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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0426/09
Data do Acordão:10/07/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ASSEMBLEIA MUNICIPAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
AUTORIZAÇÃO DE AQUISIÇÃO
Sumário:Apresentada à Assembleia Municipal uma proposta da Câmara no sentido de a autorizar a adquirir um imóvel, em cuja aquisição pretende invocar direito de preferência, não tem a Assembleia Municipal de verificar a actualidade do exercício desse direito.
Nº Convencional:JSTA00065995
Nº do Documento:SA1200910070426
Data de Entrada:04/17/2009
Recorrente:AM DE LISBOA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:PROVIDO.
Indicações Eventuais:DIR ADM GER - ADM PUBL / LOCAL.
Legislação Nacional:LAL99 NA REDACÇÃO DA L 5-A/2002 DE 2002/01/11 ART2 ART93 N2 I ART64 N6 A.
DRGU 32/91 DE 1991/06/06 ART2.
D 862/76 DE 1976/12/22 ART8 N1 N4.
CPA91 ART72.
CCIV66 ART279.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A..., com os sinais dos autos, interpôs recurso contencioso da deliberação nº 30/AM/2003, de 1 de Julho de 2003, da Assembleia Municipal de Lisboa, que aprovou proposta de autorização da Câmara Municipal de Lisboa a adquirir à B..., SA., o imóvel designado por “C...”.
1.2. Alegou, em síntese, “vício de violação de lei por preterição da formalidade de audiência prévia de interessados, violação de lei por impossibilidade de objecto ou caso assim não se entenda, vício de forma por violação do art.º 83 da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro e do art.º 39, n.º 3 do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa” (extracto da sentença].
Pediu a declaração de nulidade daquela deliberação ou, se assim não se entendesse, a sua anulação.
1.3. Por sentença de 9 de Junho de 2008, do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, o recurso foi provido e declarada a nulidade da deliberação impugnada.
1.4. Inconformada, a Assembleia Municipal de Lisboa deduziu o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações concluiu:
“1. Como elemento de interpretação desta controvertida questão da contagem dos prazos fixados no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 862/76, de 22.12, há necessariamente que recorrer ao artigo 2.º do CPA, que regula o campo de aplicação deste Código, e cujo n.º 1 dispõe que as disposições ali contidas aplicam-se, entre o mais, a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares.
2. Acresce que o n.º 6 do artigo 2.º do CPA determina que as disposições daquele Código, relativas à organização e à actividade administrativas, são aplicáveis a todas as actuações da Administração Pública no domínio da gestão pública.
3. Ainda no domínio da actividade de gestão pública, e de acordo com o n.º 7 do preceito legal que vimos referindo, as restantes disposições do CPA aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares. Para esse efeito, procedimentos especiais serão todos aqueles cuja tramitação se encontre estabelecida na lei, de forma mais ou menos minuciosa, para a prática de certa categoria de actos, regulamentos ou contratos administrativos.
4. Assim, dos nºs 6 e 7 do artigo 2.º do CPA, resulta que as normas relativas à organização e actividade administrativas se aplicam a todos os casos que se subsumam na actividade de gestão pública, mesmo aqueles que envolvam o relacionamento da Administração com os particulares. Já no que concerne às normas especificamente procedimentais, estas apenas se aplicam supletivamente, na falta de previsão especial, e desde que não impliquem diminuição das garantias dos particulares.
5. Neste contexto, e no que concerne às regras estabelecidas sobre a contagem de prazos, importa considerar o estatuído no artigo 72.º do CPA, em concreto a al. b) do seu n.º 1, que estabelece que a contagem dos prazos se suspende nos sábados, domingos e feriados.
6. Por conseguinte, nada estatuindo o Decreto n.º 862/76, de 22.12 sobre o modo como se processa a contagem dos prazos ali fixados para a celebração do contrato preferido, perante tal omissão terá de se aplicar o critério geral fixado na al. b) do n.º 1 do artigo 72.° do CPA.
7. A este propósito, esclareça-se que uma das razões que levou à redacção actual do n.° 7 do artigo 2.º do CPA, prende-se precisamente com a necessidade de dissipar as dúvidas que anteriormente se colocavam em matéria de contagem de prazos no âmbito dos procedimentos especiais, estabelecendo-se, assim, um critério uniforme por forma a assegurar a igualdade e transparência na relação da Administração com os particulares. Tal é o que decorre expressamente da al. a) do artigo 2.° da Lei n.° 34/95 de 18.08 e, bem assim, do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 6/96, de 31.01.
8. Tudo computado, impõe-se a conclusão de que a escritura pública de compra e venda celebrada em 19.08.2003, realizou-se dentro do prazo legalmente fixado, uma vez que o mesmo só terminava em 25.08.2003, não se verificando por isso a caducidade do direito de preferência.
9. Em consequência, a Deliberação n.° 30/AM/2003, de 01.07, teve lugar dentro do prazo para o exercício do direito de preferência, facto que obsta a que se considere que a mesma, quando foi tomada, tinha objecto juridicamente impossível.
10. Perante o exposto, demonstrada que ficou a incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, que motivou a declaração de nulidade proferida pelo douto Tribunal a quo, da Deliberação n.º 30/AM/2003, de 01.07, deve a douta sentença objecto do presente recurso ser revogada e substituída por outra que recuse provimento ao recurso contencioso de anulação em face da validade inquestionável da referida Deliberação n.° 30/AM/2003, de 01.07.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença em crise, substituindo-a por outra que conclua pela improcedência do recurso contencioso de anulação, dada a validade inquestionável da Deliberação n.° 30/AM/2003, de 01.07, só assim se fazendo a devida JUSTIÇA!”
1.5. Houve contra-alegações, tendo sido, no entanto, ordenado o seu desentranhamento – despacho de fls. 494.
1.6. O EMMP emitiu parecer no sentido da manutenção da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. A sentença considerou assentes os seguintes factos:
“a) - Em 23 de Janeiro de 2003, a B... comunicou à Câmara Municipal de Lisboa (C.M.L.) a sua intenção de vender o imóvel designado por “C...”, cfr. carimbo de entrada aposto na carta junta a fls 67 dos autos;
b) - Em 18 de Fevereiro de 2003, o Vice-Presidente da Câmara Municipal, Senhor Vereador com o Pelouro do Património, proferiu despacho no verso da Informação n.° 225/GLBA/D/IN/03, de 5.2.2003 (a fls 22 do pa.) do seguinte teor: “Concordo. Exerça-se o direito de preferência, nos termos da lei.”;
c)- O mencionado despacho foi comunicado à B... (...) através do oficio n.° 1046/DMCRU/D/OF/2003, de 21.2.2003, cfr. doc. de fls 26 e 27 do p.a;
d)- O referido despacho foi recebido pela B... em 27 de Fevereiro de 2003, cfr. doc. de fls 294 dos autos;.
e)- Em 25 de Junho de 2003, o Sr. Presidente da CML submeteu à deliberação da CML a proposta 144/CM/2003, pela qual se propôs a deliberação de ratificação do referido acto do Vice-Presidente de 18 de Fevereiro (admitido no artº 7º da contestação e fls 106 a 108 dos autos);
f)- Na mesma data, ou seja em 25 de Junho de 2003, é aprovada a ratificação e a proposta de submissão à Assembleia Municipal da aquisição do prédio em apreço (admitido por acordo e fls 2 do p.a;
g)- Em 17 de Junho de 2003 tinha-se iniciado a reunião ordinária de Junho da Assembleia Municipal, sem que a proposta referida em e) estivesse agendada na ordem do dia (admitido por acordo);
h)- A sessão da Assembleia Municipal iniciada em 17 de Junho de 2003 foi suspensa, tendo os trabalhos sido retomados em 1 de Julho de 2003, cfr. doc. de fls 161 e segts, concretamente a fl 162;
i)- A referida proposta foi agendada na sessão que se reiniciou em 1 de Julho de 2003, cfr. doc. de fls 162 e segts;
j)- O agendamento daquela proposta não foi submetido a uma votação prévia pelos Senhores deputados municipais, tendo sido agendada com a anuência da conferência de líderes, cfr. doc. de fls 221 e segts dos autos;
k)- Em 1 de Julho de 2003 a proposta em causa foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal, cfr. doc. de fls 162 e segts;
l)- Em 19 de Agosto de 2003 a CML e a B... outorgaram a escritura pública de compra e venda do imóvel em apreço, cfr. doc. de fls 58 e segts dos autos;
m)- Por sentença da 3ª Secção do 1° Juízo liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa foi julgado improcedente o recurso contencioso de anulação interposto pelo ora recorrente contra o acto administrativo praticado em 18 de Fevereiro de 2003 pelo Senhor Vereador do Património da Câmara Municipal de Lisboa (acto mencionado em b) supra) por, entre outros fundamentos, se ter considerado que a deliberação mencionada em k) supra, operou a ratificação - sanação daquele despacho, assim se tendo verificado a impossibilidade superveniente da lide, cfr. doc, de fls 279 a 284 dos autos”.
2.2.1. Como se disse introdutoriamente, o objecto do recurso contencioso é deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa nº 30/AM/2003, de 1 de Julho de 2003, que aprovou proposta de autorização da Câmara Municipal de Lisboa a adquirir à B..., SA. o imóvel designado por “C...”, com invocação de direito de preferência.
A sentença presentemente sob recurso, dando razão a um dos vícios invocados pelo recorrente contencioso, julgou nula aquela deliberação.
Para mais fácil percepção do que está realmente em causa, é de interesse reproduzir do ponto 24 da respectiva sessão da Assembleia Municipal a proposta 144/CM/2003 apresentada pela Câmara Municipal de Lisboa, proposta aprovada pela deliberação objecto do recurso contencioso (fls. 181v, 182).
“PROPOSTA 144/2003
Considerando que está em curso o programa de recuperação e reconversão urbanística do Bairro Alto e Bica, no seguimento da delimitação de Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística, feita pelos Decretos Regulamentares nº 32/91, de 6 de Junho e n° 48/97, de 18 de Novembro; Considerando que através do Processo n° 1025/DOGEC/03 foi participada a intenção de alienação de um imóvel designado por “C...”, também conhecido por “Palácio ...”, sito na Rua de ..., nºs 1 a 7, na Travessa da ... n°s. 53 a 57, na Rua do ..., n°s. 9 a 13, freguesia de São Paulo, pelo preço global de 3.900.000,00 € (três milhões e novecentos mil euros);
Considerando que o referido palácio é de grande interesse patrimonial, quer pela linguagem arquitectónica oitocentista, quer pela gramática decorativa utilizada no seu interior;
Considerando que tal palácio se encontra desocupado há anos, exigindo uma rápida intervenção de reabilitação da fachada antes que os elementos decorativos de valor histórico pereçam, bem como de adaptação do seu interior a novas funcionalidades;
Considerando que a referida participação de intenção de alienação constitui uma oportunidade para a Câmara dar um uso ao imóvel que, ao qualificá-lo, dignificará o espaço envolvente;
Considerando o despacho do então Vice-Presidente desta Câmara, de 18.02.2003, nos termos do qual foi determinado o exercício do direito de preferência do Município de Lisboa em relação à alienação do referido palácio;
Considerando que a avaliação promovida pelos serviços resultou num valor próximo do valor participado;
Considerando que o referido despacho de 18.02.2003 não foi objecto de recurso contencioso de anulação.
Considerando que, nos termos das disposições conjugadas do n° 1 do artigo 141° e do n° 2 do artigo 145º do Código do Procedimento Administrativo, aplicáveis por via do disposto no n° 2 do artigo 137° do mesmo diploma legal, e da alínea c) do n° 1 do artigo 28° da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o referido despacho é susceptível de ser ratificado, com efeitos retroactivos;
Tenho a honra de propor que a Câmara delibere:
I.- Ao abrigo da alínea a) do n° 6 do artigo 64° da Lei n° 169/99, de 18 de Setembro, aprovar e submeter à Assembleia Municipal, para que este órgão, ao abrigo do disposto na alínea i) do n° 2 do artigo 53° do mesmo diploma legal, autorize a aquisição à B..., S.A., pessoa colectiva n° 500960046, com sede na Av. ..., n° 63, em Lisboa, ou a quem no acto da escritura prove ser seu legítimo proprietário, o prédio denominado “C...”, também conhecido por “Palácio ...”, sito na Rua ..., nºs 1 a 7, na Travessa ... n°s. 53 a 57 e na Rua ..., nºs. 9 a 13, freguesia de São Paulo, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São Paulo sob o artigo 591° e descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha 427/20021121 da freguesia de Santa Catarina, representado com orla de cor amarela na Planta n° 03/026/02 do Departamento de Património Imobiliário, pelo valor global de 3.900.000,00 € (três milhões e novecentos mil euros), ao abrigo do direito de preferência do Município de Lisboa, nos termos do disposto nos n°s. 1 e 2 do artigo 7° do Decreto n° 862/76, de 22 de Dezembro e dos Decretos Regulamentares n° 32/91, de 6 de Junho e n° 48/97, de 18 de Novembro.
Esta aquisição terá cabimento na Acção do Plano 03/05/A10l/07, na orgânica 01.05 na rubrica económica 07.01.03.01.06.
Confrontações:
Norte: Via pública - Trav. ...
- Nascente: Via pública - Rua ... -
Sul: Rua ..., nºs 1 e 5
Poente: Via pública - Rua ... (fachada principal)
(Processo Privativo n.° 43 /DPI/2003)”.
Disse a sentença, depois de ter analisado os diversos actos necessários ao exercício do direito de preferência pela Câmara Municipal de Lisboa e de ter concluído que à data da deliberação autorizativa havia sido ultrapassado o prazo para o exercício do direito de preferência:
“Ora a deliberação impugnada, datada de 1 de Julho de 2003 autorizou a Câmara Municipal de Lisboa, nos termos da deliberação 144/CM/2003 de 25 de Junho, a adquirir à B... o imóvel denominado «C...».
Tal deliberação teve como pressuposto que estava em curso o prazo para o exercício do direito legal de preferência pela CML, e que o viria a exercer atempadamente, o que não acontecia.
Assim sendo, a deliberação veio a ser tomada, tendo objecto juridicamente impossível, pelo que é nula nos termos da al. C) do n.º 2 do art. 133.º do CPA […]
Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.
IV – DECISÃO
Em face do exposto, concede-se provimento ao presente recurso declarando-se a nulidade da deliberação impugnada.”
Vejamos.
2.2.2. Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (republicada na sequência das alterações pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro), os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal. A assembleia é o órgão deliberativo e a câmara municipal é o órgão executivo.
Entre as diversas competências da assembleia municipal consta a de,
“Autorizar a câmara municipal a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior a 1000 vezes o índice 100 das carreiras do regime geral do sistema remuneratório da função pública, fixando as respectivas condições gerais, podendo determinar, nomeadamente, a via da hasta pública, bem como bens ou valores artísticos do município, independentemente do seu valor, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do artigo 64.º” - artigo 53.º, n.º 2, alínea i).
Reciprocamente, compete à câmara municipal, conforme o artigo 64.º, n.º 6, alínea a),
“Apresentar à assembleia municipal propostas e pedidos de autorização, designadamente em relação às matérias constantes dos n.ºs 2 a 4 do artigo 53.º”.
Por sua vez, pelo artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 32/91, de 6 de Junho, “É concedido à Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, e legislação complementar, o direito de preferência nas transmissões a título oneroso, entre particulares, dos terrenos […]”; e pelo Decreto Regulamentar n.º 48/97, de 18 de Novembro, a área de incidência desse direito de preferência passou a abranger o constante da respectiva planta.
Aos diplomas referenciados, falta aditar o Decreto n.º 862/76, de 22 de Dezembro, que estabelece os prazos para o exercício do direito de preferência.
Interessa recordar o seu artigo 8.º, n.º 1 e n.º 4, por ter estado na base da sentença.
“1. Se a Administração aceitar o preço convencionado na comunicação a que se refere o artigo anterior, fixará o dia, hora e local para a celebração da escritura, a realizar no prazo máximo de 90 dias, salvo o disposto nos n.º 3 e 4.
[…]
4. A não celebração da escritura por facto imputável à Administração implica a caducidade do direito de preferência e fá-la incorrer em responsabilidade civil pelos danos causados ao particular, salva a possibilidade de prorrogação do prazo para a escritura por período não superior a 30 dias e com fundamento em motivo justificado”.
No presente recurso jurisdicional, a Assembleia Municipal vem controverter a forma de contagem dos prazos efectuada pela sentença. Para a recorrente, aplica-se o disposto no artigo 72.º do CPA e não o artigo 279.º do Código Civil.
O problema tem estado, desde a petição de recurso contencioso, centrado na natureza e forma de contagem dos prazos estabelecidos no artigo 8.º, do Decreto n.º 862/76, em particular do seu n.º 1.
Segundo a contagem efectuada pela sentença, à data da deliberação já estava ultrapassado o prazo para o exercício de direito de preferência, pelo que a autorização carecia de objecto; ao contrário, para a recorrente jurisdicional o prazo não estava ultrapassado pelo que a sentença errou.
Afigura-se que, para o problema dos autos, aquele não é o elemento de decisão. Ainda que se concorde com a forma de contagem efectivada pela sentença daí não se obtém o resultado afirmado.
2.2.3. Viu-se que está conferida à CML o direito de preferência – Decreto Regulamentar n.º 32/91. O direito de preferência não é, assim, exercido pela assembleia municipal, é exercido pela câmara municipal.
Porém, a CML, como qualquer câmara municipal, necessita de autorização da assembleia municipal para adquirir bens imóveis de valor superior a 1000 vezes o índice 100 das carreiras do regime geral do sistema remuneratório da função pública – Artigo 53.º, n.º 2, alínea i), da Lei n.º 169/99.
Assim, exigência de deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa sobre a aquisição que lhe foi proposta pela Câmara Municipal não radica no exercício do direito de preferência, radica no valor pelo qual a aquisição haveria de ser efectuada – três milhões e novecentos mil euros.
A Câmara Municipal apresentou à Assembleia Municipal os elementos que a determinavam a propor a aquisição. Entre eles, o interesse patrimonial e a oportunidade de dar um uso ao imóvel que o qualificaria e dignificaria o espaço envolvente. E na proposta propriamente dita indicou os dispositivos ao abrigo dos quais pedia a autorização, os já citados da Lei nº 169/99; e identificava, depois, o prédio e os dispositivos ao abrigo dos quais entendia aquela Câmara exercer a preferência.
O exercício do direito de preferência foi, portanto, um elemento apresentado pela câmara para apresentar a proposta de aquisição mas não era elemento que a assembleia municipal tivesse de controlar no sentido de verificar se estavam ou iriam estar preenchidos todos os pressupostos. Essa matéria é matéria de controlo por parte da Câmara.
Se, afinal, a Câmara, por alguma razão, já não poderia exercer o direito de preferência, se já estava ultrapassado o prazo para o seu exercício ou se viria a estar, por inoperacionalidade ou desinteresse posterior da Câmara, era matéria não essencial na deliberação da assembleia.
Isso não impedia que a assembleia se debruçasse sobre essa tempestividade, como o fez, aliás.
Na verdade, por exemplo, o presidente da Assembleia informou a mesma, “que tinha recebido documentação enviada por uma sociedade de advogados em representação de um outro promitente comprador do palacete em questão. Na Conferência de lideres analisaram a matéria, nomeadamente no que dizia respeito aos prazo de opção por parte da Câmara, e conclui-se, após a entrega por parte da Câmara de um documento à Mesa e aos lideres dos Grupos Municipais, que a Assembleia estava em condições de discutir e votar esta proposta” (fls. 182.).
Mas a Assembleia não deliberou sobre a actualidade, ou não caducidade, do exercício do direito de preferência, ou assente na certeza jurídica dessa actualidade. Ela pôde ser considerada no contexto da apreciação do interesse da proposta camarária, mas não se constituiu como seu pressuposto de facto ou de direito.
Essa actualidade permitiria à Câmara Municipal de Lisboa agir na aquisição, pois que autorizada; a não actualidade impediria a Câmara de adquirir, apesar de autorizada.
Se a Câmara Municipal adquirisse sem autorização, estaria esse acto viciado, por falta de autorização, atento o valor da aquisição. Se a Câmara autorizada pela assembleia municipal adquire apesar de já não o poder fazer, por caducidade do direito de preferência, é a aquisição em si que poderá estar viciada, mas não por falta de deliberação autorizativa. É o acto da Câmara mas não o acto da assembleia municipal.
Afinal, pelo entendimento perfilhado na sentença, o acto camarário do exercício de direito de preferência passaria a estar viciado não pela caducidade desse exercício mas por a aquisição em que se consubstanciava não estar coberta por autorização da assembleia municipal, exigida em razão do valor.
A deliberação da assembleia municipal não enferma de erro nos pressupostos, nem tem objecto impossível, ao contrário do concluído pela sentença. A deliberação da assembleia municipal incidiu sobre a proposta que lhe foi apresentada. O objecto seria impossível se a deliberação tivesse incidido sobre uma proposta que não existisse, por exemplo, face a uma proposta inicialmente apresentada mas entretanto retirada.
Errou, assim, a sentença, não se verificando nem nulidade nem anulabilidade, na vertente apreciada. Por isso, a sentença não se pode manter.
3. Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso, revoga-se a sentença e ordena-se a baixa ao tribunal recorrido para conhecimento do que ficou por apreciar.
Sem custas nesta instância.
Lisboa, 7 de Outubro de 2009. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – António Políbio Ferreira Henriques – Rosendo Dias José.