Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0398/18
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23228
Nº do Documento:SA1201804260398
Data de Entrada:04/16/2018
Recorrente:A........., S.A.
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ........ E B........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………., S.A. intentou, no TAF de Braga, contra a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ……….. (doravante SCM…..), acção de contencioso pré-contratual impugnando a deliberação da Ré, de 14/03/2017, que adjudicou a B…………, S.A. – que indicou como contra interessada - a requalificação do Lar ……….. da Santa Casa da Misericórdia de ………, no âmbito de concurso limitado por prévia qualificação, pedindo (1) a anulação do referido acto de adjudicação; e (2) a anulação do contrato de empreitada objecto do concurso se este já tiver sido celebrado com todas as consequências legais.

O TAF, por saneador - sentença, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido

O TCA Norte, para onde a Autora apelou, manteve essa decisão.

É desse Acórdão que a Autora recorre (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Recorrente intentou no TAF de Braga acção de contencioso pré-contratual pedindo a anulação do acto de adjudicação da empreitada de requalificação do Lar ………….. da Santa Casa da Misericórdia de ………… e anulação do contrato de empreitada se este, entretanto, já tiver sido celebrado. Para o que alegou que o mesmo estava inquinado por vício de forma - falta de fundamentação na avaliação das propostas e - violação de lei – errada avaliação da proposta vencedora e da proposta da Recorrente.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente e o TCA, para onde a Autora apelou, manteve esse julgamento.
É essa decisão a Autora/Recorrente pretende ver revogada.

3. O Acórdão sob censura considerou que a Recorrente litigava sem razão pelas razões que sumariou do seguinte modo:
- tendo o Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto, dado por inteiramente reproduzidos o Caderno de Encargos e o Programa do Procedimento (provados por documentos), e constituindo o critério de adjudicação do procedimento e respectivo modelo de avaliação das propostas, designadamente a sua grelha classificativa, elementos integrantes do Programa do Procedimento, improcede a alegação da aqui Recorrente quando considera que o Tribunal errou quanto à fixação da matéria de facto e, como tal, devem os referidos elementos ser aditados à matéria de facto provada;
- nos termos da Jurisprudência uniformizada do STA - Acórdão 2/2014, de 21/01-, o Júri do procedimento ao apreciar e valorar as propostas apresentadas, por referência a uma grelha de avaliação, previamente fixada - com a previsão de cinco itens valorativos, os quais indicam que o processo decisório passa pela avaliação do grau de descrição dos trabalhos a executar, dos documentos a produzir ou controle a efectuar para cumprimento das disposições constantes das peças do procedimento, bem como da sua coerência, detalhe e completude da referida descrição - e, posteriormente, ao fazer constar do Relatório as classificações apuradas, exprimiu, de forma cabal, a valia de cada uma das propostas, resultando evidente e manifesto encontrarem-se satisfeitas as exigências de fundamentação por serem capazes de esclarecer qualquer destinatário dos motivos das pontuações atribuídas;
- acresce que a entidade adjudicante consignou nas peças do procedimento uma perfeita correspondência/coerência entre os documentos exigidos para a proposta e os respectivos atributos, ao definir os subfactores que densificam o critério de avaliação das propostas por exacta correspondência e em consonância com os documentos exigidos na Cláusula 29ª do Programa do Procedimento, conferindo, dessa forma, uma maior segurança aos concorrentes, na medida em que sabem quais os documentos que contêm os atributos da proposta alvo de avaliação no procedimento e, bem assim, uma maior transparência na relação entre os atributos das propostas e os documentos;
- da leitura da Cláusula 14ª do Programa do Procedimento extrai-se a exigência de que os documentos exigidos pelo Programa sejam redigidos em língua portuguesa, sendo certo que o elenco dos documentos exigidos resulta do disposto na Cláusula 29ª do Programa;
- da leitura do rol de documentos exigidos pelo Programa do Procedimento conclui-se que os catálogos e fichas técnicas que seguiram anexos ao documento "Memória Descritiva" não se assumem como documentos obrigatórios;
- estando em causa elementos/documentos facultativos, destinando-se apenas a dotar a entidade adjudicante de mais informação relativamente aos materiais e equipamentos propostos pela Contra-Interessada, descritos e enunciados em sede descritiva, não se lhes aplica a exigência prevista na Cláusula 14ª do Programa do Procedimento, nem caem na previsão do n° 2 do artigo 58° do CCP;
- os referidos elementos apenas poderão considerar-se documentos facultativos para efeitos do disposto no n° 3 do artigo 57° do CCP; e assim sendo, estão apenas sujeitos ao regime do disposto no n° 3 do artigo 58° do mesmo diploma, nos termos do qual resulta que tais documentos poderão estar redigidos em língua estrangeira, salvo se o programa dispuser diferentemente, o que não sucede, in casu;
- tal equivale a dizer que, contrariamente ao alegado, a sentença sob censura apreciou devidamente a factualidade controvertida e aplicou correctamente o direito, socorrendo-se da Jurisprudência e da Doutrina, pelo que se manterá na ordem jurídica.

Todavia, ao justificar porque considerava que a grelha usada pelo Júri era suficiente para os concorrentes ficarem a saber a razão da sua classificação refugiou-se em considerações gerais – os itens que dela constavam, que transcreveu, eraminstrumentos de avaliação aceitáveis em função do concreto objecto contratual e em que há lugar a valorações feitas pela Administração, num espaço apreciativo que lhe é próprio, desde que respeitados os princípios fundamentais da contratação pública e da actuação administrativa, mormente os da igualdade, concorrência, imparcialidade, transparência, publicidade e boa fé” sem descer ao concreto e sem demonstrar que, efectivamente, as considerações tecidas pelo Júri eram suficientes para explicar a razão da classificação dos concorrentes.
Nesta conformidade, atento valor da acção e a importância jurídica das questões que são trazidas no recurso e a sua possível replicação justifica-se a admissão da revista.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir o recurso.
Sem custas.

Lisboa, 26 de Abril de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.