Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01108/14
Data do Acordão:11/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
Sumário:I - O valor a ter em consideração para efeitos do apuramento das mais valias sujeitas a IRS é nos termos do nº 1 do artigo 44 do CIRS o valor da realização.
II - Considerando os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva bem como o da tributação real dos rendimento O nº 2 do artigo 44 do CIRS ao preceituar que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS no caso de transmissões onerosas de bens imóveis prevalecerão quando superiores os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos da liquidação de IMI consagra não uma presunção juris et de jure mas antes uma presunção juris tantum.
III - Não tendo o legislador antes da entrada em vigor da lei 82-E/2014 de 31 12 2014, que introduziu os nºs 5 a 7 ao artigo 44 do CIRS previsto forma de permitir ao contribuinte provar que o valor da realização fosse inferior ao VPT, a norma de incidência constante do nº 2 do artigo 44 do CIRS aplicada sem tal possibilidade deve ter-se por inconstitucional por violação dos artigos 13 e 18 da CRP e 5º nº 2 e 73 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00070386
Nº do Documento:SA22017110801108
Data de Entrada:10/13/2014
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIMSISD ART19 ART57.
CIRS ART44 ART1 ART9 ART31-A.
CIMI ART14 ART76 N3.
CIMI ART12.
CONST ART104 N2 ART13 ART18.
LGT ART5 N2.
DL 278/2003 ART32.
CCIV ART371.
Jurisprudência Nacional:AC TC 211/2017 PROC285/15 DE 2017/05/02.; AC STA PROC0880/16 DE 2017/10/11.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A Fazenda Pública interpôs no TCA Norte, recurso da sentença do TAF de Mirandela que decidiu julgar totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS de 2004, por considerar que esta violou o princípio da tributação pelo rendimento real.

2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
1. A douta sentença recorrida decidiu julgar totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de I.R.S. do ano de 2004, por considerar que esta violou o princípio da capacidade contributiva, ou da tributação pelo rendimento real.
2. O valor de realização que releva para efeitos de determinação do rendimento da categoria G do I.R.S., na alienação de bens imóveis, é o constante do contrato ou o que serviu de base à liquidação do I.M.T. ou, não havendo lugar a esta liquidação, o que devesse ser quando devida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do I.R.S;
3. O valor que prevalece, quando superior ao do contrato, é o valor usado para a liquidação de I.M.T;
4. Isto mesmo nos casos em que é apurado o valor de mercado nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do I.M.I., que releva para efeitos de I.R.S., I.R.C. e I.M.T.
5. O disposto no artigo 31.º-A do C.I.R.S. não se aplica à determinação do rendimento sujeito à categoria G, mas apenas à categoria B de rendimentos (empresariais);
6. O legislador, quando dá prevalência ao valor da avaliação, não está a estabelecer uma presunção, pelo que não são de aplicar as regras que permitem elidir presunções;
7. Na determinação do valor de realização para efeitos da categoria G de I.R.S., no caso de bens imóveis, a lei desconsidera, quando inferior ao valor patrimonial, o valor declarado, ainda que tal valor possa corresponder ao valor real e efectivamente acordado pelas partes;
8. Acresce que, com o devido respeito, a avaliação efectuada em sede de I.M.I., e os efeitos que o seu resultado projecta no apuramento do saldo das mais-valias em sede da categoria G de I.R.S., conforme estatuição do n.º 2 do artigo 44.º do respectivo código, em nada se relaciona com o princípio da capacidade contributiva ou da tributação do rendimento real, pelo que a liquidação não padece de ilegalidade ou ofensa de quaisquer princípios constitucionais, tendo decorrido de acordo com as normas legais aplicáveis.
9. Entende por isso a Recorrente, com o devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento em matéria de facto e de direito, porquanto fazendo errónea apreciação da factualidade relevante, do mesmo passo violou os dispositivos legais reguladores da determinação do valor de realização do bem imóvel transmitido, nomeadamente o n.º 2 do artigo 44.º do Código do I.R.S. e n.º 3 do artigo 76.º do Código do I.M.I.
Destarte, nos presentes termos e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, e em consequência, ser revogada a sentença recorrida e afirmada a legalidade da liquidação de I.R.S. impugnada, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.

3. Não houve contra-alegações.

4. Por Acórdão do TCA Norte decidiu-se julgar aquele tribunal incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando-se competente, para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.

5. Remetidos os autos a este Tribunal, o magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 73 e seguintes, que julgou procedente a acção de impugnação proposta contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2004, no valor de € 4.596,04 euros.
Entende a Recorrente Fazenda Pública que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por ter violado o n°2 do artigo 44° do CIRS. Para o efeito alega que «o valor de realização relevante para efeitos de determinação das mais-valias a apurar em sede da categoria “G” de rendimentos, ... será o valor indicado no contrato ou o valor patrimonial tributário resultante da avaliação, se superior, ou, caso este último se afigure distorcido face ao valor de mercado, o valor determinado no âmbito de uma segunda avaliação, a requerer pelo sujeito passivo e apurado com base na utilização do método previsto no inciso vindo de citar».
E termina pedindo a revogação da sentença e sua substituição que julgue improcedente a acção de impugnação judicial e mantenha a liquidação impugnada.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente que o Recorrente foi notificado da liquidação adicional de IRS no valor de €4.718,00 euros, tendo por base as mais-valias apuradas na alienação do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Valpaços sob o artigo 2591, tendo por referência o valor de aquisição de € 19.951,92 euros e o VPT de € 170.000,00 euros.
Mais resulta que o referido imóvel era detido em regime de compropriedade pelo Recorrente na proporção de 1/3 e foi alienado em 02/07/2004 à sociedade “B…………., Lda.”, pelo preço de € 21.000,00, valor este que foi contabilizado como custo para efeitos de IRC. Em 16/12/2004, no âmbito de procedimento de avaliação, foi atribuído ao referido imóvel o valor de € 170.000,00 euros.
Para se decidir pela procedência da acção o Mmo. Juiz “a quo” considerou que se o valor de € 21.000,00 euros havia sido considerado para efeitos de IRC, então também tinha que ser considerado para efeitos de IRS dos vendedores, sob pena de “insanável contradição” e de “a tributação do impugnante não se consubstancie no seu rendimento real e efectivo”.
3. A questão suscitada no recurso consiste em saber qual o valor da realização a atender para efeitos de apuramento das mais-valias imobiliárias, se o valor constante do contrato realizado ou o valor resultante da avaliação do imóvel.
O valor da realização é, nos casos gerais, o valor da contraprestação efectivamente recebida, conforme resulta da alínea f) do n°1 do artigo 44º do CIRS. Todavia, dispõe o n°2 do mesmo preceito legal que “tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida”.
Para efeitos de sisa mostrava-se aplicável o disposto no artigo 19º do CIMSISD, cujo parágrafo 2º dispunha que “o valor dos bens será o preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se for maior”. Por sua vez dispunha o § 4º do citado preceito legal que “se for feita avaliação, o valor dela resultante prevalecerá sobre qualquer dos valores indicados nos §§ 2º e 3º, excepto sobre o preço convencionado, quando este for maior”. E nos termos do artigo 57º do CIMSISD “dentro do prazo de 180 dias a contar da liquidação ou do acto ou facto translativo dos bens, se a ela não houver lugar, poderá a Fazenda Nacional, representada pelo chefe de finanças, promover a avaliação dos bens transmitidos, …”.
Resulta, assim, que nos casos em que se verifica a transmissão de bens imóveis, o chefe de finanças pode determinar a avaliação do imóvel para efeitos de actualização do seu valor patrimonial a considerar para efeitos de liquidação de sisa. Donde resulta que para efeitos de determinação do valor de realização a atender para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias se deve atender ao valor resultante da avaliação do imóvel em causa, caso este seja de montante superior ao valor resultante do contrato.
O facto de para efeitos de IRC ter sido contabilizado pelo adquirente o valor fixado no contrato em nada briga com aquela conclusão, uma vez que essa operação não é da responsabilidade da administração tributária. E nessa medida não se coloca a questão de “contradição insanável” da posição da administração tributária. Por outro lado não se alcança da sentença recorrida em que elementos de facto assentou o Mmo. Juiz o juízo sobre a desconformidade entre a tributação e o rendimento real e efectivo dos vendedores. É que visando a norma do nº 2 do artigo 44º do CIRS combater a evasão e fraude fiscal, recai sobre o contribuinte o ónus de comprovação de que o valor fixado no contrato foi efectivamente o valor recebido dos compradores. Atento que não foi dado como comprovado qualquer elemento sobre essa matéria, mostra-se errado aquele juízo de desconformidade entre a tributação e o rendimento real dos vendedores.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, por violação do disposto no nº 2 do artigo 44º do CIRS, motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente a acção de impugnação judicial, dando-se, assim, provimento ao recurso.

6. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
1. De 25/6/2008 a 27/8/2008 a contabilidade do Impugnante foi objecto de acção inspectiva por parte da AT - Fls. 36 e 38 do PA;
2. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório de Inspecção (RI), de fls. 33 a 38, com o seguinte destaque: “3. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL // Rendimentos da categoria G // Do cruzamento da informação (da) constante do Modelo 11 de IMT, verifica-se que em Julho de 2004 procederam à alienação do art.° 2591 (Urbano) da freguesia e concelho de Valpaços, pelo preço de € 21.000,00, tendo o mesmo sido avaliado nos termos do CIMI (...) donde resultou um valor patrimonial tributável (VPT) de € 170.000,00, tendo o mesmo sido adquirido em Fevereiro de 2000, pelo valor de aquisição de € 19.951,92, cujos rendimentos são enquadráveis na categoria G. Sendo que o bem era detido em compropriedade, com C………….. (...) e D…………… (...) pelo que os valores acima a considerar para efeitos fiscais correspondem a 1/3 (…)”
3. Em 9/9/2008 sobre este relatório recaiu despacho de “Sanciono o relatório com base nos pressupostos constantes no seu ponto 3” - Fls. 33 do PA;
4. Nessa sequência, e após indeferimento de reclamação graciosa, o Impugnante foi notificado da liquidação adicional referente a IRS de 2004, e para pagar a quantia de 4.718, 00 €- Fls. 18 do PA;
5. Foi também notificado de “demonstração de acerto de contas”, resultando um saldo a pagar de 4.596,04 €- Fls. 19 do PA;
6. O Impugnante era proprietário da terça parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2591, pela freguesia de Valpaços, composto de terreno para construção, conjuntamente com D………… e C………….. - FIs. 20 do PA — “Procedimento de Reclamação Graciosa”;
7. Para efeito da construção de imóvel no prédio com o artigo 2591, o Impugnante, o D………….. e C………….. constituíram uma sociedade — Fls. 22 do PA do “Procedimento de Reclamação Graciosa” e art.° 6.° da PI, não impugnado;
8. Quando a sociedade necessitou de obter as licenças de habitabilidade das fracções autónomas que construíram, foi necessário transmitir o imóvel para a sociedade — Fls. 33 do PA do “Procedimento de Reclamação Graciosa” e art.° 7.º da PI, não impugnado;
9. Em 2/7/2004, e através de escritura pública de compra e venda, o Impugnante e os outros comproprietários venderam o prédio à sociedade de que eram sócios, “B………….., Lda”, pelo preço de 21.000,00 € - Fls. 20 e 44 do PA — “Procedimento de Reclamação Graciosa”;
10. O IRC da sociedade “B…………., Lda” foi apurado com base nos mesmos valores que foram declarados no IRS dos vendedores — art.° 11.° da PI, não impugnado;
11. Os valores contabilizados e declarados para efeito do apuramento de IRS a pagar foram os mesmos que foram contabilizados e declarados para efeito do IRC a pagar - art° 12.º da PI, não impugnado;
12. A AT atribuiu o valor de 170.000,00 € para efeito de proveitos de IRS e, ao mesmo tempo, o valor aproximadamente de 21.000,00 € para efeitos de custos em IRC — art.° 13.° da PI, não impugnado, e depoimento da testemunha C…………… que, por ser sócio da “B………….., Lda”, demonstrou conhecer bem este facto;
13. Em 3/3/2009 a AT atribuiu ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2596, (freguesia de Valpaços), com área total de 320,00 m2, área bruta de implantação do “prédio” de 195,00 m2, área bruta de construção 975,00 m2 e área bruta dependente 390,00 m2, o valor patrimonial de 78.670,00 € - Fls. 31 dos autos;
14. Em 16/12/2004, ao prédio em causa (artigo 2591), com área total de 320,00 m2, com área de implantação do “edifício” de 320,00 m2, com área bruta de construção 1.798,00 m2 e área bruta dependente 320,00 m2, a AT atribuiu o valor patrimonial de 170.000,00 € - Fls. 44 do “Procedimento de Reclamação Graciosa”; fls. não numeradas do PA (processo instrutor) e fls. 57 e 58 dos autos.

De direito
Não se conformando com a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2004 no montante de € 4.596,04 veio o ora recorrente impugnar tal acto tributário que considera ferido de ilegalidade na medida em que enfermava de erro de quantificação da matéria tributável e erro nos pressupostos de facto por no seu entender se não verificar a existência de mais valias.
O Mº juiz perante a factualidade dada como provada considerou que resulta da CRP que a tributação dos contribuintes tem de ter sempre em consideração seu rendimento real e tendo a AT aceite como valor do imóvel o valor declarado de € 21.000, para efeitos de IRC não poderia deixar de o contabilizar do mesmo modo para efeitos proveitos em sede de IRS sob pena de insanável contradição e de violação dos princípios da capacidade contributiva e do princípio da tributação real do rendimento.
Por tal razão julgou a impugnação procedente.
A recorrente não se conforma com esta decisão e como se vê das suas conclusões do recurso entende que a sentença enferma de erro de julgamento de direito na medida em que a liquidação em causa teve em consideração o valor resultante de avaliação em sede de IMI pelo que não enferma de ilegalidade alguma.
Vejamos.
O código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (C.I.M.I.) entrou em vigor em 01 Dezembro de 2004 e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.M.T.) em 01 Janeiro de 2004 cfr nºs 1 e 3 do artigo 32 do Decreto-Lei nº 278/2003 de 12 Novembro.
Antes vigorava o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CSISSD).
O Artigo 1º do CIRS ao definir a base do imposto estipula que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias que aí prevê e entre elas a categoria G.
O artigo 9º do CIRS considera como rendimentos da categoria G os incrementos patrimoniais desde que não considerados rendimentos de outras categorias e entre esses incrementos a ter em conta as mais valias que o artigo 10º nº 1 a) do mesmo diploma legal define como constituindo os ganhos obtidos e que não sendo rendimentos resultem entre outras situações da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis sendo que o ganho nos termos do nº 4 do mesmo preceito é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição.
Nos termos do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 44 do CIRS para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, nos casos que não estejam compreendidos nas outras alíneas referidas nesse nº 1 tem-se como valor de realização o da respectiva contraprestação.
Mas o nº 2 deste mesmo artigo prescreve que no caso da alínea f), em que como se deixou dito se considera o valor da contraprestação como o da realização, prevalece o valor por que o bem foi considerado para efeitos de liquidação de I.M.T. ou não havendo lugar a esta liquidação o valor que devesse ser considerado se tal liquidação fosse devida. Desde que superior ao valor da contraprestação.
Neste caso é o valor considerado para efeitos de IMT a ter em conta na determinação das mais valias.
O artigo 12 do IMT, ínsito no capitulo III do CIMT que tem como epigrafe a determinação do valor tributável, prescreve que o IMT incidirá sobre o valor do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis consoante o que for maior prescrevendo o nº 2 que o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.
Efectivamente o artigo 14 do CIMI determina por sua vez que o valor tributário dos prédios é determinado por avaliação.
O que aliás está em sintonia com o disposto no nº 3 do artigo 76 do CIMI na redacção vigente à data dos factos que assim dispunha:
1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado. (Redacção dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
3 - Não obstante o disposto no número anterior, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo. (Redação pelo artigo 215.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
4 - Pelo pedido de segunda avaliação a que se refere o número anterior é devida pelo requerente uma taxa inicial, a fixar entre 7,5 e 30 unidades de conta, tendo em conta a complexidade da matéria. (Redação do artigo 6.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro; de acordo com o n.º 51.º da mesma Lei, a alteração operada pelo seu artigo 6.º tem natureza interpretativa)
5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).

No caso dos autos o recorrido consignou como preço de venda do prédio o de € 21.000,00 constante da escritura pública de venda e foi esse o valor constante da declaração de IRC, que a AT aceitou.
Entendeu o mº juiz, “a quo” face a tal aceitação pela AT, em sede de IRC e o disposto no nº 2 do artigo 104 que consagra o principio da tributação do rendimento real e efectivo que o valor declarado em sede de IRC devia ser considerado o valor real do bem transaccionado para efeitos de determinação das mais valias.
Contrapõe contudo a recorrente que o valor patrimonial tributário de tal prédio foi apurado em avaliação efectuada pelos serviços de finanças que não tendo sido objecto de pedido de 2ª avaliação se considera caso resolvido com efeitos equivalentes ao de caso julgado para efeitos de IMI.
E no seguimento deste raciocínio o M Pº considera “que visando a norma do nº 2 do artigo 44º do CIRS combater a evasão e fraude fiscal, recaía sobre o contribuinte o ónus de comprovação de que o valor fixado no contrato fora efectivamente o valor recebido dos compradores de tal prédio.
E porque tal comprovação não foi feita. A fixação dos ganhos obtidos e a sua qualificação não enfermam de ilegalidade alguma nem violam o preceituado no nº 2 do artigo 104 da CRP.
No caso dos autos não está em causa a legalidade da fixação do valor patrimonial tributário do prédio em causa.
O que está em causa é o facto de esse valor dever ser considerado como valor da realização, da transacção, para efeitos de apuramento de mais valia em sede de IRS como resulta do nº 2 do artigo 44 do CIRS e do artigo 76 /3 do CIMI.
Entende a Fazenda Pública. Que o valor de realização que releva para efeitos de determinação do rendimento da categoria G do I.R.S., na alienação de bens imóveis, é o constante do contrato ou o que serviu de base à liquidação do I.M.T. ou, não havendo lugar a esta liquidação, o que devesse ser quando devida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do I.R.S.
Sendo valor que prevalece, quando superior ao do contrato, o valor usado para a liquidação de I.M.T.
Resulta do entendimento da Fazenda Pública que o nº 2 do artigo 44 do CIRS contém, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS não sendo passível de prova nos termos do artigo 31 – A do CIRS.
Mas não tem razão.
O nº 2 do art. 44º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção “juris tantum” e não “juris et de jure”, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT),
E neste sentido é que com a reforma do IRS (aprovada pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12) foi incluída expressamente (nº 5 do art. 44º do CIRS) a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efectivo, alteração legislativa esta que contribui, de forma inequívoca e decisiva, para interpretar adequadamente o disposto naquele n° 2 do art. 44° do CIRS.
E sendo assim o facto de em sede de IMI o recorrido não ter sindicado o resultado da avaliação (demonstrando o seu excesso - art. 76°, n° 8 do CIMI), nem ter requerido a realização do procedimento de 2ª avaliação (nº 1 do art. 76° do CIMI) não implica que o valor patrimonial tributário do imóvel em causa se tenha consolidado na ordem jurídica como “caso resolvido”.
Esta relevância em sede de IMI não determina que o efeito ou força do caso resolvido releve de igual forma em sede de IRS.
A consideração do Valor Patrimonial Tributário nos termos do nº 2 do artigo 44 do CIRS traduz como acima já se disse uma mera presunção juris tantum ilidível. Nestes sentido aliás se pronunciou o Tribunal Constitucional. (cfr. o acórdão nº 211/2017, proferido em 02/05/2017, no proc. nº 285/15, da 3ª secção) que julgou inconstitucional, aliás, a norma contida no nº 2 do art. 44º do CIRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa”, sendo que para o Tribunal, quer se entenda “a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido.
No caso dos autos tendo a liquidação adicional de IRS ocorrido em 2008 o recorrido limitou-se a juntar aos autos documento comprovativo da venda do prédio em causa pelo preço de 21 000.00 Cfr escritura pública de compra outorgada no cartório notarial de Valpaços em 02 07 2004 e a sua alienação foi declarada no IRS do ano de 2004 como anteriormente se disse e também em sede de IRC.
Mas bastará a mera junção da escritura pública para afastar a presunção legal de que goza a Fazenda? Entendemos que não.
O artigo 44 do CIRS ao estabelecer a ficção legal ou presunção da prevalência do valor patrimonial tributário nos casos em que o contribuinte indica como valor da realização um valor inferior a este não contende com a força probatória que o artigo 371 do CC atribui aos documentos autênticos na medida em que apenas põe em crise os factos que nele são atestados mas que não respeitam a factos praticados pela autoridade in casu o notário.
Mas porque se trata de norma de incidência a presunção só podendo ser juris tantum-artigo 73 da LGT a lei permite ao contribuinte provar que o valor da realização foi inferior ao aí previsto cfr nºs 5 a 7 do citado artigo.
Tal prova está sujeita a procedimento próprio, procedimento este regulado no artigo 139 do CIRC, com as necessárias adaptações.
Mas esta possibilidade só foi permitida com a entrada em vigor da Lei 82-E/ 2014 de 31 12 que aditou ao artigo 44 do CIRS os nºs 5 a 7.
Assim a norma de incidência contida no nº 2 do artigo 44 do CIRS antes da entrada em vigor da Lei 82-E /2014 de 31 12 na interpretação que a Fazenda Pública teve ao proceder à liquidação ora impugnada tem de considerar-se como refere o aresto do Tribunal Constitucional acima referido como inconstitucional por traduzir a consagração de uma presunção inilidível em violação dos artigos 13 e 18 da CRP e 5º nº 2 e 73 da LGT.
Neste sentido veja-se também o acórdão do STA de 11 10 2017 in processo 0880/16.


Decisão
Face a todo o exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Novembro de 2017. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.