Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01428/15
Data do Acordão:12/15/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
MINISTÉRIO PÚBLICO
MAGISTRADO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se admitir a revista excepcional para apreciar questões com complexidade jurídica superior ao comum e virtualidade de expansão da controvérsia que versam sobre aspectos importantes da situação estatutária dos magistrados e o alcance do poder organizatório no Estatuto do Ministério Público.
Nº Convencional:JSTA000P19823
Nº do Documento:SA12015121501428
Data de Entrada:11/05/2015
Recorrente:MJ
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. O Ministério da Justiça interpôs recurso, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (ac. de 08/05/2015, Proc. 2908/11.9BEPRT) que, negando provimento a recurso que interpôs de sentença do TAF do Porto que, em acção administrativa especial intentada por A………., magistrada do Ministério Público, condenou a entidade demandada a “no prazo de 30 dias, fixar à Autora a remuneração suplementar devida nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do Estatuto do Ministério Público, na redacção então vigente, variável entre um quinto e a totalidade do vencimento da Autora”.

Para justificar a admissão da revista excepcional, o recorrente alega, em síntese, a natureza estatutária da matéria em litígio e a inerente capacidade de expansão da controvérsia, pela possibilidade de repetição da questão, nos seus traços genéricos essenciais, num número indeterminado de casos futuros. Acrescenta que estão pendentes, em diversas fases processuais, outros processos com questões semelhantes, intentados por magistrados em idêntica situação funcional. E que se assiste a jurisprudência divergente, seja sobre a qualificação da situação de base como de acumulação de funções, seja sobre a aplicação dos pressupostos legais para atribuição da requerida retribuição.

A Recorrida, no que de momento releva, opõe-se à admissão do recurso de revista, porquanto está em causa uma controvérsia sem alcance geral, que não tem virtualidade para se repercutir num número significativo de casos concretos e a que a reforma sistémica e organizativa dos tribunais judiciais decorrente da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e a implementação do regime do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, retirou virtualidade para o futuro. E também não se justifica a admissão do recurso para melhor aplicação do direito porque as soluções consagradas pelo acórdão recorrido são as que decorrem da lei, tanto quanto à questão substantiva, quer quanto à questão processual dos poderes do tribunal.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. Essencialmente, no presente recurso, está em discussão saber se (i) foi correctamente interpretado e aplicado o regime que resulta do disposto no n.º 4 e 6 do art.º 63.º (na red. da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, n.ºs 5 e 7 do art.º 63.º) e n.º 4 do art.º 64.º do Estatuto do Ministério Público ao qualificar a situação que resulta da matéria de facto assente como correspondendo ao conceito de acumulação de funções; (ii) se, nessas concretas circunstâncias, contra a pretensão da interessada pode ser invocada violação de princípios fundamentais ou cláusulas gerais relativas ao exercício dos direitos; (iii) se o tribunal respeitou os limites de pronúncia estabelecidos pelo n.º 2 do art.º 71.º do CPTA.

A situação fáctica e as questões discutidas neste processo têm traços de forte similitude com o versado em processos em fase de recurso em que se debate pretensão semelhante, apresentada por outros magistrados do Ministério Público. Aliás, pelo menos alguns deles, trata-se de situações funcionais com origem nas mesmas determinações hierárquicas. Naqueles casos que foram já apreciados pelo TCA Norte tem-se verificado divergência de decisão ou votos divergentes relativamente a vários aspectos, designadamente, a qualificação da situação como de acumulação (voto de vencido no presente acórdão, acompanhando o Parecer do Conselho Superior do Ministério Público), a extensão dos poderes de pronúncia do tribunal (ac. do TCAN de 23/01/2015 – Proc. 02920/11.8BEPRT), as consequências da conduta dos interessados face ao prolongamento da situação (ac. de 22/5/2015 – Proc. 2919/11.4BEPRT) e até a estrutura da acção ou da substanciação da causa de pedir (ac. do TCAN de 20/2/2015, sobre que versa o ac. de 10/9/2015 – Proc. 0904/15, do STA).

Esta divergência, embora particular de cada processo mas ocorrendo perante substancial identidade do quadro jurídico aplicável, revela a existência de questões de complexidade jurídica superior ao comum, versando sobre aspectos do estatuto dos magistrados e sobre o alcance do poder organizatório no Estatuto do Ministério Público e sobre a extensão dos poderes de pronúncia dos tribunais administrativos perante a específica estrutura do procedimento administrativo legalmente estabelecido para o exercício do direito em causa, para a qual a jurisprudência não tem logrado uma solução uniforme.

A importância da questão principal – saber se com os contornos fácticos presentes, que tem virtualidade para corresponder a uma situação típica, esta deve ser qualificada como de acumulação para efeitos de atribuição do referido suplemento remuneratório – foi já reconhecida no acórdão de 10/9/2015 – Proc. 0904/15, onde se afirmou que ela “é também uma questão de interesse jurídico fundamental dada a repercussão em casos semelhantes e relativamente à qual não existe jurisprudência deste STA”.

É certo que se trata de questões a que a reforma sistémica e organizativa dos tribunais judiciais, decorrente da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto e do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, poderá vir a retirar substrato material, na medida em que as questões organizatórias se apresentarão agora de outro modo. E também é certo que, além dos casos acima referidos, o recorrente não identifica os casos que diz pendentes. Mas o quadro normativo a que respeitam as questões em discussão no presente recurso continua vigente (art.ºs 63.º, n.ºs 5 a 7, do EMP, na redacção da Lei n.º 52/2008, de 28/8) e trata-se de aspectos importantes da situação estatutária da magistratura do Ministério Público, relativamente à qual a jurisprudência se mostra pouco consistente. De modo que existe suficiente virtualidade de expansão da controvérsia, inerente à potencialidade de as questões em litígio se repetirem, nos seus traços genéricos, num número indeterminado de casos, ainda que porventura com génese em situações pretéritas, para que se justifique a admissão do presente recurso. Este entendimento está em linha com outros acórdãos em que tem sido reconhecida a relevância das questões de natureza estatutária, nomeadamente das questões relativas ao estatuto remuneratório das magistraturas, como justificando a admissão de recurso excepcional de revista ao abrigo do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA (v. gr. ac. de 12/3/2015, Proc. 199/15, embora respeitando a um universo potencialmente mais extenso e a uma situação menos dependente de particularidades de facto; cfr. tb. ac. de 9/9/2015, Proc. 840/15 e outros nele referidos relativos a questões respeitantes a outros aspectos de incidência estatutária).

4. Decisão
Pelo exposto decide-se admitir a revista.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.