Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0634/15 |
Data do Acordão: | 05/03/2018 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P23240 |
Nº do Documento: | SA2201805030634 |
Data de Entrada: | 05/19/2015 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial que A………… instaurou contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico que deduzira na sequência de indeferimento de reclamação graciosa que apresentara com vista à anulação parcial da liquidação de IRS respeitante ao ano de 2008, tendo restringido o recurso ao segmento decisório que reconheceu ao impugnante o direito a receber juros indemnizatórios contados desde 11.02.2010 ao abrigo do disposto no artigo 43º, nº 1, da Lei Geral Tributária. 1.1. Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões: 1. A RFP, ora Recorrente, vem arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando o vício de violação de lei por errónea interpretação e aplicação do artigo 43º nº 1 da LGT, porquanto não serem devidos juros indemnizatórios a pagar ao contribuinte. 2. Pese embora a douta sentença recorrida não ter dado como provada a existência de erro imputável aos serviços da AT; 3. Para existir o direito a juros indemnizatórios é necessária a verificação dos seguintes requisitos: que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; que ele seja imputável aos serviços; que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao devido. 4. Assim, o direito a juros indemnizatórios previsto no art.º 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. 5. No caso presente dos autos, a sentença recorrida não deu como provada a existência de erro imputável aos serviços da AT. 6. A este respeito refere o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação 5ª ao art.º 61º do CPPT Anotado e Comentado, fls. 472, onde se pode ler: «A utilização da expressão "erro" e não "vício" ou "ilegalidade" para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão "erro" tem um âmbito mais restrito do que a expressão "vício"». 7. Ainda a este propósito, o Acórdão do STA, de 7/9/2011, no âmbito do Processo 0416/11, in www.dgsi.pt, que refere o seguinte: «l - O direito a juros indemnizatórios previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. II - A anulação de um acto de liquidação baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios." Sendo, aliás, esta a posição dominante da Jurisprudência do STA, como se pode ver pela leitura dos seguintes acórdãos: de 20-01-2010, no recurso nº 942/09, de 04-11-2009, no recurso nº 665/09, de 09-09-2009, no recurso nº 369/09, de 27-06-2007, no recurso nº 80/07, de 21-01-2009 no recurso nº 945/08, e de 1-10-2008, no recurso nº 244/08.». 8. Por todo o exposto, consideramos que a decisão proferida deverá ser revogada, no que concerne ao pedido formulado de pagamento de juros indemnizatórios, por não serem devidos. B. Na sequência do acidente sofrido, o impugnante foi sujeito a uma série de exames médicos, tendo sido operado em 23.12.2008 - (cfr. relatório clínico, a fls. 8 dos autos); C. Durante o ano de 2009 o Impugnante realizou vários exames médicos e tratamentos, designadamente sessões de fisioterapia - (cfr. relatório clínico a fls. 8 dos autos e fls. 12, 14, 16, 26, 28, 30, 32 e 33, 35 e 36, 39 e 41 a 43 dos autos, que se dão por reproduzidas); D. Em 27.10.2009 o prognóstico de recuperação das sequelas era ainda "(...) reservado, tendo em conta o período já decorrido e as alterações documentadas em exames imagiológicos" (cfr. relatório clínico a fls. 8 dos autos); perplexa inconcebível E. Em 08.02.2010, na sequência de uma Junta Médica, foi atestada ao Impugnante uma deficiência, que lhe confere um grau de incapacidade permanente de 76% desde 2008 - (cfr. atestado médico de incapacidade multiuso, emitida pela ACES do Ribatejo, junto a fls. 18 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido); F. Com base no atestado médico referido na alínea antecedente, em 11.02.2010, o Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 10 reclamação graciosa pedindo a correcção da liquidação nº 2009 5003707150, respeitante ao exercício de 2008 - cfr. fls. informação do PRG apenso; G. Na sequência do pedido formulado pelo Impugnante foi elaborada "Informação" no Serviço de Finanças de Rio Maior, na qual se afirma nomeadamente que: "(...) Ao analisar a declaração submetida pelo contribuinte, verifica-se que não foi mencionado o respectivo grau de invalidez, e que da sua liquidação resultou imposto a pagar no montante de € 1.156,80 (fls. 13/14). H. Por despacho de 05.03.2010 foi indeferido o pedido de reclamação graciosa apresentado por intempestividade (cfr. PRG apenso); I. Através do ofício nº 1283, de 08.03.2010, o Impugnante foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. PRG apenso; J. Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, em 25.03.2010, o Impugnante apresentou recurso hierárquico - cfr. fls. 2 a 12 do PRH; K. Em 12.05.2010, foi elaborada "Informação" nº 1761/10, pela Divisão de Administração II da DSIRS, na qual se concluiu, na parte relevante que, tendo o pedido sido apresentado nos termos do nº 4 do art.º 70º do CPPT cabia "(...) ao reclamante o ónus de alegar e provar a superveniência do documento relativo ao fundamento da reclamação (designadamente sobre os esforços envidados para a sua obtenção atempada - no caso, e reportando a deficiência a 2008, quais os esforços desenvolvidos pelo contribuinte no sentido da obtenção do Atestado, desde essa data até aquela em que o obteve). (...). Deste modo, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao ter entendido e decidido que o pedido era extemporâneo para o ano de 2008, já que os factos em apreço se enquadram no nº 1 da Circular nº 15/92, de 14 de Setembro e, consequentemente, a tempestividade do pedido há de ser apreciada à luz do disposto no nº 1 do CPPT (...)" - cfr. fls. 24 a 28 do PRH. L. O Impugnante foi notificado do projecto da decisão de indeferimento do recurso hierárquico através do ofício nº 10441, de 19.05.2010 - cfr. fls. 29 a 32 do PRH apenso; M. Em 12.06.2010, o Impugnante apresentou a sua resposta - cfr. fls. 33 a 44 do PRH apenso. N. Por despacho de 09.06.2010 foi indeferido o recurso hierárquico apresentado com base na "(...) ausência de novos factos susceptíveis de alterar o sentido do projecto de decisão (...)" - cfr. fls. 46 e 47 do PRH apenso. O. Através do ofício nº 1278, de 23.06.2010, o Impugnante foi notificado da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico - (cfr. fls. 50 do PRH apenso).
A sentença recorrida, tendo anulado «a decisão impugnada e, em conformidade, a liquidação de IRS nº 2009-5003707150 relativa ao ano de 2008», determinou «a restituição do imposto pago e o reembolso devido, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 11.02.2010.», estribando-se, no que toca à condenação da Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios, na seguinte argumentação jurídica: «O Impugnante peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal desde a data do pagamento do imposto devido. Todavia, na óptica da Fazenda Pública, ora Recorrente, a sentença incorreu numa errada aplicação e interpretação da norma contida no art.º 43º nº 1 da LGT, na medida em que a atribuição de juros indemnizatórios depende de ter ficado demonstrada a existência de "erro imputável aos serviços" na prática do acto judicialmente anulado, erro que não existiu, nem a sentença o deu como provada. Todavia, não lhe assiste razão, não merecendo censura a sentença no que toca à condenação da Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante, ainda que se imponha alterar o julgado quanto ao termo inicial da contagem desses juros pelas razões que abaixo se deixarão explicitadas. É verdade que constituem requisitos do direito a juros indemnizatórios, à luz do disposto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a existência de erro imputável aos serviços, que esse erro seja determinado em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e que dele tenha resultado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso sub judice, provou-se que em 21/12/2008 o Impugnante, ora Recorrido, foi vítima de uma queda, e que, em resultado dela, lhe foi fixada em 8/02/2010, na sequência de Junta Médica, uma incapacidade permanente de 76% desde 2008. Com base na incapacidade assim fixada, o Impugnante deduziu de imediato reclamação graciosa contra a liquidação do IRS/2008, que foi indeferida por acto expresso datado de 5/03/2010, sendo este indeferimento mantido pelo impugnado acto de 9/06/2010 que indeferiu o recurso hierárquico. A sentença recorrida anulou não só esse acto de indeferimento, como, também, o acto de liquidação do IRS/2008, e nessa parte, que não vem sindicada, a sentença transitou em julgado. E dela decorre que a liquidação anulada era ilegal, por erro nos respectivos pressupostos, já que os elementos em que assentou não abarcavam toda a realidade fiscalmente relevante do sujeito passivo, mais precisamente o seu grau de invalidez, em conformidade com o disposto no art. 87º do CIRS. Ora, como bem se reconhece na sentença, o erro nos pressupostos em que assentava o acto de liquidação que veio a ser judicialmente anulado não era imputável aos serviços da Administração Fiscal, dado que estes efectuaram a liquidação com base em elementos fornecidos pelo próprio sujeito passivo; tal erro apenas se veio a revelar com a fixação superveniente do grau de invalidez, com efeitos desde 2008, que alterava a situação tributária declarada por este. Porém, com a apresentação da reclamação graciosa, em 11/02/2010, a Administração Fiscal ficou na posse de todos os elementos que lhe permitiam anular essa liquidação de IRS e proceder a nova liquidação em conformidade com o benefício fiscal que a lei atribui, de forma automática, aos sujeitos passivos com esse grau de deficiência. Não o fez, contudo, a Administração Fiscal, que indeferiu a reclamação graciosa em 5/03/2010, bem como o subsequente recurso hierárquico. Ao assim actuar, a Administração manteve a situação de ilegalidade originada pelo questionado acto de liquidação do IRS, o que permite imputar-lhe a responsabilidade objectiva pela subsistência do erro e do pagamento indevido, responsabilidade essa geradora da obrigação de indemnizar nos termos do disposto no art.º 43º da LGT, embora o direito a esses juros apenas se constitua na esfera jurídica do Impugnante na data em que foi indeferida a reclamação (5/03/2010), e não na data fixada na sentença, isto é, no dia em que a reclamação foi apresentada. No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, no "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª edição, pág. 537, onde deixa frisado o seguinte: «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (...), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº 4º, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.». Em suma, a sentença não merece a censura que a Recorrente lhe dirige, sendo de negar provimento ao recurso e de manter a decisão que reconheceu ao Impugnante o direito a juros indemnizatórios, embora estes sejam contados, não da data em que foi apresentada a reclamação graciosa (11/02/2010), mas da data em que esta foi indeferida (5/03/2010).
4. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a decisão que reconheceu ao Impugnante o direito a receber juros indemnizatórios, os quais são devidos desde 5/03/2010. Custas pela Fazenda Pública. Lisboa, 3 de Maio de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo. |