Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01167/14
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
TAXA
NULIDADE
ANULABILIDADE
Sumário:Incorre em erro a sentença que se decidiu pela caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação, impondo-se a sua revogação, sem analisar a alegação que foi feita na petição inicial pela impugnante relativa aos vícios que pretensamente conduzem à nulidade, podendo, para sua sustentação, eventualmente, esclarecer alguns elementos factuais pertinentes.
Nº Convencional:JSTA000P23320
Nº do Documento:SA22018052301167
Data de Entrada:10/27/2014
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:CCDRLVT - COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE LISBOA E VALE DO TEJO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
A…………, Ldª, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente, a impugnação judicial por si apresentada em 28 de Fevereiro de 2008 no que respeita à taxa devida pela utilização privativa de terreno do domínio público, referente ao ano de 2006, e considerou intempestiva a impugnação da mesma taxa relativa aos exercícios de 2000 a 2005.
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões (corrigidas):
«I. Sobre a presente matéria, de facto e de direito, já existem mais de três sentenças proferidas — com trânsito em julgado — pelos tribunais tributários que julgaram ilegais e anularam a cobrança das taxas DPM, tendo as mesmas transitado em julgado, sobre a mesma questão de direito e de facto, formam caso julgado, com força obrigatória geral.
II. É manifesta a ilegalidade, em razão da hierarquia - do despacho de execução relativo à fórmula de cálculo do art.º 7º do Dec. Lei nº 47/94, de 22 de Fevereiro, na liquidação das taxas “in casu” que se mantém com a actual legislação dos Dec. Leis nºs 208/07 e 97/08, sendo a incompetência é o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da Administração, é por isso uma causa de invalidade, por vício orgânico, devendo ser declarada a sua nulidade, art. 133º, nº 2, al. b) CPA, o que suscitamos nos termos e para todos os efeitos legais.
III. Só que estando perante um verdadeiro imposto — embora cumprido, ao contrário das taxas, o imperativo constitucional de reserva absoluta de competência legislativa — arts 106º nº 2, e alínea i) do nº 1 do artº 168º da C.R.P., verificamos não se encontrar conforme quanto à autorização legislativa concedida pelo art.º 2º da Lei nº 62/93, de 20 de Agosto, estamos perante uma situação de dupla tributação económica, uma vez que se verificam as regras das três identidades e a qualificação a que chegámos para a taxa de utilização do domínio público hídrico, segundo a qual estamos na presença de um imposto e não de uma taxa, é ainda confirmada pelo quantum exigido.
IV. Multiplicar por duzentas vezes (ou quase) o quantitativo exigido é admitir implicitamente que nada se estava a dar/prestar em troca e não há, nem nunca houve, na taxa anual controvertida nenhum correspectivo que a APA, na determinação do «quantum» da taxa, se não sentiu vinculada a qualquer proporção ou equivalência, mesmo que só remotas, fixou as taxas do domínio público hídrico como se se tratasse de um imposto e efectivamente é de um imposto que se trata, contudo para tanto, lhe falecem poderes.
V. Enquanto que para a criação dos impostos se têm consagrado o princípio da capacidade contributiva, cfr: artsº 106º e segs. da C.R.P., o princípio do benefício, assim, o montante das taxas não pode ser fixado sem critério; haverá sempre que respeitar um mínimo de proporção entre o custo da actividade administrativa e/ou utilização privativa de bens do domínio público e a quantia que é exigida, em troca, pela Administração.
VI. Recomendou o Sr. Secretário de Estado dos Recursos Naturais(sic) a revogação do Despacho nº 5/SERN/97, de 29 de Janeiro, a alteração legislativa imediata do art.º 7º do Dec. Lei nº 47/94, de 22 de Fevereiro, e a anulação de procs. de execução fiscal contra um particular consulente da matéria in casu.
VII. A violação da lei, in casu, ocorreu por falta de base legal, isto é a prática de um acto administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um acto desse tipo, estando o mesmo ainda inquinado de incerteza e ilegalidade do conteúdo do acto administrativo, bem como, a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao objecto do acto administrativo.
VIII. A ilicitude do acto administrativo coincide com a sua ilegalidade, verificada in casu, pois que, a alegação carreada aos autos quanto ao exercício de 2006, alegação essa, inteiramente procedente, reconduz-se in totum à alegação relativa aos demais anos fiscais - sendo o acto ilegal, por violar a lei, o mesmo é ilícito.
IX. O elemento fundamental de destrinça entre a nulidade e anulabilidade repercute-se no prazo para a arguição da segunda, contrariamente à invocabilidade a todo o tempo da primeira, estamos perante uma causa da invalidade, na modalidade de ilegalidade, vício material na modalidade de violação de lei — vício cuja existência não se discute, pois que, foi já reconhecida pelo Tribunal a quo e relativamente à cominação de anulabilidade aplicável à violação de lei, releve-se que a anulabilidade aplica-se, excepto nos casos mencionados no art. 133º CPA.
X. Prevê o nº 2 do art. 133.º, alíneas d), h), i) do CPA que são, designadamente, actos nulos, os actos viciados que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, os actos que ofendam os casos julgados, e ainda, os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.
XI. Ora, dispõe o art. 103º n.º 2 da CRP que os impostos são criados por lei, que contribuintes, ou seja, está prevista uma reserva de lei material na criação dos impostos, de acordo com o Princípio da Legalidade Fiscal.
XII. Acresce a invalidade do acto por incompetência hierárquica, como supra invocamos, a invalidade de ofensa do acto em apreço de direitos fundamentais do impugnado, art. 103º/ 2 e 3 da CRP, a que acresce in casu, a violação do direito a processo equitativo e tutela jurisdicional efectiva, art. 20.º CRP, na medida em que, a sentença recorrida reconheceu e declarou a ilegalidade da liquidação de 2006, tendo mantido as antecedentes, as quais foram executadas nos mesmos termos que a taxa de 2006, entretanto, invalidada, emerge mais um vício gerador de nulidade a Usurpação de Poder que consiste na ofensa por um órgão da Administração Pública do princípio da separação de poderes, por via da prática de acto incluído nas atribuições do poder judicial ou do poder administrativo (art. 133º/2-a CPA), na modalidade de usurpação do poder legislativo, a Administração pratica um acto que pertence às atribuições do poder legislativo.
XIII. A Incompetência em razão da hierarquia é causa de invalidade, por vício orgânico, devendo ser declarada a sua nulidade, art. 133º, nº 2, al. b) CPA, o que suscitamos nos termos e para todos os efeitos legais, estando perante um verdadeiro imposto o imperativo constitucional de reserva absoluta de competência legislativa, artsº 106º nº 2, e alínea i) do nº 1 do artº 168º da C.R.P., verificamos não se encontrar conforme quanto à autorização legislativa concedida pelo artº 2º da Lei nº 62/93, de 20 de Agosto.
XIV. Estamos perante uma situação de dupla tributação económica, uma vez que se verificam as regras das três identidades e a qualificação a que chegámos para a taxa de utilização do domínio público hídrico, segundo a qual estamos na presença de um imposto e não de uma taxa, é ainda confirmada pelo quantum exigido.
XV. O Despacho viola o Dec. Lei, pelo que não se pode deixar de reconhecer a ilegalidade daquele, quer a ilegalidade das taxas liquidadas e cobradas com base nos critérios definidos na Lei.
XVI. Prevê o nº 2 do art. 133º alíneas d), h), i) do CPA que são, designadamente, actos nulos, os actos viciados que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, os actos que ofendam os casos julgados, e ainda, os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, bem como, o art. 103º n.º 2 da CRP que os impostos são criados por lei, que determine a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, ou seja, está prevista uma reserva de lei material na criação dos impostos, de acordo com o Princípio da Legalidade Fiscal - emerge mais um vício gerador de nulidade a Usurpação de Poder que consiste na ofensa por um órgão da Administração Pública do princípio da separação de poderes, por via da prática de acto incluído nas atribuições do poder judicial ou do poder administrativo (art. 133º/2-a CPA)
XVII. Assim, em suma, in casu estamos perante uma sucessão e cumulação de vícios emergentes do acto impugnado, relativamente aos exercícios precedentes a 2006 (cuja ilegalidade foi já declarada), devendo este Colendo Tribunal reparar a legalidade, julgando inteiramente procedente a impugnação.
Nestes termos e no mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, se requer, a declaração da invalidade dos actos impugnados, mesmo os anteriores a 2006, devendo os montantes pagos pelo Recorrente ser devolvidos o que se requer, porquanto, os vícios emergentes do acto impugnado geram anulabilidade e nulidade cfr. art. 133º CPA, devendo ser revogada a sentença recorrida na parte em que julgou extemporânea a impugnação por se ter precludido o prazo para impugnação dos exercícios fiscais anteriores a 2006, assim se fazendo tão costumada justiça.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público a fls. 155 e seguintes dos autos emitiu parecer sustentando a correcção do julgamento efectuado na primeira instância, tendo expressado e finalizado do seguinte modo:
(…)
4-O direito aplicável.
O fundamento utilizado na sentença recorrida radica na aplicação do previsto no art. 102.º do C.P.P.T., a cuja aplicação não invalida o invocado no recurso interposto com base num regime de invalidade gerador de nulidade ou mesmo de inconstitucionalidade.
Com efeito, no caso do ato tributário ser afetado por um regime de invalidade mista, não só de anulabilidade, como é regra, mas também de nulidade, com base no previsto no art. 133.º n.º 2 do C.P.A., não é de afastar que a caducidade ocorra pelo decurso do prazo de impugnação previsto no dito art. 102.º.
Com efeito, o regime previsto para os vícios do ato de liquidação que não se baseie em normas existentes e válidas é, nas situações em que ocorreu pagamento voluntário, tal ser invocável através de impugnação judicial, no prazo geral de impugnação de actos anuláveis, conforme previsto no art. 102.º do C.P.P.T..
Nos casos em que não ocorreu esse pagamento, o vício é invocável como fundamento de oposição à execução fiscal, até ao termo do prazo legal para a respectiva dedução, mesmo depois do termo do prazo de impugnação de actos anuláveis) mas não a todo o tempo — art. 204.º n.º al. a) do C.P.P.T..
Tal o que tem sido entendimento da jurisprudência do S.T.A., conforme acórdão do Plenário do S.T.A. de 7-4-05 no proc. 01108/03, acessível em www.dgsi.pt proferido no domínio do CPCI, em que se decidiu em face de anterior correspondente norma:
- o regime de impugnação expressamente previsto para os casos em que o ato de liquidação não se baseia em norma existente ou existente mas sem autorização de cobrança à data em que ocorrer a liquidação, é ainda aplicável, por paridade de razão, aos casos em que existe a norma em que o ato se baseia, mas ela é inválida, quer por a sua nulidade resultar de norma especial, quer por ela ser inconstitucional ou ofender qualquer norma de categoria superior;
- nos casos em que não ocorreu esse pagamento, o vício é invocável como fundamento de oposição à execução fiscal, até ao termo do prazo legal para a respectiva dedução mesmo depois do termo do prazo de impugnação de actos anuláveis, e não a todo o tempo — art. 204.º n.º 1 al. a) do C.P.P.T..
No sentido de que pode ser temporalmente limitada pelos prazos de impugnação aí previstos a possibilidade de impugnação de atos nulos por vícios enquadráveis no art. 133.º do C.P.A., veio a pronunciar, a propósito do previsto no art. 100.º do C.P.T.A., também o acórdão de 6-2-07 no proc. 598/06, do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do S.T.A., acessível na mesma base de dados, a propósito do previsto no art. 100.º do C.P.T.A..
Ainda que, conforme defende alguma doutrina (Assim, J. Casalta Nabais, de Direito Fiscal, 7ª edição Almedina, 2012, p. 305) possa parecer não inteiramente acertado ser considerar tal também quando a anulação é consequente de atos nulos — e a taxa aplicada quanto ao exercício de 2006, teve o seu fundamento em violação de lei por a liquidação ter sido efetuada por aplicação de critérios constantes do acima referido Despacho, com base no qual foram também aplicadas taxas quanto aos exercícios anteriores - sempre se tornaria necessário que a invalidade do dito Despacho tivesse sido declarada ou revogado o referido despacho, o que não consta ter ocorrido.
5- Conclusão.
O recurso é de improceder, sendo de notificar o acórdão a proferir também à APA, enquanto sucessora da ARH-Tejo.»

2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto.
1. Em 05 de Junho de 1996, foi emitida a Licença Para Ocupação do Domínio Público Marítimo n° 143/96/DPM em nome da impugnante para ocupar uma parcela de terreno do Domínio Público Marítimo, sendo a área coberta de 265 m2 e a descoberta de 0m2, actual processo n° 891/ALM (cfr. doc. junto a fls. 216 e 245 do processo instrutor junto aos presentes autos);
2. Em 29/01/1997, foi proferido o Despacho n° 5/SERN/97, pelo Secretário de Estado dos Recursos Naturais de acordo com o qual são fixados com os critérios fixados no anexo ao despacho (cfr. doc. junto a fls. 51 a 53 dos autos);
3. No exercício de 2001, a impugnante efectuou um pagamento de taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1, a quantia de Esc.: 1.272.000$00 do exercício de 2000 (cfr. doc. junto a fls. 269 a 265 do processo instrutor juntos aos autos);
4. No exercício de 2002 foi liquidado à impugnante a quantia de € 7.137,80 relativo à taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1 referente ao exercício de 2001 (cfr. docs. juntos a fls. 284 do processo instrutor junto aos autos);
5. No exercício de 2003, a impugnante efectuou um pagamento de taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1, a quantia de € 7.931,45 referente ao exercício de 2002 (cfr. doc. junto a fls. 274 a 271 do processo instrutor junto aos autos);
6. No exercício de 2005, a impugnante efectuou um pagamento de taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1, a quantia de € 7.845,97 referente ao exercício de 2004 (cfr. doc. junto a fls. 286-A e 286 do processo instrutor junto aos autos);
7. Em 2005 a impugnante procedeu ao pagamento da taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1 referente ao exercício de 2001 (cfr. doc. junto a fls. 298 do processo executivo junto aos autos);
8. Em 2007 a impugnante procedeu ao pagamento da taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1 no montante de € 8.224,34 relativo ao exercício de 2005 (cfr. docs. juntos a fls. 304 e 303 do processo instrutor junto aos autos);
9. Em data que se desconhece foi liquidada a taxa de Utilização de Domínio Marítimo, referente ao alvará identificado no ponto 1 no montante de € 6.824,22 relativa ao exercício de 2006 (admitido);
10. Dos documentos relativos à liquidação das taxas consta que as mesmas têm por base o art 7° do Decreto-Lei n° 47/94, de 22/02 e do Despacho 5/SERN/97;
11. As taxas cobradas têm sido apuradas em resultados dos critérios estabelecidos no despacho n° 5/SERN/97 (admitido).

3- DO DIREITO:
A sentença recorrida expressou a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:
“(…) Alega a impugnante que a taxa que lhe tem sido liquidada tem sofrido aumentos desproporcionais e exagerados sendo por isso ilegal.
Alega a impugnada que a taxa tem sido cobrada de acordo com o Despacho n° 5/SERN/97, pelo que toda a zona deveria ter sido considerada como apoio de praia inseridos em centros urbanos, sendo por isso mesmo objecto de acréscimos anuais.
Determina o art. 3°, n° 2 do Decreto-Lei n° 47/94, de 22 de Fevereiro, que: “(...) A taxa de utilização é a contraprestação devida pelo uso privativo dos bens do domínio público hídrico.”
Por outro lado estabelece o art 7°, n° 1 do mesmo diploma que: “A taxa de utilização de ocupação de terrenos ou planos de água é calculada de acordo com a seguinte fórmula: T= O x K3 em que: T = valor da taxa, em escudos; O = área do terreno ou plano de água; K3 = 0,05 x p, em que: k3 = valor de cada metro quadrado de terreno ou plano de água, em escudos: p = valor médio de cada metro quadrado de terreno na área contígua à área ocupada. 2. — A área do terreno ou plano de água (O) é igual aos metros quadrados da superfície do terreno ou plano de água efectivamente ocupados para uso privativo do titular da licença ou concessão. 3. Os terrenos adquiridos pelas entidades utilizadoras do domínio público hídrico não revelam para efeito do cálculo previsto no número anterior.”
Ou seja, a lei não prevê que a taxa possa ser calculada em função do tipo de espaço e tipo de utilização como foram definidos pelo Despacho n° 5/SERN/97, de 29 de Janeiro do Secretário de Estado dos Recursos Naturais, pelo que facilmente se retira que a taxa que foi liquidada à impugnante e ora impugnada padece do vício de violação de lei.
Assim e sem necessidade de outras considerações julgaremos totalmente procedente a presente impugnação no que respeita ao exercício de 2006.
No que respeita aos demais exercícios e uma vez que estamos perante uma anulabilidade e não uma nulidade e nunca tendo a Impugnante, dentro do prazo de 90 dias após o termo do prazo de pagamento das mesmas deduzido a competente impugnação judicial (ex vi art 102° do CPPT) a presente impugnação é intempestiva, pelo que nessa parte será absolvida da instância a impugnada.(…)”

DECIDINDO NESTE STA:
São suscitadas no presente recurso, várias questões, a saber:
Que a invalidade dos actos impugnados anteriores a 2006 é nulidade e não a anulabilidade por ocorrerem:
- o vício de violação de lei, conforme foi reconhecido;
- ofensa de direito fundamental por desrespeito/ofensa de caso julgado por referência a três sentenças anteriores com trânsito em julgado, o que deve levar a uma declaração com força obrigatória geral;
- actos consequentes de anterior acto anulado ou revogado;
- incompetência hierárquica e usurpação de poder da APA que fixou a taxa sem que para tal tivesse poderes, o que foi associada à mesma ser um imposto e não uma taxa;
- falta de proporção ou equivalência com o que se estava a dar/prestar em troca;
- usurpação de poder, na medida em que se praticou um ato da função legislativa;
- dupla tributação económica, o que foi ainda associado à falta de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 62/93, de 20 de Agosto.
Estas questões dividem-se em dois grupos.
Um primeiro grupo constituído pelas duas primeiras questões, supra enunciadas, que tiveram expressão na petição inicial ainda que a questão da nulidade o tenha sido, de modo muito restrito e conclusivo, como veremos.
Um segundo grupo constituído por questões totalmente novas não suscitadas perante o tribunal “a quo” o qual de acordo com a matéria da petição inicial apreciou a questão da bondade da liquidação da taxa em causa nos autos relativa ao ano de 2006 por referência ao princípio da legalidade tributária, concluindo que não o respeitava, sendo em consequência ilegal tal liquidação e quanto às demais liquidações que se mostrava caducado direito à impugnação das ditas taxas referentes aos anos de 2000 a 2005, por considerar que são actos anuláveis não impugnados dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
O recurso foi apenas dirigido quanto a este último segmento da sentença que apreciou a dita caducidade e deve anotar-se, desde já, que ao tribunal de primeira instância não foi solicitada qualquer pronúncia sobre este segundo grupo de questões relacionadas com os actos administrativos consistentes na liquidação das taxas que foram pagas; pelo que a sua invocação surge a título de questões novas que este STA não pode conhecer por ser um tribunal de revista.
Quanto à questão prévia da caducidade do direito de impugnar as taxas em causa nos autos relativas aos anos de 2000 a 2005, determinadas por a favor da recorrente ter sido emitida licença para ocupação do domínio público marítimo n.º 143/96PD, e por ter sido proferido em 29/1/97 o Despacho n.º 5/SERN/97 pelo Secretário de Estado dos Recursos Naturais a fixar critérios para efectivar tal liquidação, segundo os quais foram efectivamente liquidadas e cobradas as taxas devidas por tal ocupação do domínio público quanto aos exercícios de 2000 a 2006, e em alegado alheamento pela fórmula constante do nº 1 do artº 7º do Dec.-Lei n.º 47/94, de 22/2, importará dar a melhor atenção à pronúncia da sentença e também ao probatório fixado no sentido de se poder apreciar agora se os autos contêm já todos os elementos factuais necessários ao conhecimento da questão da caducidade (desde logo na perspectiva defendida pela sentença recorrida de que estamos perante actos anuláveis).
E, é certo que as taxas referentes aos anos de 2000 a 2005 foram pagas pela recorrente como decorre dos pontos 3) a 8 do probatório supra destacado.

Como se alcança da sentença recorrida esta julgou procedente a impugnação respeitante às mesmas taxas de 2006 na consideração essencial de que a liquidação assentara em regras de cálculo definidas no já referido despacho do Secretário de Estado dos Recursos Naturais, que entendeu violarem o disposto no nº 1 do artº 7º do D. L. 47/94 de 22 de Fevereiro. E no mais (taxas de 2000 a 2005) considerou estar ultrapassado o prazo previsto no artº 102º do CPPT na redacção à data vigente (Redacção anterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) pelo que absolveu da instância a impugnada, por intempestividade da impugnação.
Se bem entendemos as complexas alegações da recorrente esta defende, desde logo, a tempestividade das impugnações das taxas liquidadas e já pagas de 2000 a 2005 com o argumento de que os actos são nulos, e não anuláveis como considerou a decisão ora sindicada.
Vejamos:
De acordo com o disposto no art.° 102º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redacção anterior à lei, a impugnação é apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
Como é sabido o prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contando-se nos termos do art.° 279° do Código Civil (CC), por força do disposto no art.° 20°, n.º 1, do CPPT. Assim, corre de forma contínua, sem qualquer interrupção ou suspensão. E na contagem do referido prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e quando este terminar num sábado, domingo, dia feriado ou férias judiciais (independentemente de a impugnação ser apresentada no serviço de finanças ou directamente no tribunal, como vem entendendo, uniformemente, o STA) transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil subsequente.
Por seu turno, o art.° 102°, n.º 3, do CPPT, prevê que a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo se o fundamento for a nulidade o que já era determinado pelo CPA antigo (Decreto-Lei 442/91, 15 Novembro) no seu artº 134º nº 2 e o é, também, hoje pelo artº 161º do novo CPA (Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro).
Ora, em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários são fundamento de anulabilidade, só sendo sancionados com a nulidade quando falte qualquer elemento essencial do ato, quando a lei expressamente o determine ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art.º 133°, n.º 2, do anterior Código do Procedimento Administrativo (CPA) (Corresponde ao art. 161º, nº 2 – aprovado pelo D.L. 4/2015, de 7/1) nomeadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Revertendo para o caso sub judice, a Impugnante fez assentar na petição inicial o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação das taxas de ocupação do domínio marítimo no fundamento destacado de terem sido calculadas, em violação da lei, de acordo com critérios estabelecidos por um despacho do Senhor Secretário de Estado dos Recursos Naturais.
Ou seja, a presente impugnação baseia-se, essencialmente, em vício de violação de lei o qual é gerador de mera anulabilidade do ato de liquidação. Porém, de forma que se pode apelidar de muito incipiente, a ora recorrente acabou por suscitar nas alíneas D); E); F) e H) da petição inicial e ponto 4) da mesma peça processual, a questão da nulidade dos mesmos actos tributários. Não obstante o ter feito, a sentença apesar de afirmar ser uma situação de anulabilidade e não de nulidade não desenvolveu maior argumentação que cremos no caso se justificava, mesmo perante a parca arguição da nulidade na petição inicial. E, também se sustentou na remissão para a documentação que consta dos autos para depois concluir com base nos mesmos pela caducidade do direito de impugnar, na perspectiva de que se tratam de prazos de anulabilidade, juízo imediato que como acabou de se deixar expresso importa esclarecer melhor o qual na forma como foi efectuado incorreu em erro de apreciação.
Em suma, defendendo o Impugnante, na petição inicial, que alguns dos vícios que assacou ao acto de liquidação impugnado são geradores do desvalor da nulidade, e dado que, relativamente a esse tipo de vícios, não se pode olvidar a sua impugnabilidade a todo o tempo, impõe-se que o Senhor Juiz do Tribunal “a quo” conheça dos vícios que, segundo a alegação do impugnante, conduzem à nulidade do acto, ou, no mínimo, que após uma análise concreta e individualizada, os qualifique como vícios geradores de mera anulabilidade (único caso em que poderá, então, concluir pela caducidade do direito de acção por ela ter sido interposta para além do prazo de 90 dias previsto no art. 102º do CPPT).


Aqui chegados, cremos ser patente que se impõe a revogação da sentença recorrida na parte em que vem questionada pelas, razões expressas, devendo os autos baixar à primeira instância para prolação de nova decisão.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, na parte questionada, baixando os autos à primeira instância para os indicados efeitos.

Sem custas.

Notifique, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) a qual sucedeu legalmente à ARH-Tejo, nos termos do previsto no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 56/2012, de 12/3.

Lisboa 23 de Maio de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.