Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/12
Data do Acordão:03/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PROCESSO INSTRUTOR
Sumário:I - A junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº3, do CPC e 98º da LGT.
II - Assim sendo, não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do art. 201º do CPC e art. 2º, alínea e), do CPPT, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no art. 98º, nº 3, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P13936
Nº do Documento:SA220120328062
Data de Entrada:01/24/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I-RELATÓRIO
1- A……, S.A., com a identificação constante dos autos, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, os actos de liquidação adicional de IVA, relativo ao ano de 1995, no montante de 300.989.765$00 e de liquidação de juros compensatórios, respeitante ao período de 95.06, no montante de 105.222.723$00, que foi julgada improcedente (fls.257).
2- Não se conformando com aquela sentença, “A……, S.A.” veio interpor recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1. Ao ter indeferido a produção de prova testemunhal e ao ter conhecido imediatamente do mérito da Impugnação, a douta Sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 113º do CPPT.
2. Por outro lado, violou o disposto no artigo 120º do CPPT, já que não ordenou a notificação da Impugnante para alegar por escrito, querendo, antes da prolação da Sentença.
3. Com efeito, e embora não tenha sido ordenada a produção da prova testemunhal, a Contestação apresentada pelo ERFP foi acompanhada de produção de prova documental e foram juntas aos autos as informações oficiais a que aludem os nºs 2 e 3 do artigo 115º do CPPT— tudo prova documental superveniente.
4. Não se pode considerar que inexiste, “in casu”, a fase de produção de prova a que aludem os artigos 114º e ss. do CPPT.
5. Quando há lugar à instrução adicional dos autos, a omissão da notificação dos interessados para alegarem integra a nulidade processual prevista no artigo 201º do CPC, na medida em que se traduz em irregularidade com manifesta influência no exame ou na decisão da causa.
6. Com efeito, havendo instrução documental adicional do processo, não pode haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes, impostos pelos artigos 3º, nº 3 do CPC e 98º da LGT— violados pela douta Sentença recorrida.
7. Sendo o recurso jurisdicional o meio próprio para arguir tal nulidade, uma vez que o impugnante só tem conhecimento dessa omissão através da decisão final.
Acresce que, quanto à violação do direito de audição prévia antes das liquidações:
8. A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento.
9. Com efeito, e contrariamente ao decidido, não se pode afirmar, em abstracto, que, ainda que tivesse sido concedida ao contribuinte a possibilidade deste exercer o seu direito de audição prévia (antes das liquidações) — e o contribuinte exercesse efectivamente esse direito — essas liquidações, ainda assim, teriam sido inevitavelmente emitidas pela AF nos precisos termos em que o foram.
10. A circunstância da AF ou do Tribunal, passada mais de uma década em relação à data das liquidações, ter vindo considerar que estas não padeciam dos concretos erros de facto ou de direito que lhes foram imputados no processo de reclamação graciosa e, depois, no processo de impugnação nº IMP121/01/21, não significa, necessariamente, que as liquidações não possam padecer de outros erros de facto o de direito.
11. Com efeito, o contribuinte, previamente à emissão das liquidações, poderia ter suscitado outras questões e imputado às liquidações outros vícios, junto da AF, no exercício do seu direito de audição prévia.
12. E ninguém pode garantir, em abstracto, que a posição da AF, perante essa eventual arguição em sede do exercício do direito de audição prévia por parte do contribuinte, teria sido necessariamente a emissão das liquidações nos precisos termos em que as mesmas vieram a ser emitidas.
13. Aliás, o processo de impugnação nº IMP121/01/21 foi julgado procedente em V Instância — ou seja, os vícios aí concretamente imputados aos actos de liquidação foram julgados procedentes.
14. Não se tratando, portanto, de questões de interpretação inequívoca.
15. Pelo que não se pode afirmar, em abstracto, que o eventual exercício do direito de audição, antes das liquidações, seria de todo inútil.
16. E para maior evidência desse facto, basta constatar o teor da proposta de deferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações em causa, do Exmo. Chefe do 1º SF da Maia, a fls. 35 e ss. dos autos de reclamação apensos àquele processo nº IMP121/01/21 (cfr. doc. 1 aqui anexo).
17. Bem como o teor da Informação dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária do Porto, a fls. 43 e 44 daqueles autos de reclamação (cfr. doc. 2 aqui anexo).
18. Uma e outra claramente direccionadas para o deferimento administrativo das pretensões do contribuinte e, por isso, para a anulação das liquidações.
19. Como se afirma no douto Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 02.06.2004, Prdc. 01591/03, in www.dgsi.pt, «Ora, como este STA tem reiteradamente decidido, “sempre que exista a possibilidade de os interessados, através da audiência prévia, influírem na determinação do sentido da decisão final, não haverá que retirar efeitos invalidantes ao vício de preterição da referida formalidade”(Ac. de 28.11.2001 — Rec. 46.586).).»
20. A decisão proferida no processo de impugnação nº IMP121/01/21 significa apenas que foram julgados improcedentes os vícios que ali foram imputados aos actos de liquidação.
21. Mas não significa, necessariamente, que as liquidações não possam padecer de outros vícios ou erros.
22. Assim, e porque a douta Sentença recorrida expressamente reconhece a ocorrência deste vício de violação do direito de audição prévia antes das liquidações, impõe-se a anulação das mesmas, em virtude da preterição dessa formalidade legal essencial.
23. E a isso nada obsta o conteúdo da decisão proferida naquele processo de impugnação nº IMP121/01/21, já que, neste processo de impugnação nº IMP121/01/21, não estava em causa a violação do direito de audição prévia, pelo que, quanto a ela, o ali decidido não constituiu “caso julgado”.
24. Com efeito, e como é entendimento unânime, ainda que o acto de liquidação eventualmente não padeça de quaisquer outros vícios, a violação do direito de audição prévia é passível de, só por si, conduzir à anulação dessas mesmas liquidações.
25. O respeito pelo “direito de audição” tem assento constitucional, impondo a obrigatoriedade de assegurar a participação dos interessados nas decisões administrativas que lhes dizem respeito, conforme determina o artigo 267 nº 5 da CRP — violado pela douta Sentença recorrida.
26. E conforme estipulava, à data das liquidações, o CPT, no seu artigo19º c), segundo o qual o “direito de audição” constituía garantia dos contribuintes, sendo perfeitamente autónoma do direito de reclamação ou impugnar contra as liquidações — preceito legal, aquele, igualmente violado pela douta Sentença recorrida.
27. Padecendo a douta Sentença, também, de violação do artigo 100º do CPA, que já impunha, antes da entrada em vigor da LGT, o respeito pelo direito de audição prévia.
28. As decisões proferidas posteriormente às liquidações, em processo de reclamação ou de impugnação judicial, porque autónomas do “direito de audição prévia” em sede administrativa, não podem “prejudicar” a essencialidade ou não deste mesmo direito.
29. A douta Sentença recorrida padece também de errada interpretação e aplicação do artigo 103º nº 2 a) do CPA.
30. Já que este preceito apenas permite a dispensa da audiência prévia se os interessados já se tiverem pronunciado, no procedimento, sobre as questões que importem à decisão — o que, manifestamente, não foi o caso.
31. Sendo claro que não foi conferida ao contribuinte qualquer oportunidade deste exercer o seu direito de audição prévia no procedimento administrativo de liquidação de imposto, é evidente que não se pode dispensar esse direito com fundamento precisamente no facto do contribuinte já se ter pronunciado anteriormente, nesse mesmo procedimento administrativo de liquidação de imposto.
32. Sendo certo que o fornecimento de informações e documentos à AF, a pedido desta, no âmbito do precedente procedimento inspectivo, tem a ver com a “instrução” prévia do procedimento administrativo de liquidação — e não com a concessão ao contribuinte da oportunidade deste exercer o seu direito de audição prévia.
33. Por outro lado, as liquidações adicionais de imposto, no caso, não constituíram “actos de 2 grau ou secundários”.
34. Aliás, a douta Sentença não especifica quais terão sido, então, os actos tributários de “1º grau ou primários”, muito menos por que razões afirma que “o contribuinte já foi ouvido no acto primário ou de 1 grau”.
35. Se a douta Sentença, porventura, se reporta, quando fala em acto de “1º grau ou primário”, ao anterior reembolso de IVA ao contribuinte, importa dizer que esse reembolso ocorre nas situações em que o contribuinte autoliquida, em declaração periódica de IVA, IVA dedutível (a montante) superior ao IVA liquidado (a jusante) e opta por solicitar o reembolso do respectivo crédito líquido de imposto (ao invés de optar pelo reporte desse crédito para períodos de imposto subsequentes).
36. Não podem os actos liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios em questão constituir “actos secundários ou de 2º grau” quando, no caso, inexistem quaisquer actos administrativos de “1º grau ou primários”.
37. E nada se provou no sentido de que o contribuinte tivesse sido previamente ouvido, no mesmo procedimento de liquidação, relativamente a qualquer anterior “acto primário ou de 1 grau”, sequer relativamente ao anterior reembolso de imposto.
38. Os sinais dos autos demonstram que aquele antecedente reembolso de IVA foi deferido e concedido ao contribuinte, constituindo as liquidações aqui impugnadas, por isso, o contrário, o inverso daquele anterior deferimento do reembolso de IVA.
39. Ora, ainda que, por mera hipótese, as liquidações em questão constituíssem, no caso, “actos secundários ou de 2 grau”, justifica-se sempre a prévia audiência dos interessados “quando o acto secundário se basear em matéria de facto nova que não conste do procedimento de primeiro grau e a decisão for desfavorável ao particular” (cfr. Freitas do Amaral, cit. supra).
40. Ora, dos autos não resulta qualquer sinal no sentido de que a concessão do reembolso e as liquidações aqui impugnadas ter-se-ão baseado na mesma matéria - aliás, é evidente que não terá sido o caso, pois são actos completamente opostos e de origem completamente distinta.
41. O contribuinte, antes da emissão do relatório inspectivo e das liquidações, nunca havia sido “confrontado” com o enquadramento jurídico que a AF entendeu conferir aos factos que a própria apurou no procedimento inspectivo.
42. Efectivamente, o contribuinte só teve oportunidade de se defender, quanto a essa concreta factualidade e respectivo enquadramento jurídico, depois de emitidas as liquidações.
43. Como é claro, o direito de audição “prévia” pressupõe a concessão ao contribuinte de uma garantia — de defesa — previamente à conclusão do procedimento administrativo (no caso, do procedimento administrativo de liquidação),
44. o que não foi o caso, como é notório em face dos sinais dos autos - em circunstância alguma foi o contribuinte notificado de qualquer “projecto” de relatório inspectivo ou de liquidação, para efeitos do exercício do direito de audição prévia.
45. E as liquidações aqui impugnadas não foram precedidas de quaisquer outras liquidações, relativamente à mesma questão.
46. Padece a douta Sentença recorrida, por isso, de erro de julgamento.
Quanto à violação do direito de audição prévia antes do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa:
47. Embora a violação do direito de audição prévia antes do indeferimento do pedido de revisão oficiosa não produza efeito invalidade das liquidações, por estarem em causa actos tributários distintos,
48. o acto tributário de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, constatada que foi a violação do direito de audição prévia, deveria ter sido anulado — e, com isso, a impugnação julgada procedente, ao menos na parte em que esta concerne ao acto tributário de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
49. Sendo certo que a presente impugnação judicial, conforme resulta da respectiva p.i. e dos demais sinais dos autos, teve por “objecto imediato” precisamente o acto tributário de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, e, por “objecto mediato”, as referidas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios.
50. Embora não possa produzir efeito invalidade das liquidações, nem por isso a impugnação deixa de ter por objecto, também, o acto tributário de indeferimento, de modo que, se este padecer de algum vício, deve o mesmo ser anulado, com a consequente procedência da impugnação.
51. Sendo que, conforme reconhece a douta Sentença, também este indeferimento do pedido de revisão oficiosa, proferido já sob a égide da LGT, não foi precedido da concessão, ao contribuinte, da possibilidade deste exercer o seu direito de audição prévia — ao contrário do que impunha e impõe o artigo 60º nº 1 b) e nº 5 da LGT (cfr. artigo 267 nº 5 da CRP), não se verificando qualquer caso de dispensa do direito de audição prévia (artigo 60 nº 2 e 3 da LGT).
52. Padece a douta Sentença recorrida, por conseguinte, e neste segmento decisório, de erro de julgamento e de errada interpretação e aplicação destas disposições legais.”
3- Juntamente com este recurso subiu também o que a impugnante interpôs do despacho proferido pela Mmª Juíza “a quo”, em 25/10/2011 (a fls. 318 a 320), que recaiu sobre o pedido de arguição de nulidade do despacho que dispensou a audição de testemunhas, bem como a apresentação das alegações escritas.
3-1- As alegações deste recurso apresentam as seguintes conclusões:
“27. O douto Despacho aqui recorrido, salvo o devido respeito, confunde a nulidade processual arguida em 11.07.2011 (cfr. artigos 201.º e ss. do CPC) com a pretensa arguição da nulidade do despacho, de 22.06.2011, que dispensou a inquirição de testemunhas (cfr. Artigos 666º nº 3 e 668 do CPC).
28. O que está em causa, no requerimento apresentado em 11.07.2011, é a arguição de uma nulidade processual, e não a arguição de uma nulidade decisória (do despacho de 22.06.2011).
29. Padece o douto Despacho ora em apreço, por isso, e salvo o devido respeito, de erro de julgamento.
30. Por outro lado, e diferentemente do decidido, verificou-se a arguida nulidade processual, por omissão de formalidade processual prévia à prolação da Sentença — a notificação da Recorrente para apresentar alegações escritas, conforme impõe o artigo 120 do CPPT.
31. Embora não tenha sido ordenada a produção da prova testemunhal, foi produzida prova documental juntamente com a Contestação, para além de terem sido juntas aos autos as informações oficiais a que aludem os nºs 2 e 3 do artigo 115º do CPPT - também elas prova documental superveniente.
32. Assim, porque houve produção de prova documental superveniente à apresentação da p.i., deveria ter sido ordenado o cumprimento do disposto no artigo 120º do CPPT, ou seja, deveria ter sido ordenada a notificação da Impugnante para alegar por escrito, querendo, antes de ser proferida a Sentença.
33. Não se pode considerar inexistir, “in casu”, a fase de produção de prova, a que aludem os artigos 114º e ss. do CPPT.
34. Quando há lugar à instrução adicional dos autos, designadamente mediante a produção de prova documental, a omissão da notificação dos interessados para alegar por escrito integra a nulidade processual prevista no artigo 201º do CPC,
35. na medida em que se traduz em irregularidade com influência no exame ou na decisão da causa,
36. com a consequência de deverem ser anulados os termos subsequentes, designadamente a douta Sentença proferida nos presentes autos, nos termos do mesmo preceito legal (cfr. artigo 201º nº 2 do CPC).
37. A falta de notificação prévia da Recorrente para apresentar alegações escritas, apesar da produção de prova documental adicional - após a apresentação da petição inicial — representa uma violação do princípio do contraditório (cfr. artigo 3º do CPC).
38. Contrariamente ao decidido, não está em causa que constitui incumbência exclusiva do Tribunal a direcção e julgamento do processo — concorda-se inteiramente com isso, como é evidente.
39. E não está em causa que só devem ser produzidos os meios de prova que o Tribunal entende necessários e úteis ao apuramento da verdade (e não todos os que hajam sido requeridos pelas partes) — concorda-se inteiramente com isso, como é evidente.
40. O que está em causa é uma nulidade processual — o Tribunal não ordenou a notificação das partes para apresentação de alegações escritas (antes da prolação da Sentença), apesar de ter sido produzida prova documental após a apresentação da p.i..
41. Omissão processual, essa, com potencialidade para influir na decisão da causa e que, por isso, deve ser sancionada com nulidade processual, com os efeitos acima mencionados.
42. Deste modo, e salvo o devido respeito, o douto Despacho ora recorrido violou os artigos 201 e 205 do CPC, e 113º, 114º e ss. e 120º do CPPT.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, (i) revogando o douto Despacho recorrido, (ii) reconhecendo a verificação da aludida nulidade processual, com a consequente anulação dos termos e actos processuais subsequentes à fase de produção de prova, designadamente da Sentença de 22.06.2011, e (iii) ordenando que as partes sejam notificadas para apresentar as alegações escritas previstas no artigo 120º do CPPT, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.
4- Não foram apresentadas Contra-alegações:
5- O Ministério Público junto do STA, emitiu douto Parecer, concluindo pela procedência do recurso interposto da decisão interlocutória porque “a Fazenda Pública apresentou, juntamente com a contestação, o processo administrativo contendo a informação oficial (processo administrativo de impugnação apenso fls.126/127).
A omissão de notificação para produção de alegações escritas antes do proferimento da sentença impediu a pronúncia da recorrente sobre:
- o teor daquela informação oficial e dos documentos constantes do processo administrativo organizado prelos serviços
-a posição assumida pela Fazenda Pública na contestação quanto à existência de excepção dilatória obstativa do conhecimento do mérito da impugnação judicial (doc. fls. 121/122)
-a relevância factual da informação e dos documentos e as ilacções jurídicas a extrair daquela factualidade”
Conclui-se, ainda que a “apreciação do recurso interposto da sentença final (docs. fls.275 e fls.463/497) fica prejudicada pela proposta de provimento do recurso da decisão interlocutória”.
6- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II- Apreciação do recurso do despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual
Resulta dos autos que a Mmª Juíza “a quo” indeferiu, por despacho, de 22 de Junho de 2011, o pedido de produção de prova e passou de imediato a conhecer do pedido, em conformidade com o disposto no art. 113º do CPPT (cfr. fls. 256).
Inconformado com tal despacho, veio a recorrente arguir, mediante requerimento apresentado em 11/7/2011, a nulidade processual consistente na omissão de notificação dos interessados para produção de alegações escritas, antes decisão final (doc. fls.278 ss.) Por despacho proferido em 25/10/2011 (fls.318/320) a Mmª Juíza indeferiu a arguição de nulidade das decisões constantes do despacho proferido em 22/6/2011 (fls.256), que dispensou a audição de testemunhas, bem como a apresentação de alegações escritas.
Para tanto, a Mmª Juíza conclui que “face aos elementos junto aos autos, não se mostrava relevante a audição das testemunhas a fim de decidir a questão de mérito em causa”. Igualmente se concluiu “pela desnecessidade de apresentação de alegações escritas, atendendo à matéria de direito em apreciação”.
Inconformada, a recorrente, mediante requerimento apresentado em 11/11/2011, interpôs recurso para este Supremo Tribunal do despacho de indeferimento de arguição da nulidade consistente na preterição da notificação dos interessados para apresentação de alegações escritas, não constituindo seu objecto a decisão de dispensa de produção de prova testemunhal, tal como resulta do conteúdo das alegações e do pedido formulado a final (fls.325/335; e, em especial, a 1ª conclusão das alegações).
Vem, assim, a recorrente suscitar a nulidade processual consistente na “omissão de formalidade processual prévia à prolação da Sentença – notificação da recorrente para apresentar alegações escritas, conforme impõe o artigo 120º do CPPT” (conclusão 30), que cumpre começar por apreciar, já que a eventual ilegalidade do despacho que dispensou a notificação para alegações é susceptível de afectar /alterar a decisão de mérito proferida na sentença recorrida.
Segundo alega a recorrente, em síntese:
“Embora não tendo sido ordenada aprova testemunhal, foi produzida prova documental juntamente com a Contestação, para além de terem sido juntas aos autos as informações oficiais a que aludem os nºs 2 e 3 do artigo 115º do CPPT- também elas prova documental superveniente” (conclusão 31).
“Assim, porque houve produção de prova documental superveniente à apresentação da p.i., deveria ter sido ordenado o cumprimento do disposto no artigo 120º do CPPT, ou seja, deveria ter sido ordenada a notificação da Impugnante para alegar por escrito, querendo, antes de ser proferida a Sentença (conclusão 32).
“Não se pode considerar inexistir, “in casu”, a fase de produção de prova, a que aludem os artigos 114º e ss. do CPPT” (conclusão 33).
“Quando há lugar à instrução adicional dos autos, designadamente mediante a produção de prova documental, a omissão da notificação dos interessados para alegar por escrito integra nulidade processual prevista no artigo 201º do CPPT”, com violação do princípio do contraditório (conclusões 34 e 37).
Coloca-se, assim, a questão de saber se viola o princípio do contraditório o facto de a Mmª Juíza “a quo” ter apreciado imediatamente o pedido de impugnação formulado, precludindo a fase das alegações de direito a que alude o art. 120º do CPPT.
Vejamos.
Compulsados os autos, verifica-se que, de facto, a Mmª Juíza “a quo” conheceu do pedido de impugnação judicial logo após a notificação da impugnante, ora recorrente, da apensação do PA (fls. 123 dos autos), sem que previamente a tivesse notificado para apresentar alegações por escrito, em conformidade com o disposto no art. 120º do CPPT .
Ora, alega a recorrente que tal omissão impediu que tivesse exercido o seu direito de contraditório quanto à junção do PA, assim como quanto às informações oficiais juntas com o mesmo. Para além das informações oficiais e demais documentos organizados pelos serviços, consta do PA, como bem observa o Ministério Público, no seu douto Parecer, a posição assumida pela Fazenda Pública na contestação quanto à existência de excepção dilatória obstativa do conhecimento do mérito da impugnação judicial (fls. 132 ss.).
Tendo presente a necessidade de observar o princípio do contraditório no processo de impugnação judicial [art. 3º, nº 3, do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos do art. 2º, alínea e), do CPPT], JORGE DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 249-50.) pondera, a este propósito, que “a possibilidade de conhecimento imediato dependerá de não haver controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão ou ambas as partes se terem pronunciado sobre a prova produzida em relação a eles. Por isso, deve afastar-se o conhecimento imediato nos casos em que forem juntos ao processo pelo representante da Fazenda Pública documentos que seja relevantes para a decisão da causa e sobre os quais o impugnante não tenha podido tomar posição, nomeadamente documentos que não se demonstre que eram do conhecimento do impugnante no momento em que apresentou a petição.”
E aquele Autor acrescenta, ainda, com relevo para o caso em apreço, que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo (…), que deverá conter informações oficiais [art.s 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva” (art. 98º da LGT.
Também no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 11/3/2009, proc nº 01032/08, ficou consignado que “a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº3, do CPC e 98º do CPPT)” (Ver, igualmente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2/6/2010, proc nº 026/2010.).
Aplicando o exposto ao caso em apreço, não poderia deixar de ser concedida à recorrente a oportunidade de intervir processualmente por forma a pronunciar-se a respeito das provas constantes do aludido PA, incluindo informações oficiais dele constantes, sendo que a peça processual adequada para o efeito são as alegações previstas no art. 120º do CPPT.
Assim sendo, não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do art. 201º do CPC e art. 2º, alínea e), do CPPT, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no art. 98º, nº 3, do CPPT.
Nesta sequência, importa conceder provimento ao recurso interlocutório, ficando prejudicada a apreciação do recurso interposto da sentença final (fls. 275 e fls. 463/497).
III- Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) Conceder provimento ao presente recurso do despacho interlocutório constante de fls., 318 a 320, que se revoga para que se proceda ao cumprimento do disposto no art. 120º do CPPT, seguido da legal tramitação processual e oportuna prolação da sentença;
b) Anular, em consequência, todo o processado posterior ao mesmo despacho, incluindo a sentença final;
c) Não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto da sentença.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Março de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.