Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0409/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
OBITER DICTUM
ISENÇÃO
Sumário:I - Não constituem ratio decidendi os considerandos aduzidos na sentença como um obiter dictum, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão», na impressiva expressão que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a usar.
II - Não se comprovando a existência de decisão administrativa de indeferimento do pedido de isenção de IMT em data anterior à liquidação não pode servir de fundamento ao pedido de anulação deste acto a eventual ilegalidade daquela decisão.
Nº Convencional:JSTA000P23313
Nº do Documento:SA2201805230409
Data de Entrada:03/31/2017
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 287/09.3BEBJA

1. RELATÓRIO

1.1 A……… (adiante Recorrente ou Impugnante) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, julgando improcedente a impugnação judicial por ele deduzida, manteve na ordem jurídica a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que lhe foi efectuada com referência à aquisição de dois imóveis, ocorrida por adjudicação no âmbito de um processo judicial de partilhas.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:

«A- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a qual julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo Recorrente, contra liquidação adicional de Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (do ano de 2009, no montante de € 3.841,88).

B- A acção de impugnação judicial pretendeu reagir contra a liquidação adicional de IMT, emitida na sequência de partilha judicial por óbito, processo n.º 225/2000, que correu termos na 2.ª secção, 3.º juízo cível da Comarca de Lisboa.

C- A liquidação incidiu sobre a transmissão da propriedade plena de 1/2 de dois imóveis, um destinado somente a habitação e outro destinado a comércio e habitação, aos quais se imputou, respectivamente, as taxas de 1% e 6,5.

D- Em sede de impugnação o Recorrente alegou vício de lei por errónea quantificação e qualificação da matéria tributável e vício de lei por indeferimento da atribuição de isenção de IMT.

E- Decidiu o tribunal a quo julgar a impugnação improcedente quanto ao pedido de anulação da liquidação com base em erro na quantificação e qualificação da matéria tributável

F- Decisão com a qual o ora Recorrente se conforma.

G - Decidiu o tribunal a quo não apreciar o mérito do pedido de anulação da liquidação com base em vício de lei por indeferimento do pedido de isenção de IMT, com base na inexistência de acto definitivo de indeferimento do pedido de isenção de IMT, pelo que é prematura qualquer pronúncia sobe tal acto.

H- Porém, a admitir-se a existência de tal acto, a forma de processo adequada para conhecer do acto de indeferimento do pedido de isenção de IMT não é a impugnação judicial, mas sim a acção administrativa especial.

I- Relativamente à inexistência de acto definitivo de indeferimento do pedido de isenção de IMT, requer o Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do CPC, a junção de documento referente a acto expresso de indeferimento do pedido de isenção, alegando, para efeitos de relevância de dispensa de condenação em multa, que o mesmo só foi emitido em data posterior à apresentação da p.i. e contestação.

J- Quanto à decisão de não apreciação do mérito do indeferimento do pedido de isenção, por haver erro na forma de processo, o Recorrente manifesta a sua inteira discordância, não se conformando com a decisão.

K- Com efeito, considera o Recorrente que a decisão padece do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, porque o que se pretendeu demonstrar ao logo da exposição em sede de impugnação, foi que o pedido de isenção estava intrinsecamente ligado à legalidade da liquidação.

L- Isto é, verificados os pressupostos para efeitos de atribuição da isenção prevista na al. g) do art. 6.º do CIMT, o reconhecimento da isenção deveria ser automático, ainda que dependente de despacho do director geral de finanças.

M- Ora, se a apreciação do pedido de isenção de IMT e a legalidade da própria liquidação estão intrinsecamente ligadas, cai por terra a argumentação de que o meio processual idóneo para apreciar tal pedido era a acção administrativa especial.

N- Nos termos do disposto no artigo 97.º, n.º 1, al. d) CPPT, o processo judicial compreende impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da dependente do acto de liquidação.

O- O indeferimento do pedido de isenção de IMT é um acto administrativo em matéria tributária, que está, como já demonstrado, intimamente ligado à legalidade da liquidação.

P- Assim sendo, poderia, aliás, como foi, ser impugnado através do meio processual de impugnação judicial.

Q- Deste modo, esteve mal o tribunal a quo, incorrendo em erro de julgamento na interpretação que fez dos artigos 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando decidiu que a apreciação do indeferimento da isenção de IMT só poderia ser feita em sede de acção administrativa.

R- Face ao exposto, deverão os presentes autos descer ao tribunal de 1.ª instância para que este se pronuncie sobre o mérito do indeferimento do pedido de isenção de IMT.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, assim se fazendo a vossa acostumada JUSTIÇA!».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia e indicou como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento do Recorrente.

1.5 Recebidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
3. Como decorre das conclusões de recurso, o Recorrente conformou-se com parte da decisão do TAF de Beja, mas insurge-se contra a mesma decisão não parte em que não tomou conhecimento da ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de isenção, considerando que esta questão está intrinsecamente ligada à invalidade do acto tributário e nessa medida pretende a revogação da sentença para que o tribunal conheça da questão.
Se bem entendemos as conclusões de recurso, o Recorrente entende que o tribunal “a quo” devia ter conhecido das razões pelas quais o pedido de isenção foi indeferido, pois caso o pedido tivesse sido deferido não havia lugar à prática do acto tributário.
Conforme se alcança da matéria de facto assente, o Recorrente pediu em 18/02/2008 a isenção do IMT em relação aos dois imóveis que lhe foram adjudicados.
Na petição inicial (artigos 35 e seguintes) o Recorrente argumentou que tinha requerido a isenção do pagamento do IMT em acto seguido à transmissão, mas antes da liquidação, e o Serviço de finanças indeferiu o pedido com o fundamento de que o mesmo devia ter sido apresentado antes do acto ou do contrato. E a final peticiona a anulação do acto tributário e que se imponha à AT a apreciação do pedido de isenção.
Aparentemente o Recorrente assenta a invalidade do acto de liquidação de IMT no facto de a AT não ter apreciado o pedido de isenção, mas ao mesmo tempo pretende que o tribunal conheça do “mérito” do indeferimento do pedido de isenção, sobre o qual foi entretanto proferida decisão expressa.
No que respeita à junção do documento que constitui fls. 297/300, afigura-se-nos que a mesma deve ser indeferida, uma vez que o Recorrente teve oportunidade para juntar o mesmo antes da prolação da decisão em 1.ª instância e não o fez, em violação do disposto no artigo 425.º do CPC.
Por outro lado a questão de ilegalidade que o Recorrente colocou ao tribunal de 1.ª instância não tem a ver com a apreciação do mérito do acto de indeferimento do pedido de isenção, sobre o qual o impugnante não tece quaisquer considerações ou fornece quaisquer elementos, mas sim por a AT não ter apreciado, em acto prévio à emissão do acto tributário, esse pedido. E é exactamente por esse motivo que a final o Recorrente, para além da anulação do acto tributário, peticiona ao tribunal que se imponha à AT a apreciação desse pedido de isenção. Aliás não podia ser doutra forma, uma vez que à data da propositura da acção ainda não tinha sido proferido o acto de indeferimento expresso e por outro o impugnante não invoca a formação de acto de indeferimento tácito. Sendo certo que no decurso da acção o impugnante não ampliou o seu pedido, nem juntou aos autos quaisquer outros elementos que permitissem ao tribunal “a quo” conhecer do mérito do acto de indeferimento.
Assim, as considerações que o tribunal “a quo” tece a propósito da forma processual adequada para atacar aquele acto de indeferimento são feitas apenas a título lateral e não como se o impugnante tivesse enunciado essa questão.
Afigura-se-nos ainda assim, que a questão a apreciar pelo tribunal “a quo” seria a de saber se tendo o Recorrente apresentado pedido de isenção de IMT, a AT podia ter procedido à prática do acto de liquidação sem previamente ter apreciado aquele pedido (segundo a perspectiva do Recorrente de estarem intrinsecamente ligados os dois pedidos peticionados)
Alega o Recorrente que a aquisição dos imóveis objecto de transmissão beneficia da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do CIMT, referente a imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do CIMT «as isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar».
No caso concreto dos autos, o pedido de isenção de IMI foi apresentado em 18/02/2008, ou seja, posteriormente ao acto em que os imóveis foram adjudicados ao Recorrente – 16/07/2007. Assim e ainda que tal facto não constitua óbice à apreciação do pedido de isenção, certo é que não está vedado à AT proceder de imediato à emissão do acto de liquidação. Ou seja, o facto de o pedido de isenção ter sido apresentado em momento anterior à prática desse acto e não ter sido apreciado, não tem qualquer repercussão na validade daquele acto tributário. Caso aquele pedido de isenção seja deferido, e como os seus efeitos retroagem à data da sua apresentação, sempre há lugar à reconstituição da situação anterior a esse acto, e o sujeito passivo terá direito a juros indemnizatórios pela privação do montante correspondente ao imposto pago (como ocorrerá o contrário a favor da AT, como se alcança do n.º 12 do artigo l0.º do CIMIT).
Afigura-se-nos, assim, que o acto tributário não padece da ilegalidade que lhe é assacada pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a confirmação da sentença».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Em 04/12/1985 e 07/12/1995, faleceram, respectivamente, B……… e C……… (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. ... do PAT apenso);

B) Em 16/07/2007, teve lugar a acta de conferência de interessados no âmbito do processo de inventário (herança) n.º 225/2000, que correu termos no 3.º Juízo – 2.ª Secção, dos Juízos Cíveis de Lisboa, na qual se decidiu adjudicar ao Impugnante e a D……, as seguintes verbas em comum e sem determinação de parte ou direito, nomeadamente, o prédio urbano sito em Évora, na Rua …………………., inscrito na matriz predial da freguesia de Sé e S. Pedro sob o art. 596, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 132, ao qual foi fixado o valor de € 175.000,00, e o prédio urbano sito em Évora, na Travessa ……………., inscrito na matriz predial da freguesia de São Pedro, sob o art. 216, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 131, ao qual foi fixado o valor de € 75.000,00 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. ... do PAT apenso);

C) Em 25/01/2008, o Impugnante apresentou a declaração Modelo 1 do IMI referente ao prédio urbano sito em Évora, na Rua …………….., inscrito na matriz predial da freguesia de Sé e S. Pedro sob o artigo 596.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 132 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial);

D) Em 25/01/2008, o impugnante apresentou a declaração Modelo 1 do IMI referente ao prédio urbano em Évora, na Travessa …………….., inscrito na matriz predial da freguesia de São Pedro, sob o art. 216, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 131 (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial);

E) Em 18/02/2008, o impugnante requereu a isenção do IMT referente à aquisição dos prédios melhor identificados na alínea anterior (cft. fls. 2 a 7 do PAT apenso);

F) Em 12/03/2008, foi remetido ao impugnante o ofício n.º 4359919, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085125», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1190 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

G) Em 12/03/2008, foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 4359916, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085126», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1190 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

H) Em 12/03/2008, foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 4359895, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085121», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1189 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

(cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial);

I) Em 12/03/2008, foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 4359903, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085122», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1189 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

J) Em 12/03 foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 4359907, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085123», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1189 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

K) Em 12/03/2008, foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 4359912, com o assunto «Notificação da Avaliação da Ficha n.º 002085124», do qual resulta a avaliação atribuída ao prédio em total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o 1189 da freguesia 070520, do qual se extrai o seguinte:

L) Com data de 12/05/2009, foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 01759, com o assunto «IMT - Partilha por óbito», de cujo teor resulta o seguinte:

«Fica V. Ex. notificado(a) nos termos do n.º 2 do art. 19.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), por força da alínea c) do 5 do art. 2.º, e para efeitos do n.º 3 do art. 21.º do CIMT, que deve, no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento de € 3.841,86, como determina o n.º 7 do art. 36.º do CIMT, bem como da importância de € 936,00 respeitante ao Imposto de Selo liquidado nos termos do n.º 1 do art. 1.º do respectivo Código, referentes à partilha por óbito de B………. e C……………, conforme a descrição seguinte:
Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) com referência à sentença proferida em 16/07/2007, na 2.ª Secção do 3.º Juízo Cível, na sequência de Acta de Conferência de Interessados da mesma data e relativa ao Processo de Inventário n.º 225/2000 instaurado por óbito de B…………. e C…………., ocorridos respectivamente em 04/12/1985 e 07/12/1995.
Outorgantes:
E………… — NIF …………..;
F………… — NIF ……………;
G………… — NIF ……………;
A………… — NIF …………….;
D………… — NIF ……………..
Demonstração da Liquidação
Bem 1 – Prédio urbano à data da partilha inscrito sob o art. 566.º de Sé e S. Pedro, concelho de Évora e actualmente inscrito sob o art. 1189.º da mesma freguesia, destinado a comércio e habitação, com o valor patrimonial de € 113.470,00 e o valor atribuído na partilha de € 175.000,00;
Bem 2 – Prédio urbano inscrito sob o art. 565.º da freguesia de Sé e S. Pedro, destinado a habitação com o valor patrimonial de € 59.500,00 e o valor atribuído na partilha de € 75.000,00;
Bem 3 – Prédio urbano à data da partilha inscrito sob o art. 521.º da freguesia de Sé e S. Pedro, concelho de Évora e actualmente inscrito sob o art. 1188.º da mesma freguesia, destinado a habitação, com o valor patrimonial de € 99.010,00 e o valor atribuído na partilha de € 134.000,00; ½ Indiviso dos bens 1 e 2 adjudicados ao 4.º outorgante – A…………. – NIF …………..;
Quota-parte na herança 1/48; valor: € 8.000,00; Valor atribuído na partilha: € 125.000,00; Excesso quota-parte € 117.00,00; Matéria Colectável € 81.900,00 (outros destinos), taxa 6,5% + € 35.100,00 (destino Habitação), taxa 1%; Colecta Total € 5.674,50.
Foram tidos como referência os valores atribuídos, por superiores aos valores patrimoniais tributários.
Compensação do DUC n.º 160.808.003.612.603 na importância de € 1.832,62
IMT A PAGAR: € 3.841,88
IS tg, verba 1.1: € 936,00
(...)» (cfr. fls. 39 e 39 do PAT apenso);

M) Em 20/10/2009, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Évora proferiu despacho de remessa para a Direcção de Finanças para apreciação superior e de concordância com a informação da mesma data, da qual resulta o seguinte:
«(…)
Nos termos da alínea g) do art. 6.º do CIMT, estão isentos de IMT, as aquisições de prédios classificados como interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, sendo estas isenções reconhecidas por Despacho do Director Geral dos Impostos sobre informação dos serviços competentes, como determina a alínea a) do n.º 7 do art. 10.º do CIMT. Mais estatui o n.º 1 do art. 10.º que o requerimento deverá ser apresentado antes do acto ou contrato e antes da liquidação.
Acrescendo ainda que, nos termos do art. 13.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da Segurança Social, o que se verifica.
Pelo que, e de acordo com o exposto, me parece que o pedido de isenção seja de Indeferir, notificando-se previamente o requerente do respectivo projecto para o exercício do direito de audição, nos termos do art. 60.º da Lei Geral Tributária.
(...)» (cfr. fls. 20 a 22 do PAT apenso);

N) O prédio urbano sito na Rua ……………, em Évora, inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º 566, é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, com o valor patrimonial tributária de € 42.904,87, determinado em 2003 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial);

O) O prédio urbano melhor identificado na alínea anterior foi avaliado em 2008, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 44.192,02 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial);

P) O prédio urbano sito na Travessa …………….., inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º 565, é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, com o valor patrimonial tributária de € 12.432,22, determinado em 2003 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial);

Q) O prédio urbano melhor identificado na alínea anterior foi avaliado em 2006, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 12.805,19 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial);

R) O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º 566 deu origem ao artigo matricial 1189 (cfr. documento n.º 1 junto com a contestação);

S) A presente impugnação judicial foi remetida, por fax, em 07/08/2009 e, por correio registado, em 10/08/2009 (cfr. fls. 1 e 14 dos autos)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Em sede de partilhas judiciais, foram adjudicados ao Recorrente dois prédios.
A AT, considerando que o valor desses prédios excedia a quota do ora Recorrente, liquidou-lhe IMT na parte respeitante a esse excesso.
Inconformado com essa liquidação, o ora Recorrente impugnou-a com diversos fundamentos, dos quais ora nos importa considerar apenas o que se refere ao alegado indeferimento do pedido de isenção de IMT (cfr. arts. 35.º a 45.º da petição inicial), uma vez que em sede de recurso só é questionada a sentença em causa na parte em que, nas palavras do Recorrente, decidiu «não apreciar o mérito do pedido de anulação da liquidação com base em vício de lei por indeferimento do pedido de isenção de IMT». Recordemos:
Na petição inicial, para além do mais que ora não releva, o Impugnante alegou que tinha requerido a isenção do pagamento de IMT ao abrigo do disposto no art. 6.º do Código daquele imposto e que o Serviço de Finanças de Évora indeferiu o requerimento com o fundamento «que o pedido de isenção deveria ser apresentado antes do acto ou do contrato de alienação dos imóveis em questão». Insurge-se contra essa decisão, parecendo que a sua discordância assenta no entendimento de que no caso, em que a aquisição objecto de tributação resulta de partilha judicial, só após esta, mas antes da liquidação, «fará sentido pedir a isenção do imposto que, por sua vez, irá recair sobre a alienação em causa».
Cumpre ainda ter presentes os termos em que, a final, formulou o pedido: «[…] deve ser dado provimento à presente impugnação judicial e, consequentemente, [ser] revogada a decisão que procedeu à liquidação de IMT nos termos referidos, ressalvando-se que o Serviço de Finanças de Évora se deverá pronunciar sobre o pedido de isenção apresentado».
Na sentença, a propósito do invocado indeferimento do pedido de isenção, deixou-se dito o seguinte: «não resulta dos autos que tenha sido proferido qualquer acto definitivo de indeferimento do pedido de isenção de IMT apresentado pelo Impugnante, pelo que será prematura qualquer pronúncia sobre tal acto». Note-se que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja interpretando a pretensão do Impugnante, conclui que «o que este pretende é a anulação do acto de impugnação de IMT, com a consequente reconstituição da situação jurídico-tributária».
Sem prejuízo de ter considerado que não existia decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMT referido na petição inicial, a sentença entendeu referir que «[e]m qualquer caso» nunca seria a impugnação judicial o meio processual adequado para um eventual pedido de anulação do acto de indeferimento do pedido de isenção de IMT, o qual deveria ser formulado em acção administrativa (especial, antes da alteração introduzida no Código de Processo nos Tribunais Administrativos pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro); mais, que, a ser formulado conjuntamente com o pedido de anulação da liquidação, teria como consequência o erro parcial na forma do processo, insusceptível de ser corrigido (mediante convolação para a forma processual adequada), a determinar que os autos prosseguissem apenas para apreciação do pedido de anulação da liquidação.
Nas alegações de recurso e respectivas conclusões, o Recorrente parece arrancar do entendimento de que a sentença terá considerado existir erro na forma do processo quanto ao pedido de anulação do acto de indeferimento do pedido de isenção (cfr. conclusão J). Depois, invocando que o indeferimento desse pedido foi invocado como fundamento da ilegalidade da liquidação, sustentou que, por isso, deveria a sentença tê-lo apreciado. A seu ver, a sentença deverá ser revogada e os autos devem «descer ao tribunal de 1.ª instância para que este se pronuncie sobre o mérito do indeferimento do pedido de isenção de IMT».
Com as alegações, o Recorrente apresentou um documento (cfr. fls. 297 a 300) destinado a comprovar o indeferimento do pedido de isenção de IMT, invocando que o fazia ao abrigo do disposto no art. 425.º do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento no que se refere à isenção de IMT invocada pelo Impugnante.
Previamente, haverá ainda que indagar da admissibilidade da junção aos autos do documento apresentado pelo Recorrente com as alegações.


*

2.2.2 DA JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM A ALEGAÇÃO DO RECURSO

Com as alegações o Recorrente apresentou um documento destinado a comprovar o indeferimento do pedido de isenção, invocando que fazia essa apresentação ao abrigo do art. 425.º do CPC, norma legal que dispõe: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».
Antes do mais, vejamos que documento é esse. Trata-se da decisão (despacho de 3 de Agosto de 2010) por que a AT indeferiu o pedido de isenção de IMT, comunicado ao ora Recorrente por carta registada com aviso de recepção.
Como tem vindo a dizer este Supremo Tribunal (Vide, por todos, o acórdão da formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 570/14, disponível em
http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/427c64fe08cbf37c80257de8004eac85.), a apresentação de documentos com as alegações de recurso tem carácter excepcional e são três os fundamentos que a podem justificar: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1.ª instância (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 ao art. 279.º, págs. 341 a 344.).

No caso dos autos, a apresentação do documento pode encontrar justificação no primeiro fundamento. Na verdade, o prazo para as alegações pré-sentenciais estava já esgotado quando foi proferida (e, por maioria de razão, quando foi notificada) a decisão de indeferimento do pedido de isenção. Tenha-se presente que tal prazo foi fixado em 30 dias por despacho proferido em 23 de Março de 2010 (cfr. fls. 179) e notificado ao Impugnante no dia 30 desse mesmo mês (cfr. fls. 181), enquanto o documento apresentado com as alegações de recurso se refere a uma decisão administrativa que foi proferida em Agosto desse ano. O que significa que o documento não poderia ter sido apresentado até encerramento da discussão da causa na 1.ª instância, motivo por que é de admitir a apresentação do documento em causa com o recurso.
Questão diversa é a da pertinência do documento, ou seja, da sua susceptibilidade de servir de meio de prova dos factos alegados ou de factos de conhecimento oficioso que, uns e outros, sejam relevantes para a decisão a proferir. Adiante procuraremos dar resposta a essa questão.


*

2.2.3 DA ISENÇÃO DE IMT COMO FUNDAMENTO DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO

Antes de avançarmos na apreciação da questão, urge esclarecer que a sentença não decidiu no sentido da verificação do erro parcial na forma do processo; nem sequer considerou que o Impugnante tivesse formulado mais do que um único pedido, qual seja o de anulação da liquidação de IMT.
Assim, salvo o devido respeito, a argumentação do Recorrente, de que a sentença fez errado julgamento quando decidiu pela verificação do erro parcial na forma do processo assenta num pressuposto errado. O lapso do Recorrente poderá explicar-se pelo facto de na sentença, depois de se ter deixado dito que, contrariamente ao que foi alegado na petição inicial, o pedido de isenção de IMT não fora objecto de indeferimento, se terem tecido diversos considerandos em torno do meio processual adequado para discutir a legalidade de eventual decisão administrativa de indeferimento desse pedido. Na verdade, depois de afirmar que, «[…] conforme alega a Fazenda Pública, não resulta dos autos que tenha sido proferido qualquer acto de indeferimento do pedido de isenção de IMT formulado pelo Impugnante», a sentença deixou dito: «Em qualquer caso, sempre se note que a forma do processo adequada para conhecer do acto de indeferimento do pedido de isenção de IMT não é a impugnação judicial, mas sim a acção administrativa especial»; e prosseguiu tecendo diversos considerandos em ordem a distinguir o âmbito da impugnação judicial e o da acção administrativa especial, bem como a estabelecer as consequências de um eventual erro parcial na forma do processo, ou seja, da circunstância de serem deduzidos dois pedidos e a forma processual escolhido só ser a adequada relativamente a um deles.
No entanto, há que tê-lo bem presente, todos estes considerandos em torno dos meios processuais e do erro na forma do processo foram feitos como mero reforço argumentativo da tese que, indubitavelmente, foi a que ditou o insucesso da impugnação judicial no que respeita ao invocado indeferimento do pedido de isenção: não existe acto de indeferimento do pedido de isenção. Que assim é resulta do próprio tempo verbal escolhido pela Juíza do Tribunal a quo para a parte da sentença em que teceu esses considerandos: o condicional. Na verdade, no parágrafo em que concluiu esse discurso argumentativo ficou dito: «[…] a admitir-se que o Impugnante pretenderia, aqui, que o Tribunal se pronunciasse sobre os dois pedidos existiria um erro parcial na forma do processo, quanto ao pedido de anulação do acto de indeferimento do pedido de isenção, não susceptível de convolação […], pelo que sempre prosseguiriam os presentes autos, apenas, para conhecimento da ilegalidade do acto de liquidação sindicado» (sublinhados nossos).
Os considerandos em causa foram efectuados, reiterámo-lo, como mero reforço argumentativo, ou seja, não constituem um fundamento da decisão (uma ratio decidendi), uma questão que tenha sido apreciada e decidida pela sentença, mas um mero argumento retórico em reforço do sentido em que se decidiu, ou seja, aquilo que a jurisprudência caracteriza como um obiter dictum ou, de modo mais impressivo, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão» (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 511/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5d5a0bbcf303621780257bf8005550d6;
- de 11 de Março de 2015, proferido no processo n.º 197/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51f17429bfd53bf580257e0b004b4e3b;
- de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 328/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/594bf363046f2ee98025828700402b2a.).
Ou seja, o motivo por que a sentença considerou que não podia pronunciar-se sobre o indeferimento do pedido de isenção, enquanto fundamento do pedido de anulação da liquidação, foi o de não existir decisão de indeferimento; não foi por ter considerado que tinha sido formulado pedido de apreciação da legalidade dessa decisão e ter decidido pela verificação do erro na forma do processo relativamente a esse pedido.
Assente que ficou que a sentença não decidiu no sentido do erro parcial na forma do processo, resta-nos verificar se havia decisão administrativa sobre o pedido de isenção ou se a inexistência da mesma poderia repercutir-se de algum modo na legalidade do acto de liquidação (o único acto impugnado na presente impugnação judicial).
Que não havia decisão do pedido de isenção à data em que foi efectuada a liquidação resulta da sentença. Aliás, parece também resultar dos termos do pedido formulado na petição inicial: «[…] deve ser dado provimento à presente impugnação judicial e, consequentemente, [ser] revogada a decisão que procedeu à liquidação de IMT nos termos referidos, ressalvando-se que o Serviço de Finanças de Évora se deverá pronunciar sobre o pedido de isenção apresentado» (sublinhado nosso).
Nem se diga que o documento apresentado pelo Recorrente com as alegações aponta em sentido diverso. Bem pelo contrário, apenas vem confirmar que a decisão do pedido de indeferimento ocorreu em momento ulterior à liquidação e até em momento ulterior à apresentação da petição inicial.
É certo que, como bem salienta o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a alegação do Impugnante poderia ser encarada no sentido de que não poderia a liquidação ser efectuada enquanto não estivesse decidido o pedido de isenção.
Mas também sob essa óptica, o pedido não poderia proceder. Na verdade, a lei não impõe que a liquidação aguarde a decisão do pedido de isenção. Sendo certo que este poderá ser efectuado após o acto ou contrato que deu origem à transmissão, desde que antes da liquidação, como resulta do n.º 1 do art. 10.º do CIMT, nada impõe a suspensão do procedimento de liquidação até que esteja decidido o pedido.
Como também bem salienta o Procurador-Geral Adjunto, se o pedido de isenção vier a ser deferido, por decisão administrativa ou em consequência de decisão judicial, porque o direito deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (cfr. art. 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais), haverá lugar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo a devolução do montante pago e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. art. 100.º da Lei Geral Tributária).
Por tudo o que ficou dito, o recurso não pode ser provido.


*

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não constituem ratio decidendi os considerandos aduzidos na sentença como um obiter dictum, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão», na impressiva expressão que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a usar.
II - Não se comprovando a existência de decisão administrativa de indeferimento do pedido de isenção de IMT em data anterior à liquidação não pode servir de fundamento ao pedido de anulação deste acto a eventual ilegalidade daquela decisão.


* * *

3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
*
Lisboa, 23 de Maio de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.