Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0511/13
Data do Acordão:09/25/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO
PRÁTICA DO ACTO PROCESSUAL COM MULTA
Sumário:I - Se as afirmações contidas nas conclusões da alegação do recurso jurisdicional em nada contrariam o probatório fixado na sentença e a materialidade ali invocada é, em abstracto, irrelevante para a apreciação e decisão do objecto do recurso, não ocorre a incompetência do STA para o conhecimento do recurso.
II - O prazo para apresentar reclamação de acto praticado pelo órgão da execução fiscal está sujeito às regras contidas nos arts. 144º e 145º do CPC (a que correspondem, de forma análoga, os arts. 138º e 139º do CPC após a reforma operada pela Lei nº 41/2013, de 26.06), em conformidade com o disposto no art. 20º, nº 2, do CPPT.
III - Essa reclamação só adquire a natureza de processo urgente após a sua introdução em juízo, pelo que a regra da continuidade da contagem do prazo prevista no nº 5 do art. 144º do CPC só se aplica aos prazos surgidos durante a tramitação judicial do processo de reclamação.
IV - Tendo a petição inicial de reclamação sido apresentada no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, o direito de a apresentar ficou dependente do pagamento da multa prevista no art. 145º do CPC (art. 139º do actual CPC). E uma vez que essa multa não foi paga de forma espontânea, impunha-se que a secretaria do tribunal a quo procedesse oficiosamente à notificação da reclamante para proceder ao seu pagamento, acrescida da penalização prevista nº 6 do aludido preceito legal.
V - Não tendo sido cumprido essa formalidade, há que revogar a sentença que julgou intempestiva a reclamação e mandar baixar os autos à 1ª instância para que a secretaria proceda agora ao cumprimento do disposto no art. 139º, nº 6, do actual CPC, já aplicável a este processo por força do disposto nos arts. 2º, 4º e 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, seguindo-se depois os interiores trâmites legais.
Nº Convencional:JSTA00068365
Nº do Documento:SA2201309250511
Data de Entrada:04/05/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART16 N2 ART20 N2
CPC96 ART144 ART145
CPC13 ART139 N6 ART138
L 41/2013 DE 2013/06/26
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0258/11 DE 2011/04/06; AC STA PROC0762/08 DE 2008/10/22; AC STA PROC0991/10 DE 2011/01/19
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou intempestiva a reclamação que apresentou, ao abrigo do disposto nos arts. 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra o acto de anúncio de venda judicial da fracção autónoma, designada pela letra A, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………. sob o artigo 5926º, praticado no processo de execução fiscal nº 0906200801004107 instaurado contra a sociedade B………………., Ldª.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. A reclamação apresentada pela recorrente assentou no facto do acto estar inquinado de nulidade por omissão de fundamentação, ao não indicar as razões que determinam a afectação do bem em causa a favor de uma sociedade da qual a recorrente já não é sócia, nem mesmo à data da penhora do SF, em violação dos arts. 6º CSC aplicável ex vi art. 2º CPPT e 77º LGT - inexistindo fundamento legal para a venda do bem, o que reiteramos.

2. O acto reclamado está também inquinado de nulidade absoluta, por omissão de notificação da venda à recorrente, principal visada, em violação dos arts. 165º, nº 1 al. a), nº 2 e 4 e 189º nº 1 do CPPT, bem como, violação dos arts. 195º 138º, 200º, 201º e 202º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2º CPPT.

3. Assim, laborou em erro o SF de Estremoz, bem como, o Tribunal a quo, pois ambos obliteraram que a recorrente nunca foi notificada da venda e não é parte na execução fiscal, sendo, todavia, a principal (potencial) lesada com os efeitos desse acto – questões de conhecimento oficioso.

4. Pelo que, de imediato, emergem fundamentos legais atendíveis para atacar o acto em causa, atendendo aos elevados e irreparáveis prejuízos advenientes da venda, de repercussão imediata e directa na esfera jurídica da recorrente pois que, a mesma não é sócia da sociedade executada desde 2008, anteriormente, ao acto de constituição de garantia, e nunca esta foi notificada da venda, conforme consta dos autos.

5. Assim, o acto sub judice padece, ab initio, de nulidade absoluta e insanável, não estando o mesmo fundamentado, devendo ser considerado ilegal e sem quaisquer efeitos jurídicos, ademais, porque é altamente lesivo dos direitos da recorrente e, bem assim do interesse público, por ofensa ao Princípio da Legalidade, valor inatacável.

6.Acresce que, não pode o SF proceder à venda do imóvel antes do trânsito em julgado da decisão, e ainda não pode a decisão de venda afectar verbas obtidas para amortização de dívida da executada, sobre a qual a recorrente não tem qualquer interesse social/económico por não ser executada, constituindo causa de anulabilidade do acto reclamado, o que reiteramos, nesta sede em conformidade com o petitório da reclamação - cfr. arts. 276º, 277º, 278 do CPPT e art. 77º LGT.

7. O “novo despacho”, referido na pág. 10 da sentença recorrida, vem realizar uma nova venda, ou seja, um novo acto cuja materialidade se reconduz a um acto de disposição sobre a titularidade do bem imóvel — a casa de morada de família da recorrente — acto do qual reclamámos e aqui damos por integralmente reproduzido o teor da reclamação.

8. Na pág. 4 da sentença recorrida consta que não houve que notificar a reclamante do parecer do Ilustre Procurador da República, ora, considerando que o douto parecer não é um acto inútil nem inócuo, o teor do mesmo, teria, necessariamente, de ser notificado à recorrente não sendo admissível a preterição deste acto.

9. Há sim necessidade de proceder às notificações de todos os actos praticados nos autos nos quais se tome posição sobre o mérito da causa, sob pena de esvaziar o conteúdo do Principio do Contraditório, o que aconteceu in casu, determinando a existência de nulidade, cfr. art. 198º do CPC aplicável ex vi 2º do CPPT, o que desde já se suscita para todos os efeitos legais.

10. Acresce ainda que, as testemunhas arroladas pela recorrente não foram inquiridas, omissão intolerável, agravada pelo facto daquela, sequer, ter sido notificada de despacho que a convidasse à pronúncia sobre a possibilidade de prescindir dos meios de prova e defesa indicados.

11. A omissão de inquirição das testemunhas arroladas violou o art. 45º, 46º e 48º do CPPT, art. 55º, 59º e 60º da LGT, pois que foram prejudicados os Princípios do Contraditório, da Participação e da colaboração entre autoridade tributária e particulares, sendo inadmissível a preterição de Princípios Estruturantes do Direito - impondo-se com o douto suprimento de Vossas Excelências seja ordenada a produção de prova testemunhal.

12. A decisão recorrida só poderá estar devidamente fundamentada quando nela estejam sopesados todos os meios de prova que a recorrente indicou para sua defesa, pois só assim se cumpre o Principio do Contraditório, dispositivo violado nos presentes autos, impondo-se que as ofensas legais ora suscitadas sejam apreciadas pelo Tribunal ad quem e com o Vosso Douto suprimento ser aplicada justiça ao caso sub judice.

Sem conceder, quanto às vicissitudes havidas com a notificação e citação,

13. No que concerne à alegada intempestividade, a notificação da venda (sem saneamento das nulidades e anulabilidade suscitadas pela recorrente) foi, alegadamente, recebida em 13/08/2012, pelo que, o prazo terminou no pretérito dia 12/09/2012 e assim, inexiste caducidade do direito de reclamar.

14. No caso em apreço houve lugar à suspensão do prazo na esteira do douto Acórdão proferido pelo STA, no Proc. nº 0762/08, de 2008/10/22, pelo que, a reclamação apresentada em 17/09/2012, foi apresentada no 3º dia útil com multa, por via da aplicação do art. 145º, nº 5, do CPC.

15. A reclamação apresentada, contrariamente ao plasmado na decisão recorrida, não é, nem pode ser intempestiva, uma vez que, ainda que a multa devida a juízo pela apresentação da reclamação não tenha sido imediatamente paga incumbe à secretaria, vide nº 6 do art. 145º do CPC, independentemente de despacho, notificar o interessado para que proceda ao pagamento da multa, à qual acresce uma penalização de 25% do valor da multa, quando se trate de acto praticado pelo mandatário como in caso.

16. Ainda que a parte não pague a multa imediatamente, o legislador deixou devidamente acautelado o dever de notificação, oficiosa, para pagamento de multa quando se trate de acto praticado num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, apenas impondo, quando se trate de acto praticado por advogado um acréscimo de penalização, mas quer seja o acto praticado pela directamente parte, quer seja praticado pelo mandatário, incumbe à secretaria proceder à notificação, nos termos do disposto no art. 145º, nº 6 e 7, do CPC.

17. Mais uma vez, estamos perante uma inexistência de notificação perpetrada nos presentes autos, porquanto a secretaria judicial omitiu-se à prática de acto devido, o qual impôs à recorrente a perda de exercício de direito determinado pela prolação de sentença que julgou, erroneamente, intempestividade da reclamação.

18. Nos presentes autos o Princípio da Economia Processual vem sindicado de modo persistente e extremado, porquanto, muitas foram as omissões de notificação e ainda insuficiência de fundamentação das decisões em análise.

19. À qual acresce ainda a omissão de realização de actos instrutórios carreados aos autos pela recorrente, que sistematicamente se tem visto arredada da defesa dos seus direitos, em processo no qual é a principal visada.

20. In casu, foram violados o Princípio da Legalidade, vide art. 3º, nº 1, CPA, Princípio da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, vide art. 4º CPA, Principio da colaboração da Administração com os particulares, vide art. 7º e 66º do CPA e Principio da aproximação da Administração às populações, o qual decorre dos valores de desburocratização e eficiência previstos no art. 10º do CPA - todos os Princípios mencionados, reitera-se, foram desrespeitados no caso em apreço.

21. Pois que, não obstante as diversas irregularidades e nulidades que marcaram os termos processuais dos presentes autos, o Tribunal a quo vem rejeitar a reclamação por intempestiva, quando de facto não é.

22. O espírito da Lei subjacente ao Estado de Direito impõe como vector regulador a primazia da matéria sobre a forma, ora ‘in casu’, o tribunal o quo foi muito expedito na decisão, vide errónea declaração de caducidade do direito de recorrer e omissão de apreciação de prova testemunhal, sendo que, por outro lado adoptou como costume omitir-se à realização de notificações obrigatórias, com prejuízo dos direitos da recorrente.

23. Tais omissões deverão ser corrigidas pelo douto crivo de Vossas Excelências, impondo-se para a realização da justiça ao caso concreto que se proceda ao saneamento do processo nos termos explanados nas presentes alegações, devendo o Venerando Tribunal ad quem, em conformidade com os normativos legais ora invocados, determinar a revogação da decisão recorrida, ordenando a admissão da reclamação, por tempestiva.


1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público suscitou a questão da incompetência hierárquica do STA para o conhecimento do recurso, argumentando que a Recorrente, nas conclusões 10 e 11, «alega que o Tribunal recorrido, violando os princípios do contraditório, da participação e da colaboração, não cumpriu com a obrigação da produção de prova testemunhal por si requerida e que considera útil e necessária para a boa decisão da causa, e cuja produção deve ser determinada pelo Tribunal ad quem», e que a questão, assim colocada, da necessidade de produção de prova testemunhal e a sua determinação, não envolve exclusivamente matéria de direito, defendendo, ainda, que no caso de assim se não entender, deveria o recurso obter provimento face ao teor das conclusões 15. e 16., «baixando os autos à 1ª instância, para cumprimento do disposto no artigo 145º/6 do CPC, seguindo-se os ulteriores trâmites legais», já que «o prazo para reclamar, no terceiro dia útil após o prazo, com pagamento de multa, terminou em 17 de Setembro de 2012, data da entrada em juízo da petição de reclamação.».

1.6. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A) Em 2008.04.11, no Serviço de Finanças de Estremoz, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº 0906200801004107, contra B…………………, Ld.ª, com sede no sítio do ………….., s/n, Estremoz (cf. fls. 1 do PEF);

B) Tem por base: Certidão de dívida nº 2008/142031, emitida em 2008.03.29, que atesta que a executada é devedora de € 26 558,33 de IVA, do período de 2008.01, com pagamento voluntário até 2008.03.10, acrescido de juros de mora contados de 2008.03.11 (cf. Fls. 2, do PEF);

C) Para garantia da dívida exequenda, em 2008.10.31, no Cartório Notarial da Notária ………, foi outorgada escritura pública de hipoteca unilateral, constantes de fls. 144 a 150 do PEF, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, sobre os seguintes bens da Reclamante:

a. Fracção autónoma designada pela letra A, Inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ………… sob o artigo 5926º,descrita na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o nº 03634/19990717;

b. Fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da ………… sob o artigo 5093º, descrita na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob o nº 35 653, a fls. 8-v, do livro B - 92;

c. Fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da ………… sob o artigo 5035º, descrita na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob o nº 35 345, a fls. 30-v, do livro B - 91;

d. Fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da ………. sob o artigo 5018ºº, descrita na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob n°34 273, a fls. 188, do livro B - 87;

D) Em 2009.06.05, foram penhorados os prédios identificados supra em C).b) C).c), C).d) - cf. fls. 275 a 277 do PEF;

E) E em 2009.08.25 foi penhorado o prédio identificado em C.a) - fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de …………… sob o artigo 5926º, descrita na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o nº 03634/19990717 (cf. fls.408 do PEF). A penhora foi inscrita na Conservatória do Registo Predial através da ap. 4014 de 2009.08.27 — cf. fls. 422 a 424;

F) Através de oficio da mesma data, enviado por carta registada com aviso de recepção, recebido em 2009.08.28 e do qual consta a menção de não sabe assinar foi comunicado à Reclamante ter sido nomeada fiel depositário dos bens penhorados no processo de execução fiscal (cf. fls. 414 e 414-v do PEF);

G) Em 2010.04.15 a Chefe de Finanças proferiu despacho que designou dia e hora para venda dos bens penhorados, constante de fls. 570 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:

Face à penhora da fls. 408 destes autos, designo o dia 22 de Junho de 2010, pelas 10.00 horas para venda do imóvel penhorado [no processo de execução fiscal 0906200801004107 e apensos];
A referida venda será realizada neste Serviço da Finanças, por proposta em carta fechada nos termos do artigo 248/1 CPPT;
Para o efeito fixo (…) os valores (…):
Verba única: 1.1 Prédio urbano - artigo 5926, fracção A, freguesia e concelho de ………. : € 143.760,00 - Valor patrimonial determinado nos termos do IMI (...);
€ 100.623,00 (70% do valor base);

H) Este despacho foi comunicado por carta registada com aviso de recepção, recebido em 2010.04.22 com a menção não sabe assinar, número do bilhete de Identidade e aposição de impressão digital (cf. fls. 575 a 579-v do PEF);

I) Na mesma data, também por carta registada com aviso de recepção, recebido em 2010.04.22, com a menção não sabe assinar, número do Bilhete de Identidade e aposição de impressão digital, foi enviado ofício a comunicar a obrigatoriedade de mostrar o bem aos eventuais interessados (cf. fls. 580 a 580-v do PEF);

J) Em 2010.05.22, via fax, deu entrada no Serviço de Finanças de Estremoz reclamação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja sob o nº 219/10.6BEBJA (cf. fls. 675 ss do PEF);

K) E em 2010.06.22 a Chefe de Finanças proferiu despacho, constante de fls. 685 a 686 do PEF, do qual se transcreve:
Face à reclamação apresentada, nos termos do artigo 278º/3 CPPT, determino a suspensão da venda do imóvel a realizar hoje pelas 10.00 horas, com o consequente adiamento da abertura das propostas, nos termos do artigo 893º do Código de Processo Civil, por força do artigo 2º do mesmo Código de Procedimento e Processo Tributário, até à decisão da presente reclamação; Remeta-se cópia dos presentes autos (…).
[Local, data, hora e assinatura].

L) Em 2011.04.06 foi proferida sentença no processo que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o nº 219/10.6BEBJA, que absolveu a Fazenda Pública da instância por erro insuprível na forma do processo, com salvaguarda expressa do disposto no artigo 89/2 CPTA;

M) Nada se pediu subsequentemente;

N) Em 2012.07.31, foi proferido o despacho reclamado que agendou a venda do bem para o dia 2012.10.22, pelas 10 horas (cf. fls. 1745 do PEF);

O) Por carta registada com aviso de recepção recebido em 2012.08.13, foi comunicada a data e modalidade da venda e, na qualidade em que outorgou a escritura de hipoteca voluntária, lavrada em 2008.10.31 (…) e relativamente ao mesmo imóvel, que poderá efectuar o pagamento da totalidade da dívida do processo em causa, até à data da venda (cf. fls. 1 755 a 1755-v do PEF);

P) Em 2012.09.17, no Serviço de Finanças de Estremoz, deu entrada a presente reclamação (cf. fls.6 dos autos).

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou intempestiva a reclamação que a ora Recorrente apresentou, ao abrigo do disposto nos arts. 276º e seguintes do CPPT, contra o acto de anúncio de venda judicial da fracção autónoma, designada pela letra A, do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de …………. sob o artigo 5926º, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra B……………., Ldª, reclamação onde se invocara a nulidade cometida na execução por falta de citação da Reclamante enquanto titular do direito de propriedade da fracção que vai ser vendida e sobre a qual fora constituída hipoteca para garantir o pagamento da dívida exequenda, bem como a nulidade cometida por falta de notificação da venda à Reclamante, e, ainda, a ilegalidade da venda de um bem de terceiro e a falta de fundamentação do acto anúncio de venda.
Como se viu, o Exm.º Magistrado do Ministério Público suscitou a questão da incompetência hierárquica do STA para o conhecimento do recurso, por, no seu entender, não estar em causa exclusivamente matéria de direito.
Importa começar por apreciar se assim é, já que a procedência desta questão prejudica o conhecimento das questões colocadas no recurso face ao disposto nos arts. 16º nº 2 do CPPT e 101º e segs. do CPC.

3.1. Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o STA “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o TCA das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280º nº 1 do CPPT e 26º alínea b) e 38º alínea a), todos do ETAF).
E entende a actual jurisprudência deste Supremo Tribunal que, perante as conclusões das alegações de recurso que não estejam suportadas em factos estabelecidos no probatório fixado na decisão recorrida, haverá que ponderar se tais conclusões se traduzem efectivamente em novos factos que contrariam os fixados ou em novas ilações de facto deles retiradas – caso em que se verifica excepção dilatória de incompetência deste Tribunal para conhecimento do recurso, ou se, pelo contrário, estão em causa factos, em abstracto, irrelevantes para a decisão da questão decidenda ou meras ilações jurídicas retiradas dos factos fixados – caso em que este Supremo Tribunal será ainda competente para conhecer do recurso.
Ora, no caso dos autos, verifica-se que a sentença recorrida, depois de observar que a reclamação deve ser apresentada no prazo legal de 10 dias, rejeitou a reclamação, por intempestividade, argumentando que a petição foi apresentada em 17/09/2012 e que «(…) a Reclamante foi notificada por carta registada com aviso de recepção, assinado em 2012.08.13: o prazo terminou em 12 de Setembro de 2012.». Foi esta a única razão que ditou a decisão tomada, do seguinte teor: «Em face do exposto, vistos os artigos da lei citada, por intempestiva rejeito a reclamação apresentada por A…………….».
É certo que na sentença, depois de se terem explicado as razões que levavam o julgador a concluir pela intempestividade da reclamação, ainda se acrescentou que «Em todo o caso, a Reclamante nunca teria razão porque é uma garante do pagamento da dívida exequenda que constituiu a hipoteca precisamente para que a dívida se permanecesse fosse saldada, no limite, através da venda do prédio hipotecado. Ora, esta posição de garante da dívida não exige a citação para a execução fiscal mas apenas a notificação da penhora, acto que ocorreu sem protesto, aliás, de difícil concebimento.».
Tal afirmação aparece, contudo, e claramente, como um obiter dictum, despido de relevância para a solução adoptada, sabido que o obiter dictum se refere ao que o julgador disse por força da retórica e que não desempenha qualquer papel na formação do julgado, constituindo uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão proferida. Com efeito, perante a caducidade do direito de reclamar, não podia o juiz entrar na apreciação do mérito da causa, pelo que aquela afirmação constitui uma excrescência cuja supressão não prejudica o comando da decisão, mantendo-a íntegra e inabalada. Decisão que é, indubitavelmente, a de rejeição da reclamação por intempestividade,
Tendo em conta que o objecto deste recurso jurisdicional é, assim, constituído por essa decisão de rejeição da reclamação por intempestividade, conclui-se que a afirmação da Recorrente constante das conclusões 10 e 11 – onde invoca que o tribunal não cumpriu com a obrigação da produção de prova testemunhal por si requerida e que considera útil e necessária para a boa decisão da causa, bem como a violação dos princípios do contraditório, da participação e da colaboração – não só em nada contraria o probatório fixado na sentença, como constitui matéria que não releva, em abstracto, para apreciar da questão de saber se a reclamação foi ou não atempadamente apresentada.
Improcede, pois, a questão prévia suscitada, declarando-se este Tribunal competente para conhecer do recurso, pois que versa exclusivamente matéria de direito.

3.2. Como se viu, a decisão recorrida julgou intempestiva a reclamação com a seguinte e única argumentação: «A reclamação é apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão (artigo 277º CPPT) e, tendo o processo de execução fiscal natureza judicial (artigo 103º/1 LGT), o prazo conta-se nos termos do Código Processo Civil (artigo 20º/2 CPPT) (Ac STA, Proc nº 0762/08, de 2008.10.22 (Rel. Cons. Jorge Lino), disponível em www.dgsi.pt: O prazo de apresentação de reclamação em processo de execução fiscal ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário começa a contar-se a partir da data de notificação da decisão da decisão reclamada operando-se sua suspensão durante as férias judiciais, como prazo judicial que é.). Assim, ao caso é aplicável o artigo 144º CPC: o prazo é contínuo, suspendendo-se, naturalmente, durante as férias judiciais; sendo-lhe ainda aplicáveis as regras do artigo 145º CPC: o acto pode ser praticado nos três dias subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa.
Mas a Reclamante foi notificada por carta registada com aviso de recepção, assinado em 2012.08,13: o prazo terminou em 12 de Setembro de 2012.
Pelo que a petição apresentada em 2012.09.17, é intempestiva: ficou, por isso, precludido o direito de reclamar.».
Ora, tal como refere a Recorrente, no que é acompanhada pelo Ministério Público, estando provado que o acto reclamado foi notificado em 13.08.2012 [O) do probatório], o prazo legal de 10 dias para deduzir reclamação terminou, efectivamente, no dia 12/09/2012, quarta-feira, tendo em conta que, como bem se julgou na sentença, esse prazo está sujeito às regras contidas nos artigos 144º e 145º do CPC (a que correspondem, de forma análoga, os arts. 138º e 139º do CPC após a reforma operada pela Lei nº 41/2013, de 26.06), em conformidade com o disposto no art. 20º, nº 2, do CPPT, prazo que se suspendeu durante o período de férias judiciais.
Na verdade, como se deixou já explicado nos acórdão proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário em 6/04/2011, no proc. nº 0258/11, em 22/10/2008, no proc. nº 0762/08, e em 19/01/2011, no proc. nº 0991/10, a reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental formulada no decurso de processo executivo, e não sendo o processo executivo um processo urgente é-lhe inaplicável o disposto nº 5 do art. 144º do CPC e a regra da continuidade dos prazos que este implica, o que acarreta a suspensão do prazo para a prática de actos processuais entre 15 de Julho e 31 de Agosto, designadamente do prazo para nela reclamar de actos praticados pelo órgão da execução. Ou seja, a reclamação só adquire a natureza de processo urgente após a sua introdução em juízo, pelo que a regra da continuidade prevista no nº 5 do art. 144º só se aplica aos prazos surgidos durante a tramitação judicial do processo de reclamação.
Posto isto, tendo a reclamação sido apresentada em 17.09.2012 [P) do probatório], segunda-feira, que corresponde ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, o direito de a apresentar ficou dependente do pagamento da multa prevista no art. 145º do CPC (a que corresponde, de forma análoga, o art. 139º do CPC após a reforma operada pela Lei nº 41/2013, de 26.06).
E uma vez que essa multa não foi paga de forma espontânea, impunha-se à secretaria do tribunal a quo proceder oficiosamente à notificação da Reclamante para proceder ao seu pagamento acrescida da penalização prevista nº 6 do aludido preceito legal, o que não foi cumprido. Ora, só no caso de a Reclamante, depois de notificada, não pagar a multa, perderá o direito de praticar o acto, isto é, de apresentar a petição de reclamação.
Daqui se conclui que o Mm. Juiz, considerando e bem que se estava perante um prazo judicial, não retirou daí todas as consequências legais, por não atentar no já referido art. 145º do CPC.
A sentença recorrida errou, pois, ao julgar intempestiva a reclamação sem o prévio cumprimento daquela formalidade legal, o que leva à sua revogação e baixa dos autos à 1ª instância para que a secretaria proceda agora ao cumprimento do disposto no artigo 139º, nº 6, do actual Código Processo Civil, já aplicável a este processo judicial por força do disposto nos arts. 2º, 4º e 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, seguindo-se depois os trâmites que a lei impõe.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para cumprimento do disposto no art. 139º, nº 6, do Código Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, prosseguindo depois os autos os termos legais que se impuserem.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Setembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.