Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0557/17
Data do Acordão:06/07/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:LEGITIMIDADE
FAZENDA PÚBLICA
OPOSIÇÃO
TAXA
PORTAGEM
Sumário:I - A representação da Administração Tributária por parte do Representante da Fazenda Pública assenta na natureza da entidade representada e não da natureza do crédito ou do credor.
II - Por isso, tal representação opera no âmbito das competências atribuídas por lei àquela Administração Tributária, definidas no art.º 10.º do Código de Processo e Procedimento Tributário onde se não inscreve, de forma expressa, a cobrança de taxas de portagem, custos administrativos e demais valores aqui em causa.
III - A L. nº 25/2006, de 30.06 no seu art.º 17°-A, veio estabelecer que: «Compete à administração tributária promover, nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário, a cobrança coerciva dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos» dando concretização às alíneas j) do art.º 10.º, e c), do n.º 1, do art.º 15.º, ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário, independentemente de a entidade credora ser pública ou privada.
IV - Ao ampliar a competência da Administração Tributária, em razão da matéria, para a cobrança coerciva dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos, não optou o legislador apenas pela utilização do meio processual de execução fiscal para a cobrança coerciva de tais créditos mas atribuiu competência à Administração Tributária para proceder à cobrança coerciva destes créditos.
V - Tendo-o efectuado, por arrastamento, o Representante da Fazenda Pública passou a ter legitimidade para intervir nos processos de oposição com origem em cada um desses processos de execução fiscal, não em representação da entidade de direito privado, ou instituto público a quem esteja atribuída a competência de cobrar tais créditos, mas em representação da Administração Tributária que tem competência para proceder à cobrança coerciva dos mesmos.
Nº Convencional:JSTA000P21966
Nº do Documento:SA2201706070557
Data de Entrada:05/15/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório: A Autoridade Tributária recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, no âmbito de processo de oposição deduzido por A………..a execução fiscal contra si instaurada para cobrança de taxas de portagem e custos administrativos, no valor de 17.74 Eur decidiu no sentido de caber à Fazenda Pública a competência para representar em juízo a sociedade concessionária Ascendi-O e M, SA.
Conclusões da alegação de recurso a fls. 119 e 120:
«A. Vem o presente recurso interposto da decisão inserta no despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 2017/03/07, que decidiu sobre a excepção invocada pela Fazenda Pública atinente à ilegitimidade para representar em juízo a entidade exequente - no caso, a sociedade anónima “ASCENDI - O & M, SA” (ASCENDI) - no âmbito do processo de oposição deduzido por A…………, NIF…………, no processo de execução fiscal n° 1813201501103016, com vista à cobrança coerciva de dívidas de taxas de portagem, coimas e custos administrativos.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o referido despacho que julgou a Fazenda Pública parte legítima nos presentes autos, porquanto entende que o Tribunal a quo fez uma errónea aplicação do direito ao julgar o representante da Fazenda Pública competente para representar em juízo a entidade exequente, no caso a ASCENDI, em violação do disposto nos artigos 15° do CPPT.
C. O art. 210° do CPPT, ao determinar a notificação do representante da Fazenda Pública, tem como pressuposto, naturalmente, que seja a ele que cabe a legitimidade passiva para representar o exequente.
D. Se o exequente é uma entidade que não deva ser representada pelo representante da Fazenda Pública, deverá ser notificado quem tem o poder legal de a representar.
E. Aliás, tem sido este o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no Acórdão proferido no processo 0832/10, de 26101/2011, que refere: “A norma do art. 210.º do CPPT, em que se estabelece que notificação do representante da Fazenda Pública para contestar em processo de oposição à execução fiscal, deve ser interpretada, em consonância com a sua razão de ser, como impondo a notificação de quem represente o credor exequente, pois é entre ele e o executado que se estabelece a relação jurídica processual.
F. De facto, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do CPPT, compete ao representante da Fazenda Pública nos tribunais tributários “representar a administração tributária e, nos termos da lei quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal”. Assim, para que tal representação lhe fosse devida, era necessária a existência de lei que lhe atribuísse tal competência, inexistindo tal lei no caso da ASCENDI.
G. Afigurando-se-nos claro que a alteração introduzida pelo artigo 175.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2011), aditando à Lei n.º 25/2006, de 30/06, o artigo 17º-A, não tem a aptidão de conferir à Fazenda Pública competência para representar em juízo a ASCENDI, já que aquela norma se refere exclusivamente à questão da execução dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos.
H. Aliás, in caso, em estrito cumprimento do disposto no aludido artigo 17°-A da Lei n.º 25/2006, de 30/06, a ASCENDI., ao abrigo do disposto nos artigos 162.º aI. b) e 163.º do CPPT, emitiu a certidão de divida ínsita nos autos, tendo posteriormente, solicitado à Administração Tributária a realização de todos os actos executórios subsequentes à emissão do titulo executivo.
I. Sendo certo que da certidão que fundamenta o processo de execução supramencionado, resulta que a entidade exequente é a “ASCENDI - O & M, SA”. Tal certidão de dívida, que constitui título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 162.° al. a) do CPPT, serviu de base à instauração pelo Serviço de Finanças de Marco de Canaveses do processo de execução n° 1813201501103016 para efeitos de cobrança coerciva da dívida exequenda.
J. E o artigo 17°-A da Lei n.º 25/2006, de 30/06, nada mais acrescenta no concernente à atribuição da legitimidade da Fazenda Pública para assegurar a representação em juízo da ASCENDI, pelo que se terá de concluir que, de facto, os termos da lei, a que se alude na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do CPPT, não contempla a competência da Fazenda Pública para representar em juízos ASCENDI.
K. Ao invés, constituindo a ASCENDI uma sociedade anónima, a sua representação em juízo incumbe naquele em quem for emitida procuração forense subscrita pelo Conselho de Administração indicado no respectivo pacto social.
L. Nestes termos, é a ASCENDI, entidade exequente, quem tem legitimidade passiva para intervir no processo de oposição, sendo certo que, face ao disposto no n°1 do artigo 15º do CPPT, não compete ao representante da Fazenda Pública a sua representação em juízo.
M. Do mesmo modo, e sobre a ilegitimidade do representante da Fazenda Pública para representar a ASCENDI, em juízo, nomeadamente em processos de oposição apresentados em processos de execução fiscal em que aquela entidade figurava nas respectivas certidões de dívida como entidade exequente, decidiram o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, no processo 2858/15.OBEPRT e o TAF de Braga, nos processos 39/16.4BEBRG, 692/16.9BEBRG e 1150/15.4BEBRG, (cujas decisões se juntam para efeitos do art.° 280° n.º 5 do CPPT), nas quais se determinou que a Fazenda Pública carece de legitimidade para representar o credor exequente (ASCENDI), nesses processos de oposição em que estava em causa a execução de dividas de portagem, custos administrativos e coimas.
N. Entende a Fazenda Pública que se revela forçoso concluir que cabe à própria ASCENDI, assegurar a sua representação processual nos presentes autos de oposição, devendo, em consequência, concluir-se pela ilegitimidade do Representante da Fazenda Pública de representar aquela entidade em juízo.
O. Nestes termos, ressalvado o devido respeito, entendemos que a decisão recorrida padece de errónea aplicação da lei, em violação do disposto no art.° 15º do CPPT, pelo que deve ser revogada e consequentemente, substituída por outra que determine a ilegitimidade da Fazenda Pública para representar a entidade exequente, ASCENDI, nos presentes autos, com as legais consequências.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.»
Foram apresentadas contra alegações a fls. 143 e seguintes:
a) Interpôs a Fazenda Pública recurso do despacho proferido no âmbito do processo de oposição à execução fiscal, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade por esta deduzida e absolveu a ora Recorrida da instância.
b) Nos presentes autos a ATA tenta cobrar um crédito emergente da falta de pagamento de portagens.
c) É indiscutível que, independentemente da titularidade do crédito exequendo, é à ATA que cabe cobrar o referido crédito, ao abrigo do artigo 17.º-A da Lei nº 25/2006, de 30 de junho.
d) Ora, no entendimento da Recorrida, tratando-se de crédito que deva ser cobrado pela ATA, caberá necessariamente a sua representação à Fazenda Pública, conforme estipula o CPPT no artigo 15.º, n.º 1, al. a).
e) Por outro lado, estipula o artigo 148.º al. a) do CPPT que o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva de dívidas e taxas e no caso subjudice, estamos perante taxas de portagem cujo crédito pertence ao Estado Português.
f) Tem sido este o entendimento da jurisprudência (Veja-se a título de exemplo o Acórdão do TAF de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 450/15.SBECBR e p Acórdão do TAF de Aveiro, proferido no âmbito do processo n. 197/15.5BEAVR.), resultando, pois, indiscutível ser a ATA competente para cobrar estas taxas.
g) Acresce que, a concessionária, aqui Recorrida, não recebe qualquer valor relativo a estas taxas.
h) Desde logo a legislação que criou a lnfra estruturas de Portugal, S.A. (Decreto-Lei nº 91/2015, de 29 de Maio) estipula que são receitas desta o valor das taxas de portagem (al. b) do n.º 1 do artigo 1 e que a cobrança coerciva das receitas próprias da IP, S.A. é feita através de execução fiscal (nº 2).
i) E, por outro lado, parte substancial do valor cobrado caberá ao próprio Estado Português (cfr. artigo 2 da portaria n.º 314/2010, de 14 de junho).
j) Ora, não sendo as taxas de portagem receitas próprias da concessionária, mas antes receitas do próprio Estado, é, naturalmente, a Recorrida parte ilegítima na presente ação.»

O Mº Pº neste STA emitiu parecer a fls. 153Vº com o seguinte teor:
Sendo de admitir o recurso interposto nos termos do art.º 280.º, nº5 do C.P.P.T., o mesmo terá que improceder de acordo com o entretanto decidido já pelo STA em vários acórdãos que foram proferidos sobre a questão da “legitimidade da representação da fazenda Pública para intervir nos processos de oposição com origem em processos de execução fiscal instaurados com vista à cobrança de portagens “assim nomeadamente, no acórdão de 10.05-2017, proferido no recurso 1442/16, acessível em www.dgsi.pt

2- Fundamentação:
É o seguinte o teor da decisão de fls. 122 e 123, do TAF de Penafiel de que se recorre:
“ (…)
Cumpre apreciar e decidir.
Independentemente da titularidade do crédito exequendo, por força do disposto nos arts.1,° e 16.º do DL 236/2012, de 31 de outubro, 23º e 40º, n.º 3, alínea c), do DL 126-C/2011 e das diligências realizadas pelas concessionárias das autoestradas em cumprimento dos contratos de prestação de serviços de cobrança de portagens constantes dos respetivos contratos de concessão (vide a título exemplificativo o Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5 de maio), bem como da execução de tais dívidas através do processo de execução fiscal, compete à Autoridade Tributária e Aduaneira promover a cobrança de tais créditos (art. 17°-A da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho).
Pelo que sendo créditos cobrados pela administração tributária a sua representação em juízo compete à Fazenda Pública (art. 15°, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Acresce que as dívidas exequendas são taxas de portagem, custos administrativos e/ou coimas e respetivas custas dos processos de contraordenação que, direta ou indiretamente, são dívidas ao Estado, ainda que a respetiva receita seja afeta ao IMT, à lnfraestruturas de Portugal, SA, ou a outra entidade pública por força dos contratos de concessão.
Estas dívidas por força do referido art.17.°-A da lei n.º 25/2006 são cobradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira que passa a ser o respetivo credor, pelo que também por esta razão compete à Fazenda Pública a representação da Autoridade Tributária e Aduaneira (art.15.°, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Decisão
Pelo exposto, julgo: A Fazenda Pública parte legítima, improcedendo a invocada exceção dilatória da sua ilegitimidade; e em consequência a ASCENDI parte ilegítima, absolvendo-a da instância.

3- DO DIREITO:
O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 280º do CPPT, porquanto o valor da causa é inferior ao da alçada dos tribunais tributários de 1ª Instância. Concordamos com a sua admissão, já que se verifica a invocada oposição da decisão recorrida nos termos previstos naquele preceito legal, isto é, a existência de mais de três decisões proferidas em primeira instância (juntas aos autos a fls.122 a 135Vº) que decidiram questão idêntica em sentido oposto, pelo que cumpre passar de imediato ao conhecimento do objecto do recurso.
A decisão recorrida julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade da Fazenda Pública para o processo de oposição que A………. deduziu à execução fiscal contra si instaurada para cobrança de taxas de portagem e custos administrativos, no entendimento de que compete à Autoridade Tributária e Aduaneira promover a cobrança de tais créditos face ao disposto no art.º 17º-A da Lei nº 25/2006, de 30.06, cabendo a sua representação em juízo à Fazenda Pública perante o disposto no art.º 15º nº 1, alínea a), do CPPT.
Não se conformando com o assim decidido, vem a Fazenda Pública recorrer, nos termos supra destacados invocando erro de julgamento em matéria de direito, porquanto, na sua óptica, a alteração introduzida pelo art.º 175º da Lei nº 55-A/2010 (LOE para 2011), aditando à Lei nº 25/2006, de 30.06, o art.º 17º-A, não tem a aptidão de conferir à Fazenda Pública competência para representar em juízo a sociedade concessionária já que tal norma se refere exclusivamente à questão da execução dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos, e o art.º 17º-A da Lei nº 25/2006 nada mais acrescenta no que toca à atribuição da legitimidade da Fazenda Pública para assegurar a representação em juízo da concessionária.
Razão por que advoga que a alínea a) do nº 1 do art.º 15º do CPPT não contempla a competência da Fazenda Pública para representar em juízo a concessionária, e porque esta é uma sociedade anónima a sua representação em juízo incumbe a mandatário designado pelo respectivo Conselho de Administração.
Vejamos: questão similar à que é objecto do presente recurso foi decidida por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no passado dia 3 de Maio, no processo nº 103/17, no sentido de que o art.º 17º-A da Lei nº 27/2006, de 30.06, ao estabelecer que compete à administração tributária promover, nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário, a cobrança coerciva dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos, deu concretização à alínea j) do art.º 10º e à alínea c) do nº 1 do art.º 15º, ambos do CPPT, independentemente de a entidade credora ser pública ou privada, assim ampliando a competência da Administração Tributária, em razão da matéria, para a cobrança coerciva de créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos. E, o Ora Relator subscreveu acórdão no mesmo sentido no recurso nº 01442/16 de 10/05/2017 e ainda nos recursos nºs 83/17 e 42/17, ambos de 31/05/2017 sendo que nestes últimos a recorrida também era a mesma A…………..
Concordamos e mantemos a fundamentação nuclear de que o Representante da Fazenda Pública passou a ter, por arrastamento, legitimidade para intervir nos processos de oposição com origem em cada um desses processos de execução fiscal, não em representação da entidade de direito privado a quem está atribuída a competência de cobrar tais créditos, mas em representação da Administração Tributária que tem competência para proceder à cobrança coerciva dos mesmos.
É este julgamento que aqui se reitera, pelo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, não enferma de erro de julgamento a decisão recorrida, ainda que esta deva ser interpretada no sentido de que no contencioso associado à execução fiscal compete à Representante da Fazenda Pública representar a Administração Tributária por ser esta que se encontra incumbida da cobrança coerciva dos créditos aqui em questão.
Termos em que não merece provimento o recurso.

4-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Junho de 2017. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.