Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01684/15
Data do Acordão:09/20/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RESIDENTE NÃO HABITUAL
CÓDIGO FISCAL DO INVESTIMENTO
APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
Sumário:A Portaria n° 12/2010, de 07 de Janeiro, que define as actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a que se refere o artigo 24º, n.º 1 do Código Fiscal do Investimento, tem o mesmo campo de aplicação temporal que o próprio Código Fiscal do Investimento, ou seja, produz efeitos desde o dia 01 de Janeiro de 2009.
Nº Convencional:JSTA000P22239
Nº do Documento:SA22017092001684
Data de Entrada:12/21/2015
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………………, melhor identificado nos autos propôs no TAF de Sintra, acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido pelo indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual no registo cadastral de contribuintes.

1.1 – O TAF de Sintra por decisão proferida a 17 de Abril de 2015, a fls. 234/245 dos autos veio julgar procedente a presente acção administrativa especial e condenou o Director Geral dos Impostos a proceder inscrição como residente não habitual com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009.

1.2 – Inconformada com o assim decidido veio a Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso para este Tribunal, apresentando as suas alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

I. - Desde logo se diga que a produção do DL n.º 249/2009, de 23/09, reportada a 01-01-2009, nos termos do disposto no artigo 9.º do mencionado diploma, deve ser entendida no contexto global da tributação do rendimento.
II. - Com efeito, porque as normas introduzidas pelo DL n.º 249/2009 — por alteração aos artigos 16.º, 22.º 72.º e 81.º do CIRS -, inserem-se no contexto particular do IRS, sempre se exigiria que o exercício da opção pela tributação enquanto residente não habitual, quanto ao período de tributação de 2009, ocorresse - no limite - até 31-12-2009.
III.- Isto porque apesar do IRS ser um imposto anual e do facto tributário ser de formação sucessiva, esse facto tributário estabiliza a 31-12 de cada ano fiscal, fixando-se, nessa data, todos os elementos da relação jurídica tributária — v.g. rendimento tributável, taxa, situação do agregado familiar, e, claro, residência, nos termos do disposto no artigo 13.º n.º 7 do CIRS (redacção à data dos factos).
IV.- Assim, estabilizando o facto tributário do IRS a 31-12-2009, não podia o ora Recorrido, após essa data e por sua vontade, alterar elementos dessa relação jurídica tributária, ao solicitar a sua inscrição como residente não habitual somente a 04-03-2010, ou seja, depois da antedita estabilização.
V.- Repare-se que o DL n.º 249/2009, de 23/09, visou atrair pessoas de elevado valor, que fossem residentes no estrangeiro, a fim de deslocalizarem a sua residência para território nacional.
VI. - Recorde-se que o ora Recorrido se registou como residente em território nacional a 27-04-2009 e assumiu as funções de gerente da sucursal do Banco Brasil AG a 01-07-2009, conforme consta das alíneas b) e c) de III — Factos da sentença, ou seja, antes da publicação e entrada em vigor do DL n.º 249/2009, de 23/09.
VII.- Deste modo, a 27-04-2009 — de que data o requerimento de inscrição como residente em Portugal — o ora Recorrido ignorava, por completo, o âmago do futuro Código Fiscal do Investimento, por via do DL n.º 249/2009, de 23/09.
VIII.- Pelo que não terá sido pelo motivo da inserção do regime dos residentes não habituais no ordenamento jurídico nacional que deslocalizou a sua residência para Portugal no ano de 2009, nem por esse motivo que requereu a inscrição como residente em Portugal a 27-04-2009.
IX. - O facto de o regime reportar os seus efeitos a 01-01-2009 é somente justificável pela simples razão de — e independentemente da questão da produção de efeitos relativamente às situações como a do Recorrido (actividades de elevado valor técnico e científico) só ser total, relativamente ao ano de 2010 — essa compreensibilidade situar-se no âmbito da tributação do rendimento.
X.- A ratio legis do DL n.º 249/2009, de 23/09 é indissociável do objectivo - demarcado para o futuro - que se propôs atingir, nomeadamente delinear uma estratégia fiscal global que assentasse nos paradigmas da competitividade.
XI.- Assim, se o propósito do diploma versou, para o futuro, atrair pessoas de “elevado valor” a fim de deslocalizarem a sua residência para Portugal, tornando a economia nacional mais competitiva, resulta translúcido não poder o mesmo ser aproveitado por quem, à data da sua entrada em vigor, já era residente em território português.
XII.- Permitir que beneficie do regime, quem, à data da entrada em vigor do DL n.º 249/2009, de 23/09, já era residente em território português, mais não é que estender aos já residentes em território português, um benefício pensado apenas para aumentar a competitividade portuguesa por via de uma estratégia fiscal global que visa, unicamente, a atracção de cidadãos não residentes — a partir da entrada em vigor do diploma e, mais concretamente, a partir da entrada em vigor da Portaria 12/2010 - cujas actividades laborais se situem no patamar de elevado valor técnico, científico e artístico.
XIII.- Andou mal, então, o Tribunal a quo ao considerar o ano de 2009 como «o ano 1 da sua condição de residente não habitual».
XIV. Acresce ainda que no DL n.º 249/2009, de 23/09 não existia norma de direito transitório que apresentasse solução no que respeita à fronteira da sua aplicação, no decurso do ano de 2009, ao universo de contribuintes que preenchessem os requisitos para o gozo do benefício fiscal de que ora tratamos.
XV.- Nos termos do disposto no artigo 12.º do CC e artigo 12.º, nº 2 da LGT, a lei só dispõe para o futuro, sendo que se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei é somente aplicável a partir da sua entrada em vigor.
XVI.- Assim, e assumindo que o teor do DL n.º 249/2009, de 23/09 versa sobre a concepção e o estabelecimento de uma relação jurídica ex novo, firmada entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os contribuintes a quem se afigure a susceptibilidade de aplicação do regime dos residentes não habituais, temos que, no caso concreto, a lei dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica ex novo, sem abstrair dos factos que lhe deram origem.
XVII.- O(s) facto(s) que lhe deram origem encontram-se na dependência directa de uma previsão legal, patente no teor do artigo 23.º do DL n.º 249/2009, de 23/09, que materializa no seu corpo os requisitos fácticos para gozo do estatuto do residente não habitual.
XVIII.- Na redacção da norma são recortados os seguintes requisitos: 1) sejam considerados como tendo residência habitual em território português, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS (art. 23.º 2) não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS (art. 23.º 3) os rendimentos provenientes das categorias A e B devem ser auferidos em actividade de valor acrescentado, com carácter científico, artístico e técnico (que em 2009 se encontrava dependente de portaria) (art. 24.).
XIX.- Pelo que, e sem que nos possamos abstrair da constituição desta nova relação jurídica entre Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos que preenchem os requisitos elencados supra, a lei só é passível de ser aplicada para o futuro, ou seja, só pode ser aplicada para os sujeitos passivos que a partir da publicação daquele diploma legal estabeleçam com a Autoridade Tributária e Aduaneira uma relação jurídica ex novo, por via do preenchimento dos requisitos mencionados.
XX.- Deste modo, ainda que os efeitos do referido DL sejam legalmente reportados a 01-01-2009, só dele podia beneficiar quem requereu inscrição como residente não habitual em território português após a data de 23-09-2009 e até à data de 31/12/2009.
XXI.- Andou mal o Tribunal a quo ao entender que «nada na lei limita, em termos temporais, a data de inscrição do sujeito passivo como residente (…)».
XXII.- No que concerne à Portaria n.º 12/2010, de 07/01, refira-se que, apesar do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, reportar a produção de efeitos a 01-01-2009, facto é que parte do regime introduzido por esse diploma limita a sua própria eficácia.
XXIII.- A eficácia do DL n.º 249/2009, de 23/09, (ou os efeitos jurídicos pretendidos produzir com a entrada em vigor da mencionada lei) ficou na dependência da elaboração, publicação e entrada em vigor de uma portaria.
XXIV.- Como se sabe, essa portaria só veio a entrar em vigor no dia 07-01-2010, pelo que, nestes termos, o regime constante do DL em causa, só pode ter aplicação plena no ano de 2010, pois que o facto tributário referente ao ano de 2009, estabilizou a 31-12-2009.
XXV.- Na verdade, as disposições constantes daquele DL entraram todas em vigor a 01-01-2009, mas a sua eficácia é distinta, consoante seja possível a aplicabilidade directa e imediata dessas normas ou essa aplicabilidade dependa de regulamentação posterior.
XXVI.- Ensina a melhor doutrina que uma lei pode existir e ser válida e, ainda assim, não produzir quaisquer efeitos jurídicos, porquanto é ineficaz.
XXVII.- Face ao que, atenta a factualidade que reveste o caso em escrutínio, bem como atenta a doutrina citada, e sem prejuízo do alegado quanto à irretroactividade do DL n.º 249/2009, de 23/09 aos estrangeiros que antes de 23/09 já eram residentes em território nacional, concluímos que não pode o regime dos residentes não habituais ser aplicável ao ano de 2009, porquanto o DL n.º 249/2009, de 23/09, apesar de válido na ordem jurídica, manteve-se originariamente ineficaz até à publicação da portaria n.º 12/2010, de 07/01.
XXVIII.- Andou mal o Tribunal a quo ao decidir que «Nem pode o Autor ser prejudicado pelo facto de a Portaria (...) apenas ter sido aprovada em 2010, pois, como vimos, a produção de efeitos do decreto-lei n.º 249/2009, retroage a 1 de janeiro de 2009.»
XXIX.- A sentença violou os artigos 4º, 9º, 23º e 24º do DL n.º 249/2009, de 23/09, artigos 13.º n.º 7, 16.º, n.º 6, 7 e 8 e 72.º n.º 5 do CIRS (redacção à data de 2010), artigo 12.º do CC e artigo 12. n.º 2 da LGT.»

2 – Foram apresentadas contra alegações, com as seguintes conclusões:
“I. Nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei que aprova o Código Fiscal ao Investimento, o regime dos residentes não habituais entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, sendo portanto aplicável a partir dessa data.
II. Considerando os argumentos expendidos e os documentos carreados, no caso em apreço deve considerar-se verificado o requisito legal constante do artigo 23.º do CFI e do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IRS, de que o Autor não foi residente fiscal em Portugal nos 5 anos que antecederam o ano 2009.
III. Tendo o Recorrido procedido à sua inscrição no cadastro dos contribuintes como residente em Portugal em 27 de Abril de 2009, e tendo o regime dos residentes não habituais entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, não pode deixar de lhe ser aplicável, encontrando-se verificadas todas as condições exigidas pelo regime, em particular a condição de não ter sido residente em Portugal nos 5 anos prévios.
IV. Ao recorrer à Circular n.º 2/2010 para afastar a aplicação do regime a factos anteriores, a AT veio impor uma regra contra legem que colide com o próprio Decreto-Lei que aprova o CFI, que expressamente determina que o regime fiscal entra em vigor desde 1 de Janeiro de 2009.
V. O Recorrido deve ser inscrito como residente não habitual desde 2009, na medida em que reúne as condições estabelecidas no regime legal, a partir de 1 de Janeiro de 2009.
VI. Só assim se garante o respeito pelo princípio da retroactividade da Lei ou a produção de efeitos retrospectivos e se tutela a legítima expectativa de poder beneficiar do regime fiscal a partir da sua entrada em vigor.
VII. A aprovação da Portaria n.º 12/2010, a 7 de Janeiro de 2010, em nada impede a aplicação do regime dos residentes não habituais no ano 2009, na medida em que dela não depende a eficácia do Decreto-Lei.
VIII. Ao argumentar o contrário estará a AT a ignorar o próprio artigo 9º do decreto-lei que é imperativo.
IX. A interpretação da AT reflectida na aludida Circular viola o disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e os rendimentos do agregado familiar.”
X. Não podem os contribuintes ver as suas legítimas expectativas em função de uma Circular divulgada oito meses após a criação do regime jurídico.
XI. O argumento expendido pela AT de que o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro é apenas parcialmente aplicável no ano 2009 pelo facto de a Portaria n.º 12/2010 que aprova a lista das actividades de valor acrescentado só ter sido publicada em 7 de Janeiro de 2010 também não pode colher.
XII. Com efeito, o legislador não sujeitou a eficácia do regime fiscal à publicação de uma Portaria.
XIII. Como expresso na douta sentença e que o Recorrido subscreve, (...) a produção de efeitos do decreto-lei n.º 246/2009 retroage a 1 de Janeiro de 2009. A assim não ser, ficaria frustrado o teor do artigo 9° do diploma”.
XIV. Por tudo quanto foi exposto, não existem razões atendíveis para recusar o pedido de inscrição como residente não habitual desde 2009 formulado pelo ora Recorrido.»

3 Subidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público nos termos do disposto no art.º 146.º, nº1 do CPTA, não tendo sido emitido parecer.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 –A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) O ora Autor, A………………, pagou imposto de renda no Brasil nos anos de 2004 a 2008 — documento, junto com a p.i, não impugnado, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
b) Em 27 de Abril de 2009 registou-se como residente em Portugal — Cfr. documento 2 junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Em 1 de Julho de 2009 o Autor foi nomeado para exercer funções de gerente da sucursal do Banco do Brasil AG em Portugal – Cfr. documento 4 junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
d) Em 4 de Março de 2010 o Autor requereu a sua inscrição como residente não habitual, junto da Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes, nos seguintes termos: “(...) A…………., (...) vem nos termos do Decreto-Lei 248/2009, de 23 de Setembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009, requerer a alteração da sua inscrição para residente não habitual no registo cadastral dos contribuintes. (...) “- Cfr. documento constante do PAT, não paginado, apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Na mesma data dirigiu requerimento ao Director de Serviços o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares solicitando a sua adesão ao regime fiscal dos residentes não habituais, em conformidade com o Decreto-Lei n° 249/2009, de 23 de Setembro, bem como a tributação dos rendimentos obtidos no período de tributação referente ao ano de 2009 em conformidade com o referido regime — Cfr. documento 5 junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
f) Em 15 de Abril de 2010 o Autor procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2009, onde indicou a sua residência no continente — Cfr. documento 6 junto com a p.i, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
g) Em 21 de Abril de 2010 foi emitida a liquidação de IRS do Autor referente ao ano de 2009, na qual foi aplicada a taxa de 42%, e da qual resultou o valor a reembolsar de € 8.000,73 – Cfr. documento 7 junto com a p.i, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
h) Por ofício datado de 9 de Julho de 2010 foi o Autor notificado para se pronunciar em sede de audição prévia, pela Divisão de Identificação de Contribuintes, relativamente ao pedido de inscrição como Residente Não Habitual – Cfr. documento 8 junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
i) O Autor pronunciou-se, em sede de audição prévia, tendo junto documentação comprovativa do contrato de trabalho em Portugal, bem como do pagamento de impostos no Brasil nos anos de 2004 a 2008 — Cfr. documentos constante do PAT, não paginado, apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
j) Em 4 de Fevereiro de 2011 foi proferido despacho, pelo Director de Serviços, em substituição, da Divisão de Identificação de Contribuintes da Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes, indeferindo o pedido do Autor, concordando com informação dos serviços — documento a fls. 59, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
k) Da informação dos serviços mencionada na alínea antecedente consta, nomeadamente, o seguinte: (...) Conclusão 16. Da análise efectuada às alegações e tendo por base os elementos constantes do processo, designadamente o Ofício n° 1422, de 20 de Janeiro de 2011, da Direcção de Serviços de Relações Internacionais, afigura-se de indeferir o pedido de inscrição do contribuinte no regime dos Residentes Não Habituais para o ano de 2009, porquanto o mesmo: a) Não se tornou fiscalmente residente em Portugal no período compreendido entre 23 de Setembro e 31 de Dezembro de 2009, conforme prescrito na alínea b) do número 2 da Circular n°2/2010; e b) Não fez prova da residência no estrangeiro durante os anos de 2004 a 2008, por meio de Certificado, nos termos da mencionada Circular. 17. Por outro lado, entende-se que o Contribuinte não poderá beneficiar também do regime para o ano de 2010, pois foi tributado em Portugal, como residente, no ano de 2009, não preenchendo, por conseguinte, o número 6 do artigo 16° do CIRS. (...)“— Cfr. documento a fls. 59 a 62, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
l) Em 18 de Março de 2011 o Autor interpôs Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não habitual, dirigido ao Director-Geral dos Impostos — Cfr. documento a fls. 63;
m) Em 23 de Novembro de 2011 foi proferido despacho, pelo Subdirector-Geral, negando provimento ao recurso hierárquico, concordando com informação dos serviços — Cfr. documentos a fls. 2 a 7 do PA, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;

6. Do objecto do recurso
Da análise decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a presente acção administrativa especial e condenou o Director Geral dos Impostos a proceder inscrição do recorrido como residente não habitual, ao abrigo do regime estabelecido pelo decreto–lei 249/2009, de 23.09, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009.

Não conformada com o assim decidido sustenta a recorrente que apesar do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, reportar a produção de efeitos a 01-01-2009, o facto é que a eficácia daquele diploma legal (ou os efeitos jurídicos pretendidos produzir com a entrada em vigor da mencionada lei) ficou na dependência da elaboração, publicação e entrada em vigor de uma portaria - Portaria n.º 12/2010, de 07/01.

Mais alega que essa portaria só veio a entrar em vigor no dia 07-01-2010, pelo que, nestes termos, o regime constante do DL em causa, só pode ter aplicação plena no ano de 2010, pois que o facto tributário referente ao ano de 2009 «estabilizou a 31-12-2009».
E argumenta que as disposições constantes daquele DL entraram todas em vigor a 01-01-2009, mas a sua eficácia é distinta, consoante seja possível a aplicabilidade directa e imediata dessas normas ou essa aplicabilidade dependa de regulamentação posterior.
Para concluir, em síntese, que pelo facto de a Portaria n° 12/2010, de 07 de janeiro, só ter entrado em vigor nesse mesmo mês de Janeiro de 2010, o estatuto de residente não habitual ao abrigo do regime estabelecido pelo Decreto-lei nº 249/2009, de 23 de Setembro, não se aplica à concreta situação do recorrido por não ter eficácia retroactiva relativamente aos rendimentos auferidos em 2009.


7. Do alegado erro de julgamento imputado à decisão recorrida

Esta argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira não pode, no entanto obter provimento.
Vejamos.
A sentença recorrida decidiu – bem, a nosso ver - que, uma vez que o Decreto-lei 249/2009 estabeleceu que a sua produção de efeitos retroagia a 1 de Janeiro de 2009, ano esse em que o Autor já se encontrava a trabalhar em território nacional e já se considerava como residente para efeitos de IRS, como exigido pelos nºs 1 e 3 do artigo 23° do Decreto-lei n° 249/2009, de 23 de Setembro, o ano de 2009 deve ser considerado como o ano primeiro da sua condição de residente não habitual.
No desenvolvimento de tal discurso argumentativo considerou-se também que o Autor não pode ser prejudicado pelo facto de a Portaria que definiu as actividades abrangidas apenas ter sido aprovada em 2010, pois a produção de efeitos do decreto-lei n° 249/2009 retroage a 1 de Janeiro de 2009.

Não merece censura este julgamento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Com efeito, como já se sublinhou no Acórdão desta Secção de 08.03.2017, proferido no recurso 221/16, que tratou de questão similar à dos presentes autos, a Portaria n° 12/2010, de 07 de Janeiro, que define as actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a que se refere o artigo 24º, n.º 1 do Código Fiscal do Investimento, tem o mesmo campo de aplicação temporal que o próprio Código Fiscal do Investimento, i.e., produz efeitos desde o dia 01 de Janeiro de 2009.
Concordamos com esta jurisprudência, cuja fundamentação tem plena aplicação também no caso vertente, porque é idêntica a questão de direito aqui suscitada, como idênticos são os pressupostos de facto, pelo que acompanharemos a argumentação jurídica aduzida naquele aresto, que, com a devida vénia, passamos a transcrever:
«Com o DL n.º 249/2009, de 23.09, o Governo aprovou o Código Fiscal do Investimento, por via do qual procedeu à criação de diversos benefícios fiscais para as empresas e redução de taxas de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, regulamentando, assim, benefícios fiscais contratuais, condicionados e temporários, susceptíveis de concessão e estabelecendo o estatuto do investidor no caso de residente não habitual em território português, alterando, ainda, entre outras disposições legais, as normas dos artigos 72º, n.º 6 e 81º, n.º 4.
Também por vontade expressa do legislador, tais instrumentos de atracção internacional do investimento, criando condições mais competitivas à economia nacional, foram editados para permitir que já nesse mesmo ano de 2009, desde o dia 01.01.2009, as empresas e as pessoas singulares que ficassem abrangidas pelas suas previsões, pudessem beneficiar das condições mais favoráveis criadas por tal diploma, cfr. artigo 9º.
No que agora nos interessa, o Regime fiscal do investidor residente não habitual, dispunha o artigo 23.º do CFI, sob a epígrafe “Investidor com residência não habitual em território português”:
1 — Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.
2 — O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI
3 — O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no número anterior requer que o sujeito passivo nele seja considerado residente para efeitos de IRS.
4 — O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior num ou mais anos do período referido no n.º 2 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS.
Dispunha também o artigo 24º, n.º 1 do mesmo Código, a exemplo do disposto no artigo 72º, n.º 6 do CIRS também alterado pelo DL 249/2009, que os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.
Ou seja, o legislador criou normas auto-limitadas, dependentes de posterior intervenção regulamentadora por parte do membro do Governo competente no tocante à definição de quais actividades poderiam vir a beneficiar da referida redução da taxa de IRS.
E, assim, por via da Portaria 12/2010, veio o Ministro das Finanças criar as normas regulamentares dependentes, destinadas a completar a previsão das normas legais auto-limitadas constantes dos artigos 72º, n.º 6 e 81º, n.º 4 do CIRS, bem como do artigo 24º, n.º 1 do Código Fiscal do Investimento.
Ou seja, esta Portaria mais não é do que o modo pelo qual se procedeu à integração da previsão daqueles preceitos legais, devendo ser considerada como um regulamento uma vez que teve em vista complementar o comando legislativo que criou a “vantagem” fiscal, definindo, apenas, com rigor a que actividades geradoras de rendimentos seria aplicável a redução da taxa do imposto sobre o rendimento.
(….) como este Supremo Tribunal já disse no acórdão datado de 01.10.2014, recurso n.º 01548/13, esta Portaria consubstancia uma tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo, é o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida.
Portanto, a estatuição constante da Portaria encontra-se umbilicalmente ligada ao disposto naqueles preceitos legais acima referidos, encontrando a sua razão de ser nos mesmos e sem os quais perde a sua utilidade, isto é, a estatuição da portaria tem que seguir necessariamente as normas que visa regulamentar, quer quanto ao início da sua vigência, quer quanto ao fim dessa mesma vigência.
Como já vimos, o Governo pretendeu que o CFI fosse aplicado retroactivamente, desde o dia 01 de Janeiro do ano em que foi editado o DL 249/2009, pelo que, também este regulamento consubstanciado na Portaria em questão deve ver os seus efeitos reportados à data da entrada em vigor do dito DL, uma vez que é dele dependente e apenas com ele o DL pode produzir em pleno os seus efeitos.
Assim, ao contrário do referido pela recorrente, a data de edição e da publicação da referida Portaria não é relevante, assim como também o não é a do DL em análise, relevante é a data em que tais diplomas devem começar a produzir os seus efeitos, ou seja, 01.01.2009, sendo certo que, além do mais, sempre a aplicação retroactiva no caso concreto é favorável aos contribuintes visados, pelo que é legalmente consentida, cfr. artigo 103º da CRP, à contrário.
Efectivamente a recorrente vem esgrimir com o disposto, à data, no artigo 13º, n.º 7 do CIRS -a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite-, contudo, esqueceu-se que o referido DL n.º 249/2009, no seu artigo 4º aditou um número 6 ao artigo 16º do CIRS com o seguinte teor, e que também tal alteração se destinava a vigorar desde 01.01.2009: Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.
Ou seja, face à aplicação retroactiva necessária do CFI e respectiva Portaria, bem como ao consequente facto de se verificarem todos os pressupostos na pessoa do recorrido previstos em tais incisos legais à data de 31.12.2009, deve-se considerar que a sua situação fiscal consolidada em tal data, lhe permitia precisamente beneficiar da “vantagem” fiscal concedida pelo dito Código.
E, de facto, a alteração, ou pedido de alteração, da sua situação fiscal perante a AT, para que coincidisse com precisão com a situação fiscal real em 31.12.2009 –na verdade à data em que o recorrido declarou o início de actividade (Abril de 2009) nem sequer tinha sido publicado o CFI-, apenas poderia ter ocorrido entre a data da edição da Portaria e a da apresentação da declaração de rendimentos do ano de 2009, uma vez que tais diplomas legais se destinavam, precisamente, a abranger os rendimentos desse mesmo ano de 2009.»
É esta a jurisprudência que se reitera, por com a respectiva fundamentação concordarmos, e, por isso, concluímos que a Portaria n° 12/2010, de 07 de Janeiro, que define as actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a que se refere o artigo 24º, n.º 1 do Código Fiscal do Investimento, tem o mesmo campo de aplicação temporal que o próprio Código Fiscal do Investimento, ou seja, produz efeitos desde o dia 01 de Janeiro de 2009, pelo que bem andou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ao julgar procedente a presente acção administrativa especial.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Setembro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.