Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01874/13
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I - Por Acórdão de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13 considerou o TJUE que os Estados-Membros em circunstâncias como as do referido processo, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.
III - Considerando que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa, há que revogar, nesta medida, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P19190
Nº do Documento:SA22015061701874
Data de Entrada:12/10/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....................,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………….., com os demais sinais dos autos, veio deduzir impugnação judicial da liquidação de IVA de 2009, no montante total de € 1.364,706,17 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 74.329, 75.

Por sentença de 27 de Setembro de 2013, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados.

Inconformada com o assim decidido, reagiu a representante da Fazenda Pública, interpondo o presente recurso com as seguintes conclusões das alegações:

«1. O Tribunal a quo decidiu pela procedência da presente impugnação por entender que, “ …as correções efetuadas pela AT e que originaram a liquidação adicional impugnada enferma de vício de violação de lei devendo, em consequência ser anulada.”;
II. E dado que o imposto foi pago pela impugnante, condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, por considerar estar verificado erro imputável aos seus serviços;
III. Contudo, contrariamente ao entendimento expresso na decisão do Tribunal a quo, e salvo o devido respeito, a AT fez uma correta interpretação do normativo legal em apreço e concretizou no relatório inspetivo em que medida a consideração do valor da amortização financeira e da alienação ou abate dos bens locados aumentavam artificialmente a percentagem da dedução;
IV. Também não se poderá concordar com a consideração de que quando “não é possível a dedução do IVA suportado nas operações de locação desenvolvida pela Impugnante, pelo método da afetação real, há que aplicar o regime do pro rata previsto no art. 23º, nº4 do CIVA.”
V. De igual modo, e com o devido respeito, que é muito, não se poderá perfilhar do mesmo entendimento do douto Tribunal a quo quando afirma que “a remuneração do serviço prestado, para efeitos de IVA, é toda a renda”;
VI. No caso dos sujeitos passivos mistos, o direito à dedução, relativamente aos custos comuns nem sempre pode ser determinado através do método “pro rata” geral, previsto na alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, uma vez que este método pode provocar distorções significativas na tributação;
VII. Sempre que a AT verifique que a aplicação daquele método conduz a distorções significativas na tributação, pode impor a utilização do método da afetação real com base em critérios objetivos de imputação dos custos comuns;
VIII. Sempre que a AT concluir que a utilização do método da afetação real provoca distorções significativas na tributação, pode impor aos contribuintes condições especiais;
IX. A doutrina que resulta do Ofício-Circulado n.º 30108 de 2009-01-30 da Área de Gestão Tributária do IVA — Gabinete do Subdiretor-Geral em nada contraria o disposto nas normas dos nºs 2 e 3 do art.º 23.º do CIVA;
X. Na situação em apreço a AT utilizou um rácio com variáveis homogeneizadas e coerentes entre si que se traduz num coeficiente de imputação dentro do método da afetação real;
XI. Se bem que nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 16.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes dum contrato de locação financeira seja o valor total da renda recebida ou a receber do locatário, é esta a única forma que o Estado tem para recuperar o imposto que foi devolvido ao locador, através do mecanismo da dedução;
XII. Nos contratos de locação financeira a renda paga pelo locatário é composta por capital ou amortização financeira e juros e/ou outros proveitos, sendo que apenas estes constituem a efetiva remuneração do locador;
XIII. No âmbito da atividade de locação financeira, é o valor dos juros cobrados que traduz verdadeiramente uma prestação de serviços, correspondendo a componente da amortização financeira à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem dado em locação;
XIV. O reembolso do capital, por não constituir a contrapartida de uma transmissão de bens ou de uma prestação de serviços, não constitui um proveito;
XV. O reembolso do capital, por não ter a natureza de proveito, não pode integrar o volume de negócios e, consequentemente, não pode influenciar a percentagem de dedução do IVA suportado nos bens de utilização mista;
XVI. No cálculo da percentagem de dedução, apenas poderá ser considerado o valor correspondente aos juros e outros proveitos relativos à atividade de locação financeira, não podendo nele ser incluído o valor relativo à amortização financeira, uma vez que a percentagem de dedução visa apurar a parte dos custos comuns às várias atividades exercidas pelos sujeitos passivos;
XVII. Se assim é, relativamente à amortização financeira incluída nas rendas referentes aos contratos de locação financeira, também o é relativamente aos valores de alienação e abate por destruição dos bens locados;
XVIII. Exigem as normas comunitárias, nomeadamente o n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva e o art.º 173.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, um critério de proporcionalidade, só podendo ser dedutível a parte do imposto proporcional ao montante respeitante às operações em que exista tal direito;
XIX. A interpretação do artº 23.º do CIVA, efetuada pela AT, na situação em apreço, mostra-se conforme o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006;
XX. Deste modo, resta-nos concluir que as liquidações adicionais impugnadas (imposto e juros compensatórios) são legais, pois contrariamente ao afirmado pela impugnante, não violam o disposto nos artigos 19º, 20.º e 23.º do CIVA, nem o disposto nos artigos 167º, 168.º e 175.º da Diretiva do IVA, assim como não violam também os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica;
XXI. Quanto aos juros indemnizatórios, e salvo melhor entendimento, não deverá haver lugar ao seu pagamento, dado que nenhum erro haverá a imputar aos serviços da AT;
XXII. Salvo o devido respeito, entendemos que decidiu mal a Meritíssima Juíza ao determinar a anulação da liquidação adicional de IVA aqui em causa e ao condenar a Fazenda Pública ao pagamento de juros compensatórios, violando assim o disposto nos n.º 5 2 e 3 do art.º 23.º do CIVA, bem como os artigos 35.º da LGT e 96.º do CIVA.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex. se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

Foram apresentadas contra alegações, a fls. 528/550 dos autos pela recorrida, com o seguinte quadro conclusivo:
«1) No presente recurso a Ilustre Representante da Fazenda Pública (Recorrente) pretende a revogação da sentença recorrida que veio dar provimento à impugnação judicial que foi deduzida contra as liquidações em causa, e que resultaram nas correcções efectuadas pela AT que desconsideraram do cálculo do pro rata efectuado pelo A………… a parcela relativa à amortização financeira e ao valor da alienação/indemnização dos bens abatidos. 2) Nesses termos, chamando à colação o direito aplicável, veio o Tribunal a quo a considerar que as “correções efetuadas pela AT e que originaram a liquidação adicional impugnada [desconsideração das aludidas parcelas do cálculo do pró rata] enferma de vício de violação de lei, devendo, em consequência ser anulada”.
3) Ora, tendo precisamente presente quer a douta sentença quer as alegações de recurso apresentada pela Recorrente, constata-se então que o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos dados por provados, razão pela qual a mesma não padece de nenhum dos vícios que lhe são imputados pela Recorrente, devendo, assim, ser mantida na ordem jurídica.
SENÃO VEJAMOS,
4) Ao contrário do alegado pela Recorrente, no cálculo do pro rata não só devem ser incluídos os juros e outros proveitos, como também os montantes correspondentes à aludida amortização financeira e ao valor da alienação/indemnização dos bens abatidos, independentemente de estes montantes constituírem ou não um “proveito” na esfera do locador.
5) No que tange à amortização financeira dos contratos de locação financeira (Leasing e ALD Financeiro) importa aqui ter, desde logo, presente o disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 16.º do CIVA: nos termos desta disposição, toda a renda constitui prestação de serviços sujeita a IVA.
6) Não há, por isso, para efeitos de sujeição a IVA — e consequentemente para efeitos de dedução —, lugar a qualquer fraccionamento da renda, porquanto a distinção entre capital e juro nas operações de leasing e de ALD, que a AT vem defender nas suas alegações, apenas tem o seu domínio de aplicação nas normas contabilísticas e na determinação do lucro tributável em IRC.
7) De facto, como referem XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS “ A distinção entre capital e juro nas operações de leasing e de ALD, que a administração fiscal pretende fazer valer em sede de IVA, tem o seu domínio de aplicação nas normas contabilísticas e na determinação do lucro tributável em IRC, justificando-se ai em decorrência dos princípios do primado da substância sobre a forma e da especialização dos exercícios” (vide pág. 47 do parecer).
8) A contraprestação pela prestação de serviços realizada ao abrigo de um contrato de locação financeira (independentemente da natureza que a mesma assuma) é, incontestavelmente, a renda, a qual está integralmente sujeita a IVA.
9) Ora, se, para efeitos de sujeição a IVA, a renda é toda ela vista como contrapartida pela prestação de serviços efectuada no âmbito dos contratos de locação financeira impondo ao A………….. a obrigação de liquidar o respectivo IVA e de posteriormente de proceder sua entrega ao Estado, sobre a totalidade das rendas emitidas ao abrigo dos contratos de locação financeira —, não se descortina como pode a AT pretender desconsiderá-la para efeitos de cálculo do pro rata.
10) A utilização de um outro método no cálculo de percentagem de dedução consistente na aplicação de cálculo de volume de negócios específico para as instituições financeiras no âmbito de procedimento de controlo de operações de concentração de empresas a nível comunitário não poderá ser aplicável à determinação do cálculo do pro rata.
11) E muito menos se aceita que a justificação para esse entendimento — além de se basear, como já vimos, num conceito de volume de negócios distinto do aqui aplicável — se reduza ao facto de, alegadamente, uma parte da renda (i. e., a amortização financeira não poder ser considerada um proveito.
12) Não existe qualquer fundamento legal para que o montante total das aludidas rendas não seja considerado no cálculo do pro rata e, portanto, não esteja integralmente compreendida no volume de negócios, ou seja, no montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução (numerador) e no montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo que dêem ou não lugar à dedução (denominador).
13) De igual modo não merece qualquer censura a sentença na parte respeitante ao valor da alienação/indemnização dos bens abatidos, dado que, considerando este valor quer como uma espécie de resolução por pagamento antecipado quer como uma indemnização, a verdade é que tendo a mesma por base uma operação tributável — o contrato de locação financeira — esta constituirá, sempre e em qualquer caso, unia operação sujeita a IVA, motivo pelo qual o A…………… liquidou o respectivo IVA
14) Pelo que, também aqui, não havendo forma de contestar a sujeição da operação a IVA, não haverá fundamento — valendo aqui, mutatis mutantis, as razões relativas à amortização financeira — para que o montante destas indemnizações não incluam o volume de negócios pata efeitos de determinação do pró rata, uma vez que tal “(...) originaria contradição entre o algoritmo de calculo da percentagem de dedução e o principio base que orienta esse calculo que é o da dedução parcial em porpoção do montante das operações que conferem direito à dedução.” (vide pág. 24 do parecer).
15) Aliás, esta posição é igualmente sustentada de forma inequívoca nas observações escritas apresentadas pela Comissão Europeia no âmbito de um processo que trata de uma questão similar à do caso em apreço e que se encontra a correr os seus termos no TJUE (processo C-183/13), na sequência da formulação da questão prejudicial por parte deste Venerando Tribunal (processo n.º 01017/12).
16) Além do mais, cabe ainda referir que carece igualmente de manifesta falta de fundamento o argumento de que quer o CIVA quer a Directiva conferem à AT a possibilidade de esta moldar ou, modelar o método de cálculo do pro rata.
17) Com efeito, ainda que subtilmente o Ilustre Representante da Fazenda Pública venha agora procurar corrigir e aditar a argumentação sustentada em primeira instancia, afirmando que não se trata de alterar a composição do cálculo pro rata (ou seja, tua/dar ou modelai) mas sim de impedir a sua aplicação, impondo, com alegado fundamento em distorção significativa, a utilização do “método da afectação real com base em critérios objectivos dos custos cumuns…”, utilizando para tal efeito “ rácio em variáveis homogeneizadas e coerentes entre si que se traduz num coeficiente de imputação destro da afectação real.”
18) Ora, o que sucede é que esta argumentação introduzida pela AT nas suas alegações, para além de não se compaginar minimamente com a fundamentação invocada para sustentar as liquidações adicionais em apreço (vertida no relatório de inspecção), sempre se traduziria numa fundamentação sucessiva ou subsequente, o que em matéria fiscal não é admissível.
19) Efectivamente, conforme se pode verificar pelo relatório que serve de base à liquidação aqui em causa, a mesma baseia-se na mera determinação correcta do pró rata — no caso concreto, na desconsideração de determinadas componentes de cálculo da percentagem de dedução (pró rata) da aqui Recorrida, a amortização do capital e do valor das alienações/indemnização de bens abatidos — e não a imposição do método da afectação real, como agora o Ilustre Representante da Fazenda Pública pretende justificar a liquidação (aliás, basta atendermos ao invocado Oficio Circulado n.º 30108, de 2009-01-30 para constatarmos que o que está em causa é a determinação do cálculo do pro rata e não a sua substituição pelo método da afectação real).
20) Assim sendo — e uma vez que, repita-se, a fundamentação sucessiva ou subsequente não é permitida (e mesmo que fosse careceria, de igual modo, e pelos mesmo motivos já expostos de qualquer fundamento), ao Tribunal a quo impunha-se, apenas e tão só, analisar a questão / fundamentação subjacente à liquidação, ou seja, à possibilidade de a AT introduzir modificações ao método legal de cálculo do pro, rata, com que assente numa alegada e putativa distorção significativa da tributação.
21) Ora, salvo melhor opinião, também neste capítulo bem julgou o Tribunal, pois considerou que embora a “...Directiva permita que os Estados possam adoptar medidas em matéria de dedução, tal como resulta do seu art.º 173.º, nº2, no entanto não se conferem poderes para modificar a composição do numerador ou do denominador do prorata. O art. 23.º 2 e 3, do CIVA atribui, à A.T poderes para impor condições especiais em matéria de dedução, mas tão somente quando o que está em causa é o método da afectação real, e não quando o que está em cansa é a aplicação do prorata”.
22) Termos em que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não é atribuída à AT, quer na Directiva do IVA quer no diploma que procedeu à sua transposição para o ordenamento jurídico nacional (CIVA), quaisquer prerrogativas específicas destinadas à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, ao sujeito passivo.
23) Em face de tudo quanto o exposto, importa concluir que qualquer interpretação no sentido de que a AT se encontra autorizada a conformar o método de cálculo do pro rata violaria os princípios subjacentes à mecânica do IVA e, consequentemente, a Directiva do IVA, porquanto «(...) de modo algum se poderá retirar do disposto no nº 4 do a4º 23.º do CIVA que no afiado da pro rata deverá ser expurgado do montante da renda a parte respeitante à amortização do capital. A letra da lei simplesmente não comporta tal interpretação.”»

Nos termos promovidos pelo Ministério Público no seu parecer, o Exmº Relator a fls. 559, determinou a suspensão da instância até à pronúncia do TJUE no processo nº 01017/12 deste Supremo Tribunal, sendo essencial para a decisão da presente causa.

Notificadas as partes do teor do acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014, veio apenas, a entidade recorrida argumentar em síntese o seguinte:
«Termos em que pelos motivos atrás expressos e não obstante entendimento sufragado pelo TJUE em sede de reenvio no processo C-183/13, se deverá concluir pela confirmação da douta sentença recorrida, na medida em que:
A) O artigo 23.º nº2 do CIVA não corresponde a uma mera transposição do artigo 17.º, nº5, terceiro parágrafo, alínea c) da sexta directiva, uma vez que a citada disposição nacional apenas confere a possibilidade à AT de, por motivos de distorções significativas na tributação, impor a utilização do método do pro rata em detrimento do método da afectação real.
Sem prescindir, e ainda que assim se não entenda,
B) Dos fundamentos subjacentes à liquidação verifica-se que a AT não pôs em causa que os bens e serviços incluídos nos membros da fracção do pro rata se destinavam ou não ao financiamento e gestão de contratos de locação financeira mobiliária, não estando assim reunido o requisito invocado pelo TJUE que nos termos do artigo 17.º, nº5, terceiro parágrafo, alínea c), da sexta directiva, legitime os estados membros a excluir da fracção do pro rata a parte das rendas respeitante à amortização.»

O EMMP, junto deste STA, a fls. 640 e seguintes, pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
«Questiona-se no presente recurso o acerto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 27.09.2013 que, julgando procedente a impugnação deduzida pelo A…………., S.A. contra a liquidação do IVA relativa a 2009 e respectivos juros compensatórios, anulou os actos impugnados e condenou a ora recorrente a restituir o “imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios”.
Questão a resolver é a de saber se num contrato de locação financeira mobiliária, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do prorata, ou, ao invés, como sustenta a recorrente, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação.
Colocada essa questão ao TJUE, foi em 10.07.2014 proferido Acórdão declarando seguinte:
«O artigo 17. nº 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/3881CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a inclui no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar».
Assente que o art.º. 17º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho não se opõe a que um Estado-Membro, nas circunstâncias dos autos, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, também se me afigura que os n.ºs 2 e 3 do art. 23.º do CIVA embora reproduzindo, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no art. 17º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, possuem em âmbito mais limitado do que o preceito da Directiva.
Com efeito, se do n.º 2 do art. 23.º do CIVA decorre que AT poderá impor condições especiais aos contribuintes ou fazer cessar a utilização de método da afectação real, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, o que decorre do n.º 3, al. b) do mesmo preceito é que a A.T. pode obrigar o sujeito passivo a utilizar o método da afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, nos termos previstos no seu n.º 2, quando a aplicação do método do pro rata “conduza a distorções significativas na tributação”.
Como se salienta na sentença recorrida, não conferem essas normas “poderes para modificar a composição do numerador ou do denominador do prorata”. O que a AT pode fazer, quando a aplicação do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação é, como atrás se referiu, obrigar o contribuinte a utilizar o método da afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, nos termos do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.
Ora, o que resulta do probatório é que as correcções em causa, efectuadas no âmbito da acção inspectiva, se traduziram na mera subtracção do valor do capital contido nas rendas, corrigindo-se a percentagem de dedução de 69% para 25% e não na imposição á ora recorrida do método da afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (pontos T) e U) dos factos provados).
A recorrente sustenta nas Conclusões da sua Alegação de Recurso que “na situação em apreço a AT utilizou um rácio com varáveis homogeneizadas e coerentes entre si que se traduz num coeficiente de imputação dentro do método da afectação real” (conclusão X). Porém, salvo o devido respeito e melhor entendimento, essa afirmação não encontra expressão no “mundo real” dos factos provados os quais, como se refere na sentença recorrida, se fundam na prova documental junta aos autos, mormente no relatório de inspecção e nos respectivos anexos.
Assim, não poderá deixar de se concluir que a ora recorrente, ainda que invocando a existência de distorções significativas na tributação, não actuou no caso em apreço em conformidade com os poderes que lhe são conferidos pelos n.º 5 2 e 3 do art. 23º do CIVA corrigindo, sem o necessário suporte legal, no âmbito de utilização do método pro rata, as componentes do cálculo da percentagem de dedução. E não actuou ainda em conformidade com a norma ao efectuar essa correcção visto que no caso da locação financeira o valor tributável é o valor da contrapartida, ou seja, da renda recebida ou a receber do locatário (art. 16º, n.º 2 do CIVA), não havendo que discriminar para efeitos de cálculo do pro rata entre a parte referente à amortização financeira e a parte relativa aos juros já que a norma do art. 23.º, n.º 4 do CIVA o não consente e o mesmo se dirá relativamente aos valores de alienação e abate por destruição dos bens locados.
Nesta conformidade, não afrontado o entendimento ora propugnado a decisão do Ac. do TJUE de 10.07.2014 — P. C-183/13, antes com ele se compatibilizando, sou de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, incluindo a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.
De todo o modo, tendo em conta a pronúncia vertida na parte final do Ac. do TJUE de 10.07.2014 — P. C-183/13 sempre haveria que aferir da verificação, no caso, do requisito de saber se a utilização dos bens e serviços a que aí se alude foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, sendo certo que o probatório da sentença não fornece quaisquer elementos a esse respeito. Não repugnará, neste contexto, a não ser acolhido o entendimento que atrás se deixou expresso, que se ordene a baixa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto.»

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A) A impugnante realiza operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira, encontrando-se colectada no CAE n.º 64190 (cfr. fls. 135 e ss dos autos).
B) A Impugnante, para efeitos de IVA, está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] - e operações de concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis, automóveis e ao consumo (vulgo contratos de crédito) - (cfr. relatório de inspecção de fls. 135 e ss dos autos).
C) Em termos de volume de facturação, o Leasing e o ALD ascenderam, em 2009, ao montante de 183.781.234,73€ (cfr. relatório de inspecção de fls. 135 e ss dos autos).
D) Em relação à concessão de crédito o volume de facturação ascendeu, em 2009, ao montante de 85.450.515,02€ (cfr. relatório de inspecção de fls. 135 e ss dos autos).
E) Por força dos contratos de Leasing, a Impugnante, à solicitação e indicação do Locatário, adquiria determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato ao Locatário, para uso e fruição, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do contrato (cfr. cópias de dois contratos de Leasing a fls. 135 e ss dos autos, que se dão, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido).
F) Como contrapartida pela prestação de serviços mencionada na alínea anterior, o Locatário ficava obrigado a pagar à Impugnante uma retribuição, a qual assumia a forma de renda — cfr. cláusula n.º 2, alínea d), das condições particulares dos contratos de Leasing a fls. 135 e ss dos autos).
G) For força do contrato de ALD Financeiro, a Impugnante adquiria determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o depois, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do contrato, ao Locatário, para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem” [cfr. alínea c) do ponto 4.º da Directriz Contabilística 25) (cfr. cópia de dois contratos de ALD Financeiro a fls. 171 ss. e que se dão, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzidos).H) Como contrapartida pela prestação de serviços mencionada na alínea anterior, o Locatário ficava obrigado a pagar à Impugnante uma retribuição a qual assumia a forma de renda (cfr. documentos de fls. 171 ss. dos autos).
I) Nos Contratos de Leasing, e nos contratos de ALD Financeiro, o Locatário tinha a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao Locador, mediante o pagamento de um montante adicional (cfr. documentos de fls. 135 e ss e 171 ss. dos autos).
J) Nas situações em que não houve transmissão da propriedade - quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário quer porque este, no final do contrato, não accionou a opção de compra constante dos mesmos -, os veículos foram vendidos pela Impugnante a diversas entidades (leiloeiras), tendo sido liquidado o IVA nas respectivas vendas (cfr. fls. 180 dos autos, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzidas).
K) Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o Locatário ficava constituído na obrigação de, nos termos do contrato de Leasing e ALD Financeiro, pagar o capital em dívida (cfr. documentos de fls. 135 e ss e 171 ss. dos autos).
L) Nos casos mencionados na alínea anterior, a Impugnante emite uma factura pelo montante em dívida acrescido do respectivo IVA (cfr. 181 dos autos que se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzidas).
M) Nas operações de Leasing e ALD, a Impugnante liquidava IVA sobre o valor total da renda (cfr. fls. 182 e 183 dos autos e relatório de inspecção a fls. 191 e ss dos autos).
N) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, e outras não sujeitas a IVA a Impugnante não liquidava IVA, sujeitando as referidas operações a Imposto do Selo, na parte relativa aos juros (cfr. fls. 183 e ss dos autos e relatório de inspecção a fls. 191 e ss dos autos).
O) Nos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, a Impugnante deduzia o IVA com base no método do prorata (cfr. relatório de inspecção e respectivos anexos a fls. 191 e ss dos autos).
P) Na fórmula do cálculo do prorata, a Impugnante considerava no numerador da fracção, o montante correspondente á base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, e no denominador adicionava ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução (cfr. relatório de inspecção e respectivos anexos a fis. 191 e ss dos autos).
Q) No exercício de 2009, na determinação do montante relativo às operações com direito a dedução, no valor total de 183.781.234,73€, a Impugnante incluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (no montante de 132.135.197,18€) e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados (no montante de 23.354.310,84€) - (cfr. relatório de inspecção e respectivos anexos a fls. 191 e ss dos autos).
R) No exercício de 2009, o IVA suportado nos gastos comuns ascendeu a 3.101.604,94€ (cfr. relatório de inspecção fls. 191 e 55 dos autos).
S) A Impugnante, no exercício de 2009, apurou um pro rata definitivo de 69% (cfr. relatório de inspecção fls. 191 e ss dos autos).
T) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IVA, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 2009, no montante de 1.364.706,17€ (cfr. relatório de inspecção de fls. 134 dos autos).
U) A correcção mencionada na alínea anterior foi efectuada na sequência de uma acção de inspecção à Impugnante, e cujos fundamentos se encontram vertidos no relatório de inspecção, ponto III.2.1., e em súmula considerou-se que a Impugnante, no cálculo da percentagem de dedução do IVA, incluiu o valor da amortização financeira e alienação/abate de bens locados o que aumentaria artificialmente a percentagem de dedução, e por conseguinte, subtraiu-se o valor do capital contido nas rendas, corrigindo-se a percentagem de dedução de 69% para 25% (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 191 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos efeitos legais).
V) Na sequência das correcções efectuadas, foram emitidas a seguintes liquidações, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 30/09/2011 (cfr. documento de fls. 128 e 129 dos autos):
W) Em 29/09/2011, a Impugnante procedeu ao pagamento das quantias mencionadas na alínea anterior (cfr. documentos de fls. 128 e 129 dos autos).
X) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa, via fax, em 29/12/2011 (cfr. fls. 2 dos autos).

3 – DO DIREITO
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar que nas operações de locação financeira e ALD financeiro, nomeadamente quando estão em causa simultaneamente operações que conferem e operações que não conferem direito a deduzir (operações mistas), o IVA incide sobre o valor da contrapartida recebida ou a receber do locatário, ou seja sobre a renda, e assim, no cálculo da percentagem de dedução ou pró rata aplicável, é o valor total das operações que deve constar do numerador e ao denominador da fracção que constitui aquela percentagem, e não apenas o valor da parcela juro de que é composta a renda recebida ou a receber do locatário.
Estava em causa o procedimento preconizado pela Administração Tributária e Aduaneira ao considerar que para o apuramento da percentagem de dedução segundo o método do pro rata não concorre a parcela de capital constante das rendas pagas pelos clientes da impugnante no que respeita ao desenvolvimento da sua actividade de locação financeira, mas apenas a parte das rendas que corresponde aos juros, procedimento esse que a sentença recorrida considerou não ter cabimento legal, quer no Código do IVA quer na legislação comunitária, designadamente a Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho que reformulou a Directiva nº 77/338/CEE de 17 de Maio, vulgo sexta Directiva).

Considerou a decisão sindicada que não é possível a dedução do IVA suportado nas operações de locação desenvolvida pela Impugnante, pelo método da afectação real, sendo de aplicar o regime do pro rata previsto no art. 23.º, n.º 4 do CIVA.
Mais ponderou que, aplicando-se o regime do pro rata previsto no art. 23.º, n.º 4 do CIVA, então não tem um mínimo de correspondência na letra da lei o entendimento de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de locação financeira deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução.
Entendeu, ainda, a primeira instância que o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA determina o modo de cálculo da percentagem de dedução que resulta de uma “fracção que comporta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução”, e o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo” e que no caso em apreço a operação que dá lugar a dedução é a de locação financeira, cujo valor tributável corresponde à renda recebida ou a receber do locatário, conforme dispõe o artigo 16.º, n.º 2, alínea h) do CIVA, pelo que abrange a parcela relativa à amortização financeira ou capital, e também os juros e outros encargos.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu que de modo algum se poderá retirar do disposto do n.º 4 do art.º 23.ºdo CIVA que no cálculo da pro rata deverá ser expurgado do montante da renda a parte respeitante à amortização do capital, julgando por isso procedente o pedido de anulação da autoliquidação de IVA deduzido pela impugnante A………….., SA, ora recorrida (cf. sentença recorrida a fls. 492 e segs.).

Não conformada a Fazenda Pública vem interpor o presente recurso.
A base jurídica da sua argumentação assenta nas seguintes proposições:
- Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor tributável consiste no valor da renda recebida ou a receber do locatário;
- Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será totalmente dedutível.
- Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações;
- No entanto, no cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afectação real aqueles custos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível.
- A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
-Assim o cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD, desde que a utilização do método de afectação real não se mostre exequível.
Em suma, na tese da Fazenda Pública, o método utilizado pela impugnante, que consistia em incluir no numerador e no denominador da fração que lhe serviu para estabelecer o pro rata de dedução a totalidade das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, levava a distorção significativa na tributação, uma vez que, nomeadamente, a parte das rendas que compensava a aquisição dos veículos não reflectia a parte real das despesas relativas aos bens e serviços de utilização mista susceptível de ser imputada às operações tributadas.
DECIDINDO:
A questão, nestes termos suscitada, é em tudo idêntica à que foi objecto do Acórdão do TJUE de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13 (Publicado no site http://eur-lex.europa.eu/), na sequência de pedido de reenvio suscitado no âmbito do recurso 1017/12 deste Supremo Tribunal Administrativo. E já mereceu resposta deste STA no recente acórdão de 03/06/2015 tirado no recurso nº 970/13-30 que seguiremos de perto por merecer a nossa concordância plena.
Assim, ao invés do que sustenta a recorrida entendemos que a doutrina que emerge daquele Acórdão do TJUE é inteiramente aplicável ao caso em apreço,
Também ali estava em causa o litígio entre a Administração Tributária e uma instituição bancária que exercia actividades de locação financeira no sector automóvel e outras actividades financeiras.
Concretamente estava em causa saber, tal como no caso subjudice, quais as situações em que a Administração tributária pode restringir a aplicação do método do pró rata no caso de tal método provocar distorções significativas na tributação.
Também ali a instituição bancária havia calculado o seu pro rata de dedução com base numa fracção que comporta, no numerador, as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira.
Também ali a Fazenda Pública considerou, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução.
E também naquele caso a Fazenda Pública alegara que o litígio não tem por objecto a interpretação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que precisa a regra de dedução prevista no n.º 1 desse artigo, mas a possibilidade de a administração exigir que um sujeito passivo determine o alcance do seu direito à dedução segundo a afectação dos bens e dos serviços em causa, a fim de sanar uma distorção significativa na tributação.
Em face de tal litígio o acórdão do TJUE apreciou a questão prejudicial que lhe foi suscitada por este Supremo Tribunal Administrativo e que era a de saber se «num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação».
No enquadramento jurídico da questão ponderou o Tribunal de Justiça que o Código do IVA estabelecia - artº 23º. ns. 2 e 3, que, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, e, não obstante o disposto no número 1, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados.

De acordo com o TJUE esta norma reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA- artº 17º, nº5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva - constituindo por isso a transposição, para o direito interno do Estado português do direito da EU.

A recorrida imputa esta asserção de "conclusiva e precipitada" e afirma que através de uma mera leitura comparativa dos citados preceitos facilmente se constata que o artº 23º, nº 2 do CIVA não constitui mera transposição para o direito interno do artº 17º, nº 5º, al, c) da Sexta Directiva, pelo que tal jurisprudência não tem relevância para o presente caso.

Entendemos porém que carece de razão e não faz a melhor interpretação do Acórdão do Tribunal de Justiça.

Vejamos as disposições em causa:

Artº 23º, nº 2 do CIVA dispõe que: «Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação(Sublinhado nosso.»)

Por sua vez dispõe o artº 17º, nº 5 da Directiva 77/388/CEE o seguinte:

5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3 , como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações .

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19 º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo.

E no parágrafo terceiro em causa diz-se também:

«Todavia, os Estados-membros podem:

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;»

Sobre a interpretação desta norma o Acórdão do Tribunal de Justiça não deixou de sublinhar na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n.º 34).

E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa.

Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão).

Sublinha-se ainda que, por um lado, como decorre claramente da redacção dos artigos 17.º, n.º 5, e 19.º, n.º 1, da Sexta Directiva, esta última disposição remete unicamente para o pro rata de dedução previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta directiva e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo.

E que, por outro lado, embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão …………… , EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA- artº 17º, nº5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços».

O Acórdão do TJUE sublinha ainda que, de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, as modalidades do cálculo da dedução de IVA, devem reflectir, objectivamente, a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista.
E que, para este efeito, a Sexta Directiva não se opõe a que os Estados-membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão …………., EU:C:2012:689, n.º 24). - ponto 32 do Acórdão
A este propósito, o TJUE considera - ponto 33 do Acórdão - que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos, entendendo, contudo, que tal juízo incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio com referência ao caso no processo principal.

E conclui que, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel - ponto 34.

Assim, conclui o Tribunal de Justiça, respondendo à questão prejudicial suscitada, que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.(Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, cf. os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.03.2015, recursos 1017/12 e 81/13 e de 29.10.2014, recurso 1075/13, todos in www.dgsi.pt.).

Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, forçoso é concluir que, por um lado se torna desnecessário o reenvio solicitado pela Fazenda Pública, na medida em que se trata de questão já resolvida pelo Tribunal de Justiça, e que, por outro lado, se impõe revogar a sentença recorrida pois importa apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.
Neste contexto, porque que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.

Em face de tudo o exposto, considerando a citada jurisprudência do TJUE e e considerando que, como supra se deixou dito,

a) a questão essencial no presente recurso é de saber se num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação;

b) que não foi considerada pela sentença recorrida a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos;
c) e que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa, há que revogar, nesta medida, a sentença de fls. 469 a 497, e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

4- DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela recorrida que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Lisboa, 17 de Junho de 2015.- Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo - Dulce Neto.