Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0914/14
Data do Acordão:11/29/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
TEMPESTIVIDADE
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O prazo para a dedução da reclamação graciosa, em caso de documento ou sentença superveniente, é contável a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento.
II - O princípio anti-formalista, “pro actione” e a concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva impunham, no caso dos autos, que a petição de recurso hierárquico fosse convolada para reclamação graciosa pois que tendo sido apresentada a mesma petição, em 25/08/1998 e tendo sido passado o atestado médico de incapacidade multiuso em 29/06/1998, então o recorrente ainda estava dentro do prazo de 90 dias, previsto no artº 123º nº 1 do CPT, para onde remetia o nº 1 do artº 97 do CPT à data em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P22618
Nº do Documento:SA2201711290914
Data de Entrada:07/18/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do STA.


1 - RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, melhor identificado nos autos, contra as liquidações de IRS relativas ao anos de1993,1994,1995 e 1996, na parte em que não foi aceite o grau de incapacidade do sujeito passivo no valor de 63%.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«I. O atestado médico comprovativo da deficiência podia fundamentar a interposição de reclamação graciosa contra liquidações de lRS de anos anteriores desde que ainda decorresse o prazo legal para o efeito.
II. A reclamação graciosa relativamente à liquidação de lRS de 1996 foi deduzida intempestivamente.
III. O recorrido teve oportunidade de pedir a anulação das liquidações de 1993, 1994 e 1995 em sede de reclamação graciosa mas optou por não o fazer.
IV. Sendo o recurso hierárquico um meio de impugnação de decisões e não um meio de impugnação de questões novas, não podia na sua sede ser reconhecida a legalidade das liquidações de lRS de 1993, 1994 e 1995.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que o pedido a improcedente.»

O Recorrido apresentou as suas contra alegações a fls. 149 a 150 dos autos, pugnando pela manutenção do decidido.

Remetidos os autos ao TCA Sul, este por acórdão proferido em 30 de Maio de 2014, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, considerando para o efeito, competente a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por estar apenas em causa matéria de direito, o que, na verdade, sucede.

O Ministério Público emitiu parecer sustentando que a reclamação graciosa relativamente à liquidação de IRS de 1996 foi deduzida tempestivamente por ao tempo e na vigência do Código de Processo Tributário, o prazo para a dedução da reclamação graciosa, em caso de documento ou sentença superveniente, ser contável a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto (regra mantida no art.º 70°, n.º 4 do CPPT).

E, mais considerou que nada obstava, antes se impunha, que o recurso hierárquico, no que respeita ao segmento das liquidações de 1993 a 1995, fosse convolado em reclamação graciosa, dada a superveniência de documento em que a tempestividade da reclamação graciosa se pode fundar, ou em requerimento para revisão oficiosa do acto, nos termos do art.º 78.º da LGT e art.º 52.° do CPPT, tendo em conta o disposto no art.º 12.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que fez cessar integralmente a vigência do CPT.

2 – Fundamentação

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto :

A) Em 12/03/1997, foi entregue no Posto de Recepção n.º 3 da então Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, o instrumento constante a fls. 7 do Processo de Reclamação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Declaração de Rendimentos -IRS- Mod 1 “, em nome do Impugnante, na qual encontra assinalado no Campo 8 das “Informações Diversas”, que no agregado familiar não existem elementos com grau de invalidez permanente igual ou superior a 60%;
B) Em 14/05/1997, foi emitida em nome do Impugnante, a liquidação de IRS referente ao ano de 1996, n.º 46002931860, no valor de 59.210,00 € - cfr. fls. 8 do Processo de Reclamação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) Em 02/07/1998, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 6,o instrumento constante a fls. 2 do Processo de Reclamação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta o seguinte: « (...) A………., contribuinte n.º………, do Concelho Fiscal de Lisboa, residente na Rua…….., n° … - …… Esq., ………. LISBOA, vem nos termos do art. 95 em conjugação do art. 120 ambos do Cód Processo Tributário, apresentar reclamação em sede de IRS, relativamente aos anos de 1996 e 1997 com os seguintes fundamentos:
1° O signatário apresentou no ano de 1997, Declaração Mod 1, do IRS, relativamente aos rendimentos de 1996 e no corrente ano, Declaração Mod 2, relativamente aos rendimentos de 1997, contudo,
2° Sucede que o Sujeito Passivo, sofre anteriormente a 1996, de um grau de Incapacidade Permanente superior a 60%, com enquadramento na tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Dec. Lei n.º 341/93, de 30/09, conforme é comprovado documentalmente através do atestado médico emitido pela Autoridade de Saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo, Sub-Região de Saúde de Lisboa, cuja fotocópia se junta.
Nestes Termos, Vem o exponente, requerer a V Exa se digne determinar que nas referidas liquidações, sejam considerados os fundamentos “Ut Supra” invocados pelo requerente.
D) Conjuntamente com a “Reclamação Graciosa” referida na alínea anterior, o Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 6, o instrumento constante a fls. 3 do Processo de Reclamação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (DL 174/97 de 19 de Julho)”, emitido em 29/06/1998, e onde consta o seguinte: « (...) Presidente da Junta Médica do Conceito de Lisboa, Atesta que A………… Residente em Rua ……….., …. …. Esq. Lisboa, Freguesia de St. Condestável Concelho de Lisboa, Distrito de Lisboa, Nascido a 10/06/56 em Lisboa, Portador do BI nº………, Emitido em 14/11/97 pela DSIC de Lisboa e do N° Fiscal ……….. Apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-lei n.º 341/93 de 30 de Setembro lhe conferem uma incapacidade permanecente global de 63% desde 1981 (…)».
E) Em 30/07/1998, foi subscrita pela Técnica Tributária ………., a informação constante a fls. 18 do Processo de Reclamação apenso aos autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte: « (...) A…………., contribuinte fiscal n°………….., casado com B……………, contribuinte fiscal n°………….., residentes actualmente em Rua ………., ……., ….. Esq. em Lisboa, reclama das liquidações de IRS do ano de 1996 com o número, 4600293186, efectuada em 14 de Maio de 1997, que originou um reembolso no montante de 59 210$00, e a do ano de 1997, com fundamento em que por lapso no preenchimento da declaração mod 1 não foi mencionada e deficiência de que é portador o sujeito passivo A.
No que respeita à liquidação do ano de 1996, verifica-se que não tendo da mesma resultado imposto apagar, o prazo para a apresentação da reclamação seria, nos termos das disposições conjugadas do n° 2 do art° 97° do Código de Processo Tributário e alínea b) do n° 4 do art° 131° do Código de IRS, de um ano a contar dos 30 dias seguintes àquele em que a liquidação foi efectuada, ou seja, a partir do dia 14 de Junho de 1997, pelo que tendo a presente reclamação sido apresentada no 7° Bairro Fiscal de Lisboa em 02 de Julho do corrente ano, o foi já depois de decorrido o referido prazo.
Em relação ao ano de 1997 não consta do sistema informático de lRS a existência de qualquer declaração de rendimentos. No entanto, e visto ser referido pelo reclamante ter efectuado a apresentação de declaração mod. 2 com referência a este ano, o prazo para apresentação da reclamação na Repartição de Finanças actualmente competente apenas começará a correr a partir das datas referidas no artº 131º do Código do IRS.
Face ao atrás exposto somos de parecer dever ser indeferido o pedido, por extemporaneidade da petição (…)»
F) Em 30/07/1998, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6, o despacho constante a fls. 19 do Processo de Reclamação apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta o seguinte: «Concordo. Indefiro o pedido na totalidade. Notifique-se o reclamante desta decisão, devendo, após o trânsito em julgado da mesma sem que seja deduzida impugnação judicial nem interposto recurso hierárquico proceder-se às diligências necessárias ao seu arquivamento (…)»;
G) Em 25/08/1998, foi apresentado no Serviço de Finanças de Lisboa 6, o instrumento constante a fls. 24 e 26 do Processo de Reclamação apenso aos autos, teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em nome do Impugnante, no qual refere que vem “(...) interpor Recurso Hierárquico do despacho do Senhor Chefe da Repartição de Finanças do 6° Bairro de Lisboa, de 30.7.98 (...)” concluindo com o pedido de serem corrigidas as liquidações de IRS referentes aos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997.»;
H) Em 28/09/2001, foi elaborado pela Divisão de Concepção da Direcção de Serviços de IRS da DGCI, o instrumento constante a fls. 51 e 55 do Processo de Reclamação apenso aos autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte: «(...) Perante a presença destes novos documentos, que pareciam pôr em causa a legitimidade do Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa instaurada pelo 6° Bairro Fiscal de Lisboa, cuja apreciação consta da informação lRS nº 851/2001, procurou-se investigar a origem de informações e decisões aparentemente contraditórias, tendo-se chegado à seguinte conclusão:
1. Em 2 de Julho de 1998, o contribuinte supra referenciado apresentou, no 7° Bairro Fiscal de Lisboa, reclamação das liquidações do lRS dos anos de 1996 e 1997 resultantes das respectivas declarações de rendimentos modelo 1 (1996) e modelo 2 (1997).
2. Uma vez que o contribuinte mudou de residência, a liquidação do IRS do ano de 1996 foi da responsabilidade do 6° Bairro Fiscal de Lisboa, pelo que, através do oficio n° 5308, de 98.07.27 (fls. 16), o processo de reclamação referente ao IRS de 1996, foi remetido pelo 7° Bairro Fiscal para apreciação daqueles serviços.
3. Na sua apreciação, o 6° Bairro Fiscal de Lisboa, informa ser de indeferir o pedido por extemporaneidade em relação ao ano de 1996 e, com referência ao ano de 1997, não poder ser apreciado, uma vez que à data da apresentação da reclamação a respectiva declaração ainda não se encontrava liquidada, motivo pelo qual ainda não tinha começado a correr o prazo referido no art.º 131° do Código do lRS.
4. Apesar dos procedimentos referidos no ponto 2, o 6° Bairro Fiscal de Lisboa apreciou a reclamação da liquidação dos dois anos e, com base no informado, em 98.07.30 foi proferido despacho pelo Senhor Chefe de Repartição de Finanças (ao abrigo da delegação de competências), indeferindo o pedido o qual, deu origem ao recurso hierárquico em apreciação, interposto para o Senhor Director-Geral em 98.08.25.
5. Neste contexto, a informação da 1° Direcção de Finanças de Lisboa que, nos termos do n° 1 do art.º 91° do Código do Processo Tributário acompanha o presente recurso e obteve a concordância do Senhor Director Distrital, é no sentido de deferir, parcialmente o pedido, mantendo-se o despacho recorrido para o ano de 1996, e considerando-se a reclamação graciosa tempestiva, relativamente ao ano de 1997.
Por outro lado, decide não haver lugar a qualquer ampliação do pedido (1993,1994 e 1995), uma vez que o Recurso Hierárquico visa apenas a contestação da decisão proferida em face da reclamação apresentada.
6. Perante a situação algo contraditória e embaraçosa surgida na sequência da exposição do contribuinte, no âmbito da audição prévia do projecto do despacho de decisão de indeferimento do recurso hierárquico, referente à liquidação de IRS do ano de 1996, tomou a iniciativa de contactar os Serviços do 7° Bairro Fiscal de Lisboa, no sentido de se esclarecer correctamente a questão.
7. Assim, de acordo com os documentos enviados por fax e que se juntam em anexo à presente informação, verificou-se que, contrariamente ao informado pelo 6° Bairro Fiscal, sobre a reclamação da liquidação do IRS de 1997, o 7° Bairro Fiscal pronunciou-se no sentido da tempestividade da reclamação e, como tal, pelo deferimento do pedido.
8. Este foi também o sentido da informação prestada pela Direcção de Finanças de Lisboa, sobre a qual foi proferido despacho concordante pelo Senhor Director de Finanças, em 99.12.30.
9. Conclui-se assim, que a “confusão” suscitada pelo contribuinte ao afirmar « … que se encontra sanada a questão objecto da reclamação (correcção da liquidação de 1996 e 1997), pelo deferimento total do pedido pelo Senhor Director de Finanças em 99.30.12» teve origem no oficio emitido pelo 7° Bairro Fiscal de Lisboa (n° 7379, de 2001.07.06) que desconhecendo a informação e decisão proferida pelo 6° Bairro Fiscal (proc. reclamação graciosa n° 73198), informou que o processo de reclamação identificado supra (n° 400013. 5198) foi atendido na totalidade...” tendo, assim, entendido que tal decisão se reportava à reclamação das liquidações do IRS dos anos de 1996 e de 1997, e não apenas ao de 1997.
Assim, somos de parecer que deverá manter-se o indeferimento do recurso, mantendo-se a decisão recorrida para o IRS de 1996, conforme proposto na informação-IRS n° 851/01, devendo considerar-se sem efeito os procedimentos propostos sobre a liquidação do IRS de 1997, uma vez que, conforme provado, a questão se mostra resolvida e o respectivo imposto corrigido (comprovantes recolhidos do Sistema em anexo).»;

I) Em 20/10/2001, no instrumento referido na alínea anterior, foi aposto o seguinte despacho subscrito pelo Subdirector-Geral dos Impostos: «Concordo, pelo que sou concordar com os fundamentos expostos, nego provimento ao Recurso quanto a 1996»;
J) A PI deu entrada no Tribunal Central Administrativo do Sul em 30/01/2002- cfr. 10 dos autos.
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e nos processos administrativos em apenso.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
3- DO DIREITO
Para se decidir pela procedência da impugnação expendeu a decisão recorrida a seguinte fundamentação que se apresenta por extracto:
Parte de direito a fls. 118 e seguintes:
“(…) 3.2 Do Direito:
Tendo sido emitido em 29/06/1998 em nome do Impugnante um Atestado Médico de Incapacidade, este veio reclamar das liquidações de IRS referentes aos anos de 1996 e 1997, tendo posteriormente, e em sede de Recurso Hierárquico, ampliado o pedido para abranger as liquidações dos anos de 1993 a 1995.
Todavia, entende a Fazenda Pública que apesar da declaração de incapacidade referir que a situação de deficiência existe desde 1981, tal documento não pode servir de fundamento à interposição da reclamação uma vez que já se encontrava ultrapassado o prazo legal para o efeito.
Apreciemos.
i) Da violação de lei
Como se sabe, a lei concedia alguns benefícios fiscais em matéria de tributação em sede de IRS aos contribuintes portadores de um grau de invalidez permanente, devidamente comprovada pela entidade competente, igual ou superior a 60%, benefícios esses que se encontravam enumerados, à data dos factos, tanto no Estatuto dos Benefícios Fiscais (art.44°) como no CIRS (arts.25° e 80°).
Dito isto, importa começar por referir que o art. 97º do Código de Processo Tributário (CPT), dispunha o seguinte:
1 — A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do art. 123°.
2- Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no número anterior, este contar-se-á a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.»
O prazo da reclamação aqui previsto era, em princípio, de 90 dias a contar dos factos enumerados no n° 1 do art.º 123° do CPT, excepto se se verificasse a situação prevista no n°2 daquele preceito legal.
Ora, com efeito, de acordo com o legislador do já revogado CPT, cabia ao reclamante o ónus de alegar e provar a superveniência do documento ou sentença relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação.
Com a entrada em vigor do CPPT, esta regra foi transposta para o art.º 70°, o qual, na redacção inicial (anterior à Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), estabelecia o seguinte: «
1 - Á reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102. °.
(…)
4- Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar nos prazos previstos nos números anteriores, estes contar-se-ão a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto. (...)».
Ora, da análise do art.º 70° do CPPT concluímos que o legislador manteve a regra segundo a qual, se a reclamação tiver por fundamento documento superveniente ou qualquer facto que não tenha podido ser invocado nos prazos referidos, o prazo de reclamação graciosa contar-se-á a partir da data em que tiver sido possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
Por outro lado, importa reter que o art.º 44° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, com a redacção à data dos factos, estabelecia o seguinte:
«1 - Ficam isentos de tributação em IRS os rendimentos das categorias A,B e H auferidos por titulares deficientes, nos termos seguintes:
(…)
5 — Para efeitos do disposto neste artigo considera-se deficiente aquele que apresente um grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, igual ou superior a 60%».
Ora, este benefício fiscal veio alargar as medidas mais favoráveis previstas no CIRS relativamente aos contribuintes portadores de um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Com efeito, o beneficio consagrado no n.º 1 do art. 44° do EBF consistia na não tributação em IRS de 50% dos rendimentos brutos das categorias A com um limite máximo de 2460 contos.
Dito isto, vejamos o caso concreto.
Do probatório resulta que em 29/06/1998, foi emitido ao Impugnante um Atestado onde se comprova que é portador de uma incapacidade superior a 63% desde 1981.
Ficou também provado que em 02/07/1998, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 6 a Reclamação Graciosa referente ao IRS de 1996 e 1997.
Por último, retira-se dos factos assentes que em 25/08/1998, o Impugnante interpôs Recurso Hierárquico, pedindo que fossem corrigidas as liquidações de IRS desde 1993 a 1997.
Quer isso dizer que a questão fulcral dos presentes autos, prende-se com a data da emissão do atestado médico certificativo da incapacidade permanente de que o Impugnante é portador.
Com efeito, o art. 44° do EBF ao estabelecer o benefício fiscal ali indicado para as pessoas que, comprovadamente, sejam detentores de um grau de invalidez permanente igual ou superior a 60%, não contém ele próprio os critérios a que deve obedecer a determinação ou aferição de tal invalidez, como situação jurídica pressuposta para a aquisição de tal benefício.
Assim sendo, e estando demonstrado a partir do probatório que o certificado comprovativo de incapacidade apenas foi emitido em 29/06/1998, forçoso é concluir que em 02/07/1998 - data em que foi deduzida a reclamação graciosa - não se esgotara ainda o prazo de 90 dias de que dispunha para tal, em face do n.º 2 do art. 97 do CPT, razão pela qual se terá de concluir ser efectivamente tempestiva a reclamação graciosa deduzida pelo ora Impugnante.
Ou seja, como já referimos supra, se a reclamação graciosa tiver por fundamento um documento ou qualquer facto que não tenha podido ser invocado nos prazos referidos, o prazo de reclamação graciosa contar-se-á a partir da data em que tiver sido possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto. Sendo esta obtenção de documento ou conhecimento tardio do facto um pressuposto deste direito de reclamação graciosa fora dos prazos normais, será ao reclamante que caberá o ónus de provar a superveniência do «documento ou sentença» relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação, de acordo com a regra de repartição do ónus da prova previsto no n.º 1 do art. 342° da Lei Civil.
Posto isto, e retomando o caso dos autos, se bem atentarmos às explicações do Impugnante a fls. 99 e 100 dos Autos, ele refere que padece de distonia, doença rara, e até “o tratamento ter chegado àquela fase, naquela altura, o Impugnante não sabia sequer nomear a doença; nem o médico, que o tratava...”
Ora, é razoável pressupor, pelas regras da experiência comum, que tal explicação é plausível para efeitos do n.º 1 do art. 342° do Código Civil, e assim sendo, ressalta à evidência que o Impugnante só teve conhecimento do referido quadro clínico na data que o médico passou o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, de que era portador de deficiência com um grau de desvalorização de 63%, aí se atestando que a incapacidade global do Impugnante se reporta ao ano de 1981.
Assim sendo, levando em linha de conta as datas supra referidas e que a reclamação graciosa foi deduzida em 2/07/1998, é patente que a mesma é tempestiva, uma vez que foi deduzida no prazo para o efeito previsto no n° 2 do art. 97° do CPT, razão pela qual a Impugnação tem que proceder com base neste fundamento relativamente ao ano de 1996.
No tocante à “ampliação do pedido” apresentada pelo Impugnante em sede de Recurso Hierárquico importa referir desde logo que andou mal a Administração Fiscal em não ter analisado o referido pedido.
Ou seja, em abstracto teria razão a AF ao considerar que o Recurso Hierárquico sendo um meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a sua substituição do acto recorrido e que tem por objecto o acto administrativo praticado pelo órgão subalterno, o que no caso dos autos, foi a decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa, não poderia, a priori, ter como objecto algo que não tinha sido pedido em sede da Reclamação Graciosa.
Quer isso dizer que o contribuinte deveria ter lançado mão da Reclamação Graciosa para atacar as liquidações dos anos de 1993 a 1995 ao invés de ter usado o Recurso Hierárquico.
Mas independentemente da escolha menos correcta do procedimento por parte do contribuinte, a Administração Fiscal deveria oficiosamente ter “convolado” aquele procedimento, na parte referente às liquidações de 1993 a 1995, para a forma procedimental correcta, ou seja, como se uma Reclamação Graciosa se tratasse. E isto porque o contribuinte ainda estava em tempo para lançar mão da Reclamação Graciosa contra as liquidações de 1993 a 1995.
Assim sendo, a AF deveria ter interpretado à luz do princípio anti-formalista consagrado no art. 100 do CPA, que o ora Impugnante pretendia sim reclamar das liquidações de 1993 a 1995.
Dito isto, e verificando que o Recurso Hierárquico foi interposto a 25/08/1998, ou seja, ainda dentro do prazo de 90 dias a contar do facto superveniente (29/06/1998), nos termos do n.º 2 do então art. 97° do CPT e art. 10° do CPA, a Administração Fiscal deveria ter interpretado o Recurso Hierárquico, na parte em que o contribuinte atacou as liquidações de 1993 a 1995, como se tratasse de uma Reclamação Graciosa.
E desta feita, e com os mesmos fundamentos que usamos para anular a liquidação do IRS de 1996, concluímos também que a Impugnação tem que proceder quanto às liquidações de 1993 a 1995, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 660° n° 2 do CPC, ex vi do artigo 2° al. e) do CPPT.
Sem custas por delas estar isenta a Fazenda Pública, atenta a data de instauração da presente impugnação judicial (anterior a 2004).
IV — Decisão:
Em face do exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas, decido julgar a presente Impugnação PROCEDENTE, e em consequência anulo as liquidações de IRS referentes a 1993, 1994, 1995 e 1996, na parte que não aceitou o grau de incapacidade do sujeito passivo no valor de 63%. Sem custas”.

DECIDINDO NESTE STA
Dando atenção às conclusões das alegações de recurso que delimitam o objecto do mesmo, verificamos que a recorrente Fazenda Pública suscita duas questões, a saber:
a) Intempestividade da reclamação graciosa relativamente à liquidação de lRS de 1996.
b) Intempestividade da sindicância das liquidações de 1993, 1994 e 1995; porquanto, a seu ver, o ora recorrente teve oportunidade de pedir a anulação das liquidações em sede de reclamação graciosa mas não o fez sendo inadequado o recurso hierárquico para o fazer pelo que não podia na sua sede ser reconhecida a legalidade das liquidações de lRS de 1993, 1994 e 1995.

Como resulta da decisão de 1ª instância, supra destacada, esta considerou tempestiva a apresentação da reclamação graciosa da liquidação do IRS de 1996 e entendeu que relativamente às liquidações de IRS dos anos de 1993;1994 e 1995, a Administração Fiscal deveria oficiosamente ter “convolado” à luz do princípio anti-formalista consagrado no art. 100 do CPA, o procedimento de recurso hierárquico para a forma procedimental correcta, ou seja, como se uma Reclamação Graciosa se tratasse uma vez que ainda estava em tempo para lançar mão desta reclamação.
Quid Juris?
Afigura-se-nos acertada a decisão recorrida, na sua totalidade.
Por um lado é manifestamente tempestiva a reclamação graciosa da liquidação de IRS do ano de 1996.
Por outro concordamos que deveria ter ocorrido a referida convolação no que respeita à questionação das demais liquidações em causa nos autos.
Com efeito, é exacto que nos termos do n.º 3 do art.º 97.º do Código de Processo Tributário (CPT), compêndio normativo que antecedeu o actual Código de Procedimento e de Processo Tributário ( CPPT) ao tempo em vigor, o prazo para a dedução da reclamação graciosa, em caso de documento ou sentença superveniente, é contável a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto (regra mantida no art.º 70°, n.º 4 do CPPT) o qual dispõe sob a epígrafe Apresentação, fundamentos e prazo da reclamação graciosa:
(…) 4 - Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
(Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20/12 com entrada em vigor a partir de 01/01/2007)

Ora, a reclamante apresentou com a reclamação graciosa o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso passado em 29.06.1998 o qual atesta “uma incapacidade permanente global de 63% desde 1981” e é, desde logo, manifesta a superveniência do documento e temos de aceitar, na ausência de contestação sobre este ponto específico, que ocorreu impossibilidade da sua apresentação em data anterior à data da respectiva emissão.
Estando atestada e certificada, por via documental, quer a prova da incapacidade quer a data do seu reconhecimento com efeitos retroactivos a 1981,dúvidas não ocorrem ( reitera-se, face à ausência de alegação e demonstração de que tal documento podia ter sido obtido anteriormente) de que na data de entrada da reclamação graciosa, relativa ao IRS do ano de 1996, nos serviços da Administração Tributária em 02/07/1998, ou seja no terceiro dia posterior a ter sido passado o referido atestado médico ( vide fls. 2 do processo de reclamação graciosa apenso) que a respectiva petição deu entrada dentro do prazo legal, sendo por conseguinte tempestiva o que determina que a sentença que assim o considerou seja de confirmar nesta parte.
E quanto ao mais, adiantamos já que, a mesma decisão de 1ª instância merece também confirmação.
É certo que o procedimento de recurso hierárquico não se confunde nem equivale ao da reclamação graciosa sendo de regra a fase subsequente à da reclamação graciosa como resulta do actual art 76º do CPPT o qual dispõe:
Recurso hierárquico. Relações com o recurso contencioso
1 - Do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico no prazo previsto no artigo 66.º, n.º 2, com os efeitos previstos no artigo 67.º, n.º 1.
2 - A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto.
E, sendo também certo que o ora recorrente só em 25 de Agosto de 1998 apresentou o pedido de correcção das liquidações de IRS de 1993; 1994 e 1995 ( que são as que agora nos interessam) na mesma altura e na mesma peça processual através da qual apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da sua reclamação graciosa relativa ao IRS de 1996, ainda assim, concordamos com o Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA quando observa que nada obstava, que a petição de recurso hierárquico no que respeita às liquidações de 1993 a 1995), fosse convolada para reclamação graciosa,dada a superveniência de documento em que a tempestividade da reclamação graciosa se pode fundar, ou em requerimento para revisão oficiosa do acto, nos termos do art.º 78.º da LGT e art.º 52.° do CPPT, tendo em conta o disposto no art.º 12.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que fez cessar integralmente a vigência do CPT”
O essencial para dar tal passo à luz do princípio anti formalista, pró actione e de forma à concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva seria apreciar se tal petição (a de recurso hierárquico) tinha sido apresentada em tempo o que na situação concreta dos autos se verifica pois que tendo sido apresentada a mesma petição, como já se disse em 25/08/1998 e tendo sido passado o atestado médico de incapacidade multiuso em 29/06/1998, então o recorrente ainda estava dentro do prazo de 90 dias previsto no artº 123º nº 1 do CPT para onde remetia o nº 1 do artº 97 do CPT cujo nº 3 estipulava:
3 – Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar nos prazos previstos nos números anteriores, estes contar-se-ão a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto (Decreto-Lei nº 7/96, de 7 de Fevereiro)

Em suma: mostra-se acertada a asserção da decisão recorrida de que a Administração Fiscal deveria oficiosamente ter “convolado” aquele procedimento de recurso hierárquico, na parte referente às liquidações de 1993 a 1995, para a forma procedimental correcta, ou seja, como se uma Reclamação Graciosa se tratasse dado o contribuinte ainda estar em tempo para lançar mão desta forma de reacção graciosa contra as liquidações de 1993 a 1995.
Agindo de forma diversa a actuação da mesma Administração, porque ilegal não se pode manter como bem julgou a sentença sob recurso que deve ser confirmada.
4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas por delas, ao tempo, estar isenta a Fazenda Pública.
Lisboa 29 de Novembro de 2017. – Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Dulce Neto.