Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/19.1BALSB
Data do Acordão:04/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27545
Nº do Documento:SAP202104210101/19
Data de Entrada:12/31/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., com o número de identificação fiscal 500 792 615 e sede na Rua Castilho, n.º 5, 1250-066 Lisboa, tendo sido notificada do acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Janeiro do corrente ano, tirado nos presentes autos, veio nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d) do artigo 615.º do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), arguir a nulidade da referida decisão.

Para o efeito, apresentou alegações, que resumimos do seguinte modo:

i. O acórdão de que se reclama permite várias interpretações;

ii. a interpretação segundo a qual se decidiu ordenar a ampliação da matéria de facto,

iii. a interpretação segundo a qual se decidiu formular um juízo definitivo sobre a decisão administrativa

iv. e a interpretação segundo a qual se determinou tão somente a anulação da decisão arbitral;

v. na primeira hipótese, a decisão é nula por ser ambígua ou ininteligível;

vi. na segunda hipótese, é também nula por excesso de pronúncia;

vii. na terceira hipótese, é também nula por omissão de pronúncia.

Pediu a anulação do acórdão e a substituição por acórdão que decida a situação de facto em análise, suprindo as nulidades.

Juntou três documentos.

A parte contrária nada disse.

Cumpre decidir.

2. Pelo seu interesse para a decisão a proferir, segue-se a transcrição do texto do documento n.º 3 que instruiu a presente reclamação:

Processo n.º 477/2019-T

CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., Requerente neste processo arbitral, notificada do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), proferido no âmbito do processo n.º 101/19.1 BALSB, vem pedir informação sobre se «os autos deverão baixar ao CAAD para que seja reformada a decisão em função das conclusões nele vertidas, em particular a constante do 4.2 do Acórdão STA ou o Acórdão STA substitui a decisão arbitral recorrida.

O Tribunal Arbitral encontra-se dissolvido desde 19-11-2019, nos termos do artigo 23.º do RJAT, pelo que, presentemente, não existe um órgão jurisdicional arbitral com competência para apreciar o requerido.

No entanto, atento o princípio da informalidade, que vigora nos processos arbitrais tributários (artigo 29.º, n.º2, do RJAT), poderá informar-se que, não determinando o Supremo Tribunal Administrativo que seja ampliada a matéria de facto ou que seja proferida nova decisão arbitral, não há qualquer suporte legal para ser proferida uma nova decisão arbitral.

Quanto ao alcance da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente se substituiu ou não a decisão recorrida, será o próprio que poderá, eventualmente, esclarecer, se for caso disso.

Lisboa, 29-01-2021


O ex-Presidente do Tribunal Arbitral dissolvido

(assinatura)


3. Do teor das doutas alegações decorre que a Recorrente considera que a decisão reclamada, por si só ou em articulação com os fundamentos que transcreve, consente três interpretações:

a) A interpretação segundo a qual o tribunal de recurso decidiu ordenar a ampliação da matéria de facto;

b) A interpretação segundo a qual o tribunal de recurso decidiu formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida;

c) A interpretação segundo a qual o tribunal de recurso decidiu, tão somente, a anulação da decisão arbitral.

Do teor das doutas alegações de recurso também decorre que a Recorrente também considera que, na primeira hipótese, a decisão é nula por ser ambígua ou ininteligível; na segunda hipótese, é nula por excesso de pronúncia; na terceira hipótese, é nula por omissão de pronúncia.

A primeira questão que importa resolver é a de saber se, de facto, a decisão reclamada consente estas interpretações. Pois que, neste caso, será ininteligível em qualquer das hipóteses consideradas, isto é, qualquer que seja o sentido autêntico da decisão.

A esta questão respondemos negativamente. Quer a fundamentação do acórdão, quer o seu segmento decisório, só consentem uma interpretação.

A interpretação segundo a qual os elementos de facto colhidos no processo arbitral são insuficientes para formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa (tendo em conta que não foi indagado se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização de veículos). E que a consequência a extrair daí é a anulação da decisão arbitral recorrida.

Salvo o devido respeito, não há absolutamente nada na decisão reclamada ou nos seus fundamentos que consinta alguma das outras interpretações.

A interpretação segundo a qual o tribunal de recurso pretendeu formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa não cabe na decisão e é expressamente contrariada, além do mais, pelo segmento fundamentador que a própria Reclamante teve o cuidado de transcrever na parte final do artigo 20.º das doutas alegações.

A interpretação segundo a qual o tribunal de recurso pretendeu ordenar a ampliação da matéria de facto também não tem nenhum respaldo no segmento decisório e é expressamente contrariada, além do mais, pelo segmento fundamentador que a própria Reclamante teve o cuidado de transcrever na parte final do artigo 9.º das doutas alegações e, em especial, na parte que ela própria realçou e sublinhou.

A verdade é que Reclamante apoia a ambiguidade da fundamentação e a inteligibilidade da decisão, não no que se diz no acórdão, mas no que o acórdão não diz e, no entendimento da Reclamante, deveria dizer.

No entendimento da Reclamante, o tribunal de recurso deveria ter ordenado a ampliação da matéria de facto.

Porque o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo já decidiu assim em casos idênticos; porque a Reclamante entende que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo «quis» decidir da mesma forma neste caso; porque o Senhor Presidente do Tribunal Arbitral, entretanto dissolvido, considera que não há qualquer suporte para ser proferida nova decisão arbitral se o tribunal de recurso não o ordenar expressamente.

Ou seja, o problema não está, nem nunca esteve, no que consta da fundamentação ou da decisão: está no que dela não consta e a Reclamante entende que deveria constar, face a elementos que também não constam da decisão, mas que a Recorrente entende implícitos face a decisões anteriores e outros entendimentos.

Ora, daqui não deriva nenhum vício formal do acórdão de que se reclama. Deriva apenas que não se conjuga com certos entendimentos a que o acórdão, em si mesmo, é alheio e pelos quais não tem que responder.

Na verdade, a ilação segundo a qual o Tribunal «visou (…) determinar a necessária ampliação da matéria factual» (ponto 19.º das doutas alegações) não deriva objectivamente de nenhuns elementos da decisão nem do processo e não pode, ao contrário do que alega a Reclamante, considerar-se implícita nas passagens invocadas, visto que ordenar a ampliação da matéria factual não é uma decorrência lógica do reconhecimento de que não há elementos factuais suficientes para decidir. Trata-se, por isso, de uma ilação que só pode ser imputada à própria Reclamante.

Por outro lado, o facto de o Supremo Tribunal Administrativo já ter decidido de uma determinada forma no passado não constitui elemento interpretativo da presente decisão nem garantia de que nela se decida da mesma forma. E, embora se reconheça que, a bem da transparência e da previsibilidade das decisões, as mudanças de entendimento devam ser assinaladas e justificadas, a sua falta não constitui nenhuma nulidade.

Por último, o facto de o Senhor Presidente do Tribunal Arbitral, entretanto dissolvido, ter manifestado um certo entendimento sobre a lei arbitral e os poderes dos Tribunais Arbitrais não deriva, naturalmente, nenhuma consequência no plano da validade da decisão reclamada.

Conclui-se, por isso, que nem a fundamentação é ambígua em si mesma, nem a decisão é ininteligível em si mesma ou em relação com a respetiva fundamentação.

É claro que, se o tribunal de recurso nunca decidiu sobre a legalidade da decisão administrativa e nem tal interpretação é objectivamente admissível, não há sequer que considerar o invocado excesso de pronúncia.

Fica uma última questão, que podemos subdividir em duas: a de saber se o Supremo Tribunal Administrativo tinha o dever de ordenar a um tribunal que não é permanente e que não integra a sua jurisdição que ampliasse a matéria de facto, nas circunstâncias dos autos; e a de saber se, em caso afirmativo, ao omitir esse dever incorreu em omissão de pronúncia.

A Recorrente defende que sim, apoiada no artigo 695.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Mas nem o dispositivo em causa nem o n.º 6 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos versam sobre a situação dos autos.

Porque já pressupõem que o tribunal de recurso esteja em condições de decidir do objecto da decisão recorrida em substituição do tribunal recorrido. O que, reconhecidamente, não sucede no caso.

Pelo que só poderia considerar-se a aplicação ao caso do artigo 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por identidade de razão.

Sucede que este dispositivo se adapta mal aos casos em que o tribunal recorrido não é um tribunal permanente e não pertence à mesma ordem jurisdicional.

Por outro lado, as consequências das decisões estaduais que se reconduzam à anulação das decisões arbitrais pelos tribunais estaduais estão genericamente previstas no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária, diploma que se aplica à arbitragem administrativa, atento o artigo 181.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Razão porque o Supremo Tribunal Administrativo entendeu rever posição face a decisões anteriores e assumir que, em situações como a dos autos, só lhe compete anular a decisão arbitral recorrida. Cabendo às partes e, se for caso disso, ao tribunal arbitral, extrair as consequências da anulação.

Pelo que à questão de saber se o Supremo Tribunal Administrativo tinha o dever de ordenar a um tribunal que não é permanente e que não integra a sua jurisdição que ampliasse a matéria de facto respondemos agora negativamente.

Em consequência, nunca poderia a decisão reclamada padecer de algum vício por não o ter ordenado. Incluindo a invocada omissão de pronúncia.

Pelo que a douta reclamação deve improceder totalmente.

4. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a reclamação.

Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta.

D.n.

Lisboa, 21 de abril de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.