Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0478/18
Data do Acordão:05/24/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23345
Nº do Documento:SA1201805240478
Data de Entrada:05/08/2018
Recorrente:A....,SA.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ECONOMIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I RELATÓRIO

A…….., SA intentou, no TAF de Braga, contra o IAPMEI, acção administrativa especial pedindo a anulação do acto praticado pelo Gestor do Compete que revogou o financiamento que lhe foi concedido, no montante de € 112.069,96, no âmbito do projecto de formação profissional e ordenou a restituição da quantia de € 93.658,81.

O TAF julgou a acção totalmente improcedente.

O Autor apelou para o TCA Norte e este negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF julgou improcedente a acção onde a Autora pedia a anulação do despacho do Gestor do COMPETE que revogou o financiamento que lhe foi concedido destinado a acções de formação e ordenou a restituição de parte desse financiamento por ter entendido que ocorreram ilegalidades na aplicação do financiamento recebido. Designadamente, uma sobreposição de horários ao nível de dois formadores de vários dos cursos financiados e incompatibilidade de horários e Iocais de formação na prestação do serviço por um formador dos mesmos cursos.
A Autora não tinha, assim, conseguido demonstrar a inexistência das faltas que lhe foram apontadas uma vez que, em sede de audiência prévia, relativa às desconformidades constatadas enviou ao IAPMEI as fichas de ocorrência, das quais resultava terem sido alteradas as sessões programadas nos respectivos cursos. “Acresce que, mesmo com o envio destas fichas, o IAPMEI constatou, novamente, sobreposições de horários e incompatibilidades de horários e locais de formação, a que a Autora respondeu, após novamente notificada, com o envio de novas fichas de ocorrência para tentar colmatar aquelas novas desconformidades.”

A Autor apelou para o TCA Norte mas este manteve aquela decisão com um discurso donde se extrai o seguinte:
“…
Diga-se desde já que se não reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento relativo à matéria de facto fixada.

É patente que a matéria factual dada como provada, assenta fundadamente em elementos documentais e testemunhais explicitamente invocados.
A matéria de facto fixada atenta a prova disponível foi densificadamente obtida através da normal e adequada livre convicção do tribunal, suficientemente justificada.

Acresce que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de 1.ª instância dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem não pode sindicar, no caso, por inexistir gravação dos depoimentos das testemunhas, por opção das partes.
….
Pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir.
…..
É pois patente que a Recorrente não logrou demonstrar, como se lhe impunha, que os factos dados como não provados, teriam de ser dados como provados, quer no que concerne aos factos não provados de 1 a 13 do Acórdão, como relativamente aos 14 a 21.
…..
Da aplicação do direito

Não está em causa o direito da Recorrente ao financiamento mas, antes e tão-só, a forma como tal direito foi utilizado.
O financiamento das ações de formação aqui controvertidas, pressupõe o preenchimento integral dos pressupostos em que assenta a sua concessão, como resulta do art.º 23.º alínea n) da Portaria nº 799B/2000, o qual determina a revogação de financiamento atribuído, em resultado da mera apresentação de “Declarações inexatas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afetem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber
Em função da aferição da prova disponível, o tribunal a quo, atentas as insuficiências e contradições dos elementos documentais que documentaram os autos, limitou-se a reconhecer que se não mostrava provada a efetiva realização da formação em cada uma das sessões que supostamente se haviam realizado, situação manifestamente incontornável.
Objetivamente, não se mostraria aceitável que a prova da verificação dos cursos em causa ignorassem as folhas de presença dos mesmos, enquanto prova documental credível e contemporânea, substituindo-a por depoimentos prestados em momento ulterior, pois que a forma prevista na lei para provar a realização de uma sessão de formação é a folha de presença e sumário a preencher no momento e no local.

Da falta de fundamentação do ato
…..
Não se vislumbra pois, e em concreto, qualquer insuficiência de fundamentação do ato objeto de impugnação, sendo certo que a aqui Recorrente, não terá tido dificuldades em percecionar as razões subjacentes à prática do ato revogatório, ainda que discorde do mesmo, o que sendo legítimo, não tem a virtualidade de equivaler a deficiente fundamentação.
Efetivamente, o ato objeto de impugnação, ainda que por remissão, não deixa de conter todos os elementos necessários à perceção do iter cognitivo e resolutivo subjacente à decisão.

Da proporcionalidade do ato
Entende a Recorrente que a decisão objeto de impugnação se mostrará desproporcional, e que deveria ter havido lugar à redução prevista no art.º 21 da referida Portaria nº 799B/2000.
Diga-se desde logo que, mostrando-se presente algum dos pressupostos determinante da revogação do financiamento, mal se compreenderia como seria o mesmo suscetível de redução.
O que está em causa é a relação de confiança entre as partes, que ficou comprometida pela deteção de um conjunto de incongruências e insuficiências nas declarações prestadas relativamente à realização de sessões de formação, que sempre comprometeriam a medida da eventual redução a aplicar.
A lei estabeleceu a revogação como consequência, designadamente, da constatação da verificação de “Declarações inexatas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afetem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber” sendo esse facto, como se disse já, incontornável, pela quebra da relação de confiança, atento ainda que estão em causa dinheiros públicos.
Efetivamente, prevendo o normativo em questão (art.º 23.º alínea n) da Portaria nº 799B/2000), a revogação do financiamento fica, por natureza, prejudicada a aplicação da redução (art.º 21º), cujos contornos estão fixados no próprio artigo.
Afirmou-se já a este propósito no Acórdão do STA de 30.01.2002, no Recurso n.º 048163 que “A previsão de que, «no caso de incumprimento injustificado», o beneficiário do apoio deveria devolver «a importância concedida» tinha natureza sancionatória e conduzia a que a Administração, verificado aquele pressuposto, exigisse, em termos estritamente vinculados, o reembolso da totalidade do que prestara. Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.”

Concluindo, improcede, a alegada violação ao princípio da proporcionalidade.

É ainda, e finalmente, invocada conclusivamente a violação dos princípios, não só da proporcionalidade, mas também da boa-fé, na interpretação do art.º 21º da referida Portaria.
Sem prejuízo de tudo quanto se disse já, importa referir que a singela invocação da violação de princípios, mormente de natureza constitucional, sempre careceria de acrescida fundamentação e demonstração.
Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.
..
Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de qualquer dos princípios invocados pela Recorrente".

3. Esta decisão não convenceu a Autora e daí a interposição desta revista onde se requer a reanálise tanto do julgamento da matéria de facto como da decisão de direito. E isto porque entende que o Acórdão errou quando, aderindo à fixação da M.F. feita no Tribunal a quo, considerou que o acto impugnado não merecia censura que lhe era feita, visto daquela factualidade decorrer que ocorreram as inexactidões e desconformidades que determinaram a sua prática.
Ora, os factos fixados na M.F. são claros e deles resulta que a Recorrente não aplicou os montantes pecuniários recebidos nas acções de formação com que se comprometeu. Se assim é, isto é, se o Tribunal recorrido considerou provados tais factos esse julgamento não pode ser sindicado nesta sede, atenta a circunstância desta se destinar a julgar apenas de direito (art.º 150.º/3 do CPTA).
Acresce que o julgamento do direito a que o Acórdão recorrido procedeu foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada.
Finalmente, ainda se dirá que a resolução da questão retratada nos autos não envolve operações de grande dificuldade jurídica que justificassem a intervenção deste Tribunal.
É, pois, forçoso concluir que não estão preenchidos os requisitos de admissão de revista.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 24 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.