Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0366/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22732
Nº do Documento:SAP201712200366
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DO SUL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. O Município de São Pedro do Sul dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 25º do RJAT e do artigo 152º do CPTA, recurso do acórdão proferido no âmbito de pedido de pronúncia arbitral formulado no processo nº 549/2016-T do CAAD, no qual se julgou improcedente o pedido, mantendo-se, por consequência, o acto de liquidação adicional de IVA referente ao período de Novembro de 2010, no montante de € 82.314,52, e o acto de liquidação de juros compensatórios, no montante de € 8.524,52.

1.1. Invoca, para o efeito, a oposição dessa decisão com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/05/2011, proferido no recurso nº 0966/10, tendo rematado as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

A. O Recorrente realiza, de forma simultânea, operações tributadas e operações isentas e não sujeitas que não conferem o direito à dedução do IVA, enfrentando restrições à capacidade de dedução do imposto incorrido.

B. Até ao ano 2006, o Recorrente apenas deduzia o imposto relativo à aquisição de bens e serviços referentes aos serviços de abastecimento público de água por si prestados (operação tributada em IVA), não deduzindo qualquer montante de imposto relativamente aos restantes recursos por si adquiridos, em conformidade com a posição constante do Ofício-Circulado nº 61137.

C. Tendo em conta as diversas alterações legislativas no que diz respeito ao direito à dedução de imposto incorrido para a prossecução, simultânea, de operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, verificou o Recorrente que, até ano 2009, se encontrava em erro acerca dos pressupostos de direito que regem o direito à dedução do IVA por si incorrido para a prossecução de tais operações.

D. Por forma a corrigir tal erro, procedeu a uma regularização de IVA, a seu favor, do montante de € 82.314,52, na declaração periódica do mês de Novembro de 2010, respeitante aos anos 2006 e 2007.

E. Em sede de inspecção tributária, considerou a AT que a referida regularização, por extemporânea, se afigurou indevida. Consequentemente, foi o Recorrente notificado dos actos tributários de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios.

F. Neste seguimento, apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral ora em recurso.

G. Em suma, decidiram os Árbitros do CAAD, no Processo nº 549/2016-T, que a pretensão do ora Recorrente - de dedução, na declaração periódica de IVA do mês de Novembro de 2010, de valores de imposto respeitantes a aquisições de bens e serviços, nos anos 2006 e 2007 - não merecia provimento.

H. Fundamentou o tribunal arbitral que “(…) a correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta — por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele — se possa dar, isto é, mediante a entrega das correspondente declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa”,

I. concluindo que, em virtude de “(…) o artigo 98º/2 do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, a que se reporta o artigo 78º da LGT, deverá a presente acção arbitral ser julgada integralmente improcedente”.

J. Em virtude de o entendimento vertido na decisão arbitral se afigurar contrário à jurisprudência do STA, o Recorrente apresenta o presente recurso.

K. Tal meio processual — recurso por oposição de Acórdãos — encontra previsão no artigo 25º do RJAT, que remete para o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152º do CPTA.

L. In casu, encontra-se verificada a oposição, entre a decisão arbitral referente ao processo nº 549/2016-T e o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo 0966/10, de 18 de Maio de 2011.

M. Em primeiro lugar, considera-se que na vertente situação se verifica uma “(…) situação de facto substancialmente idêntica (…)” em ambas as decisões, uma vez que, nos dois os processos, os sujeitos passivos procederam a regularizações de imposto, 2 (ou mais) anos após o inicio do prazo para exercerem o direito à dedução do IVA, em virtude de se encontrarem em erro relativamente ao regime jurídico de direito à dedução aplicável às suas operações activas.

N. O normativo legal em juízo, em ambos os processos, respeita, essencialmente, às normas que preveem o regime do direito à dedução do IVA — i.e., artigos 22º e 23º do Código do IVA — e às normas que preveem a possibilidade de regularização deste imposto — i.e., artigo 78º (à data do acórdão fundamento artigo 71º) e nº 2 do artigo 98º (à data do acórdão fundamento nº 2 do artigo 91º) também do Código do IVA.

O. Tanto no Acórdão fundamento como na decisão recorrida se discute a legalidade das regularizações de IVA efectuadas por sujeitos passivos que, em virtude de se encontrarem em erro relativamente ao regime legal de dedução aplicável aos recursos afectos à sua actividade, deduziram, ab initio, menos imposto do que aquele previsto pelas regras de dedução previstas tanto da Directiva IVA como no Código do IVA.

P. Pelo exposto, verifica-se que, não obstante as duas decisões em comparação assentarem em pressupostos de facto idênticos, aplicarem o mesmo normativo legal e debaterem a mesma questão fundamental de direito, resultam em soluções jurídicas opostas que, pela sua gravidade, criam, na ordem jurídica Portuguesa, incertezas quanto ao direito a aplicar.

Q. Ora, consideraram os Colendos Juízes Conselheiros do STA, no Acórdão fundamento, que “(...) o nº 2 do artigo 92º do CIVA [actual nº 2 do artigo 98º do mesmo compêndio legal], ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução (...)”, mas sim,

R. “(…) fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução se pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele nº 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior”.

S. Em oposição, decidiu o tribunal arbitral que “(…) a correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta - por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele — se possa dar, isto é, mediante a entrega das correspondente declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa”.

T. Não se vislumbra como podem, na ordem jurídica portuguesa, coexistir duas decisões, vinculativas para os seus destinatários, que, partindo de situações fácticas idênticas, estabeleçam distintos procedimentos no que concerne às regularizações do IVA.

U. Por tudo o exposto, deverá o presente recurso proceder, por verificados todos os seus pressupostos, e em consequência, ser anulada a decisão arbitral emitida no âmbito do processo nº 549/2016-T do CAAD.


1.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira não formulou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de não se tomar conhecimento do recurso, por inexistência de identidade de situações de facto e de direito entre a decisão arbitral recorrida e o eleito acórdão fundamento. Para o caso de assim não ser entendido, pronunciou-se no sentido de ser sufragada a tese da decisão recorrida, cujo discurso fundamentador subscreveu.


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.


2. Na decisão arbitral recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

1. O Requerente é uma pessoa colectiva de direito público que, no âmbito da sua actividade, promove a realização de serviços municipais cuja moldura legal se encontra prevista no Decreto-Lei nº 305/2009, de 23 de Outubro.

2. A actividade por si desenvolvida compreende operações que não conferem o direito à dedução do IVA incorrido, por serem realizadas no âmbito dos seus poderes de autoridade ou por se enquadrarem no escopo do artigo 9º do Código deste imposto, bem como operações que são tributadas em IVA.

3. Neste âmbito, o Requerente deduziu a totalidade do IVA incorrido com referência ao serviço de abastecimento público de água tendo por base o apuramento de um critério de afectação real.

4. Relativamente ao IVA incorrido na aquisição dos restantes recursos de utilização “mista”, e à utilização do método de dedução pro rata, o Requerente não deduziu qualquer imposto.

5. Tal circunstância resultou da interpretação que o Requerente da posição assumida pela AT no Ofício-Circulado nº 61137, de 9 de Julho de 1987, relativo à metodologia de dedução do IVA pelas autarquias, tendo o Requerente entendido que dali resultava que o sujeito passivo teria obrigatoriamente de optar por um dos métodos de dedução do IVA com referência aos seus inputs – método do pro rata ou método da afectação real, pelo que as autarquias locais deveriam, por um lado, aplicar os métodos de dedução do IVA relativo a bens de utilização mista (mesmo tratando-se de bens de utilização exclusiva) e, por outro lado, encontravam-se obrigadas a optar por um único método de dedução, sendo que a opção pelo pro rata excluía a possibilidade de aplicação (conjugada) da afectação real e vice-versa.

6. Na sequência de uma revisão de procedimentos levada a efeito por uma entidade externa, foi relatada, com referência aos anos 2006 e 2007, uma incorrecção no exercício do direito à dedução, em virtude de o Requerente apenas deduzir, até à data, o IVA incorrido com referência ao serviço de abastecimento público de água, tendo por base o apuramento de um critério de afectação real, não deduzindo qualquer imposto na aquisição dos restantes recursos de utilização mista.

7. A dedução de imposto inferior àquele a que o Requerente tinha direito implicou a declaração e pagamento de um valor superior, na importância global de € 82.314,52, para os anos 2006 e 2007.

8. Aquele montante, relativo aos períodos em apreço (2006 e 2007) foram objecto de regularização no campo 40 da declaração periódica do Requerente, relativas ao período de Novembro de 2010.

9. O Requerente procedeu, na mesma declaração, à regularização a favor do Estado de montantes de imposto devido e não liquidado, com referência aos anos 2006 e 2007, no valor de € 2.891,95.

10. Na sequência de uma Inspecção Tributária interna levada a efeito junto do Requerente, a AT veio propor as seguintes correcções de IVA, por força de situações de dedução indevida de imposto que considerou verificadas:

i. € 14.905,21, respeitantes a IVA dos recursos de utilização mista deduzido pelo pro rata de dedução;

ii. € 67.409,31, respeitante à aplicação do método da afectação real na dedução do IVA incorrido nas áreas da cultura (cine-teatro) e do desporto (espaços desportivos).

11. Notificado das referidas decisões, o ora Requerente exerceu, por escrito, o seu Direito de Audição Prévia.

12. A AT não atendeu aos argumentos aduzidos nessa sede, tendo emitido o correspondente Relatório de Inspecção Tributária e procedido à respectiva notificação através do Ofício nº … de 12 de Agosto de 2013, assente na inaplicabilidade do prazo do nº 2 do artigo 98º do Código do IVA, bem como do mecanismo de regularização do artigo 78º do Código do IVA.

13. Do Relatório de Inspecção consta, para além do mais, o seguinte:

i. “Nos termos do n.º 1 do artigo 22º do Código do IVA, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se tornou exigível de acordo com as regras dos artigos 7º e 8º do Código do IVA. Isto é, o sujeito passivo adquire o direito à dedução do imposto suportado a partir do momento em que lhe é facturado o preço dos bens adquiridos ou dos serviços prestados.
Determina o nº 2 do artigo 22º do Código do IVA, que a dedução de imposto deverá ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação ou de recibo de pagamento do IVA, sem prejuízo da possibilidade de correções legalmente previstas no artigo 78º Código do IVA.
Nos nºs 3 e 4 do mesmo Código, são descritos ainda outras situações em que a dedução é admitida.”
ii. “Ora, de acordo com o exposto, no capítulo III-4 e III-4.,1 verifica-se que o momento da dedução se encontra perfeitamente definido nos termos do Código do IVA, não sendo permitido que o sujeito passivo tenho liberdade absoluta na sua determinação”.
iii. “Não tendo o sujeito passivo respeitado, em tempo, os prazos para o direito à dedução estabelecidos nos artigos 22º e 23º do Código do IVA e verificando-se que os documentos de suporte do imposto, que agora pretende deduzir, estão, e foram atempadamente registados na contabilidade, de acordo com o acima exposto, apenas pode recorrer ao mecanismo previsto no artigo 78º do Código do IVA.”;
iv. “Face ao exposto, o montante de imposto incluído no campo 40 –regularizações a favor do sujeito passivo nas declarações periódicas de 2011 e 201109T, no total de € 188.859,98, são indevidas por falta de cumprimento dos artigos 22º e 23º do Código do IVA, pelo que se propõe que sejam objeto de correção, no âmbito do presente procedimento inspetivo.”

14. O Requerente foi notificado do acto tributário de liquidação adicional de IVA nº…, no montante de € 82.314,52, e de correlativos juros compensatórios nº…, no montante de € 8.524,63.

15. O Requerente deduziu, no dia 20 de Fevereiro de 2014, Reclamação Graciosa contra os referidos actos tributários de liquidação adicional de IVA e correlativos juros compensatórios.

16. O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, através do Ofício nº 2015…, de 6 de Janeiro de 2015.

17. O ora Requerente exerceu, no dia 26 de Janeiro de 2015, o seu direito a recorrer hierarquicamente da referida decisão de indeferimento e foi notificado, no dia 6 de Junho de 2016, por via do Ofício no 2016 …, de 3 de Junho de 2016, da decisão de indeferimento subscrita pelo Subdirector-Geral da AT, que recaiu sobre o recurso hierárquico supra referido.



3. No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. Na sequência de acção inspectiva à impugnante realizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção-Geral dos Impostos, com referência ao exercício de 2003, foi elaborado o relatório final constante de fls. 19/61, datado de 16/11/2007, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e efectuada correcção em sede de IVA, no montante de € 18.976,42, respeitante a indevida dedução, em Dezembro de 2003, do IVA liquidado em factura emitida no dia 27/03/2001 pelo fornecedor B…, por se entender que o diferimento entre a respectiva data de emissão e a data da contabilização do IVA dedutível foi, em incumprimento do disposto no artigo 71º, nº 6, do CIVA, superior a um ano (Docs. 1 e 4 da petição inicial).

B. No dia 17/12/2007, a Administração Fiscal emitiu então a liquidação de IVA n.º 07318623 e a respectiva liquidação de juros compensatórios nº 07318624, relativas ao período de Dezembro de 2003, no montante global de € 21.835,88 (vinte e um mil, oitocentos e trinta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) (Docs. 2 e 3 da Pi).

C. No dia 31/01/2008, data limite do seu pagamento voluntário, a impugnante procedeu ao pagamento das liquidações referidas no ponto B (Docs. 5 e 6 da Pi).


4. Face ao disposto no artigo 25º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31.12, a decisão proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (nº 2), sendo aplicável a tal recurso, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do CPTA (nº 3).

Razão por que importa apreciar se existe oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, sendo que, para que tal ocorra, é exigível que (i) se trate do mesmo fundamento de direito, (ii) que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica, (iii) e que tenha sido perfilhado solução, o que, como óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos.

Daí que, este tipo de recurso tenha por pressuposto necessário a identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), já que sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, que careça de uniformização jurisprudencial.

Vejamos, então, se, no caso, ocorrem os enunciados requisitos legais.

A realidade factual fixada no acórdão recorrido coloca-nos perante o seguinte cenário: tendo sido detectada uma incorreção no exercício do direito à dedução do IVA nos anos de 2006 e 2007, incorrecção que determinara a declaração e o pagamento de IVA em excesso (no montante de € 82.314,52), o recorrente procedeu à sua regularização na declaração periódica de Novembro/2010, aí deduzindo os valores de IVA referentes a 2006 e 2007 relativos a aquisições de bens e serviços que não havia deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.

Pelo que, a questão colocada no processo arbitral e que foi analisada e decidida no acórdão recorrido consistia em saber se o art.º 22º, nº 2, do CIVA autorizava, ou não, o recorrente a, na declaração periódica de Novembro/2010, deduzir valores referentes a períodos de 2006 e 2007 e que não deduzira nas declarações correspondentes.

Neste contexto factual, julgou-se que a regra geral é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o imposto a deduzir foi suportado, e não livremente, em qualquer outra declaração subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

E embora se tenha frisado que a legislação nacional permite certas e tipificadas situações de excepção a essa regra, como é o caso do erro material ou de cálculo (que pode ser corrigido no prazo fixado no art.º 78º do CIVA) e de outras incorrecções que podem ser regularizadas através de declaração de substituição a apresentar nos termos e prazos legais, ou, não o sendo, através da via da revisão oficiosa (ainda que a pedido do contribuinte – art. 78º da LGT) do acto de autoliquidação do IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução, o certo é que tais situações não se verificariam.
Como nele se deixou explicado, o que ocorreu foi um erro nos pressupostos de direito – que não se enquadra nos “erros” tipificados no art.º 78º do CIVA – traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, posteriormente, o requerente terá vindo a aperceber-se que, afinal, o seria. «Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do nº 2 do artigo 78º do CIVA.».
«A correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta […] se possa dar, isto é, mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa». […] a possibilidade de, nos termos expostos (ou seja, no limite, mediante a apresentação de pedido de revisão do acto tributário de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução, por erro de facto ou de direito omitida), o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos (previsto no artigo 78º/1 da LGT e no artigo 98º/2 do CIVA), não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de tal direito».

Razão por que se decidiu, em suma, o seguinte: «Considerando-se, então, que o artigo 22.º/2 do CIVA não autoriza o Requerente a, na declaração periódica Novembro de 2010, deduzir valores referentes a 2006 e 2007 relativos a aquisições de bens e serviços que entendeu totalmente afectos a actividades sujeitas a IVA e que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes, e que o artigo 98.º/2 do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio do pedido de revisão oficiosa do acto tributário a que se reporta o artigo 78.º da LGT, deverá a presente acção arbitral ser julgada integralmente improcedente

Já no acórdão fundamento, a liquidação adicional de IVA impugnada (referente a 2003) tinha na sua origem o facto de a impugnante/recorrente ter procedido nesse ano à dedução de IVA liquidado em factura emitida em Março/2001, não tendo feito a dedução na correspondente declaração periódica por força de lapso contabilístico, já que fora registada na conta “219 - Adiantamentos a Clientes” e apenas registada na conta adequada em Dezembro/2003.

Deste modo, e como no acórdão fundamento se deixou explicitado, estava em causa um lapso ocorrido na contabilidade, que levou a que a dedução não tivesse sido feita na declaração periódica correspondente. Não obstante, julgou-se que a liquidação impugnada era legal, na medida em que, de qualquer modo, fora ultrapassado o prazo de 1 ano para regularização de lapsos estatuído no nº 6 do art.º 71º (atual 78º) do CIVA e não fora pedida autorização para utilizar o prazo de 4 anos previsto no nº 7 desse preceito legal.

Como nele se deixou afirmado (em sintonia, aliás, com a posição sufragada no acórdão recorrido), a dedução de imposto só pode ser efectuada, em regra, na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, existindo, contudo, a possibilidade de realizar as correcções/regularizações previstas no art.º 71º do CIVA no prazo aí assinalado. Isto é, a dedução não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo. Mais se conclui que, no caso, não tinha qualquer utilidade apreciar se a situação, abstractamente, era ou não susceptível de enquadramento nesse art.º 71º do CIVA, «uma vez que é ponto assente que a Impugnante não efectuou a dedução dentro do prazo de um ano aí previsto nem pediu a autorização para utilizar o prazo de quatro anos prevista no n.º 7 do mesmo artigo e, por isso, a dedução efectuada pela Impugnante não encontra cobertura jurídica nestas normas. // O que significa que, mesmo que a situação seja susceptível de enquadramento naquele nº 6, a legalidade da liquidação estará assegurada por não ter sido observado o limite temporal aí fixado e não ter sido pedida a autorização prevista no nº 7, que condicionam o direito de dedução.».

Donde resulta, à saciedade, o seguinte: enquanto no acórdão fundamento a dedução em momento posterior teve na sua origem um lapso contabilístico, já no acórdão recorrido teve origem em erro nos pressupostos de direito, o que é suscpetível de determinar prazos distintos de regularização, inexistindo, por conseguinte, identidade de situações de facto.

Acresce que em ambos os arestos se concluiu pela legalidade das liquidações impugnadas, tendo-se decidido pela sua manutenção na ordem jurídica:

· no acórdão fundamento, pelo facto de a dedução não ter sido feita no prazo previsto no art.º 22º/2 do CIVA e se mostrar ultrapassado o prazo para regularização previsto no art.º 71º (atual 78º) do CIVA, dado que a impugnante não actuou dentro do prazo de 1 ano previsto no seu nº 6 nem pediu a autorização para utilizar o prazo de 4 anos prevista no seu nº 7;

· no acórdão recorrido, pelo facto de a dedução não ter sido feita no prazo previsto no art.º 22º/2 do CIVA, o erro em causa não ser corrigível nos termos previstos no art.º 78º do CIVA, e o prazo de 4 anos previsto no art.º 98º do CIVA implicar ou pressupor um pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução.

Ambas as decisões afastam, assim, a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender ou livremente no prazo de 4 anos, e, por outro lado, o acórdão fundamento não se debruçou sobre a questão de saber se o prazo de 4 anos previsto no art.º 98º do CIVA para obter a dedução envolve, ou não, a necessidade de formulação de pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita essa dedução.

Em suma, dos arestos em confronto não resulta solução jurídica oposta: a solução é a mesma, ainda que suportada em motivação jurídica algo distinta face ao contexto factual envolvido e às questões jurídicas nele colocadas.

Não há, pois, antagonismo de decisões e, por conseguinte, não ocorre oposição susceptível de ser dirimida mediante recurso para uniformização de jurisprudência.



5. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.


*
Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves.