder extrair-se que o imposto adicionalmente liquidado pela administração tributária incidiu sobre as quantias pagas pelas companhias de seguros ao recorrido.
Acontece que, por um lado, os valores ali discriminados não coincidem com os constantes do probatório. Por outro lado, não basta concluir-se que o imposto incidiu sobre as quantias pagas pela companhia de seguros ao recorrido, uma vez que o valor da indemnização é pago directamente ao recorrido que, em encontro de contas com os locatários, pode reter antecipadamente (deduzindo tais quantias ao valor de indemnização) os valores que estes teriam de lhe pagar em cumprimentos dos respectivos contratos, quantias que, como vimos, nada têm que ver com o pagamento da indemnização. Torna-se, desta forma, necessário esclarecer qual a origem do montante sobre que incidiram as liquidações.
Em face do exposto, considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional (uma vez que a decisão do mesmo pressupõe uma realidade de facto que não vem pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por o STA carecer de poderes de cognição relativamente a essa matéria) torna-se essencial que o Tribunal “a quo” proceda à averiguação:
a) Se o imposto adicionalmente liquidado incidiu sobre as quantias pagas pela companhia seguradora em cumprimento dos respectivos contratos de seguro, ou se, pelo contrário,
b) incidiu sobre eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, correspondentes a verbas complementarmente pagas ao recorrido pelos locatários, na sequência do cumprimento dos respectivos contratos;
c) E quais os respectivos montantes.

Assim sendo, impõe-se revogar, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 729º e no nº 3 do art. 722º, ambos do CPC, a sentença recorrida, devendo os autos regressar à 1ª instância para ser substituída por outra que decida após a averiguação da origem dos montantes de IVA liquidados nos autos, assim se concedendo provimento ao recurso.

III – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, dar provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar à primeira instância para ampliação da pertinente matéria de facto.

Sem custas.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.