Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/18.1BELLE
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PAGAMENTO POR CONTA
EXCLUSÃO
ILICITUDE
Sumário:No art. 107.º n.º 1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, encontra-se previsto que possa ser dispensado o pagamento da terceira prestação de pagamento por conta de IRC.
Se a segunda prestação desse pagamento não vem a ser efetuada, mas no final do exercício se apura haver imposto a recuperar - e não a pagar -, encontra-se excluída a ilicitude quanto à mesma pela contraordenação p.ª e p.ª, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T.
Nº Convencional:JSTA000P25412
Nº do Documento:SA2202001160461/18
Data de Entrada:10/09/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, proferida em 4/04/2019, que julgou procedente o recurso de contra-ordenação deduzido por A……………., Lda. (anteriormente B………………, S.A.), melhor sinalizada dos autos, tendo anulado a decisão de aplicação de coima do Director de Finanças de Faro, no Processo de Contra-ordenação n.º 3859-2015/0600000026893.

I.2. Apresentou alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

1 — O Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação dos preceitos dos artigos 107, n° 1, CIRC e 114, n° 5, al. f), RGIT.

2 — Na medida em que o sentido do artigo 107 n° 1 CIRC, tal como resulta da interpretação lógica, é perfeitamente congruente com o que as palavras exprimem: estabelecer a obrigação de durante o período de formação do facto tributário de IRC proceder a dois pagamentos por conta, sem limitações ou dispensa.

3 — Cuja específica protecção e falta de observância se contém na descrição da infração prevista e punida no artigo 114, n° 5, aI. f), RGIT.

4 — Com efeito, é a falta de entrega, total ou parcial, que constitui em si uma lesão dum interesse próprio e que enforma aquela norma contra-ordenacional.

Assim, de harmonia com exposto, e max. ex. supl., deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a, aliás, douta sentença recorrida, para se fazer JUSTIÇA.

I.3. O Magistrado do Ministério Público, junto do TAF de Loulé veio emitir resposta, concluindo o seguinte:

I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 04/04/2019 que julgou procedente o Recurso, anulou a decisão de aplicação de coima aplicada no processo de Contra-Ordenação n° 3859-2015/0600000026893 do Serviço de Finanças de Loulé-2 (Quarteira) e absolveu a Arguida;

II. Entende a Recorrente que se incorreu em erro de julgamento e violou o disposto nos arts. 107° n° 1 CIRC e 114° n° 5 al. f) RGIT, defendendo que na decisão se aplicou uma redacção do n° 1 do art. 107º CIRC expressamente revogada do ordenamento jurídico com a Lei n° 66-B/2012, 31/12;

III. Todavia e em bom rigor a norma do art. 107° CIRC não foi determinante para a absolvição da arguida mas antes os factos, fundamentais, de ter esta apurado um imposto a recuperar no valor de € 39.498,89 quando já tinha efectuado pagamento no valor de € 60.981,00 e ainda de a decisão que aplicou a coima não ter considerado tal factualidade;

IV. Em termos substantivos os pagamentos por conta a efectuar ao longo do exercício são-no por conta do imposto final do exercício a que respeitam — traduzem adiantamentos - conforme decorre do disposto no art. 104º n° 1 al. a) CIRC, calculados a final, com vista a antecipar o pagamento do mesmo para o período em que se vai formando o facto tributário;

V. E o art. 114 n° 1, 2 e 5 al. f) RGIT apenas prevê a punição, como contra- ordenação, pela falta de pagamento por conta do imposto devido a final, o que significa que o facto típico é a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final no prazo de 90 dias;

VI. Do nosso ponto de vista, quando a final não for devido imposto não se verifica a prática de contra-ordenação por não estar preenchido o tipo incriminatório, seja porque não existe qualquer colecta ou porque o seu valor já se mostra pago antecipadamente.

VII. Aquilo que está em causa, salvo melhor opinião, não é a interpretação e aplicação do art. 107° n° 1 do CIRC mas do princípio da legalidade do direito penal (in casu contra-ordenacional) previsto no art. 1º do C Penal segundo o qual “Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática”, consagrado no art. 29º nº 1 CRP e aqui aplicável por força do disposto no art. 32° RGCO;

VIII. Na sua vertente de nullum crimen sine lege stricta - este princípio proíbe a aplicação analógica da lei penal, a interpretação extensiva da incriminação em detrimento do arguido, bem como da interpretação restritiva de uma causa de justificação.

IX. Não se mostrando preenchido o tipo objectivo previsto no art. 114º n° 1, 2 e 5 aI. f) RGIT impunha-se a absolvição da arguida.

Pelos motivos expostos entende-se que a sentença recorrida aplicou correctamente o direito aos factos e deve ser confirmada.

I.4. A recorrida veio formular contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso, interposto pela Fazenda Pública, tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 04/04/2019, na qual, aquele Tribunal, decidiu julgar procedente o recurso apresentado, absolvendo a ali Recorrente da contra-ordenação que lhe havia sido imputada, anulando, ainda, a referida decisão de aplicação de coima — por entender que “a sua omissão (falta do segundo pagamento por conta) não preenche o facto típico da contra-ordenação que lhe foi imputada, por falta de lesão do interesse protegido pela norma incriminadora (ausência de IRC a pagar)”.

B. Inconformada, veio a Fazenda Pública, ora Recorrente, peticionar pela procedência do recurso por si interposto e pela revogação da sentença recorrida, por entender, essencialmente, que “o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação dos preceitos do artigo 107°, n°1, CIRC e 114, n° 5, aI. f), RGIT”, já que, alegadamente, “é a falta de entrega, total ou parcial, que constitui em si uma lesão dum interesse próprio e que enforma aquela norma contra-ordenacional”.

C. Nessa senda, fica claro que o que se pretende ver apreciado no presente recurso é tão só a questão de saber se a não entrega, pela Recorrida, do segundo pagamento por conta, referente ao exercício de 2014, constituí uma contra-ordenação nos termos previstos na al. f) do n° 5 do artigo 114.° do RGIT, quando a Recorrida recebeu, em relação àquele mesmo exercício, um reembolso de imposto de € 39.498,89 (trinta e nove mil, quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta e nove cêntimos).

D. A esse respeito, entende a Recorrida, o Tribunal a quo, o Ministério Público e a boa jurisprudência que importa, para o efeito pretendido, atender-se ao significado objectivo dos “pagamentos por conta”, que mais não significam que um adiantamento aos cofres do Estado do valor do imposto final.

E. Ora, sabendo, a priori, a Recorrida, que o primeiro pagamento por conta efectuado no exercício de 2014 se afigurava mais que suficiente para garantir o pagamento do imposto que se Viesse a apurar a final (tanto assim que acabou reembolsada em montante superior a 50% do 1.º PC), esgota-se o objectivo ínsito no mecanismo dos pagamentos por conta, inexistindo, pela falta de entrega do 2.° PC, qualquer lesão do interesse cuja protecção se estabelece naquela norma contra-ordenacional.

F. Desta forma, e acompanhando o entendimento vertido, quer na decisão recorrida, quer na resposta apresentada pelo Ministério Público, não pode a Recorrida deixar de apelar pela improcedência do presente recurso, pois que essa solução de direito se afigura a única forma de dar cumprimento aos princípios da legalidade, da justiça, e da tributação pelo lucro real, todos constitucionalmente previstos.

G. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao absolver a aqui Recorrida, da contra-ordenação que lhe havia sido indevidamente imputada, decisão para a qual foi notoriamente irrelevante, contrariamente ao que refere a Fazenda Pública, a redacção do artigo 107.° do CIRC considerada, pois que outro não poderia ter sido o entendimento daquele Tribunal, o qual se mantém actualizado para o efeito pretendido.

H. Razão pela qual, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, o que vai expressamente requerido.

§ Das Conclusões da ampliação do âmbito do recurso

A. Caso o presente recurso venha a ser julgado procedente, o que não se concede, a Recorrida desde já requer, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.° 636.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 4.° do CPP.

B. Mas, caso este Douto Tribunal entenda pela sua incompetência para apreciação do presente pedido, o que se admite, desde já se requer que, seja ordenada a baixa dos presentes autos ao Tribunal a quo para que conheça do mesmo.

C. Em primeiro lugar, e porque se assumem de particular relevância para a decisão dos pedidos formulados pela Recorrida em sede de alegações de recurso (iniciais), cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução de direito adoptada na sentença recorrida, deverão ser aditados à matéria de facto provada, nos termos dos artigos 636.°, n.° 2 e 607° do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 4.° do CPP, os factos alegados nos arts.° 1.º, 9.º, 12.º, 15.º, 20.º e 27.º daquele articulado, por os mesmos resultarem provados.

D. Por outro lado, e, conforme se disse, caso o presente recurso seja procedente, o que não se concede mas forçosamente se tem de admitir por uma questão de cautela de patrocínio, sempre se impõe que sejam os pedidos formulados pela aqui Recorrida em sede de alegações de recurso iniciais, devidamente conhecimentos, independentemente de o serem por este Douto Tribunal ou pelo Tribunal recorrido, o que expressamente se requer.

E. Assim, e porque inexiste, no acto recorrido, fundamentação expressa, quer no que toca à alegada obrigação do 2.° PC, do exercício de 2014, quer no que respeita ao valor alegadamente em falta, no montante de €69.050,59 (questões que foram colocadas em sede de direito de audição prévia), é forçosamente de concluir pela falta de fundamentação da decisão de aplicação de coima e, consequentemente, pela violação do disposto da al. b) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT, sendo, por isso, a decisão recorrida, NULA, nos termos da aI. d) do n° 1 do artigo 63.° do RGIT.

F. Para o caso da arguida nulidade não proceder, o que não se concede, sempre se encontrariam preenchidos os requisitos previstos no art.° 32.° do RGIT, já que i) a alegada falta de um pagamento por conta não poderia, em momento algum, gerar um prejuízo efectivo para a receita tributária (por se tratar de mera antecipação de imposto não liquidado); ii) a considerar- se existir uma contra-ordenação, a mesma tem de considerar-se regularizada e iii) é o próprio Serviço de Finanças que apela pelo diminuto grau de culpa da Recorrida na fundamentação da decisão recorrida (cfr. doc. 1 junto ao recurso) — ainda que a Recorrida entenda inexistir qualquer contra-ordenação.

G. A título meramente SUBSIDIÁRIO, e só para o caso de ser recusada a dispensa de coima, o que não se concede sempre terá de ser determinada a sua atenuação, porquanto o preenchimento dos requisitos previstos no n.° 2 do art.° 32.° do RGIT se encontra iniludivelmente comprovado, e nesse sentido, caso seja de aplicar uma pena à Recorrida, o não se concede sempre a mesma deveria consistir numa pena de admoestação, de acordo com o disposto no artigo 51.º do RGCO, aplicável ex vi do art.° 3.º, alínea b) do RGIT. Nesse sentido vide Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/04/2013, proc. n.° 05/13.

Termos em que:

i) Deverá ser o recurso interposto pela Fazenda Pública julgado improcedente, devendo ser proferido Acórdão que confirme a sentença recorrida.

Sem prescindir,

A título subsidiário, para o caso do recurso interposto pela Recorrente proceder, determinando a revogação da decisão recorrida:

ii) Deverá ser ampliado o âmbito do recurso (art.° 636.°, n.° 2 do CPC), e em consequência:

a) ser ampliada, nos termos dos artigos 636.°, n.° 2 e 607° do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 4.° do CPP, a matéria de facto provada, à qual deverão ser aditados os factos constantes nos arts.° 1.º, 9.°, 12.°, 15.º, 20.° e 27.° das alegações (iniciais) de recurso judicial de contra-ordenação;

b) ser conhecidos os pedidos formulados pela aqui Recorrida em sede de alegações (iniciais) de recurso judicial de contra-ordenação, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução de direito vertida na decisão recorrida, concretamente:

1. da NULIDADE da decisão recorrida por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos previstos na al. d) do n°1 do artigo 63.° do RGIT;

2. Caso não proceda a arguida nulidade, o que não se concede, sempre deverá a Recorrente dispensada da aplicação de coima, nos termos do n.° 1 do art.° 32.° do RGIT, o que se requer.

Sem prescindir

3. Para o caso de assim não se entender, o que não se concede, seja atenuada a coima, nos termos do n.° 2 do art.° 32.° do RGIT, mediante a aplicação de pena de admoestação, de acordo com o disposto no artigo 51.° Regime Geral do ilícito de mera ordenação social, aplicável ex vi do art° 3°, alínea b) do RGIT, o que subsidiariamente se requer.

I.5. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, concordando com a resposta vertida em 1.ª instância, acrescentando ainda o seguinte, após definir o objecto do recurso:

“As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável, ou nos casos dos n.°s 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.° mês, no 9.° mês e no dia 15 do 12.° mês do respetivo período de tributação (artigo 104.°/1 do CIRC).

“Se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta” (artigo 107.°/1 do CIRC).

A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta é punida como falta da prestação tributária, nos termos do estatuído no artigo 114.° do RGIT.

O pagamento por conta constitui um pagamento por conta do imposto devido a final (artigo 33.° da LGT).

No domínio das infrações tributárias vigora o princípio da legalidade, nos termos do qual “constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior” (artigo 2.° /1 do RGIT).

Ora, como resulta do normativo do artigo 114/5/ f) do RGIT, constitui elemento objetivo da contraordenação em causa nos autos a existência de lucro tributável ou de imposto que seja devido a final.

Ora, do auto de notícia e da decisão administrativa de condenação em coima não consta a existência de lucro tributável no final do período do pagamento por conta em causa nem no exercício de 2014, resultando, antes, do probatório que a arguida/recorrida apurou imposto a recuperar no valor de € 39.498,89.

Não estando demonstrada a existência de lucro tributável no final do período do respetivo pagamento por conta e, consequentemente a existência de imposto devido a final não se pode dar por verificada a contraordenação em causa (Em situação similar, ver acórdão do STA, de 09/10/2019-P. 0329/18.1BELLE, disponível em www.dgsi.pt).

II. Objeto do recurso.

É objecto do recurso o entendimento tido na decisão recorrida a respeito da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 104.°, n.º 1, a) do C.I.R.C., e 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T..

Na sentença recorrida, entendeu-se que, pese embora omitido o segundo pagamento por conta de IRC, tendo-se apurado que a arguida tem IRC a recuperar no mesmo exercício, ficou afastado o ilícito por falta de lesão do interesse protegido pela norma.

A A.T. contrapõe que tal falta de interesse não resulta, por, ainda assim, não estar dispensado o segundo pagamento por conta em cada exercício no art. 107.º n.º 1 do C.I.R.C..

III. Fundamentação.

III.1. Na sentença recorrida encontra-se fixada a seguinte matéria de e facto:

1.Em 23 de Março de 2015, contra B………………., SA, foi instaurado no Serviço de Finanças de Loulé 2 o processo de contra-ordenação n.° 3859- 2015/0600000026893 — cfr. fls. 1 dos autos.

2. No dia 18 de Julho de 2018, o Director de Finanças de Faro proferiu decisão de aplicação de coima à Arguida, no valor de € 21.751,24 — acto recorrido - o qual se dá aqui por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte conteúdo:

“(…)

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:

1. Imposto/Trib.: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)

2. Valor da prestação tributária em falta: 69.057,59

3. Período a que respeita a infracção: 2014/09

4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-09-30

os quais se dão como provados.

(...)“— cfr. fls. 12-12v dos autos.

3. No exercício de 2014, B…………………., SA, apurou imposto a recuperar no valor de €39.498,89 — cfr. fls. 164 dos autos.

III.2. Se a omissão do segundo pagamento por conta de IRC preenche o tipo legal da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 104.°, n.º 1, a) do C.I.R.C., e 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T., considerando o disposto no art. 107.º n.º 1 do C.I.R.C.:

É certo encontrar-se previsto no art. 107.º n.º1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, poder ser dispensado o pagamento da terceira prestação, se o agente verificar que o montante a pagar é igual ou superior ao imposto que será devido.

Contudo, tal não é suficiente para “a contrario” se considerar que se impõe considerar praticada, no caso, a contraordenação p.ª e p.ª, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T..

A proteção do erário público, a que se destina o tipo legal em causa é relativo a uma tributação a que se tem de proceder fundamentalmente segundo o rendimento real – art. 104.º n.º 2 da C.R.P..

Consideramos que, resultando apurado haver no respetivo exercício imposto a recuperar - e não a pagar-, não existe a contrariedade com a ordem jurídica considerada na totalidade.

No caso de não vir a ocorrer o pagamento da segunda prestação por conta, prevista para o mês de setembro, é de excluir a ilicitude e a punição.

Com efeito, tal está de que acordo com o art. 31.º n.º 1 do C. Penal, bem como com o art. 2.º n.ºs 1 e 2 do R.G.I.T..

E é manifestamente incongruente aplicar nas ditas circunstâncias uma coima no valor de € 21 751,24.

Aliás, adere-se, ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de março de 2007 no processo n.° 0877/06, o qual se encontra acessível em www.dgsi.pt, em que assenta a sentença recorrida, já se entendeu-se o seguinte:

- “(…) para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária punível de forma equiparada a “falta de entrega da prestação tributária”, torna-se absolutamente necessária a existência de lucro tributável ao final do período do respectivo pagamento por conta”.

E ainda ao acórdão do S.T.A. de 9-10-2019, proferido no processo 0329/12/18.1BELLE, acessível na mesma base de dados, o qual, pronunciando-se, sobre factos semelhantes aos do presente caso, considerou também:

“Em conclusão: nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr. Art.º 31, do C. Penal; artº. 2.º, n.º 1 do RGIT”).

Consideramos que, resultando que o invocado pela recorrente não procede, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela arguida/recorrida.

IV. DECISÃO

Os Juízes Conselheiros da S.C.T. do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas - artigos 66.° do R.G.I.T. e 94.°, n.° 4, do R.G.C.O..

Lisboa, 16 de janeiro de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Francisco Rothes - Nuno Bastos.