Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0485/17
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Relativamente à previsão do art. 17º, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva, o TJUE considerou (acórdão de 10/7/2014, no processo C-183/13) que nas circunstâncias ali referidas, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Não existe fundamentação a posteriori se a sentença se limita a apreciar e valorar a prova produzida e não produzida no âmbito da ampliação da matéria de facto determinada em anterior acórdão do STA, na observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (nº 2 do art. 4° da LOFTJ).
III - No âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).
Nº Convencional:JSTA00070408
Nº do Documento:SA2201711150485
Data de Entrada:04/24/2017
Recorrente:BANCO A...., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1NST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUG JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIVA08 ART16 N2 H ART23 N1 B N2 N4.
LGT98 ART74 ART76.
CONST76 ART2 ART111 ART112 N5 ART103 ART165 N1 I ART20 ART268 N4.
CCIV66 ART342 N1.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE ART17 N5.
DIR CONS CEE 95/7/CE.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0331/14 DE 2016/01/27.; AC STA PROC01874/13 DE 2015/06/17.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-183/13 DE 2014/07/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


RELATÓRIO
1.1. O Banco A……………, SA, com os demais sinais dos autos, tendo impugnado a autoliquidação de IVA (do período Janeiro/Novembro de 2010) no montante de 1.416.260,79 euros, recorre da sentença que, proferida no Tribunal Tributário de Lisboa em 11/01/2017, julgou improcedente tal impugnação, na parte em que tinha sido revogada pelo acórdão do STA, de 03/06/2015 (proc. nº 970/13-30), mantendo agora, nessa medida, o acto impugnado.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1) Em causa nos presentes autos está a autoliquidação de IVA relativa a Dezembro de 2010 (Período 2010/12), a qual teve por base o Ofício-Circulado n° 30108, que trata do direito à dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista por parte dos sujeitos passivos que desenvolvem simultaneamente actividades sujeitas (locação financeira) e isentas (concessão de crédito) desse imposto.
2) Os fundamentos da autoliquidação impugnada constam assim do Ofício-Circulado n° 30108, considerando a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata apenas pode ser incluída a componente dos juros e não já a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de locação financeira e de ALD celebrados pela Recorrente.
3) Baseando-se no entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” (Processo C-183/13) bem como no acórdão do STA que julgou procedente o recurso interposto pela AT da sentença que, por sua vez, havia julgado procedente à impugnação judicial (sentença proferida a 19.09.2012) — revogando a sentença então recorrida e determinando a baixa dos autos ao tribunal a quo, a fim de ser substituída por outra que decidisse, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos apontados —, veio o tribunal a quo a julgar, agora, improcedente a presente impugnação judicial.
4) Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.
5) Antes do mais, e ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23°, n° 2 do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.
6) Para além disso, no caso dos autos seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n° 2 do artigo 16° do CIVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.
7) Sucede porém que, sempre com o devido respeito, do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso dos autos e em conformidade com o Ofício-Circulado n° 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n° 4 do artigo 23° do CIVA.
8) No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi correctamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.
9) No entanto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Banco Mais” «(...) não é verdade que a disposição constante do n° 2 do art. 23º do Código do IVA (conjugado com o n° 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17º, n° 5, terceiro parágrafo, alínea e), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17°, n° 5, primeiro parágrafo, e 19º, n° 1, dessa Diretiva
10) Defendendo ainda esse autor — na linha, aliás do PARECER já junto aos autos (e cuja cópia se anexa às presentes alegações) da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art. 23º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n° 4 do art. 23º - e que são objetivas na determinação daquela percentagem — o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n° 4».
11) Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Directiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro rata) a verdade é que não foi essa a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.
12) Efectivamente, e como muito bem refere o citado autor «É verdade que a Sexta Diretiva no art. 17º (nº 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo»
13) E nem se diga que o que acima se conclui vai contra o entendimento sufragado no mencionado Acórdão do “Caso Banco Mais”, sendo aqui de aderir in totum ao defendido pelo Digno Ministério Público no parecer de 30.10.2014 junto nos autos do Processo n° 1874/13-30 (cfr. documento n° 2 do requerimento de 24.11.2014), no qual, pugnando pela procedência da impugnação judicial ao determinar que a AT extravasou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 23º do CIVA, concluiu que tal entendimento não afrontava «o entendimento ora propugnado a decisão do ac. do TJUE de 10.07.2014 — P. C — 183/13, antes com ele se compatibilizando».
14) Considera a Recorrente que ao assumir que nos termos do artigo 23° do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro rata o tribunal a quo subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido na sentença recorrida, fazendo consequentemente uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.
15) Pelo que a sentença recorrida enferma desse vício original que — entende a Recorrente — pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Directiva do IVA e no CIVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa — como eventualmente poderia tê-lo feito — a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro rata no caso concreto.
16) Nessa medida e em face ao exposto considera então a Recorrente que a sentença proferida padece, desde logo, de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 23° do CIVA.
17) Acresce que, salvo o devido respeito, a sentença proferida padece ainda de outros dois vícios que, na perspectiva da Recorrente, deverão igualmente conduzir à sua revogação.
18) O primeiro vício tem que ver com a (impossibilidade legal de) fundamentação sucessiva ou a posteriori: com efeito, e salvo melhor opinião, estando em causa uma autoliquidação decorrente do entendimento constante do Ofício-Circulado n° 30108, resulta inadmissível convocar já em fase de recurso a ampliação de matéria de facto com vista a acolher fundamentos factuais e jurídicos que nunca sequer foram especificadamente convocados pela AT no âmbito do presente processo.
19) Sendo certo, insista-se, que os fundamentos constantes do Ofício-Circulado n° 30108 que procuraram sustentar a autoliquidação aqui em apreço, os quais foram, aliás, reiterados em sede de contestação nos presentes autos — são frontalmente distintos daqueles que foram invocam no Acórdão do TJUE referente ao “Caso Banco Mais”.
20) Com efeito, a condição mencionada no Acórdão do TJUE e reproduzida no Acórdão do STA «de que a utilização dos serviços comuns é determinada também pela disponibilização dos veículos» nunca foi antes invocada ou alegada no presente processo e não se encontra contida em qualquer norma legal ou regulamentar (nem tão pouco no Ofício-Circulado n° 30108), pelo que a sua invocação redunda numa fundamentação sucessiva ou posterior, o que, como é consabido, está totalmente vedado à AT e aos tribunais.
21) Pelo que o tribunal a quo ao incluir este facto como não provado na sentença recorrida acaba por colaborar e até substituir a AT na fundamentação da autoliquidação, incorrendo assim numa fundamentação sucessiva ou a posteriori.
22) O tribunal a quo apenas pode exercer o controlo da legalidade do acto impugnado, não podendo, obviamente, como acabou por acontecer lamentavelmente na sentença recorrida aqui em crise, por colaborar e até substituir a própria Administração na respectiva fundamentação do acto tributário ora em crise.
23) Assim, a jurisprudência do TJUE nunca poderia legitimar que a sentença recorrida postergasse todas as regras enformadoras do processo e particularmente as que afrontassem as disposições que regulam a proibição da retroactividade e que regem o ónus da prova, pelo que a decisão judicial é inconstitucional por violação do n° 4 do artigo 20° e do n° 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
24) Por sua vez, o segundo vício que se aponta à sentença recorrida tem que ver com a violação das regras que regem o ónus da prova (designadamente os artigos 74°, 75° e 76° da LGT): com efeito, sem prejuízo do que antecede, considera ainda a Recorrente que a sentença recorrida deveria, em todo o caso, ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos teria necessariamente de recair sobre a AT.
25) Não restam dúvidas de que a ausência de prova na sentença recorrida deveria ter sido resolvida em sentido favorável à Recorrente, pois dos elementos dados por provados o aludido pressuposto da proporcionalidade directa fixado na jurisprudência do TJUE não foi alegado e tão-pouco demonstrado no Ofício-Circulado n° 30108.
26) Nada obsta assim que o Venerando Supremo Tribunal Administrativo verifique se foi feita correcta aplicação das regras do ónus da prova, pois não estão em causa na sentença recorrida (não) juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão deverá ser apreciada por recurso à interpretação das regras legais.
27) Face a tudo quanto o exposto, considera a Recorrente que a sentença recorrida padece dos vícios acima invocados — e, designadamente, da violação do disposto no artigo 23° do CIVA das disposições que regem a repartição do ónus da prova no procedimento e no processo tributário inscritas na LGT, tais como os mencionados artigos 74° a 76° da LGT, e nessa justa medida deverá ser revogada.
28) Para além de que a sentença recorrida, ao considerar que a AT se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, para além de postergar os princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), é ainda inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes (artigos 2° e 111°), do princípio da legalidade (artigo 112º, n° 5), do princípio de reserva de lei (artigos 103° e 165°, n° 1, alínea i)) e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20° e 268°, n° 4), todos da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo o provimento ao recurso.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorrente: Banco A…………….., SA
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra autoliquidação de IVA (período janeiro /novembro 2010) no montante de € 1416260,79.
FUNDAMENTAÇÃO
Questões decidendas:
1ª Determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afectos a operações tributadas e a operações isentas).
2ª Legalidade da fundamentação superveniente de autoliquidação de IVA, em consequência da ampliação da matéria de facto determinada por acórdão STA-SCT.
3ª Ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução de IVA.
1ª Questão decidenda
Na sequência de um pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA no âmbito do processo n° 1017/12, respeitante à interpretação da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 maio 1977 (Sexta Diretiva), alterada pela Diretiva 95/7//CE do Conselho, de 19 abril 1995, por acórdão proferido em 10 julho 2014 (processo C-183/13) o TJUE emitiu a seguinte pronúncia:
O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Na apreciação do TJUE o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel (considerando 34).
Aplicando a doutrina do citado acórdão TJUE o acórdão STA-SCT proferido 3.06.2015, transitado em julgado (fls. 803/821), ordenou a devolução do processo ao tribunal tributário para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.
Obedecendo à determinação para ampliação da matéria de facto, indispensável à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE, o tribunal tributário julgou não provado que os custos suportados pelo sujeito passivo no ano 2010, em relação aos quais não se conseguiu apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (operações financeiras isentas de IVA ou operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD respeitavam à disponibilização dos veículos objecto dos contratos (factos provados nºs 3 e 13; facto não provado A).
Neste contexto a interpretação das normas constantes do art. 23° n° 2 e 3 CIVA, expressa no ofício circulado n° 30103, de 23.04.2008, do gabinete do subdirector-geral da área de gestão do IVA, em conformidade com o qual o sujeito passivo procedeu à autoliquidação controvertida do IVA não enferma de ilegalidade, harmonizando-se com a interpretação do art. 17° n° 53° parágrafo al. c) Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7 maio 1977 efectuada no acórdão do TJUE (cf. designadamente, considerandos 16/19, 33 e 34).
2ª Questão decidenda
A recorrente critica a sentença recorrida por ter convocado, mediante a ampliação da matéria de facto, um fundamento superveniente para sustentar a legalidade da autoliquidação do imposto: a utilização dos serviços de utilização mista (edifícios, consumo de electricidade, certos serviços transversais) não ter sido determinada pela disponibilização de veículos aos clientes, emergente da celebração dos contratos de locação mobiliária (leasing e ALD)
A crítica é improcedente:
- a sentença recorrida limitou-se a apreciar a prova produzida, no âmbito da ampliação da matéria de facto determinada pelo acórdão STA-SCT 3.06.2015, com observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (art. 4° n° 2 LOFTJ, aprovada pela Lei n° 3/99, 3 janeiro);
- sendo dirigida ao acórdão determinativo do STA-SCT, independentemente da sua consistência, é intempestiva, em consequência do trânsito em julgado do aresto.
3ª Questão decidenda:
Constituindo expressão de um princípio geral de direito, a repartição do ónus da prova no domínio do procedimento e do processo tributário assume a seguinte formulação:
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 342° n° 1 CCivil; art. 74° n° 1 LGT).
No caso concreto, a aplicação deste regime determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência do facto favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que deem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) (art. 23° n.°s 1 al. b) e 4 CIVA).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada na ordem jurídica.»

1.5. Corridos os Vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:
2.1. Factos provados
1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).
2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).
3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).
4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).
5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).
6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.
7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.
8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).
9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).
10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).
11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).
12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).
13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.
14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).
15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).
16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).
17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).
18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:
«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»

3.1. A sentença enunciou como questão a decidir a de saber se o acto impugnado padece de ilegalidade, em virtude de não dever ser considerada a forma de cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às actividades isenta e tributada levadas a efeito pela impugnante, conforme a instrução administrativa da AT (ofício n° 30.108, de 30/01/2009) concretamente no que respeita à desconsideração da parte relativa a amortização de capital das rendas atinentes aos contratos de leasing e ALD financeiro, nos termos definidos e circunscritos no anterior acórdão do STA proferido nestes autos em 03/06/2015 e constante de fls. 803 a 821.
E reportando, por um lado, ao disposto nos arts. 19º, 20º, e 23º, do CIVA, na Sexta Directiva, à jurisprudência do TJUE (nomeadamente no acórdão de 10/7/2014, proc. nº C-183/13 (caso Banco Mais vs. Fazenda Pública), à doutrina administrativa da AT (Ofício-Circulado n° 30103, de 23/4/2008, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA), e àquela jurisprudência do STA (acórdão de 29/10/2014, no proc. nº 01075/13) o TJUE), bem como, por outro lado, aos termos do que fora decidido (no âmbito da ordenada ampliação da matéria de facto) no acórdão anteriormente havia sido proferido nestes autos (em 3/5/205 – a fls. 803/821), a mesma sentença julgou improcedente a impugnação (na parte em que a mesma fora revogada por este mencionado acórdão do STA).
Para tanto, considerou-se ali, em síntese do essencial, o seguinte:
— No predito acórdão do TJUE (no proc. C-183/13) fora suscitada pelo STA a questão (prejudicial) de saber se «num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação».
— No enquadramento jurídico da questão o TJUE ponderou que o disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 23° do CIVA (onde se estabelece que, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados), se reconduz (no entendimento do TJUE) a uma norma que reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17°, n° 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva – constituindo por isso a transposição, para o direito interno do Estado português do direito da EU.
— Assim, a norma do art. 23° n° 2 do CIVA, ao permitir que AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, quando ali se estabelece que, «os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»
— Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente alega erro de julgamento por parte da sentença, quer por errada interpretação destes apontados normativos legais, quer por ter admitido e relevado, relativamente à autoliquidação questionada, uma fundamentação sucessiva ou a posteriori desse mesmo acto [estando em causa uma autoliquidação decorrente do entendimento constante do Ofício-Circulado n° 30108, não é admissível convocar já em fase de recurso e com base na jurisprudência do TJUE, a ampliação de matéria de facto com vista a acolher fundamentos factuais e jurídicos que nunca foram especificadamente convocados pela AT no âmbito do presente processo, sendo que a condição mencionada no apontado acórdão do TJUE e reproduzida no acórdão do STA «de que a utilização dos serviços comuns é determinada também pela disponibilização dos veículos» nunca foi antes alegada nos presentes autos e não consta de qualquer norma legal ou regulamentar, nem do dito Ofício-Circulado], quer porque ocorre violação das regras que regem o ónus da prova (arts. 74°, 75° e 76° da LGT), pois que a sentença deveria, em todo o caso, ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT.
As questões aqui a decidir reconduzem-se, portanto, às que se prendem (i) com a determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afectos a operações tributadas e a operações isentas), (ii) com a legalidade da fundamentação superveniente de autoliquidação de IVA, em consequência da ampliação da matéria de facto determinada pelo acórdão do STA, proferido nestes autos em 03/06/2015 e constante de fls. 803 a 821 e (iii) com a aplicação do regime do ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução de IVA.
Vejamos.

4.1. Na al. h) do nº 2 do artigo 16º do CIVA (valor tributável nas operações internas) dispõe-se:
«2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:
(...)
h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
(...).»

4.2. E no artigo 23º (Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista) do mesmo código dispõe-se, além do mais:
«1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do nº 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do nº 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do nº 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.
6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do nº 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do nº 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
7. (...)»

4.3. Já no artigo 17º da Directiva 77/388/CEE (alterada pela Directiva 95/7//CE, do Conselho, de 19/4/1995) sob a epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», dispõe-se:
«1. (...)
5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é́ concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo.
Todavia, os Estados-membros podem:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços, utilizados nas operações aí́ referidas;
e) Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.
6. (...)
7. (...)»

5.1. Sustenta a recorrente que, ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do próprio acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, o art. 23°, n° 2 do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do art. 17°, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.
Além de que, no caso, seria essencial considerar que nos termos do disposto na al. h) do n° 2 do art. 16° do CIVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista e, de todo o modo, também não resulta daquele acórdão do TJUE que a AT, em circunstâncias como as dos autos e em conformidade com o Ofício-Circulado n° 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n° 4 do art. 23° do CIVA.
Não procede, porém, esta argumentação.
Foi na sequência de um pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA (no processo n° 1017/12) no âmbito da interpretação da referida Sexta Directiva (77/388/CEE), que o TJUE veio a pronunciar-se.
A questão formulada ao TJUE foi a seguinte:
«Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?».
E o TJUE, por acórdão proferido em 10/7/2014 (proc. C-183/13), emitiu pronúncia nos termos seguintes:
«O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.
Incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso.
E este é também o sentido da doutrina constante do falado ofício circulado n° 30103, de 23/04/2008, em conformidade com a qual a recorrente operou a autoliquidação impugnada, tendo sido, como bem sublinha o MP, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.
Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos.
Concluímos, pois, que a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos nºs. 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17°, n° 5, 3° parágrafo, al. c), da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7/5/1977, efectuada no apontado acórdão do TJUE.
Neste sentido tem decidido, aliás, o STA, em situações semelhantes, como pode ver-se dos acs. de 20/10/2014, no proc. nº 1075/13, de 4/3/2015, nos procs. nº 1017/12 e nº 81/13, de 17/6/2015, no proc. 1874/13 e de 27/1/2016, no proc. 331/14.

5.2. Quanto à invocada ilegalidade por, em consequência da ampliação da matéria de facto determinada pelo acórdão do STA, proferido nestes autos em 03/06/2015 (a fls. 803 a 821), a sentença ter agora também convocado, com vista a acolher fundamentos jurídicos que nunca foram especificadamente convocados pela AT no âmbito do presente processo, uma superveniente fundamentação de facto [assente na circunstância de a utilização dos serviços de utilização mista não ter sido determinada pela disponibilização de veículos aos clientes, emergente da celebração dos contratos de locação mobiliária (leasing e ALD)] para concluir pela legalidade da autoliquidação de IVA, igualmente a recorrente carece de razão legal.
Como a própria sentença consigna (ao especificar quer os factos julgados provados, quer a factualidade julgada não provada) esse julgamento é feito relativamente aos factos «Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30)». E, consequentemente, em sede de fundamentação, a sentença limita-se a apreciar e valorar a prova produzida e não produzida no âmbito dessa ampliação da matéria de facto determinada pelo STA, na observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (nº 2 do art. 4° da LOFTJ).
Por isso, como igualmente salienta o MP, esta alegação de erro de julgamento, substanciada em crítica dirigida ao antecedente acórdão do STA que determinou a ampliação da matéria de facto, independentemente da sua consistência, não pode proceder, sendo que tal crítica sempre seria intempestiva, em virtude do trânsito em julgado do aresto.

5.3. Quanto ao erro de julgamento por a sentença não ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT:
É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).
Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».
Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.
Não ocorrendo, pois, violação do disposto neste apontado art. 23º do CIVA, nem dos invocados arts. 74° a 76° da LGT, nem ilegalidade decorrente de violação dos invocados princípios (neutralidade fiscal do IVA, igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, segurança jurídica, protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), nem se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes (arts. 2° e 111°), do princípio da legalidade (art. 112º, n° 5), do princípio de reserva de lei [arts. 103° e 165°, n° 1, al. i)] e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20° e 268°, n° 4), todos da CRP.
Improcedem, portanto, as conclusões do recurso.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.