Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01197/13
Data do Acordão:03/11/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO SUCESSÓRIO
AVALIAÇÃO
QUOTA SOCIAL
Sumário:I - A impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IS não é o meio idóneo para reagir contra o acto de fixação de valores sobre que incidiu o imposto (designadamente os atribuídos às quotas sociais que integravam o património do de cujus ao abrigo do disposto no art. 97.º do CIMSISD), sendo a forma de reagir contra este acto a contestação da avaliação prevista no art. 87.º do CIMSISD.
II - Na falta dessa contestação, o acto da fixação do valor tributável firma-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação daquele valor (cfr. art. 86.º, n.º 2, da LGT e art. 134.º, n.º 7, do CPPT).
III - Tendo a sentença decidido nesse sentido, nunca poderia lograr provimento o recurso que assestou baterias exclusivamente nos considerandos que na sentença foram tecidos para a eventualidade de assim não se entender, ou seja, o recurso que, ao invés de atacar a sentença na sua ratio decidendi, se limitou a atacar os considerandos aí aduzidos como um obiter dictum, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão», na impressiva expressão que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a usar.
Nº Convencional:JSTA000P18696
Nº do Documento:SA22015031101197
Data de Entrada:07/04/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1392/09.1BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A……………… (adiante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto sobre as Sucessões e as Doações (IS) que lhe foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 com referência à herança aberta por óbito do seu pai.

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«AUDIÇÃO PRÉVIA

A- É jurisprudência absolutamente pacífica a que entende que o facto de os contribuintes terem possibilidade de reclamar graciosamente e poderem impugnar judicialmente as liquidações, não tornam não essencial o vício de violação daquele direito. Na verdade, o direito que é consagrado no actual art. 267.º, n.º 5, da C.R.P. e está concretizado em varias disposições, é um direito de participação na formação da decisão e não um direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, decisões já elaboradas. Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de actos lesivos, pelo que o facto de este existir não retira operância àquele vício procedimental.

B- Não se pode concordar com a ideia que, no caso como o dos autos, não era obrigatória a audição prévia porquanto a liquidação foi feita com base na Relação de bens apresentada.

C- A expressão “com base na declaração do contribuinte” constante do citado n.º 2 do art. 60.º da LGT deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte nos aspectos factual e jurídico, como se refere em anotação ao art. 45.º do CPPT de Jorge Lopes de Sousa e ao art. 60.º da LGT comentada e anotada de Diogo Leite de Campos. Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa.

D- Obviamente que a Declaração da Relação de bens na qual se dá conhecimento à Administração fiscal do conjunto de bens pertencentes ao acervo da herança por óbito do de cuius, o não pode dispensar a audição dos ora impugnantes antes da liquidação em causa.
Pois

E- Tal relação não contém todos os elementos constantes da liquidação pois que nesta foi também considerado, entre o mais, o valor de bens móveis e estabelecimento comercial, participações societárias, etc., naturalmente não referidos, naquela declaração discriminativa, sendo objecto de procedimentos e cálculos específicos.

F- É indubitável, assim, que a liquidação em causa não foi efectuada, apenas, com base no constante no requerimento relacional....

G- Os procedimentos e métodos de cálculo do valor atribuído às participações sociais estão longe de ser inequívocos uniformes e pacíficos, já que o imposto sobre as sucessões e doações tributa, o efectivo enriquecimento patrimonial gratuito do beneficiário da herança.

H- Para encontrar a matéria colectável que há-de servir para apurar o montante do imposto devido, importa, consequentemente, apurar o valor dos bens transmitidos, já que esse valor é o do enriquecimento do património do herdeiro ou legatário.

I- No caso que nos importa, de transmissão de quotas sociais, o valor é, de acordo com a lei – regra 3.ª do § 3.º do artigo 2.º do CIMSISSD – determinado pelo último balanço da sociedade.

J- É claro que, se o balanço não estiver feito de acordo com as ditas regras contabilísticas e legais que presidem à sua elaboração, há que corrigi-lo, nem por isso deixando o valor das quotas sociais de ser determinado pelo mesmo balanço – só que, agora, depois de corrigido – regra 4.ª do aludido § 3.º do artigo 20.º.
O artigo 77.º do CIMSISSD dá expressão prática a estas regras: enviado o balanço aos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, esta corrige-o, sendo caso disso – § 2.º e indica, dentro de dado prazo, o valor das quotas ou partes sociais à entidade que tem a seu cargo o processo tendente à liquidação do imposto.

L- Deste modo, a correcção só é admitida quando necessária para definir o valor da quota transmitida, que o mesmo é dizer, quando o balanço, antes da correcção, não reflicta o real valor da sociedade e, consequentemente, da quota.

M- Ou seja, no caso – já que era absolutamente necessária – houve lugar a uma importante e aturada instrução procedimental com a prática das formalidades respectivas, elaboração ou e apreciação de informações e relatórios, no fundo a aplicação à matéria de facto das respectivas regras de direito.

N- E concluída tal instrução, os interessados teriam que necessária e forçosamente direito a ser ouvidos no procedimento antes da liquidação, por imposição do disposto no n.º 1 do art. 60.º da LGT.

O- A inobservância do dever de audição é fundamento de invalidade do acto tributário ou em matéria tributária, por vício de forma susceptível de conduzir à anulação da decisões que nele forem tomadas.

P- Acresce que «A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente».

Q- No caso dos autos, como se verifica havia a possibilidade não despicienda de ser apreciado (e eventualmente contestado), por exemplo o critério ou método de cálculo do valor das participações sociais, (nos termos referidos de G a M), facto este que hipoteticamente poderia determinar que a decisão final do procedimento pudesse ser outra que não a da liquidação do imposto daquela forma ou por aqueles métodos, ou seja opção por decisão procedimental diversa.
Sem conceder

FALTA de FUNDAMENTAÇÃO

R- Mesmo, que não concordantes, em abstracto, com a quantificação/valorização estabelecida na nota de liquidação, a verdade é que não podia a contribuinte contestá-la por não poder apreender, ainda que minimamente que critérios ou métodos a sustentaram;

S- Neste sentido, a fundamentação deve externar todos os elementos e critérios de facto e de direito que serviram de suporte ao valor obtido para a quota social em causa, por forma a possibilitar aos interessados uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

T- Fundamentação essa que tem de ser contextual, ou seja contemporânea e integrada no próprio acto, na perspectiva da respectiva sindicabilidade na via contenciosa.

U- Os contribuintes terão que apreender as razões que levaram a AF a optar pela determinação da matéria colectável, elementos e critérios que seguiu na sua determinação – razões e critérios que devem transparecer no acto notificado … que podem ser diversos e de diversos efeitos.

V- O que, notoriamente, se não verifica no acto que se impugna.

X- Na falta da fundamentação legalmente exigida, a decisão enferma de ilegalidade, susceptível de gerar a anulação do acto tributário que a suporta – art. 77.º 1 e 2 da LGT, 125.º do CPA e 99.º, do CPPT.

Z- Sendo imputável à referida AF o vício de que padece:

AA- A Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da C.R.P. e 55.º da L.G.T,), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, será imputável a culpa dos próprios serviços.

AB- Tal imputabilidade jurídica do erro aos serviços impele também, serem devidos juros desde a data em que ocorreu o pagamento da quantia liquidada;

Em tal conformidade, deve o presente Recurso ser considerada procedente, e, em consequência, anulado o acto tributário relativo à liquidação de ISD, determinando a restituição à impugnantes das importância pagas, acrescida de juros, desde data de pagamento até integral reembolso.
Assim, a sentença recorrida, na medida em que julgou improcedente a Impugnação, não pode manter-se e, como tal, o presente recurso terá de proceder julgando-a procedente com todas as legais consequências.
Foi mal aplicado o normativo constante dos art.s 60.º e 77.º da LGT e art. 36, n.º 2 do CPPT».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] A recorrente não foi expressamente notificada do acto de fixação do valor das quotas, subjacente ao acto de liquidação.
Contudo, tendo arrolado as mesmas, e sido notificada da liquidação para apresentar contestação, no prazo de oito dias o de liquidação de imposto sucessório, podia então ter exercido tal direito de impugnação quanto ao valor das ditas quotas.
Assim, o facto do mesmo não ter sido incluído na notificação efectuada, não constituía impedimento que do mesmo viesse a aperceber-se, segundo o critério do “destinatário normal” previsto no art. 20.º n.º 1 da C.R.P.
Com efeito, sendo de referir este a um destinatário concreto é o mesmo aquele que arrolou quotas recebidas em herança, e relativamente às quais não forneceu os respectivos balanços, existindo, por isso, a forte probabilidade da A.T. ter de proceder à fixação do seu valor.
Por outro lado, a jurisprudência do S. T. A. tem vindo a decidir de forma reiterada no sentido de que, para efeitos de liquidação de imposto sucessório, os actos praticados pela A.T. de fixação dos valores que serviram de base à liquidação serem susceptíveis de avaliação, com excepção dos casos expressamente indicados no n.ºs 1.º a 3.º do art. 37.º do C.I.M.S.I.S.D. – nesse sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
- de 13-6-1986, processo n.º 003845, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-1987, página 829, confirmado pelo acórdão do Pleno de 22-02-1989 publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-2-1991, página 40;
- de 16-7-1986, processo n.º 002964, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-1987, página 934 e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, página 365, com anotação favorável de Teixeira Ribeiro;
- de 9-06-1992, processo n.º 014214, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-2-1995, página 1818;
- de 13-04-11, processo n.º 926/10, acessível em www.dgsi.pt;
- de 6-7-11, no processo n.º 399/11, acessível na mesma base de dados.
A notificação efectuada, nos termos em que o foi, apenas não tornaria directamente acessível qual tenha sido essa fixação.
Contudo, em face da interpretação efectuada, no sentido de que a recorrente devia ter recorrido, ainda assim, ao previsto no art. 37º n.º 1 do C.P.P.T., e não tendo sido considerada inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, a mesma em casos que com o presente têm alguma similitude, conforme decidido, nomeadamente, nos seus acórdãos n.ºs 245/99 e 72/09, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, afigura-se não ser de pôr em causa o decidido».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando considerou não se verificarem dois dos vícios por ela invocados na petição inicial como causa de pedir da peticionada anulação da liquidação impugnada, quais sejam a preterição do direito de audição prévia à liquidação e a falta de fundamentação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1- Em 7 de Março de 2003, faleceu B……………. no estado de casado com C………………. [cf. doc. constante de fls. 18 do PA].

2- Em 3 de Abril de 2003, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, o Processo de Liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações n.º 8398 [cf. doc. constante de fls. 12 do PA], em virtude de C………….. ter declarado, nessa mesma data, junto dos referidos Serviços de Finanças, o óbito identificado em 1), mais tendo declarado que B……………… teria falecido sem deixar testamento, sucedendo-lhe como herdeiros a própria declarante (cônjuge), A…………… (filha) [ora Impugnante] e D……….. (filho) e não tendo sido operada qualquer transmissão a título gratuito provinda do autor da sucessão [cfr. docs. constantes de fls. 13 a 17 do PA].

3- Nessa mesma data, foi lavrado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, o seguinte “Termo de apresentação da Relação de Bens”: “Aos três dias do mês de Abril do ano dois mil e três, nesta Repartição de Finanças [...], compareceu C……………., na qualidade de cabeça de casal e disse que a transmissão de B…………….. [...], constante do processo de liquidação n.º 8398, se compõe dos bens que constam da relação junta...”[cfr.doc, constante de fls. 20 a 21 do PA].

4- De tal Relação de Bens, constavam os seguintes bens discriminados:

“… MÓVEIS [:] Verba um: Uma mobília de quarto de casal composta por cama, duas mesinhas de cabeceira, uma cómoda e um guarda-fatos, tudo com bastante uso, a que atribui o valor de duzentos euros. Verba dois: Uma mobília de quarto de casal composta por cama, duas mesinhas de cabeceira e uma cómoda tudo com bastante uso, a que atribui o valor de cem euros. Verba três: Uma mobília de quarto de solteiro composta por duas camas de solteiro, duas mesinhas de cabeceira, uma cómoda e um guarda-fatos, tudo com bastante uso, a que atribui o valor de cento e cinquenta euros. Verba quatro: Uma mobília de sala de jantar composta por uma cristaleira, um aparador, uma mesa e seis cadeiras, um terno de sofás a que atribui o valor de duzentos e cinquenta euros. Verba cinco: Uma mobília de escritório composta por uma secretária, uma estante, uma cadeira e dois sofás, tudo com bastante uso no valor de setenta e cinco euros, Verba seis: Diversos utensílios de cozinha, electrodomésticos, roupas e outros objectos pessoais com muito uso tudo no valor de trezentos e cinquenta euros. IMÓVEIS [:] Verba sete: Artigo 805 urbano da Freguesia …………., V. N. Gaia. Verba oito: Artigo 806 urbano da Freguesia ………….., V. N. Gaia, Verba nove: Artigo 807 urbano da Freguesia ……….., V. N. Gaia. Verba dez: Artigo 811 urbano da Freguesia ……….., V. N. Gaia. Verba onze: Artigo 812 urbano da Freguesia ......., V. N. Gaia. Verba doze: Artigo 829 urbano da Freguesia ……….., V. N. Gaia. Verba treze: Artigo 830 urbano da Freguesia …………, V. N. Gaia. Verba catorze: Artigo 860 urbano da Freguesia ………., V. N. Gaia. Verba quinze: Artigo 1250 urbano da Freguesia …………, V. N. Gaia. Verba dezasseis: Artigo 1251 urbano da Freguesia ………., V. N. Gaia. Verba dezassete: Artigo 1300 urbana da Freguesia …………, V. N. Gaia. Verba dezoito: Artigo 1420 urbano da Freguesia …………, V. N. Gaia. Verba dezanove: Artigo 1421 urbano da Freguesia ……….., V. N. Gaia. Verba vinte: Artigo 2427 urbano da Freguesia ……….., V. N. Gaia. Verba vinte e um: Artigo 6457 urbano fracção D da Freguesia ………….., Porto. Verba vinte e dois: Metade do artigo 4134 urbano da Freguesia …………….. - Loulé - 2. Verba vinte e dois-A: Metade do artigo 3561A urbano da Freguesia de ………... PARTICIPAÇÕES SOCIAIS [:] Verba vinte e três: Duas quotas com o valor nominal de trezentos e sessenta e quatro mil setecentos e oitenta e três euros e trinta e sete cêntimos; e uma quota de valor nominal de cento e trinta mil e oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e três cêntimos todas do capital social da firma F……….., LDA, NIPC ………….., com sede na Rua ………., n.º ……………, Freguesia ………….., Concelho de V. N. Gaia, matriculada no Conservatória do Registo Comercial de V. N. Gaia sob o número 21.800, com o capital social de um milhão setecentos e vinte mil oitocentos e cinquenta a dois euros e setenta e quatro cêntimos. Verba vinte e quatro: Uma quota com o valor nominal de um milhão e oitocentos e setenta e cinco mil escudos e uma quota com o valor nominal de seiscentos e vinte e cinco mil escudos ambas do capital social da firma – G………….. LDA, NIPC …………., com sede no Lugar ……….., Freguesia …………., Concelho de V. N. Gaia, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de V. N. Gaia sob o número 23.266, com o capital social de cinco milhões de escudos. Verba vinte e cinco: Uma quota com o valor nominal de três mil setecentos e cinquenta euros do capital social da firma H……….., LDA, NIPC ………, com sede na Rua …….., ………, Zona industrial da …………., …………, Vila do Conde, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde sob o número 2142, com o capital social de cinco mil euros...” [cf. doc. constante de fls. 22 a 25 do PA].

5- Em 10 de Fevereiro de 2005, C……………..,, na qualidade de cabeça de casal, apresentou a seguinte Relação de Bens adicional ao processo identificado em 2): “…Bens Imóveis [:] Verba um: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “O”, da freguesia ………... Verba dois: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “I”, da freguesia ………….. Verba três: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “L”, da freguesia ………….. Verba quatro: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “N”, da freguesia …………. Verba cinco: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “O”, da freguesia ………… Verba seis: Prédio Urbano sob o Artigo 2903º - fracção “P”, da freguesia …………...” [cf. doc. constante de fls. 49 do PA].

6- Pelo Ofício n.º 4393 datado de 12 de Junho de 2006, C……………. foi notificada para proceder à apresentação dos balanços [referidos na alínea e), do art. 69.º do CIMSISSD] das três sociedades comerciais mencionadas na relação de bens que deveriam ter sido apresentados conjuntamente com a mesma [cfr. doc. constante de fls. 48 do PA].

7- Em 17 de Março de 2008, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 endereçou ao Director de Finanças do Distrito do Porto o Ofício n.º 2579 com o seguinte teor: “… No processo em referência constam 3 participações sociais relativamente às seguintes pessoas colectivas: «F……………., Lda., NIPC ………….», «G……….., Lda., NIPC ………..» e «H…………., Lda., NIPC …………». Com a relação de bens, apresentada por óbito de B…………., ocorrido em 2003-Março-07, não foram apresentados os respectivos balanços para efeitos do disposto no art. 77.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto s/ as Sucessões e Doações, apesar de todas as diligências de natureza pessoal e de notificação realizada em 2006-06-12. Na ausência dos elementos [...], solicita-se [...] que [...] providencie a intervenção dos Serviços de Inspecção Tributária da forma que julgar pertinente, para que este SF proceda à liquidação premente do referido processo. Em anexo segue cópia das quotas declaradas…” [Cf. doc. constante de fls. 50 do PA]

8- A Direcção de Finanças do Porto deu cumprimento a tal ofício, tendo remetido, ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, os valores atribuídos às participações sociais com base na situação líquida das respectivas sociedades comerciais reportada a 31-12-2002 nos termos do § 1.º do art. 77.º do CIMSISSD [cf. docs. constantes de fls. 51 a 64 do PA].

9- Em 17 de Novembro de 2008, foi elaborada a seguinte nota de liquidação do imposto sucessório por parte do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2:



10- A Impugnante foi notificada da liquidação do imposto sobre as sucessões e doações no montante de €33.594,67, nos seguintes termos:




11- A Impugnante não apresentou contestação aos valores que serviram de base à liquidação [cf. informação prestada a fls. 94 do PA].

12- Em 27 de Fevereiro de 2009, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto sucessório [cfr. doc., constante de fls. 23 dos autos].

13- Em 26 de Maio de 2009, a Impugnante deduziu a presente impugnação [cfr. 2 dos autos]».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A liquidação de IS ora impugnada foi efectuada à ora Recorrente pela AT no âmbito do procedimento para liquidação de imposto aberto por óbito do seu pai, B…………..
Na sequência da apresentação da declaração de óbito e da relação de bens, ao abrigo do disposto nos arts. 60.º e 67.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), pela cabeça de casal – a mãe da Impugnante e mulher do falecido –, a AT, para fixação do valor correspondente às participações sociais em três sociedades, que integravam o património do de cujus, e porque a cabeça de casal, pese embora ter sido notificada para o efeito, não apresentou os balanços, como o impunha a alínea e) do art. 69.º do referido Código («Com a relação dos bens apresentar-se-ão, para serem juntos ao processo, os documentos seguintes:
[…]
e) Extracto do último balanço do estabelecimento industrial ou comercial, ou do balanço de liquidação, havendo-o, ou certidão do pacto social, nos termos e para os efeitos das regras 2.ª e 3.ª do § 3.º do artigo 20.º. Se não houver balanço, apresentar-se-á um inventário, adrede organizado, dos valores activos e passivos do estabelecimento, com vista a justificar o valor indicado na relação dos bens.
Tanto o extracto como o inventário serão assinados pelos administradores, gerentes ou liquidatários da empresa, ou pelos administradores da massa falida, com as assinaturas reconhecidas por notário, devendo o extracto ser entregue em duplicado.
A certidão do pacto social pode ser substituída por um exemplar do Diário do Governo onde tenha sido publicado;
Todos os documentos necessários para comprovar o passivo descrito».), determinou o valor daquelas participações sociais nos termos do § 1.º do art. 77.º do CIMSISD («Fazendo parte da herança ou da doação qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou quotas e partes em sociedades que não sejam por acções cujo valor de liquidação não esteja fixado no pacto social, ou ainda quando façam parte da herança ou da doação acções cujo valor tenha de ser determinado por aplicação da fórmula constante da alínea a) da regra 5.ª do § 3.º do artigo 20.º, o chefe da repartição de finanças remeterá, por intermédio da direcção de finanças do distrito, aos serviços competentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e ou à Inspecção-Geral de Seguros, consoante os casos, o duplicado do extracto do balanço, havendo-o, e demais elementos apresentados ou de que dispuser.
§ 1.º A Direcção-Geral, através dos seus serviços, ou a Inspecção-Geral, referidos no corpo deste artigo, deverão indicar, no prazo de 10 dias, o valor do estabelecimento ou das quotas e partes sociais ou das acções, salvo se entenderem necessário o exame à escrita, caso em que o prazo será de 60 dias».).
Ulteriormente, procedeu à liquidação do IS e notificou a ora Recorrente nos termos referidos no n.º 10 dos factos provados, designadamente de que «[o]s valores que serviram de base à liquidação poderão ser objecto de contestação nos termos do artigo 87.º do Código deste imposto, no prazo de oito dias a contar da notificação, que se considera feita no dia da assinatura do aviso de recepção. Os valores e a liquidação também poderão ser objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos, fundamentos e prazos previstos respectivamente nos artigos 68.º/70.º ou 99.º/102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A Contribuinte impugnou essa liquidação com diversos fundamentos, dos quais ora nos interessa considerar (Pois, quanto aos demais, a Impugnante conformou-se com a sentença. ) apenas (i) a violação do direito de audição prévia à liquidação imposto, por ter sido omitida a notificação da Contribuinte para o exercício do mesmo, da qual «constasse o projecto de decisão e seu fundamento, em ordem ao previsto no art. 60.º, n.ºs 1, a) e 4 da LGT» (cfr. itens 4.º a 14.º da petição inicial) e (ii) a falta de fundamentação, por «não poder apreender, ainda que minimamente, que critérios ou métodos» sustentaram a quantificação ou valorização da matéria tributável, assim a impedindo de a contestar, tudo em violação do disposto no art. 77.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária (LGT), no art. 125.º do Código do Procedimento Administrativo (Referimo-nos, aqui como adiante, ao CPA em vigor à data dos factos, ou seja, ao anterior ao aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.) (CPA) e no art. 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (itens 18.ª a 26.º da petição inicial).
A sentença não atendeu esses fundamentos. Se bem a interpretamos,
i) quanto à alegada falta de notificação para o exercício do direito de audiência prévia, considerou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em síntese, que «se todo o procedimento de liquidação teve por base as declarações do cabeça de casal – a respectiva relação de bens –, e os procedimentos efectuados se encontram legalmente cumpridos, não havia que proceder, previamente, a qualquer audição, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), até porque dos valores que serviram de base à liquidação poderiam ainda após esta ser contestados pelos interessados, de acordo com o art. 87.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD)», sendo que «para efeitos da liquidação do imposto em causa foram atribuídos os valores aos bens mobiliários e imobiliários constantes das relações de bens entregues pela cabeça de casal da herança […], tendo o valor atribuído às partes sociais transmitidas por herança, constantes da relação de bens, resultado da valorização levada a efeito nos termos do art. 77.º do CIMSISSD»; considerou, assim, que, no caso, o dever de audição estava afastado quer pela alínea a) quer pela alínea b) do n.º 2 do art. 60.º da LGT;
ii) quanto a ambos os vícios, entendeu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, depois de tecer pertinentes considerandos em torno da fundamentação dos actos tributários, que «a presente impugnação tem por objecto o acto de liquidação do imposto sucessório e não os actos de fixação dos valores da relação de bens, a falta de impugnação destes actos teve por consequência que os mesmos se consolidassem na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação de tais valores, nomeadamente a falta de fundamentação ou a preterição de formalidade legal (art. 86.º, n.º 2, da LGT e art. 134.º do CPPT)»;
iii) mais considerou, apenas relativamente ao vício de falta de fundamentação, que, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que, por um lado, «a liquidação do imposto foi efectuada com base nas declarações prestadas pela cabeça de casal – em auto de declarações e respectivas relações de bens, devidamente assinadas –, e transmitidas ao Serviço de Finanças, encontrando-se devidamente explicitada na lei quais os valores que obrigatoriamente deverão servir de base à liquidação» e, por outro lado, há que distinguir a falta de fundamentação da falta de comunicação dos fundamentos, sendo que sempre poderia a Contribuinte «ter usado do disposto no art. 37.º do CPPT».
A Impugnante insurgiu-se contra o assim decidido, sustentando, em síntese,
i) no que respeita ao julgamento efectuado sobre a preterição do direito de audição prévia: que não pode defender-se que no caso não se impunha a sua audição previamente à liquidação com o fundamento de que este acto foi efectuado com base na declaração do contribuinte – como prevê a alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT («2. É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
[…]».) para afastar o direito de audição –, pois a relação de bens apresentada pela cabeça de casal «não contém todos os elementos constantes da liquidação pois que nesta foi também considerado, entre o mais, o valor de bens móveis e estabelecimento comercial, participações societárias, etc., naturalmente não referidos, naquela declaração discriminativa, sendo objecto de procedimentos e cálculos específicos», relevando, designadamente, «o critério ou método de cálculo do valor das participações sociais», que demandou «uma importante e aturada instrução procedimental com a prática das formalidades respectivas, elaboração ou e apreciação de informações e relatórios», a impor que «os interessados teriam que necessária e forçosamente direito a ser ouvidos no procedimento antes da liquidação, por imposição do disposto no n.º 1 do art. 60.º da LGT»; que não pode sequer ponderar-se a possibilidade de considerar como não essencial a preterição dessa formalidade (), uma vez que é indemonstrável que «mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente», uma vez que «[n]o caso dos autos, como se verifica havia a possibilidade não despicienda de ser apreciado (e eventualmente contestado), por exemplo o critério ou método de cálculo do valor das participações sociais, […], facto este que hipoteticamente poderia determinar que a decisão final do procedimento pudesse ser outra que não a da liquidação do imposto daquela forma ou por aqueles métodos, ou seja opção por decisão procedimental diversa»;
ii) no que respeita ao julgamento efectuado sobre a falta de fundamentação: que «a fundamentação deve[ria] externar todos os elementos e critérios de facto e de direito que serviram de suporte ao valor obtido para a quota social em causa, por forma a possibilitar aos interessados uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa» e que, ao não fazê-lo, ficou impedida de «apreender, ainda que minimamente, que critérios ou métodos a sustentaram».
Entendeu ainda a Recorrente que, sendo concedido provimento ao recurso, haverá ainda que condenar a AT a pagar-lhe juros sobre as quantias já pagas por conta do IS liquidado, desde a data do pagamento até integral reembolso.
Confrontando a sentença e os fundamentos aduzidos pela mesma em ordem a julgar improcedentes os vícios invocados na petição inicial, por um lado, e os termos do recurso, designadamente o teor das alegações e respectivas conclusões, por outro, resulta, salvo o devido respeito, que a Recorrente não fez a melhor interpretação da sentença.
Daí que, apesar de termos considerado em 1.6 que as questões suscitadas pela Recorrente são as aí referidas, às quais, na eventualidade de provimento do recurso, haveria que adicionar a questão de saber se são devidos os juros peticionados, existe uma outra questão, que se impõe seja conhecida previamente, na medida em que a solução que lhe venha a ser dada prejudica o conhecimento das demais.

2.2.2 DA INIMPUGNABILIDADE DA LIQUIDAÇÃO COM FUNDAMENTO EM VÍCIOS RESPEITANTES À FIXAÇÃO DOS VALORES SOBRE OS QUAIS A MESMA INCIDIU

Como deixámos já dito, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou, para além do mais, que «a presente impugnação tem por objecto o acto de liquidação do imposto sucessório e não os actos de fixação dos valores da relação de bens, a falta de impugnação destes actos teve por consequência que os mesmos se consolidassem na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação de tais valores, nomeadamente a falta de fundamentação ou a preterição de formalidade legal (art. 86.º, n.º 2, da LGT e art. 134.º do CPPT)».
Ou seja, a sentença considerou que a presente impugnação judicial foi deduzida com fundamento em ilegalidades dos actos de fixação dos valores que serviram de base à liquidação – designadamente a falta de fundamentação e a preterição de formalidade legal por falta de notificação para o exercício do direito de audição – e que tais actos se consolidaram na ordem jurídica por falta de oportuna contestação, motivo por que os vícios de que eventualmente enfermassem não podem agora ser invocados em sede de impugnação judicial da liquidação.
Trata-se, aliás, de jurisprudência uniforme, não só dos tribunais centrais administrativos, como resulta do exemplo dado na sentença (A título meramente exemplificativo, vide os seguintes acórdãos:
- do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 5232/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a1b8a0d84ee9936380257a0900337125?OpenDocument;
- do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 49/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/8407c389864d7c4980257543005c6d77?OpenDocument. ), mas também neste Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o primeiro com numerosa indicação de jurisprudência no mesmo sentido:
- de 13 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 926/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 655 a 660, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1cadc4660b47ab4180257873004e4027?OpenDocument;
- de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 399/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1202 a 1205, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c3dc1a16d9262a26802578ca0039f92e?OpenDocument.).
Entendendo a ora Recorrente que o acto de fixação dos valores às quotas sociais que integravam o património do de cujus enfermava de falta de fundamentação e de preterição do dever de audição prévia, deveria ter contestado tais valores nos termos do disposto no art. 87.º do CIMSISD, como foi expressamente indicado na notificação da liquidação (cfr. facto provado sob o n.º 10).
Não o fez e, por isso, deixou caducar o direito de contestar a referida fixação. Por isso, tem de se considerar assentes os valores fixados, que se constituíram em caso decidido ou caso resolvido, consolidando-se na ordem jurídica, independentemente de se estar perante uma situação em que a correcção dos valores tenha cobertura legal e de ter sido efectuada em termos adequados. Designadamente, não tendo sido requerida a avaliação, não pode admitir-se a impugnação judicial para discussão da legalidade da fixação de tais valores, pois, como estabelece o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, esta só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.
Nem se diga que, «constando da notificação que lhe foi efectuada, quer a possibilidade de contestar os valores que serviram de base à liquidação, quer a possibilidade de reclamar ou impugnar esta liquidação, não lhe pode agora ser negado o direito de discutir esta, apenas por não ter previamente contestado aqueles valores, quando de acordo com a referida notificação tinha a faculdade de o fazer duma forma ou de outra. Mas não tem, de facto, razão o recorrente. A notificação em alternativa – para contestar os valores ou impugnar – não significa que o contribuinte possa usar indistintamente qualquer delas, antes terá de o fazer de acordo com os fundamentos legalmente admissíveis e que, no caso, se verifiquem. Assim, não concordando com os valores atribuídos, teria de os contestar no prazo de oito dias. E, depois, se a liquidação sofresse de qualquer ilegalidade, poderia impugná-la» (Cfr. o referido acórdão de 6 de Julho de 2011.).
É certo que, apesar de ter aderido a este entendimento, a Juíza do Tribunal a quo prosseguiu no conhecimento dos vícios que a Recorrente invocou na petição inicial, mas esse conhecimento, efectuado para a eventualidade de assim não se entender, não traduz um verdadeiro julgamento, senão um reforço argumentativo, um obiter dictum que, verdadeiramente, não releva para a solução adoptada.
A nosso ver, apesar de – há que reconhecê-lo – a ratio decidendi não resultar muito clara da leitura da sentença, a verdade é que foi com base na inimpugnabilidade da liquidação com fundamento em vícios respeitantes à fixação dos valores sobre os quais a mesma incidiu que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu a impugnação judicial.
Ora, a este propósito, a Recorrente nada disse, não manifestando discordância alguma com a sentença, antes se limitando a questionar a sentença na parte em que teceu diversos considerandos para a eventualidade de assim não se entender, motivo por que, ainda que se houvesse de conhecer das questões suscitadas pela Recorrente, sempre a sentença se manteria.
Pelo que deixámos dito, o recurso não pode ser provido, não havendo que conhecer das questões suscitadas pela Recorrente nas alegações, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IS não é o meio idóneo para reagir contra o acto de fixação de valores sobre que incidiu o imposto (designadamente os atribuídos às quotas sociais que integravam o património do de cujus ao abrigo do disposto no art. 97.º do CIMSISD), sendo a forma de reagir contra este acto a contestação da avaliação prevista no art. 87.º do CIMSISD.

II - Na falta dessa contestação, o acto da fixação do valor tributável firma-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação daquele valor (cfr. art. 86.º, n.º 2, da LGT e art. 134.º, n.º 7, do CPPT).

III - Tendo a sentença decidido nesse sentido, nunca poderia lograr provimento o recurso que assestou baterias exclusivamente nos considerandos que na sentença foram tecidos para a eventualidade de assim não se entender, ou seja, o recurso que, ao invés de atacar a sentença na sua ratio decidendi, se limitou a atacar os considerandos aí aduzidos como um obiter dictum, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão», na impressiva expressão que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a usar.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 11 de Março de 2015. – Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Ascensão Lopes.